terça-feira, setembro 25, 2007

Vitrines urbanas

Foto: Fachada do prédio
de vidro, no meio da Contorno.
(Minha também)

O trânsito continua infernal. O ar irrespirável. Tudo se move lentamente. Até a cidade mudou de cor. Está pálida. Será que sobrevive? Eu estou quase desistindo. Hoje completo três dias sem ler jornal. Posso confessar uma coisa? Nem doeu. Mas estaria sentindo falta, se não estivesse escutando as notícias vindas de algum lugar. Elas chegam no ar, ficam zunindo na minha cabeça como uma música tocando longe. Chegam como uma teia de palavras, embaralhadas umas nas outras como se fossem notas de uma música qualquer. Nem me preocupo em desvendá-las. Deixo-as ali como a trilha sonora do meu dia.

Entre uma tarefa e outra, me deixo ficar também, só pensando em nada. Descansando, enquando olho a cidade se desmanchando no reflexo das vidraças. Gosto disso. De ir andando e vendo os prédios dançando no vidro das janelas. O que antes era imóvel, definitivamente cimentado na paisagem da cidade, ganha vida, balança, se desconstrói no recorte das vidraças. Nem surge outra cidade nem nada fica mais bonito. Mas o movimento descansa meus olhos.

E distraidamente, me lembro de um anúncio que li no último dia em que vi os jornais. Ainda estou pasma, mas não me aborreço mais. Vão construir um conjunto do IAPI em plena beira da Lagoa dos Ingleses. Escuto nitidamente o silêncio da cidade. É um silêncio absoluto. E diante dele, os alegres empreendedores passeiam ruidosamente. Duas páginas coloridas do grande jornal dos mineiros. A promessa do paraíso, embalado pela poesia de Drummond. O poeta deve estar chutando o balde onde estiver. O horizonte não existe mais, para não falar do belo.

E eu com isso? Nunca vou morar na beira da Lagoa dos Ingleses. Se um dia tivesse ido, pode ser que agora estaria amargamente arrependida. Mas nunca fui, nem irei. Vou um dia, quando o IAPI estiver pronto. Mas vou só passear por lá. Vou só ver os prédios se desmanchando no espelho da lagoa. Gosto disso. De ver a cidade invertida no reflexo das vidraças da cidade. Um dia inverto as palavras também.

Bons sonhos para todos.

Inté.

sexta-feira, setembro 21, 2007

Sábado sem lei

Já tive vontade de votar para presidente dos Estados Unidos. Tinha até uma candidata e não era Condolezza Rice. Mas agora não quero mais. Quero rever a minha declaração de voto. Principalmente, quero retirar a minha proposta. Desisto de lutar pelo direito de participarmos das eleições norte-americanas. Estou avaliando que é um gesto inútil. Não o de lutar por nossos direitos, mas o de pretender influir no resultado eleitoral do pleito americano. Será em vão.

Aprendi essa semana, que o presidente dos Estados Unidos é tão destituído de poder, quanto uma rainha da Inglaterra ou um dirigente qualquer de Zimbabwe. Ele apenas aparenta ser poderoso, mas é tão frágil quanto um bibelô de porcelana chinesa. Estava ouvindo a CBN e aprendi que o presidente norte-americano, como de resto todos os outros governantes, não tem muito o que fazer para administrar a economia do seu país, quanto mais para, eventualmente, gerir uma crise financeira que repercuta no mercado mundial, exatamente como esta que, lentamente, está fazendo sangrar o mercado financeiro internacional. Nem bush, nem Lula.

Já desconfiava disso. E confirmei a minha cisma quando ouvi alguém dizer que o presidente dos Estados Unidos definitivamente não tem recursos, seja de qual ordem for, para influir nos movimentos do mercado. Ainda mais o presidente dos Estados Unidos, país que abriga uma das economias mais privatizadas do planeta. Essa é uma hipótese considerável. No lugar de um pesquisador, dispensaria até as provas de refutação, necessárias para validar qualquer nova teoria. Basta bush, a prova viva da inutilidade de um presidente norte-americano.

