quinta-feira, abril 04, 2019

A ESCATOLOGIA NEOLIBERAL


Voltando aqui para compartilhar com vocês mais um artigo do economista Cláudio Duarte sobre essa nossa conjuntura ensandecida. Sempre que conversamos, ele me ajuda a compreender melhor o que está se passando com o Brasil nesses novos tempos, por isso divido com vocês, acreditando que também os ajudará, se não a compreender melhor, pois já entendem, mas a encontrar outras palavras para expressar essa nossa perplexidade. Aproveitem:

A ESCATOLOGIA NEOLIBERAL

As experiências neoliberais têm funcionado como uma espécie de efeito dominó, cujos resultados finais são, lamentavelmente, inequívocos e sombrios. 

Introduzem reformas que geram crises, que ensejam novas reformas, que ensejam novas crises, e a cada um desses ciclos, direitos sociais constitucionalmente estabelecidos vão sendo abduzidos à luz do dia.

Esse processo tem início nas décadas de 80/90 com a difusão generalizada do conceito de "VALOR DO ACIONISTA" no âmbito da gestão das empresas. Segundo esse "mantra" neoliberal, a função de uma empresa é gerar valor (lucro) para seus acionistas e, portanto, lucros não deveriam ficar retidos nas empresas para reinvestimento, mas serem distribuídos aos acionistas, para que esses sim possam remetê-los a destinos mais lucrativos (uma infinidade de produtos financeiros desenvolvidos à partir da chamada "DESREGULAMENTAÇÃO FINANCEIRA", também de inspiração neoliberal, implementada nas décadas de 80/90 ). 

Quando os lucros chegam a ficar retidos nas empresas, são utilizados para a compra e valorização das próprias ações no mercado, gerando ganhos de capital para os acionistas, ou direcionados à compra de empresas concorrentes. Nessa segunda alternativa, ao se fundir duas empresas semelhantes, várias redundâncias são geradas (dois departamentos contábeis, duas áreas de recursos humanos, etc.), o que possibilita uma gigantesca supressão de empregos e custos. Essas reduções de custos (aumento de lucros) também impulsionam instantaneamente o valor das ações no mercado, gerando ganhos de capital para os acionistas. É simples assim.

Mas a contra-partida dessas mudanças tem sido uma queda substantiva de novos investimentos na chamada economia "real", com recessão / estagnação e um crescimento vertiginoso do desemprego e da informalidade.

Como o governo Temer respondeu a isso? Com uma reforma trabalhista neoliberal, na qual as negociações entre trabalhadores individuais e empresas passaram a prevalecer sobre os direitos trabalhistas até então assegurados em lei. Isso obviamente achata o poder de compra das famílias, gerando mais recessão, desemprego e informalidade.

O resultado dessa reforma não poderia ser outro. Em 2018 o país registrou o menor número de empregos formais dos últimos seis anos. 

E isso obviamente derruba a arrecadação de impostos e, particularmente, a arrecadação do sistema previdenciário (menos empregos formais e salários mais baixos), produzindo déficits gigantescos nas contas públicas.

Como o governo Bolsonaro pretende enfrentar essa nova crise? Com uma reforma da previdência de corte neoliberal, substituindo o regime de repartição - onde as contribuições, divididas entre trabalhadores da ativa, governo e empresas, cobrem os benefícios dos aposentados -, por um modelo de capitalização no qual exclusivamente os trabalhadores ficam responsáveis por poupar e depositar suas economias em instituições financeiras privadas, para utilizá-las quando não conseguirem mais trabalhar.

Observe que no regime de repartição, as contribuições dos trabalhadores, governo e empresas vão para o bolso dos aposentados, e dali, sem escalas, para o supermercado e para a conta da farmácia. Esses recursos ajudam a manter a economia funcionando.

No regime de capitalização, os trabalhadores terão de economizar não apenas aquilo que já contribuíam, mas também a parte anteriormente bancada pelo governo e pelas empresas. Esses são recursos que serão subtraídos do faturamento dos supermercados, das farmácias e das indústrias que abastecem esses estabelecimentos, pois ninguém nesse país é ingênuo a ponto de acreditar que a redução dos encargos das empresas e do governo vai se transformar em aumento real de salários. 

Se empresas já não estavam investindo, agora as famílias vão deixar de consumir, por conta das reformas trabalhista e previdenciária, gerando mais déficit público e a necessidade de novas reformas neoliberais para "colocar a casa em ordem". As próximas vítimas serão a saúde e a educação pública. 

Essa é a essência da escatologia neoliberal. Reformas que produzem crises, que "legitimam" novas reformas, que inexoravelmente produzirão novas crises, até o "final dos tempos".

Ao cabo desse processo, direitos sociais terão sido inteiramente abduzidos, restando apenas um Estado "enxuto" com a finalidade exclusiva de arrecadar impostos indiretos sobre o consumo de bens e serviços dos trabalhadores (já somos o vice campeão mundial neste quesito, atrás apenas da Hungria), e transferi-los para o bolso dos detentores da dívida pública, sob a forma de juros.

