quinta-feira, dezembro 28, 2006

Dia de cão

Trilha alternativa: Pesar do mundo, com Caetano.

Hoje acordei politicamente incorreta. Acho que neste final de ano tive uma overdose de sorrisos e abraços. Agora acordei com vontade de rosnar. Nada como um dia após o outro. Estranhei tudo que, por acidente, estava mais perto de mim. Estranhei a cerca elétrica, as grades, as portas e janelas da minha casa. Quando foi mesmo que tivemos de construir essas muralhas para nos guardar do mundo lá de fora? Nem me lembro mais, mas não importa. Por mim, cimentava o jardim, que está todo florido, rodeava a grade com arame farpado e pregava uma placa: Cuidado! Cachorro bravo! Ainda armava alçapão na varanda para afastar os passarinhos, que me acordam todo dia zoando até eu levantar.

Estranhei os pivetes na rua. Um bando deles, descendo a rua rindo e fazendo palhaçadas. Riem do quê? Nem olhei, para que não se aproximassem, porque se me pedissem qualquer coisa, um copo d´água que fosse, rosnaria para eles também. Cansei de conversa fiada. É sempre o mesmo teatro. Fazem cara de triste, falam choramingando, apelam para nosso espírito cristão e vão indo até partir meu coração. Mas hoje rosno para todos eles.

Estranhei o gerente do supermercado, que veio todo gentil e sorridente anunciar as ofertas do dia. Desviei-me dele como o diabo da cruz. Uma, duas, três vezes. Será que ele não se cansa de fazer esse papel ridículo todas as manhãs? Será que ele não sabe que já desconfiamos da sua matemática compensatória, aumentando o preço de produtos que, inevitavelmente, teremos de levar, só para cobrir os descontos que nos oferecem nas perfumarias? Rosno para ele também, principalmente, se insistir em me perseguir nos corredores do supermercado.

Estranhei um motorista de carro, que vinha bem ao meu lado, e reduziu a marcha de repente só para um pedestre afoito atravessar a rua correndo. Não foi pelo susto que levei nem pelo meu reflexo, que também me fez reduzir a velocidade para o mesmo gaiato passar. Mas estranhei o motorista por ele não ter estranhado o pedestre que deveria ter tido mais paciência e aguardado disciplinadamente a sua vez de passar. Conheço essas manhas, porque também gosto de andar a pé. Sei muito bem que, para enfrentar o poder da máquina, os pedestres se fazem de bobo e se atiram na frente dos carros, certos de que serão salvos pelo bom senso. Às vezes se estrepam, mas só às vezes. Rosnei para os dois e fui embora.

Estranhei as músicas que tocavam no rádio. Uma seqüência de seis, todas iguais. A mesma escala de dó, onde alguém espera outro alguém que não vem ou que já foi. Porque não rosnam também? Aperto uma tecla e mudo para o noticiário. Tudo igual outra vez. Uma guerra, alguém que morreu, alguém que matou, alguém que roubou, um país que cresce, uma país que não cresce. Mudam-se apenas os lugares e os nomes, mas a história é a mesma. Nem rosno mais, porque nessa faixa todos já rosnam uns para os outros. Estou dispensada.

Mas, pensando bem, é melhor não perder o jeito. Rosno para Saddam Hussein, responsável pela morte de 148 xiitas na cidade de Dujail, em 1982. Rosno mais ainda e mais ferozmente para bush, responsável pela morte, em fardas americanas e apenas por enquanto, de mais de 3 mil soldados, em solo iraquiano. Rosno de longe para o Planalto e de perto para Justiça que arquivou a ação penal contra Paulo Maluf. Rosno para o Índice de Capacidades Básicas do Observatório da Cidadania, onde o Brasil ocupa o 82° lugar entre 162 países, apesar de ser a 15ª economia do mundo (ja fomos a 8ª, não fomos?). E por aí afora foi o dia inteiro. Eu, do meu canto, rosnando para o mundo.

Ah!, nada como um dia para rosnar! Ao final dele, estamos desanuviados e novamente em paz. Prontos para um novo ano. Que coisa siô, tá custando a chegar! Mas amanhã ou depois estarei de novo em frente ao mar, andando descalça na areia, pulando as ondas e deixando ir e vir os pensamentos que quiserem brotar. Se der, passarei por aqui. Se não der, não passarei. Mas, com certeza, já não terei mais vontade de rosnar.

Dias de sol, uma sombra generosa, debaixo de uma amendoeira, um vento salgado e uma água gelada para todos nós, porque estamos merecendo.


E hoje, que o anjinho da guarda vele pelos sonhos bons de todos vocês!

domingo, dezembro 24, 2006

Insanidades consentidas

Trilha alternativa: Arnaldo Antunes, de novo! O que você quer

Ufa! Está passando. Mais alguns dias e estaremos do lado de lá, mergulhados em um novo ano. Mas aí, novos dias, de segunda a sexta; novos fins de semana, de feriados emendados e de noites de domingo; mais tardes chuvosas, sessão de cinema e pipoca; mais festas, batizados e casamentos; e, de novo, o fim do ano outra vez e assim por diante. Ainda assim, já que sempre será, só mais alguns dias e escaparemos a salvo da histeria mansa que entranha por nossas veias e nos tira do frágil equilíbrio que mantemos, a duras penas, ao longo de todos os meses, até antes do final do ano chegar.