Não é nem preciso assistir duas vezes ao filme de Andrew Niccol, o fantástico Senhor das Armas, para entender como foram as negociações que resultaram na invasão do Iraque. Nem é preciso ler a biografia de Alan Greenspan, ex-presidente do banco central norte-americano, vulgo Fed, para compreender as razões que estiveram envolvidas nessa decisão. O que bush não pensava sobre essas questões é absolutamente irrelevante. Ele era apenas o homem certo, no lugar certo, na hora certa, para representar, aí sim, os interesses maiores da economia norte-americana mundial. E nisso ele foi muito bom. A indústria bélica e a indústria petrolífera norte-americanas mundiais agradecem sensibilizadas.

E se o presidente dos Estados Unidos é assim tão desprovido de poder quanto dizem, vou retirar minha proposta. Se o que prevalece, de fato, é o interesse sem fronteiras de grandes corporações e mega investidores, vou estrategicamente recuar. Se o que inspira essa criação insólita chamada mercado são apenas as decisões autônomas do banco central norte-americano, balizadas, por sua vez, nas necessidades das grandes corporações e dos mega investidores, num sistema circular auto-alimentável, então vou amarelar. Não quero mais votar para presidente dos Estados Unidos. Se bobear, vou defender é eleição livre, direta e universal para a presidência do Fed. E mesmo assim estou achando perda de tempo.

Já estou quase concordando que quem tem razão é aquele deputado, personagem de mais uma entre tantas lendas políticas criadas nesse país. Conta a história que, numa época imprecisa, mas nem tão distante assim, o debate estava pegando fogo no Plenário da Câmara. A discussão envolvia a aprovação de um projeto sobre definição de preço de mercado para algum produto ou coisa que o valha. Isso já existiu. Lá pelas tantas, a oposição tomou a palavra e sentenciou o fim do quebra pau com um argumento imbatível:

- Nobre colega, não podemos aprovar esse projeto, ainda que quisessemos, simplesmente porque não é da nossa alçada. Quem define esses valores são as leis de mercado. São as leis da oferta e da procura.

O defensor da proposta parou atônito, por alguns segundos. Imediatamente se recompôs, voltou ao microfone e, indignado, bradou:

- E eu lhe pergunto, nobre colega, o que é exatamente que nós estamos fazendo aqui que, até hoje, ainda não revogamos, com o perdão da palavra, as diabas dessas leis?

Um finzinho de semana estritamente dentro da lei para todos. Mas um sábado livre, pelo menos, das leis de trânsito. Eu apoio o movimento Um dia livre de Carros!
Inté!

domingo, setembro 16, 2007

Uma versão livre

Foto: Isso mesmo: a de sempre.

Tem um mundo pairando sobre minha cabeça. Mesmo de olhos fechados, posso pressenti-lo. Tem um vento vindo de algum lugar. Tem um burburinho qualquer, mas de longe, só de bem longe. Desconfio que seja o mundo mudando. Ou girando, girando. E bate um pé de vento mais perto e espalha meus pensamentos. Não consigo mais alcançá-los. Nem tenho vontade. É melhor assim. Mas sei que o mundo continua lá. Pairando sobre minha cabeça. Se não despencar sobre ela, pode ficar, não tem problema.

Bate outro vento e traz novos pensamentos. Nem chegam a ser, são apenas palavras soltas, poeira de idéias, que vai baixando devagar e se acumulando aqui e ali. Juntei só algumas palavras que ainda estavam suspensas no ar e deu nisso: a vida não acaba mais em pizza como antes. Já desconfiava. Hoje tudo acaba em jogo. Quem perde e quem ganha. É só o que importa. É a mesma lógica que movimenta o mercado. Quanto vou ganhar e quem vai perder.