Enganam-se aqueles que acreditam que o atual governo não possui planos de longo prazo. Por trás da cortina de fumaça grotesca e surreal diariamente emitida por sua trupe mambembe, existe uma agenda clara como água.

quarta-feira, outubro 03, 2018

Cinquenta tons de preto e branco: a polarização política no século XXI


Esse artigo, do economista Cláudio Nunes Duarte, nos ajuda a entender como funcionavam e como hoje funcionam as empresas e os governos e, com isso, também compreender porque e como chegamos onde chegamos. Para ler e refletir:


1. Por que o mundo está tão polarizado? Essa é uma pergunta que muita gente se faz atualmente. E não apenas aqui no Brasil de Temer, mas também na Rússia de Putin, na Turquia de Erdogan, na Venezuela de Maduro, nos EUA de Trump ou na Nicarágua de Ortega. 

2. O que isso significa? Que as pessoas simplesmente se cansaram da democracia? Estão em busca de novidades? Ou quem sabe atrás de um pouco mais de adrenalina?

3. Que estamos no meio de um poderoso campo magnético (bipolar, obviamente), isso parece fora de discussão. Dá para sentir na pele. Mas se quisermos ir além desse “feeling” e entender um pouco melhor porque isso está acontecendo, é necessário resgatar algumas mudanças de fundo que foram sendo gestadas ao longo dos últimos 50 anos, as quais remodelaram inteiramente o comportamento de empresas e governos.

4. Até os anos 60’s – na maior parte do mundo - as pessoas cuidavam pessoalmente da aplicação de suas economias. Elas direcionavam suas poupanças para ações de empresas locais, títulos emitidos por instituições financeiras locais, e títulos públicos emitidos também por governos locais.

5. Ninguém se dava muito ao trabalho de ficar examinando balanços de empresas, bancos e governos. Essas aplicações eram feitas com base em “pouca ciência” e “muita confiança”.

6. Se os retornos eram elevados e os riscos eram baixos, ótimo. Se os retornos eram baixos e os riscos mais elevados, paciência. Aquelas eram as opções de investimento disponíveis. Essas poupanças eram de certa forma “cativas”, ou seja, elas eram quase que compulsoriamente reaplicadas dentro do próprio espaço geográfico onde haviam sido geradas, o que conferia às empresas, bancos e governos locais uma posição e um acesso em certa medida privilegiado àqueles recursos.

7. A contrapartida disso é que empresas, instituições financeiras e governos locais dispunham de recursos facilmente acessíveis para investir - também localmente -, e ao fazê-lo, geravam mais empregos, mais renda e mais poupança. Era assim que as coisas funcionavam. E elas de fato funcionavam.

8. A partir dos anos 1970 começaram a se multiplicar os chamados Investidores Institucionais, ou seja, fundos de investimento administrados por profissionais bem treinados, que agora assumem a função de garimpar as melhores alternativas de investimento para aqueles poupadores. E as melhores alternativas são aquelas que: 

             • propiciam o maior retorno
             • com o menor nível de risco possível. 

9. Buscar essas alternativas de investimento passou a ser o objetivo estratégico desses fundos. Em primeiro lugar, porque sem isso eles não conseguem reter e, muito menos, conquistar novos clientes. Em segundo lugar - e isso não é menos importante - porque além de uma taxa de administração, eles cobram também taxas de performance. Isso significa que se a rentabilidade desses fundos exceder uma determinada taxa de referência, os gestores passam a fazer jus a uma participação sobre aquele retorno excedente.

10. O crescimento explosivo dessas instituições nas últimas décadas deveu-se a um conjunto de fatores, entre os quais vale destacar:

             • A desregulamentação dos mercados financeiros e de capital. Esse processo teve seu início na década de 80, com as administrações Reagan e Thatcher, atingindo seu ápice no governo Clinton no início dos anos 90. Progressivamente, um número cada vez maior de países aderiu a essa desregulamentação que, na prática, significou que os fundos agora não estavam mais juridicamente restritos à aquisição de determinados ativos em seus países de origem. Poderiam direcionar as poupanças de seus cotistas para qualquer tipo de ativo, em qualquer lugar do mundo. 

             • Essa desregulamentação não significou apenas isso. Significou também o desenvolvimento de uma ampla gama de novos produtos financeiros – os chamados “derivativos” – os quais ampliaram ainda mais o horizonte de oportunidades para que os fundos pudessem perseguir com sucesso sua estratégia de retorno máximo e risco mínimo. Derivativos ajudam a “neutralizar” determinados riscos (atendendo ao princípio do risco mínimo), como possibilitam também “alavancar” ganhos com a variação no preço de ativos, com uma alocação proporcionalmente menor de capital (atendendo ao princípio do retorno máximo). 

             • Os desenvolvimentos tecnológicos da década de 80 (informática, internet, telemática) vieram materializar aquilo que a desregulamentação já havia tornado juridicamente possível. Agora os Investidores Institucionais poderiam, de fato e de direito, explorar em tempo real oportunidades em qualquer mercado, em qualquer lugar do mundo.

             • Por último, o envelhecimento das populações ampliou enormemente a demanda por esses fundos (especialmente Fundos de Pensão), sobretudo nos EUA e na Europa.

 11. O fato é que o crescimento dessas instituições nas últimas décadas, e a influência que elas passaram a exercer sobre empresas e governos e, consequentemente, sobre o nosso dia-a-dia, é algo que aparentemente ainda tem passado despercebido para algumas pessoas.

