domingo, julho 30, 2006

A idade da razão

Ôiaiá, o Lula tem cada uma. É a gente se distrair e lá vem ele de novo. Agora quer dizer, então, que precisamos esperar 75 anos para termos liberdade de falar o que nos vem à cabeça e de fazer o que nos dá na telha? Ficou doido? Com 75 anos nem sei se estarei viva. Vou esperar até lá pra quê? E taí uma coisa que Itamar e eu concordamos: ele nunca precisou esperar fazer 75 anos para ser como é. Livre, leve e solto. Parece de veneta, mas às vezes penso que não é. Sempre acho que ele tem um plano, um projeto, não pessoal, mas de mundo e se inspira nele para fazer suas escolhas. E é isso que desorienta os políticos que aí estão, que só tem projetos pessoais.

Minha avó também era assim. Ela até concordava que é, a partir de uma certa idade, que as pessoas conquistam a liberdade de falar e de fazer o que bem entendem. Mas não porque estão caducas, pelo contrário. Até uma certa idade, a gente não tem é muita noção do perigo, das conseqüências dos nossos atos. Mas, a partir de uma certo momento, que não é 75 anos e varia de pessoa pra pessoa, estamos maduros para assumir nossas opiniões, nossas escolhas. Aí, sim, estamos livres, leves e soltos para transitar no mundo sem arrependimentos. Ela adotou essa filosofia e viveu muito bem seus 105 anos.

Mas tem outra coisa que me intriga mais nessa fala do Lula. Quando ele diz que só a partir dos 75 anos temos a liberdade de falar e de fazer o que bem entendemos, ele está querendo dizer que o que fala e faz não é bem o que ele pensa nem o que gostaria de fazer? Então o que é que ele gostaria de falar e de fazer que não diz nem faz? Por quem ele fala, então? Pra quem ele faz? Quem é o dono da sua voz? Quais interesses determinam suas ações? Minha mãe argumentou que não é bem assim. Pode ser que uma pessoa só fale e faça o que pensa e deseja, mas não fala e faz tudo que pensa e deseja, porque algumas dessas coisas podem não agradar outras pessoas de quem ela gosta, porque outras coisas podem machucar essas pessoas, ou que são coisas que são erradas ou não são socialmente aceitáveis ou ainda porque não chegou o momento adequado de falar e de fazer.

Não discordo. Outro dia, por exemplo, comentávamos sobre a nossa dificuldade para lidar com essa coisa que chamamos povo. Povão mesmo. Dificuldade que o Lula, por exemplo, não tem, pois seja lá como for que ele vive hoje, é visto, por esse mesmo povão, como aquele que melhor o representa. Lula é o povo no poder. O que não quer dizer, absolutamente, que ele represente os interesses desse mesmo povo, claro, né? Nessa conversa fiada toda, um amigo, bem mais sofisticado que eu, comentou que sua relação com o homem da rua, com essa gente humilde que o Chico cantava, é muito contraditória. É de amor e ódio. Ao mesmo tempo que se sente movido, por esse amor, a fazer algo por ela, sente um ódio danado dessa mesma gente, que nos ameaça com a sua pobreza, com a sua ignorância, com suas vidas desprovidas de sentido, tornando as nossas também supérfluas e egoistas.

Ele deu o exemplo daqueles meninos que ficam trançando no meio dos carros, nos pedindo, nos oferecendo, nos intimidando, nos ameaçando, nos matando. Ele sente amor por esses meninos, a ponto de querer e de fazer algo por eles. E sente ódio também, sente vontade de ameaçá-los da mesma forma, de matá-los com as mesmas armas. Porque, como eles, estamos todos perdidos no mesmo caos, sem saída. Mas não faz isso, é óbvio. Esse é um exemplo de que, mesmo sendo livre, leve e solto para dizer o que pensa e fazer o que quer, meu amigo não diz nem faz tudo que passa pela sua cabeça.