Deixei a poeira baixar mais um pouco. Algumas palavras se atraem. Quem sabe delas surja algum pensamento iluminado que me obrigue a abrir os olhos novamente? Houve um tempo em que preferíamos as palavras na sua forma mais substantiva. Na sua concretude, se bastavam. Democracia. Liberdade. Justiça. Igualdade. Mas algumas palavras se atraem. Aderem umas nas outras como os vagões que se encaixam um a um até formar um trem. E tudo ficou relativo. A culpa é de Einstein.

A vida substantiva tornou-se obsoleta. Nossas carências objetivas estão out. A obviedade tornou-se uma intrusa no mundo da complexidade. É a subjetividade quem está no comando. A realidade dos fatos não nos comove mais. Queremos as versões. Todas elas, se possível. Cada uma com a cor que melhor lhe convier. E quanto maior for a incoerência entre elas, mais nos deliciamos, crentes que ali habita a complexidade. Mas, quanto mais inconsistente as versões, apenas mais fluida a realidade. E assim, ela escapa das nossas mãos por entre os dedos e nos abandona perdidos entre as coisas pequenas da nossa própria vida.

Mas, agora-agora, só temo que o vento sopre mais forte e quebre esse equilibro instável da vida e rompa o fino fio que ainda sustenta o mundo. Se isso acontecer, ele vai se esborrachar todo bem em cima de nossas cabeças. Deus nos poupe.


Uma semana bem tranqüilinha, sem movimentos bruscos, para não corrermos muito risco.
Inté.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Sem comentários

Vou publicar um post secreto. Talvez fique um pouco difícil para ler, mas isso não tem a menor importância. É só um pensamento. O que é um pensamento diante do mundo da vida? Mas, refletindo melhor, um post secreto pode revelar mais do que se tem a dizer, do que as manchas pretas que distraidamente desenhamos num papel em branco. O que não está dito com todas as letras diz tanto ou mais do que se quer dizer do que aquilo que é dito.

Da mesma forma, o que é o mundo da vida diante das interpretações que inventamos para ele? O que é o mundo da vida diante do mundo das idéias que construímos em torno e sobre ele? O que é o mundo dos fatos diante das palavras que utilizamos para descrevê-lo?

Mesmo as palavras. Estamos encharcados de todas elas. São infinitas. Mas cada uma delas, de acordo com nossas escolhas, traz um pouco do tudo que somos. Mesmo quando optamos pelo silêncio, pela não-palavra, ela diz tudo o que temos a dizer. É do não-dito, do não-representável, que tiramos a força da nossa interpretação.

E, para radicalizar de uma vez, mesmo nós, o que somos? As sombras que se movimentam na parede do fundo de uma caverna ou aqueles que, do lado de fora, sob a luz do sol, caminham sobre a ponte? Ou tudo isso junto? Também não somos qualquer coisa muito simples, embora, para aqueles que nos espreitam, somos apenas nós e nossas circunstâncias.

Pois é, talvez não seja tão simples assim fazer um post secreto. Acho mesmo que é uma missão do tipo impossível. Vou desistir, até porque já está na hora de descer para trabalhar: ainda não inventaram o funcionário secreto.

Só para concluir, os franceses, apesar de carecerem do humor elegante dos ingleses, eles têm sempre boas saídas filosóficas para os nossos desatinos. Essa semana, por exemplo, eles instituíram um novo dia Livre de.... Já temos o Dia Livre do Cigarro; o Dia Livre do Carro; o Dia Livre da Cerveja; o Dia Livre do Supermercado; o Dia Livre dos Dias Livres e assim por diante. Agora, na França, o dia 30 de novembro será o Dia Livre de Sarkosy! Nesse dia a mídia estará proibida de falar, noticiar, comentar ou fofocar qualquer coisa sobre o presidente francês.

Achei a idéia muito válida. Acho que deveríamos instituir também um dia livre de qualquer coisa para nós. Por exemplo, poderíamos instituir não um dia, mas um final de semana, um sábado e um domingo livre de Renan. Sinceramente, tudo que precisava ser dito foi plenamente expresso na última quarta-feira, pelo não-dito da reunião e dos votos secretos. Agora, merecíamos um descanso. Ou não?