12. Para ajudar a dimensionar o tamanho e a importância desses novos atores globais, vamos dar aqui duas referências, pois os números são realmente coisa de ficção científica. (1) O PIB do Brasil em 2017 foi algo em torno de US$ 2 trilhões. (2) O orçamento de 2018 do governo americano - aquilo que Donald Trump está oficialmente autorizado a gastar - é de aproximadamente US$ 4 trilhões. Já a massa de recursos gerida por esses Investidores Institucionais era, em dezembro de 2017, superior a US$ 49 trilhões. Só o que eles cresceram em 2017 (US$ 8,7 trilhões) equivale ao PIB do Japão e da Alemanha. Somados!  

13. A distribuição regional desses fundos é bastante concentrada. Fundos baseados nos EUA respondem por 45% daqueles US$ 49 trilhões; Europa 36%; Ásia-Pacífico 13%; resto do mundo 6%. 

14. Dentro dos EUA, apenas os 25 maiores Investidores Institucionais respondem por 77% do total de ativos dos fundos baseados naquele país. 

15. Além dessa elevada concentração, que por si só faz com que decisões de alocação de alguns poucos fundos possam ter um peso de bilhões de dólares, as decisões sobre onde investir (países, setores, empresas) acabam sendo ainda mais convergentes pelo fato de que todos eles, na hora de alocar seus recursos, recorrem às mesmas Agências de Classificação de Risco (aquelas agências que dão nota para países e empresas, como Moody’s, S&P e Fitch). 

16. Isso significa que quando esses fundos se movimentam, eles não fazem marola. Produzem tsunamis. 

17. Dos US$ 49 trilhões administrados por esses Investidores Institucionais em dezembro de 2017:

             • 44% estavam alocados em Ações e Participações Societárias em Empresas;
             • 33% em Títulos de Dívida, Pública e Privada;
             • 23% em Outros Ativos.

18. Você pode estar se perguntando que diferença isso faz, pois lá na década de 60 as pessoas também já investiam em ações e títulos de dívida, tanto públicos quanto privados. O que mudou então?

19. Mudaram três coisas: 

             • As poupanças locais deixaram de ser “cativas”. Elas agora podem ser direcionadas para qualquer ativo, em qualquer lugar do mundo.
             • As poupanças não estão mais dispersas. Ao contrário. Elas agora estão concentradas em poucas mãos. Já do outro lado do balcão estão cerca de 630 mil empresas cotadas em bolsa, em todo o mundo, e um número quase incontável de empresas de capital fechado, bem como de governos municipais, estaduais e federais, que também procuram acessar aquela poupança para financiar seus investimentos, despesas e rolar suas dívidas.
             • Aquilo que era decidido com “pouca ciência” e “muita confiança”, é agora decido com “muita ciência”, “pouca confiança” e um enorme poder de barganha por parte de um número relativamente pequeno de instituições, que agora têm em suas mãos as economias de centenas de milhões de pessoas e de empresas (superavitárias) de todas as partes do mundo.  

20. E o que isso significa na prática? Bem, aqueles com mais de 50 anos de idade provavelmente se lembram de um evento que se repetia a cada ano, chamado concurso de Miss Universo. Jovens atraentes de todos os cantos do mundo desfilavam em uma passarela, exibindo seus dotes físicos, intelectuais e até artísticos, os quais eram diligentemente registrados e ponderados por jurados circunspectos.

21. Pois bem. Hoje em dia quem desfila nessas passarelas – é um pouco duro dizer isso, mas é a mais pura verdade - são os presidentes de empresas e a alta burocracia pública, quando não os próprios chefes de estado. 

22. Os jurados são os Investidores Institucionais.

23. A passarela são os road shows. Périplos realizados por executivos dos setores público e privado, que saem esbaforidos mundo afora carregando em uma das mãos um Power Point (para a exibição de seus “dotes”) e na outra mão um chapéu.  

24. E quanto aos dotes? O que esses candidatos precisam apresentar nesse concurso?

25. Se o candidato a Miss Universo for uma empresa, precisa apresentar valorização consistente de suas ações no mercado. E isso é alcançado quando a empresa: 

             • gera muito lucro (em geral reduzindo custos, despesas, pessoas)
             • e distribui esse lucro aos acionistas (dividendos), ou utiliza tais recursos para a recompra de ações da própria empresa no mercado (buyback no jargão técnico), o que eleva o preço das ações e, consequentemente, o patrimônio pessoal dos acionistas. É o famigerado shareholder value.
             • Tanto a distribuição direta de lucros quanto as operações de buyback – visando a valorização das ações - se fazem às expensas de novos investimentos produtivos dentro das próprias organizações.

26. O resultado desse esforço de valorização do patrimônio dos acionistas tem sido nada menos que notável. Para dar apenas um exemplo, o crescimento do PIB nos EUA entre 2007 e 2017 foi de 34%. Isso deve corresponder – aproximadamente - ao que as empresas cresceram, em média, nesse período. No entanto, o índice S&P 500 - que reflete o preço de 500 ações representativas de empresas de diferentes portes da economia americana - avançou nesse mesmo período 102%. Ou seja, o preço das ações representativas da economia americana andou três vezes mais rápido que a própria economia americana.  

27. Portanto, empresas que optam por reter lucros e reinvesti-los, expandindo suas atividades e contratando pessoas (em detrimento da distribuição de dividendos ou das operações de buyback para a valorização das ações) são tratadas de forma quase desrespeitosa pelos jurados desse concurso de Miss Universo. Essas empresas são vaiadas na passarela, na presença de todos. Um vexame! Suas ações não se valorizam. Seu presidente e diretores ficam acuados, com seus empregos ameaçados. E não há prêmio de consolação. 