Mas essa é outra história. O que eu fico pensando é que quando um político, eleito para representar uma parcela da população, para defender um projeto de mundo, um idéia, uma política; quando esse político não se sente a vontade para dizer tudo o que pensa e fazer tudo que acha que tem de ser feito, é estranho. É muito esquisito. Tem uma coisa errada aí. Ou ele não é exatamente o melhor representante daqueles a quem ele diz representar ou ele está fingindo representar um grupo que, de fato, não representa, ou está apenas representando seus próprios interesses. Ou tudo isso junto.

O maior dom de um político é a palavra, é o poder de poder dizer, o poder de poder começar a fazer pelo menos. Se não é, o que é, então? Vai esperar fazer 75 anos? Então, um dos critérios que vou adotar nessas próximas eleições, será o da idade. Só voto em quem tiver mais de 75 anos de idade. Pronto.

Para vocês, com menos de 75, a minha mais plena e completa desconfiança.

Uma semana livre, leve e solta para todos.

Até mais não ver.

quarta-feira, julho 26, 2006

Vida de artista

Eis a questão: se uma formiga se perde do restante do seu grupo, o que acontece com ela? Parece uma pergunta banal, né? E é. Só que ela pode esconder uma discussão interminável. Se pode, não tenha dúvida, eu testo. É só distrair um pouco. É sempre assim que acontece. Mas, antes, voltemos à pergunta, aquela que determinou o placar final de mais uma rodada do Enciclopédia, a nossa doce obsessão das férias de julho. A maioria dos jogadores respondeu: ela morre. Assim mesmo, laconicamente, ou com um texto mais rebuscado, mas pra dizer a mesma coisa: ela morre. E, de fato, isso é o mais provável de acontecer mesmo, mas essa não foi a resposta certa. A correta diz o seguinte: ela fica muito confusa e, se não encontrar nenhuma companheira, geralmente, ela morre. Percebeu a diferença?

Primeiro, ela fica muuuito confusa. Esse detalhe é importante, porque diz muito do comportamento das formigas. Depois, ela tem a chance de trombar com o acaso ou com a sorte: cruzar com uma companheira no meio do caminho. Aí já viu, as duas movem as anteninhas, trocam feronomas, tricotam e encontram o rumo de casa. Agora, se isso não acontece, aí o bicho pega. E pega mesmo e ela corre sério risco de morrer. As formigas são assim: altamente vulneráveis. Persistem no planeta, porque se reproduzem aos milhões e são absolutamente disciplinadas. Mas sofrem de uma limitação básica. Pertencem a uma sociedade de especialistas, organizada por divisão de tarefas. Nela, cada grupo de indivíduos assume uma única e exclusiva tarefa, para a vida inteira.

Além das reprodutoras - as rainhas e os machos - existem as obreiras, que trabalham incansavelmente a vida inteira, fazendo sempre a mesma coisa, e as predadoras, soldados obedientes, responsáveis a vida inteira pela defesa da colônia ou ataque aos inimigos. É isso o que cada casta sabe fazer. Daí a confusão mental que elas enfrentam, quando se perdem ou se encontram diante de uma situação nova ou inesperada. Piram completamente. Se não aparece ninguém para ajudá-las a reencontrar o caminho, elas ficam perdidonas e entregues de bandeja a qualquer predador. Esse é o perfil da sociedade das formigas.

Aí fui andar na areia. Olhar as ondas, que desafiam todos os padrões que lhe são impostos. Arrebentam na praia cada hora de um jeito, num ritmo cada hora diferente do outro, com uma intensidade, mais forte ou mais fraca, totalmente ao acaso. E vi claramente a polêmica que vinha em anexo àquela pergunta. É a seguinte: será que nós também não estamos como essa formiguinha, perdidos de tudo? Será que não estamos também muito, muito confusos, diante desse mundo improvisado que estamos vivendo? Será que não estamos também correndo sério risco de morrer, por não sabermos buscar soluções novas para os imprevistos que atravessam nosso caminho a todo instante?

Coincidentemente, essa tarde, fui provocada mais uma vez a retomar essa questão. Claro, em outro contexto e de uma forma bem diferente, mas arrisquei a trilhar o mesmo caminho. No fundo, no fundo, o que Gilberto Dupas discute hoje no seu artigo, publicado no destemido jornal Folha de São Paulo, é exatamente isso. Se nós nos perdermos, o que poderá nos acontecer? E o que entendi do que ele disse é isso mesmo: ficaremos muito confusos e, se não encontrarmos ninguém para nos ajudar, correremos sério risco de morrer.