Um fim de semana cheio de emoções secretas para todos!
Inté.

domingo, setembro 09, 2007

Mundo, mundo, vasto mundo!

Meninas, vocês viram? Osama pintou a barba. Sinceramente, hem? Será que caiu na tentação? Deixou-se levar pelo canto da sereia? Perdeu-se nos encantos publicitários da Wella? Será que sua voz já não é a mesma ou só seus cabelos mudaram? Ou foi uma decisão estratégica? Será que pensou que podia despistar de alguém assim? Se pensou, faltou assessoria. Melhor seria tê-la raspado de uma vez, não é não? Mas pintar suas longas barbas brancas foi um despropósito. Um equívoco. Ou não? Será que em vez de despistar, de querer parecer diferente do que é, Osama quis justamente o contrário, quis parecer novamente com o que já foi? Com o que não é mais?

Será que passou noites em claro, como nós, pensando no que fazer para derrotar a força implacável do tempo? Em como destruir esse inimigo invisível, que não escolhe alvo certo, mas deixa sua marca incontestável na fisionomia de todos nós: brancos, negros, amarelos, pobres, ricos, remediados, homens e mulheres? Será? Será que, como nós, olhou-se no espelho e sentiu falta da sua juventude? Baixou a nostalgia? Sentiu saudades do Osama que assombrou o mundo no dia 11 de setembro de 2001? Será? Será que sentiu cansaço, mas reconsiderou? Será que remexeu suas lembranças do passado e quis trazer de volta o justiceiro perdido? Será que terá forças para isso? Será que sua barba esconde seus poderes?

É justamente disso que tenho medo. 11 de setembro está de volta, pontualmente. Já esqueci muitas coisas, desde 2001: esqueci, por exemplo, que naquele ano o Fórum Social Mundial se reuniu pela primeira vez, em Porto Alegre. Esqueci que foi naquele ano fatídico que bush, aquele, rechaçou definitivamente o Protocolo de Kyoto, criado pelo seu antecessor, Bill Clinton. Esqueci que, nesse mesmo mês de março de 2001, o Talebã destruiu sem dó estátuas gigantescas de buda, desafiando esforços internacionais para salvar os monumentos. Já tinha perdido na memória também a morte de Mário Covas, as CPIs, a ascensão e queda de Jader Barbalho entre outras deslembranças. Mas não esqueci, e acho que de resto todo mundo, não esquecemos mais o 11 de setembro.

Pode ser que seja pela força das imagens que Osama e sua turma conseguiram produzir naquele dia. Pode ser que seja pelo bombardeio de imagens a que fomos e ainda somos submetidos, incansavelmente, por uma mídia que idolatra todo e qualquer espetáculo de megaviolência. Pode ser. Mas de lá pra cá o mundo ficou mais desconfiado. Agora nos sentimos mais inseguros, mais temerosos, mais vulneráveis. Mesmo nós, que a princípio não tínhamos nada com isso, agora, num mundo globalizado, passamos também a temer o fantasma do terrorismo internacional. Pior, tememos os terroristas estrangeiros, os ladrões de rua, os assaltantes a mão armada, os bandidos de gravata, nossos vizinhos e tememos até a nossa própria sombra, se bobearmos. O fato mesmo é que ficamos todos mais neuróticos do que já éramos.

E se já estávamos nos esquecendo disso, 11 de setembro está de volta para nos lembrar de novo. E agora fico preocupada, porque além do bombardeio da mídia e das lembranças que vão ficar remoendo na minha cabeça a semana inteira, este 11 de setembro vai coincidir exatamente com o último eclipse do ano de 2007. No início da manhã de terça-feira, a partir das 8h45, se não chover, poderemos acompanhar passo a passo um eclipse parcial do sol. Se quiserem saber mais detalhes sobre esse fenômeno, entrem aqui, e rolem a tela até o final. Eu preferiria saber outra coisa, mas diferente de nossos antepassados, já não temos mais o dom de compreender a voz da natureza. Não sabemos mais decodificar os sinais que ela emite. O que poderia significar essa coincidência de datas? Um sinal de alerta ou de solidariedade? Uma ameaça ou um socorro? Ou será apenas isso mesmo que é, uma coincidência de datas?