28. A bem da verdade, nem sempre os jurados são tão cruéis assim. Se percebem que uma empresa andou ganhando alguns quilinhos, investindo mais do que devia, mas ainda assim ostenta um certo charme, muitas vezes ela é encaminhada a um Spa. Lá ela é submetida a um processo de “reestruturação” (antigamente isso se chamava “recauchutagem”). Retiram todos os novos investimentos de sua dieta; reduzem custos, despesas e pessoas; se desfazem de unidades de negócio menos rentáveis – no jargão de negócios, divestiture - (em geral a soma das partes acaba valendo mais que o todo), tudo isso contribuindo para construir um caixa que será utilizado para alavancar o valor das ações e, dessa forma, o patrimônio dos acionistas. A empresa está pronta para retornar às passarelas.

29. A ordem, portanto, é investir pouco, distribuir muito e cortar sempre (downsizing).

30. E se o Candidato a Miss Universo for um governo? Quais são os dotes que ele deve exibir na passarela?

             • O risco de inadimplência deve permanecer baixo. Isso significa que a dívida pública em relação ao PIB não deve ultrapassar certos limites. Como esses limites não constituem um número absoluto, mas sim algo que depende do apetite de risco e da confiança depositada no devedor por parte de quem financia suas dívidas, aqueles parâmetros macroeconômicos são discricionariamente definidos pelos jurados. Aos governos cabe apenas a decisão de como se ajustar àqueles números cabalísticos. Não há outra escolha.
             • Para isso os governos cortam gastos, investimentos e eliminam déficits.
             • Aliás, o ideal é que a arrecadação supere as despesas (antes do pagamento dos juros), de forma que o governo apresente uma “geração interna de caixa” suficiente para, pelo menos, cobrir o serviço da dívida (juros mais amortizações).
             • Mas cuidado. Nada de aumentar impostos. Isso pode implicar na desqualificação sumária do candidato!

31. E quais são as consequências desses novos comportamentos de empresas e governos – modelados por Investidores Institucionais e Agências de Classificação de Risco - para as populações de seus respectivos países?

32. De um lado, empresas que não podem investir ficam totalmente impossibilitadas de cumprir sua função social mais elementar, que é a geração de oportunidades de renda e emprego

33. De outro lado, governos que também não podem investir nem gastar em seguridade social ficam totalmente impotentes para cobrir aquela lacuna deixada pelas empresas. É o famoso “nem Tico nem Taco”. 

34. Se somarmos a isso o impacto dos avanços tecnológicos (robótica e inteligência artificial) sobre a oferta de postos de trabalho, fica claro que o grande desafio do século XXI chama-se renda e emprego. 

35. A demanda da população por oportunidades de renda e emprego não é uma demanda qualquer. Ela tem a ver com a segurança econômica das pessoas. E elas normalmente não estão dispostas a brincar com isso. 

36. O que é que assegura a legitimidade de um governo em qualquer lugar do mundo? É a capacidade desse governo responder – com velocidade e eficiência – às demandas da população. Quando os governos se mostram incapazes de responder àqueles pleitos (o principal deles chama-se renda e emprego), seu lastro de legitimidade começa a se evaporar. E parece ser exatamente isso o que está ocorrendo em várias partes do mundo.

37. Governos e empresas não conseguem mais atender às demandas da população. Ambos estão sob forte pressão. E sob esse excesso de pressão, governos (com baixa legitimidade) e empresas (precisando desesperadamente melhorar seus números e alavancar o valor de suas ações) acabam, juntos, se aventurando por trilhas pouco democráticas e pouco republicanas. São como dois náufragos se agarrando um ao outro. Esse cenário converteu-se numa paisagem quase universal nos dias de hoje. É só dar uma olhada nos noticiários nacionais e internacionais.

38. Mas isso nem sempre foi assim. Durante boa parte do século XX, liberalismo econômico e liberalismo político andaram de mãos dadas. Claro que essa parceria nunca foi isenta de tensões. Mas por décadas, esse casamento nutriu uma impressionante expansão no número de democracias em todo o mundo.

39. Atualmente as tensões entre (ultra) liberalismo econômico e liberalismo político estão no limite. Esse casamento ameaça ruir. As pessoas tomam partido e o mundo vai se polarizando. 

40. Em um desses polos estão aqueles que acreditam – ou dizem acreditar – que os males que nos afligem decorrem de “muito Estado e pouco Mercado”. Rompendo-se as amarras do Estado que ainda hoje mantem sob jugo nosso “espírito animal” - aquele élan capaz de mover o pensamento, a emoção e as iniciativas individuais -, vamos nos reencontrar com a prosperidade. O “mercado”, livre desses grilhões, é o único ente capaz de alocar – com eficiência – recursos tão escassos e tão essenciais ao nosso futuro e à nossa prosperidade. Esse grupo considera que a Crise Financeira de 2008 e os US$ 29 trilhões mobilizados pelo Banco Central dos EUA para salvar o sistema financeiro não passou de um pequeno acidente de percurso. Continuam acreditando que os mercados são capazes de se autorregular. Como “especialistas” em mercado que são, eles sabem que quando o preço da laranja sobe, a demanda cai. Mas aparentemente ainda não se deram conta de que quando o preço dos ativos financeiros sobe, a demanda sobe junto. E por não terem se dado conta disso, ainda não conseguiram extrair desse “pequeno detalhe” todas as decorrências lógicas necessárias. 

