quarta-feira, julho 05, 2006

O melhor lugar de todos os lugares

Não há melhor lugar para estar do que estar contente
Gonçalo M. Tavares - Poeta português

Adoro o destempero de Filipão. Sua falta de civilidade. Seu jeito de paizão. Suas broncas, suas reações intempestivas, sua vibração. Se futebol não é emoção vai ser exatamente o que? Um bando de homens de um lado, um bando de homens do outro e todos correndo atrás de uma bola? Ou andando ou se arrastando? Qual a graça disso, se não tiver coração? Então, deixem Filipão, antes que começe a dar bolhas no pé dele. Que coisa, siô! Olha só, nem bem terminou o jogo com a França e já me inventaram, na falta de assunto deles, de querer conter Filipão. Domesticar sua alma e seu jeito extravasado de ser. Fico pensando que precisamos mesmo é de pôr limites na vaidade, na abulia, no jeito pirracento de ser de alguns outros. Filipão precisa é de espaço, pra correr, pular, xingar e comemorar cada um de todos os instantes emocionantes dos jogos que comanda.

Eu penso assim. Eu e quase todo mundo. E, principalmente, quase todo mundo e os números, que só mentem se deixarmos. Tá lá, nas estatísticas da Fifa, Portugal foi um dos times mais combativos desta Copa Europa de Futebol. Antes de Portugal, só Alemanha e, depois da terrinha, só França e Itália. Engraçadamente, os quatro finalistas. Depois dizem que o futebol europeu é sóbrio. Os números mostram o contrário, jogaram como ébrios, loucos e ensandecidos. O único time com perfil equivalente, que ficou de fora da final, foi Gana. Mas isso foi um azar, não conta.

Portugal foi à luta. Brigou como um guerreiro bárbaro para ir até onde chegou. Foi o time que recebeu o maior número de cartões amarelos: 21. Mas não foi desleal. Não foi vingativo. Tinha era fome de bola mesmo, por isso entrava com fúria e, às vezes, extrapolava. Portugal, depois da Alemanha, foi o time com o maior número de faltas cometidas: 101. Mas não foi traiçoeiro, não foi maldoso. Tinha era sede de pegar a bola. Fez 154 desarmes de jogadas adversárias. Mais que a França e Itália, e apenas 34 menos que Alemanha.

Portugal subiu nas tamancas e rodou a baiana. Ninguém faz isso impunemente. Quem já armou barraco alguma vez na vida conhece bem a regra no. 1 dos pavios curtos: é preciso ter coragem. Ninguém sobe nas tamancas se tem medo de cair. Ninguém roda a baiana se tem medo de levar canelada. Ninguém bate de frente se tem medo de quebrar a cara. Então. É preciso ter coragem e Portugal teve. Nos jogos que jogou sofreu 101 faltas. O Brasil, com um time de campeões, com uma seleção dos melhores do mundo, marcada homem a homem, sofreu míseras 91. Ou nossos adversários tiveram medo de nós, o que cá pra nós, não aconteceu, ou nossos jogadores não tiveram tanta coragem quanto nossos irmãos portugues. Posso concluir isso, não posso?

Acho que posso, porque foi essa vontade de lutar, essa falta de medo de errar, essa coragem de ser o que se é, para além das simples aparências e sem nenhum limite é que fizeram Portugal chegar onde chegou e estar agora onde está, no melhor lugar de todos os lugares: campeão moral de 2006. E, por isso eu também, hoje, estou no melhor lugar para estar, que é mesmo, de verdade, o lugar de estar contente.

Inté

PS: Só uma curiosidade. Sabe quais foram os dois times menos combativos nessa Copa? Quer saber? Vou contar: Arábia Saudita e Estados Unidos. Não é curioso? Deve ser que, pra eles, guerra é guerra, futebol é futebol.

Um comentário:

Fernanda Andrade disse...

Parabéns pelo texto e pela escrita que flui frase após frase com a facilidade de um pensamento. Pablo Neruda diz "Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias." Mas sabemos que só é fácil pra quem sabe e você sabe muito bem !! Abraços, Fernanda