Só para situar. Citando algumas evidências dos profundos desarranjos que caracterizam a nossa sociedade, Dupas nos adverte que urge um novo olhar, onde o atual já não dá conta, para encararmos a imensidão de desafios que temos pela frente. Não vou copiar o que ele escreveu, porque o original é muito bom e vai ser muito melhor saboreá-lo na fonte. Mas a idéia é essa: até então, estávamos acostumados a um mundo de referências seguras, um mundo sólido, assentado na rotina de todos os dias. Éramos iguais a formiguinha. Tínhamos tarefas bem definidas e rotinas bem planejadas. Mas esse mundo caducou. Como disse Arthur Clarke, o futuro não é mais o que costumava ser. E hoje, quanto mais sólidos tentamos parecer, mais vulneráveis estamos diante do dinamismo, da ambigüidade, do imprevisto e da variedade a que estamos submetidos.

Como a formiguinha, estamos perdidos e confusos. Mas, para Dupas, a desorientação não é algo que possa ser combatido, e sim uma oportunidade desestabilizante para a busca de soluções. Entenderemos melhor uns aos outros se nos aceitarmos como perdidos e desorientados, vivendo num sistema onde o imprevisto é a regra e assumindo o perigo da ruptura, da morte e da decomposição. Dupas pegou pesado mesmo. Mas vou concordar com ele, quando conclui que o importante é investigarmos a razão mais profunda das coisas que nos deixam perplexos e buscar caminhos, em vez de inventar entidades que aliviem nosso terror momentâneo, mas que criem outros.

Então, pensei de novo na formiguinha. E, olha só, acho que não é hora mais de ficarmos nos espelhando nas sociedades dessas hymenopteras, assim como fizeram os gestores das sociedades industriais. Agora, para enfrentarmos esse mundo doidão que demos de criar, temos de buscar inspiração em novas espécies. Talvez, nos golfinhos. Golfinhos sobrevivem num ambiente difícil, rodeados por tubarões, mas se preservam, porque estão sempre vigilantes, interpretando as correntes, buscando informações, monitorando o ambiente.

Diante do improvável, do imprevisto, os golfinhos sabem se unir e agir em grupo e, se estão sozinhos, agem da mesma forma, buscando, implacavelmente, algo diferente, algo que realmente funcione, que faça sentido, para garantir a sua sobrevivência. Se necessário, podem até matar um tubarão, mas não é um objetivo. É assim que são, poderosos, porque não se rendem à rotina, buscam na criatividade, no improviso, a superação de suas dificuldades. São uns artistas. Êita, gostei deles.


Um oceano de águas claras e povoado de golfinhos para todos.

Inté.

sábado, julho 15, 2006

Palavras ao vento

Olha só, agora vou contar uma história. Não é minha. É uma história bem antiga que o Leo me contou e disse que tem tudo a ver. Tendo a concordar, por isso vou contá-la também e quem quiser que acredite. É a história de Cassandra. Era uma vez, a muitos e muitos anos atrás, no distante reino da Grécia, uma menina chamada Cassandra, filha do rei Príamo e da rainha Hécuba de Tróia. Esse é o começo da história. A partir daí, existem várias versões sobre como Cassandra cumpriu seu destino. Mas o como não importa muito, o fato é que, de um jeito ou de outro, essa menina desenvolveu um dom excepcional: a capacidade de ouvir as vozes dos deuses.

Não foi por conta desse dom, claro, mas pela beleza também excepcional de Cassandra, que um dos deuses, Apolo, acabou se apaixonando pela menina. Essa poderia ter sido uma bela história de amor, pois Apolo, entre outras virtudes, tinha um dos dons mais cobiçados hoje no mercado: o dom da beleza. Só que nas histórias nada acontece distraidamente. Para conquistar Cassandra, Apolo precisou dar uma demonstração irrefutável de seu amor. E ele foi fundo nessa prova. Ensinou a Cassandra os segredos da profecia. O truque de como transformar informação em conhecimento, né?