Pra vocês, uma semana a média luz! Na vitrola velha, um long-play tocando um fado qualquer. Um vinho, um cigarrinho (só um!) e o mundo. Bem, o mundo, pensando bem, é melhor deixá-lo lá fora.

Até de repente.

quinta-feira, setembro 06, 2007

Olhos nos olhos

Foto: adivinhem?

Cuidado, a cidade nos observa. Está de olhos abertos, arregalados, acompanhando de perto nossa estranha movimentação. Enquanto nos arrastamos lentamente, dentro de nossos possantes mastodontes, ou corremos desavisados pelos labirintos congestionados de suas entranhas, ela nos espreita pacientemente. Mas como um balão de gás, que vai inflando, inflando, inflando até muito além do seu limite e acaba estourando, a tolerância cordial da nossa cidade pode também se esgotar. De uma hora para outra, a fina teia que nos mantém mais ou menos unidos, poderá se romper, nos lançando no vácuo da inexistência social ou nos prensando dentro de pequenos bolsões de sobrevivência precária e marginal. Como se já não estivéssemos.

Cruzo a cidade todos os dias, nos mesmos e nos mais diferentes horários. Atravesso-a por caminhos variados e também pelos rotineiros, que me levam sempre aos mesmos lugares. E vejo de tudo um pouco. Mas das suas misérias cotidianas, muitos já se ocupam. Sobra para mim falar do luxo rabugento da nossa imbecilizada classe motorizada, eu inclusive. O traçado de Belo Horizonte foi idealizado para o trânsito de carroças. São ruas estreitas, o suficiente apenas para alguém seguir e outro voltar. Agora demos de fazer caber dentro delas quatro fileiras de carros, se movimentando numa mesma direção, e, ainda assim, não tem sido suficiente para fazer o trânsito fluir. Pelo contrário.

Fecham ruas, mudam a mão de direção, desviam os carros para um lado, para o outro, mas no final acabamos todos engarrafados na próxima esquina. É assim que tem sido. Trajetos que percorria facilmente em vinte minutos, hoje não consigo, nem com muita reza, fechá-lo em menos de cansativos 40 minutos. Me arrasto desesperadamente pelas ruas da cidade, de olho no relógio do painel do carro, piscando a cada segundo. Eu e todo mundo. Lado a lado, mas isolados dentro de nossas trincheiras. Lado a lado, como numa procissão, mas sem nenhuma fé a nos unir.

E não há nem esperança de melhora. Pelo contrário. Enquanto aguardava uma oportunidade para seguir em frente, ouvi no CBN Brasil que a indústria automobilística brasileira está vendendo carros feito bananas. Teve um crescimento recorde no último mês de agosto, de mais de 30% em relação a igual período do ano anterior. Isso significou mais quase 400 mil veículos rodando por aí. As cidades, coitadas, tentam se adaptar. Inventam soluções: rodízio, áreas interditadas ao trânsito de veículos particulares, viadutos, mão invertida e outras panacéias. Tudo em vão.

As cidades se tornaram depósitos de lixo para problemas gerados globalmente, como diz Zygmunt Bauman, no seu livro Amor Líquido - Sobre a fragilidade dos laços humanos. Tanto aqui como no resto do mundo, as cidades deixaram de ser espaços comunitários, de convivência social, para se tornarem meros abrigos, mais ou menos seguros, para um bando de estranhos, que sobrevivem na incomunicabilidade de suas torres, protegidos por câmaras ocultas, alarmes sonoros, muros e cercas elétricas. Fortalezas indevassáveis, monumentos mudos espalhados pelas cidades.