41. De fato, a fé nutrida por esse grupo no (ultra) liberalismo econômico é tão forte que, para eles, o sacrifício do liberalismo político seria um preço relativamente módico a ser pago em troca da avassaladora onda de prosperidade que se seguiria à libertação final dos mercados. Não apostam muitas fichas nesse casamento entre liberalismo econômico e liberalismo político.  

42. No polo oposto estão congregados espíritos um pouco mais sofridos e, talvez por isso mesmo, um pouco mais céticos em relação àquela visão futurística. Argumentam as pessoas desse segundo grupo que ao longo de boa parte do século XX governos e empresas se complementaram na produção de arranjos econômicos, políticos e institucionais capazes de atender às demandas da população. E suspeitam que dificilmente essa construção poderia ter sido erigida pelo trabalho de uma única mão. Sobretudo de uma mão invisível, argumentam os mais céticos.

43. As pessoas desse segundo grupo não estão nem um pouco dispostas a patrocinar o divórcio entre liberalismo político e liberalismo econômico. Acreditam que o Estado tem ainda uma importante missão civilizatória a cumprir. 

44. Essas são as duas grandes narrativas que atualmente polarizam as pessoas em todo o mundo.

45. Se você ainda não se decidiu por uma dessas duas narrativas, talvez valha a pena dar uma olhada no que a história tem a nos dizer sobre isso.

46. Na ausência de oportunidades de renda e emprego as instituições e, no limite, a própria sociedade, vão se tornando disfuncionais. E largados à própria sorte, “os mercados”
nunca demonstraram capacidade para se autorregular e superar situações limítrofes como essa que vivemos atualmente. Demonstraram essa incapacidade durante a Grande Depressão de 1929, e reafirmaram essa mesma impotência oito décadas depois, durante a Crise Financeira de 2008. 

47. Em ambos os casos o Leviatã precisou ser acordado e chamado às pressas.

48. Mas é bom lembrar que durante os anos da Grande Depressão, as intervenções do estado assumiram duas configurações políticas bem distintas. 

49. Nos EUA de Roosevelt essa atuação e a recuperação econômica subsequente se deu através de um amplo pacto democrático consubstanciado nos programas de investimento público do New Deal, voltados à geração de oportunidades de renda e emprego. Na Alemanha de Hitler a atuação do estado e a recuperação econômica se deram através de um (a) massivo programa de privatizações (sim, privatizar tudo); (b) do uso de trabalho escravo (sem essas bobagens de 13º); (c) de um esforço armamentista sem precedentes (armas para todos); (d) tudo isso sob o amparo de uma Constituição de Notáveis herdada da República de Weimar.  

50. Façam suas escolhas!

sexta-feira, fevereiro 02, 2018

Longo inverno

Colagem: Ah, sim, nesse inverno, retomei as colagens com minhas tesouras enferrujadas mas sempre afiadas.

Depois de quase sete anos longe dessa terra, consegui recuperar meu passaporte para explorar novamente esse velho caminho. Nesse período aconteceu de tudo um pouco. Estivemos bem, estivemos mal, estivemos bem de novo e segue a vida.

São Paulo continua, ainda hoje, insistindo em políticas equivocadas de combate ao crack, depois de ter tido uma experiência bem sucedida com o ex-prefeito Fernando Haddad, desmontada com a posse do novo prefeito em 2015. Grécia e Espanha estão tentando se equilibrar numa corda bamba, depois de chafurdar no fundo do poço como mais ou menos estamos hoje e outra penca de países espalhados pelo mundo. Políticos foram reeleitos, outros foram presos, outros perderam o bonde e assim continua.

Nesse longo inverno aconteceram desastres, como enchentes, furacões, naufrágios, incêndios de toda sorte e assim por diante. Um papa renunciou, isso sim um fato inesperado, e foi substituído pelo Papa Chiquinho, o mais querido de todos. As empregadas domésticas e babás alcançaram direitos antes só concedidos aos trabalhadores, como se elas não o fossem. Também, já nem importa, pois já perderam boa parte deles.

A moçada foi pra rua protestar contra o aumento do ônibus, contra políticas de educação, saúde, transporte e sei lá mais o quê. Outros tantos foram para os estádios de futebol mandar a presidenta Dilma tomar no cu, como se fosse a coisa mais séria que pudessem fazer. Cenas lamentáveis, para não citar aquelas do próprio futebol, com a vergonhosa desclassificação do Brasil da Copa do Mundo de 2014. Perdeu em casa por 7 X 0 para uma Alemanha marrenta e debochada. Jamais esqueceremos.

Nesse longo inverno, uma presidente honesta foi deposta por um Congresso, já na época, quase que unanimemente suspeito; o vice-presidente de então, também flor que não se cheira, usurpou a cadeira da presidência e rompeu com um programa de governo eleito pelo povo para implantar medidas econômicas que afetam a vida dos trabalhadores, a soberania do país e o futuro das novas gerações de brasileiros. E o tempo passa e assim continua.

A valorosa imprensa brasileira liderou campanhas milionárias contra a corrupção, criou ficções para justificar seus heróis e bandidos prediletos e silenciou-se estranhamente diante de fatos que escapavam do seu controle. E assim permanece.