Cassandra bem que gostou. Aprender coisas novas é sempre bom. Mas, não era esse o objetivo de Apolo, ser um mero professor de metodologias. Queria mais. Só que a ficha não caiu. Cassandra não entendeu ou não quis entender. E Apolo, vingativo, lançou-lhe uma maldição. A menina, agora já moça, continuaria a profetizar eventos de toda ordem, mas ninguém, jamais, acreditaria nas suas previsões. Jogaria palavras ao vento. A partir daí, Cassandra passou a vagar pelo reino, prenunciando as desgraças e tragédias que estavam por acontecer, mas ninguém, ninguém jamais mesmo, a levaria a sério outra vez. Virou uma louca mansa e histérica, pessimista incorrigível, que só via desgraça em tudo que olhava, até o fim.

A história é essa. E nos lembramos dela quando começamos a pensar sobre o mundo que nos espreita. Somos capazes de ouvir as vozes dos deuses. A todo instante escutamos as notícias que nos chegam. Somos capazes de processar essas informações e prever os cenários onde amanhã estaremos atuando. E somos tolos o bastante para advertir os mais próximos sobre o que está por acontecer. Mas estamos condenados à maldição que recaiu sobre Cassandra. Somos impotentes, como ela, para modificar a história.

Não há nada do que está acontecendo hoje no mundo que não tenha sido, incansavelmente, prenunciado por alguém que tinha o dom de ouvir as vozes dos deuses. Não há nada do que está acontecendo na África e que ainda vai acontecer, que não tenha sido e não venha sendo prenunciado aos quatro ventos. Não há nada do que esteja acontecendo hoje na América do Sul, que não tenha sido resenhado por um bom observador da realidade. Não há nadica de nada do que acontece hoje no Brasil que não tenha sido, por um e por todos, com um mínimo de bom senso, nada, nada mesmo, que não tenha sido já pressentido, previsto, descrito, dito e datado.

Agora, o que temo é a falta do medo, que antes sentia e não sinto mais. Escuto as vozes dos deuses. Como todos nós, costuro as palavras umas nas outras e, do desenho que surge delas, bordo os cenários que se prenunciam. Mas, diferente de Cassandra, já não fico histérica com o que vejo. Já não temo a sorte que nos atropela no meio da rua. Estou imune ao desespero. Conformada com o papel que a maldição de Apolo nos reservou a todos, de profetas desacreditados do apocalipse. Vou curtir o fim de festa na beira da praia. Vou pular sete ondas e desejar, com todas as minhas forças, que os deuses, sempre misericordiosos, nos concedam o antídoto da maldição de Apolo. Desejar que, em algum tempo, que não seja tão distante assim, despertemos da nossa apatia e retomemos o controle do bonde da nossa história.

Vou fazer as malas.

Já que não adianta mesmo desesperar, boa distração a todos, belas aventuras e que, nas estradas dessa vida, encontrem melhores histórias para serem ouvidas e recontadas.

Hasta la vista!

domingo, julho 09, 2006

Ah, olhar estrelas!

Acabou. Ufa! Já estava ficando enfarada de futebol. Essa final mesmo, só vi por ver. Queria que a Itália ganhasse, porque os italianos são mais alegres e saberiam comemorar com mais entusiasmo. Mas pela experiência que adquiri nessa Copa, achei mais prudente não contar pra ninguém e torcer pela França. Deu certo. E não foi só esse truque que aprendi nesses 30 dias não. Foi um período de grande aquisição de novos conhecimentos.

Aprendi, por exemplo, que futebol também se joga com a cabeça. Isso é óbvio. Mas até onde eu entendia, a cabeça era para cabeçear a bola, como o Ronaldinho fez e funcionou num dos jogos do Brasil. Depois de muito sofrimento, compreendi, no entanto, que não bastam só as cabeçadas dos jogadores. O técnico também precisa usar a cabeça, bem mais do que os pés. Aliás, os pés devem ter uma utilidade convencional para os técnicos, a cabeça é que precisa estar turbinada para bolar as jogadas que vão surpreender os adversários. Sobre cabeçadas, aprendi também que, no caso dos jogadores, eles devem ter como alvo única e exclusivamente a bola. Quando um jogador tenta usar a cabeça para, por exemplo, neutralizar um adversário, ele pode zidanar. Essa foi uma grande lição.