Nessa temporada, o inflexível andamento do tempo fica em suspenso e flutuamos leves e soltos entre o passado e o futuro, livres da segura âncora do presente. Perdidos na linha de nossas histórias, divagamos entre o que fomos, o que seremos e o que gostaríamos de ter sido e o que desejamos ser. No rumo incerto das lembranças e fantasias, embarcamos na loucura insana de não nos deixarmos ser, nem só por um instante, o que de fato somos. Até que, de repente, o sol amanhece em outro ano, e retomamos o fio que nos conduz por mais 365 dias, subtraídos aqueles nos quais vigora o nosso delírio flutuante da passagem.

Mas neste ano não vou me deixar levar. Vou fincar pé naquilo mesmo que sou. Paciência. Vou seguir à risca as sete orientações de Dunker, descritas no seu Manual de Sobrevivência Psíquica de Fim de Ano. Foi a Rutinha que me emprestou. Valeu! Pra começar, não vou deixar escapar nem um detalhe de nada das festas e encontros de fim de ano. Não vou usar nenhuma estratégia diversionista. Ficarei atenta mesmo naqueles detalhes que me tragam o desprazer de lembranças incômodas. Vou recebê-las como um presente do tempo e revivê-las desprevenida, com a calma e a leveza que acabei por adquirir. Vou tentar, mesmo sendo difícil, transformar as vivências efêmeras das gentilezas sociais em experiências.

Depois, esqueçam, não vou contabilizar os fracassos e sucessos do ano que passou. Já sei que se fizer isso a soma vai dar zero, igual a nada. Esse jogo já não tem mais nenhum significado. Melhor do que isso é ter a certeza de que vivi plenamente todos os momentos, bons e ruins, e deles tirei um naco de tudo que precisava para seguir em frente. Também não vou fazer lista de promessas para o próximo ano. Não quero mais ser prisioneira dos meus desejos. Não vou transformar as minhas aspirações em obrigações compulsórias, como ensinou Dunker. Vou traçar o que vier, mas só caminhar nas trilhas que eu mesma desbravar.

E tem mais, não vou brincar de acreditar na magia dos rituais que se repetem nas festas e encontros de final de ano. Crianças, se cuidem! Não vou fingir que acredito nem permitir que alguém acredite por mim nas verdadeiras e encantadas histórias de Papai Noel. Conheço bem todas elas e por isso me comporto direitinho o ano inteiro, pra não pagar mico na noite de Natal. Também creio com fé na brincadeira do amigo oculto. Se me contarem, não acredito que alguém tenha burlado o sorteio e muito menos que alguém já tenha descoberto quem é o seu amigo oculto ou de quem quer que seja. Esse é um mistério que só se desvenda à meia noite do dia 24 para 25 de dezembro. E sou ainda mais tão crente, que levo a sério até o banho de sete ervas, com pétalas de rosas brancas e vermelhas; a sopa de lentilhas; as doze uvas; a roupa branca; as sete ondas e tudo mais que me contarem. E vou continuar assim.

Outra coisa, podem contar comigo para todas as brincadeiras, mas saibam, de antemão, que estarei à certa distância de mim mesma, em todos os momentos, me observando de banda, para não perder nada. E se não ficar satisfeita com o que estiver vendo, se achar que estou me excedendo, mesmo que só um pouco, mas o suficiente para não mais me reconhecer, não tenham dúvida, vou me recolher. Não tenho receio de estar comigo, já que faço isso o dia inteiro e, para ser sincera, prefiro assim, a ter que desempenhar papéis que não me cabem em histórias que não escolhi, só porque é Natal ou só porque é o último dia do ano.

Por fim, a regra de ouro: vou tentar, de verdade, fazer tudo isso que descrevi, mas se não conseguir, não vou me desesperar. Só não vou levar tão a sério assim as loucuras insanas, mas consentidas, de final do ano. Como recomenda Dunker, vou guardá-las com carinho, que já é o suficiente. E para entrar de bem com 2007, vou imitar os romenos, que imitaram os romanos. Um pouco antes da meia noite, vou apagar as luzes e parar o relógio. Só quando ouvir os foguetes lá fora, é que farei os brindes que, na hora, me vierem à cabeça e deixarei a luz iluminar novamente trazendo de volta a lucidez.

Um sonho mágico para todos, de hoje até o sol amanhecer já no outro ano.

Se der ainda volto.

domingo, dezembro 17, 2006

Modo de Vida

Trilha alternativa: Quase tudo, com Arnaldo Antunes

Os norte-americanos continuam sendo a população mais gorda do planeta. Nada a declarar. Nem precisaria. Mas não saberia dizer se são também a população mais esfomeada do mundo. Agora, com certeza, é a que tem o presidente mais guloso de todos. Ele quer sempre mais e mais todo o resto que sobrar. Isso tem a ver com o seu jeito ambicioso de olhar pro mundo. O que ele não deve saber, no entanto, é aquilo que Maria já sabia há muito tempo e repetia o dia inteiro para os meninos: quem tudo quer tudo perde. Tá demorando, mas uma hora chegamos ao fim.