Enfim, foram seis ou sete anos movimentados, cheios de manchetes e escândalos, mas ficamos como o cachorro que corre atrás do rabo, patinando em círculos. Não avançamos em nada e se, por algum acaso saímos do lugar, certamente foi para darmos alguns passos para trás.

Sim, a vida também não foi só desgraceira. Tivemos bons ventos, como o Papa Chiquinho e muitas vitórias pessoais que não aqui não vem ao caso. Tivemos maré boa em vários momentos, mas essas histórias ficam para outro dia, agora tenho de ligar o forno para assar um pão de queijo e passar um cafezinho que a fome está batendo. 😍

sábado, outubro 19, 2013

De passagem


Ando correndo pra baixo e pra cima e sem tempo para divagações. Também ando preferindo não ver tudo que me mostram, ouvir tudo que me contam, responder tudo que me perguntam e assim por diante. As coisas estão acontecendo e rolando ladeira abaixo. Um desperdício. Podia parar um pouco e pensar sobre tudo isso, sobre a rua, sobre as manifestações, sobre as denúncias, sobre as contrainformações que também rolam ladeira abaixo, assim como as informações válidas e tudo mais. Só que ando correndo.

Outra hora, quando estiver mais sossegada volto aqui e repito o que já disse e digo outras coisas e, quem sabe, invente uma palavra nova pra descrever o que rola ladeira abaixo.

sábado, outubro 15, 2011

Caro mercado,

Vejam mais fotos aqui


Que o Brasil importa muito lixo, já sabíamos. Quem nunca entrou em um desses centros comerciais populares que estão espalhados por todo o país ou fez uma incursão a uma 25 de março de qualquer capital brasileira ou mesmo passou no centro da cidade e parou na banca de um camelô especializado em variedades - isqueiros, sombrinhas e outros importados chineses? Todos nós já passamos por essa tentação e não resistimos. Por isso sabemos muito bem que o Brasil importa muito lixo. Gasta seus dólares com muita bobagem.

Disso já sabíamos, mas nunca pensei que chegaríamos ao ponto que chegamos: importar lixo, literalmente, e não lixo reciclável, que estaria dentro de uma lógica comercial razoável, embora já tenhamos fornecedores locais muito eficientes. Não, nada disso. O que importamos foi lixo hospitalar, contaminado sabe-se lá de quê. E, como informa a imprensa paulista, importamos lixo para vendê-lo diretamente ao consumidor, sem nenhum beneficiamento.


Lençóis hospitalares, semelhantes àqueles apreendidos no Porto de Suape, em Pernambuco, são vendidos a quilo em uma das principais vias de Santa Cruz do Capibaribe e, provavelmente, são comprados para forrar a cama dos beneficiários do Bolsa Família de algum distrito da região. O mercado, o grande senhor da vida, chegou no seu limite. Rompeu as barreiras territoriais com a globalização e agora extrapolou as barreiras da ética, transformando as misérias particulares em produtos comercializáveis em qualquer carrefour do planeta. Tudo bem, isso não foi agora, já vem desde sempre.


Já acompanhamos denúncias contra empresas que utilizavam na sua linha de produção mão de obra infantil; empresas que utilizavam mão de obra escrava, preferencialmente feminina; que comercializavam produtos de baixa qualidade, maqueados como sendo de primeira e assim por diante. Produtos industrializados ou não. Sob o domínio do capital financeiro, o mercado reproduz essa mesma lógica junto às empresas que operam nesse cassino. A bolha imobiliária que provocou a crise financeira americana de 2008 (!!!) não é fruto dessas mesmas práticas?


Mas a hegemonia da lógica mercantilista nas relações humanas pode estar se esgotando. Desconfio que está. Estou cismada com isso desde que li as primeiras notícias da Primavera Árabe e antes ou ao mesmo tempo, não me lembro mais, sobre os movimentos grevistas na Grécia, que estão em assembleia permanente há quase quatro anos. Agora, mais recentemente, essa cisma voltou com o notíciário sobre os movimentos dos indignados e, em especial, sobre o Ocupe Wall Street que está se multiplicando em outras ocupações pelos estados americanos.


Os doutores sociólogos, antropólogos, psicólogos e outros logos americanos estão perplexos e desorientados. Para eles, o Ocupe não tem significado, porque não existe uma causa que os una. Como assim? Pois é, foi isso mesmo que li em alguns jornais ao passar os olhos no noticiário. Cada manifestante fala uma coisa, defende uma causa, apoia uma bandeira. Lá nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. O que eles não entendem é que existe uma vontade comum, expressa por todos os manifestantes, independentemente da sua origem.


Existe a vontade de buscar, coletivamente, novos caminhos para um mundo que está se deteriorando de podre. Existe uma vontade comum de abrir um debate, um debate público, sobre todos as grandes questões que afetam a vida de todos os indivíduos em particular. Estão convocando a ágora. Estão reivindicando a participação direta na discussão das questões que interferem no cotidiando de todos nós e que vinham sendo discutidas e decididas por meia dúzia de 10, 100, pode ser, grandes empresas mundiais.


Neste sábado, algumas lideranças espalhadas pelo mundo estão prevendo que haverá manifestações em quase mil cidades de 82 países, inspiradas no Ocupe Wall Street. Hong Kong, Taiwan, Japão e Austrália, Itália, Bósnia, Romênia e Holanda já saíram às ruas e, ao longo do dia, pode haver protestos na Espanha, Inglaterra e Grécia.