Outra coisa que aprendi nesses 30 dias foi que todos nós, quando atingimos o nosso limite, chegamos à exaustão, quando já estamos prestes a desmontar, todos nós temos o direito, o dever, a obrigação de nos jogarmos ao chão. Doravante, isso passa a ser normal pra mim. Nunca vi, principalmente depois das quartas de finais, tantos jogadores se jogarem ao chão, sem nenhuma razão aparente, a não ser o cansaço. Ficavam ali, olhando pro céu, até receber, nem que fosse por alguns mínimos instantes, a assistência da equipe técnica. Aí bebiam uma águinha fresca, respiravam, levantavam e bola pra frente. Vou adotar essa prática com maior freqüência também. Ando cansada de correr pra lá e pra cá, segurando peteca, descascando abacaxi e tapando buraco que não abri. Vou me jogar ao chão e ficar olhando as estrelas de vez em quando.

Tem mais, aprendi o novo significado da expressão fair play. A língua é assim mesmo, está em permanente movimento. Até onde eu sabia, fair play é aquela qualidade de quem joga limpo, com classe, com elegância, sem ferir as regras do jogo. Eu nunca usei essa expressão, embora tenha muitos amigos que têm fair play. Mas já tinha visto, algumas vezes, pessoas se referirem a outras, até mesmo dentro da política, como sendo alguém que tem fair play. Este significado, no entanto, parece, caiu em desuso nesta Copa. Fair play agora significa aquele que está abúlico, apático, sem vontade, sem desejo, sem alma. Pelo menos é isso que entendi, quando deram o título de campeão de fair play para o Brasil. É isso mesmo, né?

Aprendi ainda, distraidamente, que nem sempre que a bola balança a rede, é gol. Isso foi o Maurício que me ensinou. Ele entende tudo de futebol. Comemorei muitos gols que não existiram, só porque a bola balançou a rede, mas pelo lado de fora. Paguei esses micos sim, mas aprendi, né? Aprendi o que é impedimento. Aliás, isso eu já sabia, só que, conhecia por banheira. Era assim mesmo que o Fernando Sasso dizia, mas isso, no meu tempo: fulano estava na banheira. Aliás, de novo, Fernando Sasso fez muita falta nessa Copa. Os jogos do Brasil estavam perfeitos para o seu estilo de narração.

Outra coisa que aprendi é que futebol se resolve é no campo. Como na vida. Pode até ser que esta Copa tenha tido bastidores impublicáveis ou, pelo menos, ainda não decifrados pelos repórteres e comentaristas esportivos, que não têm muito faro investigativo, com raríssimas exceções. O Brasil é um exemplo. O Brasil não jogou porque se jogasse ganhava e não podia ganhar. Isso é uma hipótese. Pode ser que o Brasil estivesse impedido de ganhar por alguma negociação de bastidor, feita por não sei quem e nem por qual objetivo. Pode ser. Mas isso não interessa ao torcedor. Ao torcedor, interessa o jogo que está sendo jogado no gramado verde. E nesse, o Brasil zidanou. Isso é o que vai para a história. Os bastidores, se ninguém revelá-los, entrarão para a galeria do esquecimento. Como na vida. O que vai pra nossa história, é só aquilo que fizemos em campo. Nossas intenções, por melhores que fossem, servem só para descrever o que não fomos.

Mas isso já é divagação. Antes, aprendi muitas outras coisas. Nesses 30 dias, aprendi a fazer um risoto de cerveja preta e linguiça que é uma delícia. Ficou com uma aparência e um sabor tão parecidos com o da culinária da Croácia, que resolvi incluí-lo entre os pratos típicos dessa cozinha. Não sei se os croatas vão gostar da idéia, mas do risoto, tenho certeza que aprovariam. Aprendi também o que é um cassulê. Não aprendi a fazer, mas gostei de degustá-lo. Aprendi também uma receita de bacalhau na nata. Não arrisquei fazer, claro, mas quem sabe um dia.

