terça-feira, setembro 13, 2005

Do fundo do poço

Les événements m’ennuient – Paul Valéry

Chutaram o pau da minha barraca. Uma vez e depois mais outra. Então agora me deixem ir, preciso andar. Não vou esperar quarta-feira para levantar acampamento, pois os acontecimentos já começam a me aborrecer. Vou mudar de assunto, trocar de canal, passar de fase.

Pois olhem só, vieram me contar que o advogado do sr. Paulo Maluf é o presidente da OAB, o mesmo que se arvora a liderar um movimento da sociedade contra a praga da corrupção, a mesma, sobre a qual, foi construída a nossa república. (Nota da Redatora: Hoje, mais tarde, fui apurar essa história e constatei que minhas fontes estão bem desinformadas. Tenho de ficar atenta. O advogado do Maluf não é o presidente da OAB. Ainda bem, né? O advogado do filho do Maluf também não é. Mas foi. Ele foi presidente da OAB, no período de 93 a 95. Isso sim. As informações foram obtidas na página da OAB na internet.)

Essa outra agora ninguém me contou. Eu mesma li num jornal. Não me lembro qual, mas, uma horas dessas, vou deslembrar. Li que o PT não teria a menor chance de se desviar dos descaminhos por onde se embrenhou, porque, como nós, pobres mortais, ele é feito da pequenês dos nossos vícios e não das virtudes sólidas dos grandes heróis.

Não é por essa estranha ética dos advogados, inspirada no princípio que garante o direito à defesa a todo e qualquer cidadão, principalmente àqueles que viajam de 1ª classe. Não é pelo PT, pois não carrego siglas na minha mochila e a única carteirinha que guardo comigo é a do meu plano de saúde. Não é por essas circunstâncias que fiquei sem abrigo.

Sinceramente, o que me tira o chão é me perceber não querendo enxergar o que está exposto para todo mundo ver e tocar. Chegamos ao fundo do poço. Não tem mesmo graça, não é normal, mas é preciso. E se é que ninguém pode nos tirar daqui, como vamos sair? Se não somos nem melhores nem piores, mas iguais em tudo, variando só nas oportunidades, de onde vamos tirar as virtudes que precisamos para voltar à tona?

Por acaso, se o acaso existe, li hoje uma poesia do Drummond que me fez pensar nisso tudo. E me fez querer - para amanhã, quem sabe -, recomeçar outra vez, mesmo que da outra margem do rio. Então, vou dar uma de copista:

Mundo Grande

Não, meu coração não é maior que o mundo./É muito menor./Nele não cabem nem as minhas dores./Por isso me dispo,/por isso me grito,/por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:/preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno./Só agora vejo que nele não cabem os homens./Os homens estão cá fora, estão na rua./A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava./Mas também a rua não cabe todos os homens./A rua é menor que o mundo./O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo./Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão./Viste as diferentes cores dos homens,/as diferentes dores dos homens,/sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso/num só peito de homem...sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece./Escuta a água nos vidros,/tão calma. Não anuncia nada./Entretanto escorre nas mãos,/tão calma! vai inundando tudo.../Renascerão as cidades submersas?/Os homens submersos – voltarão?

Meu coração não sabe./Estúpido, ridículo e frágil meu coração./Só agora descubro/como é triste ignorar certas coisas./(Na solidão de indivíduo/desaprendi a linguagem/com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,/as sonatas, os poemas, as confissões patéticas./Nunca escutei voz de gente./Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei/países imaginários, fáceis de habitar,/ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas./Ilhas perdem o homem./Entretanto alguns se salvaram e/trouxeram a notícia/de que o mundo, o grande mundo, está crescendo todos os dias,/entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer./Entre o amor e o fogo,/entre a vida e o fogo,/meu coração cresce dez metros e explode,/ - ó vida futura! Nós te criaremos.

4 comentários:

Ket West disse...

E dificil achar um brasileiro por entre esses blogs...gostei do seu.
Visite o meu.
Espero que goste.

Anônimo disse...

Errei
Hoje à tarde, fui pesquisar a informação que me passaram sobre o advogado do Maluf e constatei que houve uma desinformação. Ai,ai. Olha só que encontrei. O advogado do Maluf não é o presidente da OAB. Ainda bem, né? O advogado do filho do Maluf também não é. Foi, no período de 93 a 95. Isso sim. As informações foram obtidas na página da OAB na internet. Sorry. Mais tarde, corrijo a informação no próprio texto.

Anônimo disse...

Pois, é Pat, o chão às vezes some, ou, o que é pior, às vezes ele se revela como o fundo de um buraco muito fundo...
Mas aproveitando que você falou em Drummond, vai ai mais um poema dele. Pode ajudar a entender sua teima em acreditar; ou a escalar o poço pelas paredes (ou no pulo, cê não está treinando??); ou, ainda, e dar a ver de novo um vagalume na boca ou no fim do poço.

Amar

Que pode uma criatura,/senão entre criaturas, amar?/amar e esquecer,/amar e malamar,/amar, desamar, amar?/sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso/
sozinho, em rotação universal,/ senão/rodar também, e amar?/amar o que o mar traz à praia,/o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,/é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,/o que é entrega ou adoração expectante,/e amar o inóspito, o áspero,/um vaso sem flor, um chão de ferro,/e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,/distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,/doação ilimitada a uma completa ingratidão,/e na concha vazia do amor/ a procura medrosa,/paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,/ e na secura nossa/amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Beijo grande.

Anônimo disse...

Pois é, Rutinha. Nada como um Drummond após o outro. E depois de um Drummond tem sempre mais um Drummond. Como esse cara escreveu, né? E como escreveu!
Menina, vc sabe que até me esqueci dos treinamentos, do torneio dos triatletas virtuais, da corrida contra o tempo(me aguarda,Carminha), de pensar sobre o amor republicano (essa poesia do Drummond vai ilustra bem, né?). Vou retomar tudo isso, amanhã, talvez.

Olha só, deram mais um chute na minha barraca. Tinha me esquecido. O Maurício, com aquela calma dele, aquela serenidade, aquele jeitinho manso, falou: ó Patrícia, não dá. Constituinte exclusiva, com quarentena, não sai mesmo. A convocação de uma constituinte se dá ou por ato político, num momento de ruptura (como foi em 88), ou por meio de uma revolução. É assim que acontece.Fora isso, não sei como. E, desse jeito e do jeito como as coisas estão andando, nem um nem outro cenário está posto.
Cê viu?
Brigadinha pela visita. Vou providenciar o café para mais tarde.