Isso, minhas amigas, é política e política, caro mercado, não tem preço!

quarta-feira, maio 18, 2011

Cidadãos do mundo, dispersemos!

Já estamos todos carecas de saber que a globalização favoreceu, especialmente, a integração dos mercados, transformando o mundo num grande balcão de negócios. Vende-se qualquer coisa, de bananas a mulheres, crianças, trabalhadores, gorilas, mudas de ervas aromáticas, alucinógenos e qualquer droga que possa ser precificada, ou seja, todas e tudo. Mas como as ondas, que inevitavelmente acabam se espalhando na areia, a globalização também respingou em outras praias. A indústria cultural, impulsionada pelo avanço das tecnologias de informação e comunicação, se apossou das manifestações mais singelas de todos os povos e transformou-as em produtos de consumo de massa dando-nos a ilusão de termos nos tornado cidadãos do mundo.

Admito que gosto de pensar que o planeta é a nossa casa; que estamos todos no mesmo barco; que somos gaia, partes de um todo absoluto; que somos todos irmãos e formamos juntos uma grande e única família. Mas basta ler uma vez só, em um dia qualquer, as manchetes de capa de um jornal escolhido aleatoriamente, entre os milhares que circulam pelo mundo, que escapamos sãos e salvos dessa doce ilusão. Mais do que isso. Ainda que as grandes mídias e o mercadão do mundo desconstruam diariamente nossas identidades regionais, tentando nos transformar em meros consumidores das classes A, B, C,. D ou E, sobrevivemos à pasteurização da vida e preservamos nossos vínculos locais, cultivando, longe das câmeras, nossas preferências musicais, gastronômicas, literárias e assim por diante.

Por mais que navegue pelo mundo e por mais que esse mundo tenha se tornado um ovo, continuo curtindo adoidado tomar café com pão de queijo, traçar um prato de arroz com feijão e bife de panela e, de sobremesa, queijo com goiabada. Continuo me divertindo com as festas de São João, as brincadeiras de rua – pula maré, rouba-bandeira, queimada, passa anel e pegador. Gosto de ouvir a música que vem dos cafundós de Minas, de sentar na porta da cozinha, de jogar conversa fora e de tudo mais que me torna inconfundivelmente mineira de corpo e alma. Sempre estarei em Minas, para sempre terei vindo de Minas e jamais sairei de Minas, porque não sou eu que estou aqui, é Minas que está em mim, à revelia da grande mídia e dos esforços da indústria cultural.

Estou divagando sobre tudo isso por uma razão, aparentemente, muito banal. Hoje cedo, quando abri o jornal dos mineiros, li o comentário de um jornalista do caderno SuperEsporte que me deixou estarrecida. Sem nenhuma cerimônia e em meia linha, o colunista desqualificou o campeonato regional de futebol, recém encerrado, desmerecendo o título conquistado pela equipe vitoriosa, título que ele considera inexpressivo. E qual título será que ele gostaria que os times mineiros perseguissem? O do campeonado espanhol?

Mas não importa muito quem saiu vitorioso nas dezenas de campeonatos que se desenrolaram por esse Brasil a dentro nos últimos meses. Quer dizer, não importa para o que estou pensando aqui e agora. É claro que todos os campeões são merecedores das justas homenagens. Mas o que torna esses campeonatos formidáveis é, justamente, o que o colunista do jornal dos mineiros ignora solenemente. São as oportunidades que eles criam para centenas de pequenos times locais se apresentarem dignamente a suas torcidas. Escancararem, a cada jogo, a sua identidade, as suas cores, o seu grito, os seus talentos, muitos, inclusive, cobiçados pelos grandes times e alguns até já transferidos para os novos clubes.

O que é bárbaro nesses campeonatos e, no mineiro foi assim também, é que eles são um momento muito especial também para os torcedores. É claro que torci cegamente para o meu time em todos os jogos, mas me emocionava também a torcida adversária. Nessa hora, somos todos iguais. Torcemos com a mesma alegria, o mesmo entusiasmo, a mesma garra, a mesma fidelidade à camisa que escolhemos. A paixão das torcidas do América de Teófilo Otoni, do Ipatinga, do Caldense, do Democratas e de tantos outros é uma prova de que ainda não estamos perdidos.

Assistimos sim, via cabo, o campeonato espanhol, o italiano, o francês e sei lá mais qual. Assistimos sim os grandes times brasileiros disputando vagas no Brasileirão, na Libertadores. Mas o sangue ferve mesmo é quando entramos em campo junto com o time. É quando temos a chance de ir pra rua, de carregar bandeira, de gritar até perder a voz, de rir, de chorar, de zoar, de bater boca e voltar pra casa com a alma lavada. E isso só acontece, para todos nós torcedores deste Brasil a dentro, é quando chega o campeonato regional. Por isso, viva os campeonatos regionais! Quem dera tívessemos também uma imprensa regional, capaz de reconhecer o valor do nosso glorioso campeonato mineiro!

Lá vai Xico, estou voltando. Até quando der novamente.