Então. Foi um período de intenso aprendizado. Estou exaurida. Vou me jogar ao chão. Mas, antes disso, vou pôr em dia o que ficou pra trás, por conta dos jogos da Copa. Depois pego a estrada. Vou repôr o meu estoque de ares marinhos. Repensar em ondas tudo o que aconteceu ou qualquer outra coisa que me venha a cabeça.

Bom fim de jogo pra todos. Aproveitem e joguem-se ao chão também e se deixem ficar olhando as estrelas só por alguns instantes. O suficiente para retomar o folego e, depois, bola frente, que a vida continua!

Até de repente.

quarta-feira, julho 05, 2006

O melhor lugar de todos os lugares

Não há melhor lugar para estar do que estar contente
Gonçalo M. Tavares - Poeta português

Adoro o destempero de Filipão. Sua falta de civilidade. Seu jeito de paizão. Suas broncas, suas reações intempestivas, sua vibração. Se futebol não é emoção vai ser exatamente o que? Um bando de homens de um lado, um bando de homens do outro e todos correndo atrás de uma bola? Ou andando ou se arrastando? Qual a graça disso, se não tiver coração? Então, deixem Filipão, antes que começe a dar bolhas no pé dele. Que coisa, siô! Olha só, nem bem terminou o jogo com a França e já me inventaram, na falta de assunto deles, de querer conter Filipão. Domesticar sua alma e seu jeito extravasado de ser. Fico pensando que precisamos mesmo é de pôr limites na vaidade, na abulia, no jeito pirracento de ser de alguns outros. Filipão precisa é de espaço, pra correr, pular, xingar e comemorar cada um de todos os instantes emocionantes dos jogos que comanda.

Eu penso assim. Eu e quase todo mundo. E, principalmente, quase todo mundo e os números, que só mentem se deixarmos. Tá lá, nas estatísticas da Fifa, Portugal foi um dos times mais combativos desta Copa Europa de Futebol. Antes de Portugal, só Alemanha e, depois da terrinha, só França e Itália. Engraçadamente, os quatro finalistas. Depois dizem que o futebol europeu é sóbrio. Os números mostram o contrário, jogaram como ébrios, loucos e ensandecidos. O único time com perfil equivalente, que ficou de fora da final, foi Gana. Mas isso foi um azar, não conta.

Portugal foi à luta. Brigou como um guerreiro bárbaro para ir até onde chegou. Foi o time que recebeu o maior número de cartões amarelos: 21. Mas não foi desleal. Não foi vingativo. Tinha era fome de bola mesmo, por isso entrava com fúria e, às vezes, extrapolava. Portugal, depois da Alemanha, foi o time com o maior número de faltas cometidas: 101. Mas não foi traiçoeiro, não foi maldoso. Tinha era sede de pegar a bola. Fez 154 desarmes de jogadas adversárias. Mais que a França e Itália, e apenas 34 menos que Alemanha.

Portugal subiu nas tamancas e rodou a baiana. Ninguém faz isso impunemente. Quem já armou barraco alguma vez na vida conhece bem a regra no. 1 dos pavios curtos: é preciso ter coragem. Ninguém sobe nas tamancas se tem medo de cair. Ninguém roda a baiana se tem medo de levar canelada. Ninguém bate de frente se tem medo de quebrar a cara. Então. É preciso ter coragem e Portugal teve. Nos jogos que jogou sofreu 101 faltas. O Brasil, com um time de campeões, com uma seleção dos melhores do mundo, marcada homem a homem, sofreu míseras 91. Ou nossos adversários tiveram medo de nós, o que cá pra nós, não aconteceu, ou nossos jogadores não tiveram tanta coragem quanto nossos irmãos portugues. Posso concluir isso, não posso?

Acho que posso, porque foi essa vontade de lutar, essa falta de medo de errar, essa coragem de ser o que se é, para além das simples aparências e sem nenhum limite é que fizeram Portugal chegar onde chegou e estar agora onde está, no melhor lugar de todos os lugares: campeão moral de 2006. E, por isso eu também, hoje, estou no melhor lugar para estar, que é mesmo, de verdade, o lugar de estar contente.