Tanto aqui como no resto do mundo, precisamos cada vez mais dos nossos veículos particulares para transitarmos de uma torre a outra, de uma forma mais ou menos segura. Nossos carros são túneis envidraçados que se movem cortando a cidade de ponta a ponta. Dentro deles estamos protegidos dos milhões de outros estranhos que se vêem obrigados a fazer o mesmo trajeto, seja em carros-túneis como os nossos, seja dependurados em portas de ônibus, amontoados num vagão de um metrô ou de um trem qualquer. Quem primeiro vai abrir mão do seu possante, para dar bom dia ao estranho que viaja ao seu lado? E o balão vai inflando, inflando, inflando...

Bauman cita Manuel Castells para lembrar o paradoxo em que nos metemos: para resolvermos nossos problemas cotidianos, buscamos políticas cada vez mais locais num mundo estruturado por processos cada vez mais globais. Mas a política local - e em particular a política urbana - tornou-se desesperadamente sobrecarregada, como diz Bauman, e impotente para resolver nossos problemas, já que estes têm raízes fincadas na ordem global. Indefesas diante do furacão global, as pessoas se agarram a si mesmas, como diz Castells, e ao fazerem isso, aprofundam ainda mais a gravidade dos problemas urbanos. E o balão vai inflando, inflando, inflando...

Por isso, atenção, a cidade está de olho na nossa estranha movimentação. Quem vai primeiro abrir mão do seu possante para se sentar ao lado deste ilustre anônimo passageiro?

Uma finalzinho de semana antecipado no mais doce conforto de nossas fortalezas e longe dos arrastados e enfadonhos engarrafamentos.

Inté.

domingo, setembro 02, 2007

Fortes emoções

Certos domingos são como lagos no meio de um bosque. Lagos de águas claras e calmas, que enchem nossos olhos de nada e silêncio. E ficamos ali, só olhando, sem pensar nem reagir. Às vezes, distraidamente, alguém lança uma pedrinha no meio do lago e formam-se pequenas ondas circulares naquele ponto. Durante longos minutos essas ondas se alastram por toda a superfície do lago. Mas só isso. E passa. As águas voltam à sua condição original e tudo silencia novamente. Nesses domingos, não dou de pensar, porque não é preciso. Deixo tudo por conta das emoções.


Um presente
A apresentação do Grupo Líbero, nos jardins do Museu Abílio Barreto. Música sem fronteira: um violoncelo, um violino, um piano e dois cantores líricos. Um sol, uma sombra, um sabiá cantando e o som se espalhando pelo ar que respiramos.


Fotos: todas minhas

Uma taça de champagne, um brinde e Sempre Líbera, uma ária de La Traviata, de Verdi. A voz de Eliseth Gomes subia aos céus.




Um sopro do vento e os dedos mágicos de Maria Lígia Becker. Três temas de Gershwin.



Fortes emoções. Um jeito de olhar para o público que percebe a alma de cada um. Uma voz que se solta no ar e encontra seu caminho e se aconchega dentro do coração de todos. Os corpos dançam na imaginação. Por una cabeza.

Um desconforto
Governo pretende alagar 100 mil hectares de terras em Minas Gerais. Não sou do contra. A transposição de rios é uma prática milenar. Mas até agora não encontrei ninguém que soubesse me explicar exatamente como será essa obra, qual seu impacto no meio ambiente e quais benefícios reais ela trará para as populações no seu entorno. Falta debate e transparência.

Uma ignorância
Sobre tudo que rola no mundo agora.

Uma perplexidade
A pesquisa sobre a cabeça dos brasileiros. Um amigo me disse que somos seres miméticos. Tendemos sempre a copiar os outros. E copiamos sempre de quem nos parece melhor do que nós mesmos. Se é assim e se nossa elite é tão boa, porque então haveríamos de ter um povo pior do que ela?

Uma alegria
Café com biscoito de queijo quentinho. E lá fora o vento espalhando folhas de árvores no chão.




Uma semana
Repleta de boas novas. Com fortes emoções. Vez ou outra, um lago de águas claras e calmas, no meio do turbilhão da floresta, porque a vida, como diz Chacal, é curta demais para ser pequena.
Inté