Foto: Site lapisraro.com.br

domingo, novembro 14, 2010

Vida que segue


E a vida continua. Aung San Suu Kyl foi solta ontem, após mais de sete anos presa em casa. A companhia estatal de trens francesa SNCF desculpou-se pelo seu papel na deportação de judeus para campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra. Infecção hospitalar mata 11 bebês no Distrito Federal. Mais um sindicalista é morto a tiros em São Paulo. Começou a temporada das festas de formatura, com direito a uma esticada ao Mercado Central. José Alencar sofre um infarto, recupera e mantém o bom humor. É um santo! Tiririca prova que é alfabetizado. Decifra bem o beabá, mas será que está entendendo? Eu, confesso, muitas vezes tenho dificuldades para entender. O que está acontecendo com o Enem, por exemplo, quem explica? Não quero crer que seja incompetência do Ministério. Mas aí o que será?

E tome mais vida. O zagueiro da Inter de Milão, Marco Materazzi, deixa o estádio Giuseppe Meazza de ambulância durante o clássico contra o Milan. Ele foi atingido no rosto numa dividida de bola com Zlatan Ibrahimovic no segundo tempo da partida. Merapi, na Indonésia, entra em erupção mais uma vez. Trezentos e noventa mil pessoas já foram obrigadas a abandonar suas casas na região próxima do vulcão. Os mortos, até agora, já chegam a duzentas e quarenta pessoas. Uruguai e Argentina fecharam acordo para o controle da fábrica de celulose da UPM. O Partido Socialista da Grécia, de Giorgos Papandreou, venceu o segundo turno das eleições regionais. Cruzeiro vai à CBF protestar contra arbitragem. Não vai adiantar, mas espero que Perrella não deixe mesmo de ir.

É vida que segue, como diria Adilson. Sabrina Sato é a nova rainha de bateria da Vila Isabel. Estudo desvenda mistério de como gatos bebem leite sem se lambuzarem. Está confirmado: férias são importante para a saúde mental. Gamova derrota as meninas do vôlei brasileiro na final do Mundial. Jovens da classe C gastam 71% de seus ganhos com roupas e acessórios. Papa Bento 16 pede uma "reforma profunda" da economia mundial. Se fôssemos espertos como acreditamos que somos nem precisava pedir. E assim vamos caminhando, entre um cafezinho e outro.
Foto: minha

domingo, setembro 26, 2010

Caixinha de surpresa


Preferiria não ter visto, mas vi. Vi o Cruzeiro ser derrotado desnecessariamente pelo Santos. O Cruzeiro poderia ter jogado com mais vontade e garra, mas preferiu um jogo morno e disperso. Parecia outra equipe em campo. Cuca parecia outro técnico a orientar os jogadores. Mas ao mesmo tempo, parecia o mesmo Cruzeiro de sempre que, a qualquer momento, poderia reagir e ao menos empatar. Por isso torci até o último minuto, inutilmente. Mas tudo isso são coisas do futebol. Mesmo quando um jogo ou um campeonato, como o Brasileirão, começam a se tornar previsíveis, mesmo quando os resultados vão sendo forjados sutilmente pelos erros e desatenções da arbitragem, pela catimba dos adversários, pela alma vira-lata dos times fora do eixo, mesmo assim, o futebol é um jogo imprevisível. No campo, tudo pode acontecer.

O craque do time pode acordar de mau humor, o perna de pau acordar inspirado, a equipe desentrosada, por alguma razão inexplicável, pode entrar em sintonia e a equipe sempre afinada perder as conexões e correr perdida de um lado para o outro do campo até o apito final. E é disso que eu gosto no futebol: da caixinha de surpresa. Eu gosto dos gols finalizados na prorrogação, dos perebas que surpreendem com jogadas insuportavelmente belas, dos jogadores invisíveis que se materializam no lugar certo quando ninguém espera, das vitórias de virada e de todos os lances únicos, daqueles que não podem nunca ser programados, porque são inventados ali, naquele exato instante em que a bola cai no pé do jogador e ele olha pra frente e enxerga uma oportunidade qualquer.

É claro que, fora de campo, a vida reserva outros momentos caixinha de surpresa. As eleições, por exemplo. Por mais que as pesquisas de opinião, cada vez mais sofisticadas, ajudem a dar previsibilidade aos resultados, ainda assim é possível sermos surpreendidos pelas urnas. O segundo turno das eleições de 2006 foi um desses momentos. Lula e Alckmin caminhavam juntos em todas as enquetes e até o final do primeiro turno. No segundo, Lula disparou e deixou Alckmin para trás, contrariando a expectativa de boa parte dos analistas, que apostavam num resultado apertado.

Já as eleições proporcionais, estas sempre reservam surpresas, porque é quase impossível tentar antecipar seus resultados usando as ferramentas convencionais de pesquisas de opinião. Em Minas Gerais são 553 candidatos a deputado federal e 977 a deputado estadual e um eleitorado próximo de 15 milhões de pessoas, espalhadas por 853 municípios com as mais diferentes histórias. Uma bela caixinha de surpresa. E se isso não bastasse, o fato das eleições proporcionais serem coincidentes com as eleições majoritárias, que mobilizam mais as atenções dos eleitores, poucos são os que já escolheram seus candidatos para o Parlamento. Muitos só se decidem na beira da urna.

Neste ano, espero, mais uma vez, um momento caixinha de surpresa nas eleições. Torço para que seus resultados nos façam recuperar a crença de que a política ainda pode ser o espaço do encontro. O espaço do diálogo verdadeiro e sincero, para troca de ideias e construção coletiva de soluções e alternativas que garantam uma vida boa para todos. Sonhar não é defeito.

Inté
Foto: minha