Inté

PS: Só uma curiosidade. Sabe quais foram os dois times menos combativos nessa Copa? Quer saber? Vou contar: Arábia Saudita e Estados Unidos. Não é curioso? Deve ser que, pra eles, guerra é guerra, futebol é futebol.

sábado, julho 01, 2006

Mas hein?!

Quer saber? Não me envolvo mais com esse negócio de futebol. Cruz, quase tive uma síncope nesse jogo e o Parreira lá, impassível, impoluto, como se nada estivesse acontecendo, como se não fosse com ele. Eu, hem? Tô fora. Coisa feia, siô. Quequié aquilo, gente? O relógio correndo e os jogadores lá, andando dentro de campo. E nos bons momentos. Em outros, ficavam era parados mesmo, esperando a bola chegar. Onde já se viu isso? Nem em pelada, no lote vago que tem perto aqui de casa.

Não tô falando de jogo bonito não. Isso já seria uma sofisticação, considerando o desempenho do Brasil nos jogos anteriores. Tô falando de resultado mesmo. Do futebol pragmático dos europeus, que o Brasil inventou de jogar. Nem isso. Sei não, parece que essa Copa foi decidida no tapetão. Rifaram a Copa no pregão da Fifa e o Brasil sofreu uma desvalorização de leve, para fazer circular os investimentos que estão empatados nesse mercado. Será Kfouri? Acho que será.

Olha só, desde o dia em que vi Zagallo chorando na Globo, antes do início da Copa, fiquei com um mau pressentimento. E Bobial lá, esfregando o braço do Zagallo e fazendo cafuné, numa cena patética. Muito esquisito. Tudo muito esquisito. Não foi um choro emocionado, foi sentido, parecia mesmo um choro antecipado. Depois vieram os problemas. Não tinha. Mas começaram a fabricá-los. Um atrás do outro, para, como diz Otávio, render assunto nas mesas redondas. Agora, pronto, devem estar esfregando as mãozinhas. Temos um problemão para meses de mesas rendondas.

E a tristeza do Armando Nogueira? Nem me falem. Achei que hoje, no final de tudo, ele estava até mais aliviado. Agora tem uma coisa, não vou incluir Pelé nessa história, mas o Galvão..., o Galvão, não resisto. A primeira frase dele, antes do jogo começar, foi um alerta. Isso é apenas um jogo de futebol. É bom que pensemos assim. Como? E o que mais seria? Exatamente, o que o Galvão quis dizer com esse comentário? Meu sofrimento começou justo nesta frase e se agravou no momento em que Zidani, já no final do jogo, entregou o cartão fidelidade à seleção brasileira. Aí foi a vergonha mesmo. Deslavada.

Agora, tô pasma. Arrasada. Mas ainda vou continuar tentando entender o que estão querendo de nós. Primeiro, detonaram com a política. Agora, nos tiram o futebol. Religião já foi pras cucuias faz tempo. Hoje, cada um tem a sua e ponto final. E aí? Vamos discutir o quê, na hora de jogar conversa fora? Superávit primário? Resultado do Enem? Endemias? Safra da soja, preço do boi em pé? Façam me o favor, né?

Vou voltar às origens. Voltar a ler jornal. Não a FSP, claro, mas qualquer um outro. Vou ler o noticiário político e trocar figurinhas sobre os candidatos. Vou questionar essa história de um deus homem e de um filho que é mais filho que os demais. De um deus que está mais presente numa só cria e não em todas e em todo lugar. Quero discutir isso. Quero discutir essa história também do Ronaldinho Gaúcho não poder chegar perto do gol. Quem decidiu isso? Tinham medo de quê? Por que puseram ele fora da área? E mais, quero uma CPI da Copa Européia de Futebol. Ah, e mudei de idéia de novo. Vou continuar torcendo. Pro Filipão, que ele merece.

No mais, respirem aliviados. Pelo menos, acabou o sofrimento.

Um fado, um vinho, um queijo da Estrela da Serra e bons sonhos portugueses pra vocês.