Agora, a obesidade dos norte-americanos deve ter a ver com uma gula de outra natureza. Ou, então, está mais ligada ao modo de vida que eles andam levando. Por isso devemos observá-los com atenção redobrada para fazer tudo diferente, se possível, o oposto. É claro, não é não meninas? Ou vocês querem passar a vida inteira correndo da balança? Segundo o Resumo Estatístico dos Estados Unidos de 2007, divulgado nesse final de semana, os norte-americanos passaram, no último ano, cerca de oito horas e meia por dia assistindo à televisão, usando computadores, ouvindo rádio, indo ao cinema ou lendo.

Danou-se, hem? Fui fazer as contas e acho que não estamos longe disso não. De manhã, gosto de tomar café lendo jornal. Nisso gasto algo em torno de 40 minutos, fazendo uma leitura em diagonal. Aí vou trabalhar. Trabalho nove horas por dia, dessas nove, pelo menos quatro passo em frente ao computador. Na temporada escolar, fico pelo menos duas horas e meia dentro de um carro, levando e buscando meninos e ouvindo rádio. Quarenta minutos, mais quatro, mais duas e trinta dão sete horas e dez minutos, certo? À noite, quando chego em casa e termino o terceiro turno, gosto de ver o Jornal das 10, mais uma hora de televisão. Vamos para oito horas e dez minutos. Ainda leio umas duas ou três páginas de livro antes de dormir, chegamos às oito horas e trinta minutos.

Ou seja, não estamos num bom caminho. Fui fazer contas de novo, só por alto, para ter uma idéia da grandeza do nosso problema. Perdi 44 dias do ano em frente ao computador. Outros 22 dias só ouvindo rádio! Onze dias vendo televisão e mais onze lendo jornal e folheando livro. Não estou contando os finais de semana e feriados, porque nesses dias a rotina sai do ar. Do total dos dias úteis, foram 88 dias, quase três meses do ano, dedicados exclusivamente à atividades sedentárias. Assim não é possível, meninas! Isso não é jeito viver, vocês concordam? Não há regime algum no mundo nem academia que supere o peso dessa rotina sobre nossas vidas.

E nem pensem em argumentar dizendo que dedicamos os outros nove meses do ano às atividades físicas: andando, correndo, nadando, malhando e assim por diante. Me conheço bem e sobre todas vocês tenho pelo menos uma leve idéia. Estou muito segura para dizer que até corremos muito o ano inteiro, mas estamos longe de poder afirmar que temos uma atividade física regular que compense verdadeiramente os 88 dias de atividades sedentárias. Não se esqueçam que não inclui no rol das atividades sedentárias as horas gastas com reuniões, que sozinhas devem consumir mais três meses; as horas de supermercados e sacolões; horas de alimentar, tomar banho, dormir que ninguém é de ferro e assim por diante.

Então, ou damos um jeito nisso em 2007, de forma radical, ou vamos é correr o risco de acabarmos como os norte-americanos. Lá, tirando a bicicleta que é a campeã das campeãs, o segundo objeto responsável pelo maior número de acidentes com ferimentos é a cama. Pudera, não é não? Não há estrutura que agüente o peso desse povo. E muito menos suporte o peso de seus pesadelos, provocados, com certeza, pela gula do presidente que eles foram nos arrumar.

Uma semana de alegres preparativos para a saborosa ceia de Natal!

Buenas a todos!

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Façam o que eu digo, não o que faço

Trilha alternativa: Solução de Vida (Molejo Dialético) de Paulinho da Viola e Ferreira Gullar, na voz do primeiro.


Meninas, tenho boas e más notícias. Primeiro, vamos às boas. O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, o empresário Paulo Skaf, aderiu a nossa campanha de boicote aos produtos chineses. Nem acreditei. Um paulista! Vocês sabem, isso é muito difícil para eles, é um ato quase revolucionário, porque tudo na vida de um paulista é business e business is business. Questionar as regras do mercado não é, para eles, um ato de ousadia, mas de insanidade mental. Por isso fiquei muito sensibilizada com a atitude de Skaf e, principalmente, desconfiada.

Mas não foi ninguém que me contou de ouvir falar que alguém disse que foi assim. Eu mesma ouvi a notícia na CBN e depois fui lá no blog do Sardenberg conferir. É verdade pura. Skaf confessou suas intenções num almoço de final de ano. Falou na presença de uma platéia de jornalistas e nem pediu off. Perdeu o controle da língua, como diria a Rutinha, e desceu a pua nos chineses. Para ele, as relações entre Brasil e China não são nada saudáveis. São ruins e de baixa qualidade, justamente porque só vendemos aos chineses matérias-primas, sem nenhum valor agregado, e deles compramos os produtos manufaturados, que nem são tão mais caros assim, mas que são muuuuuuiitos mesmo e estão prejudicando a produção nacional.

Meninas, pensem bem como deve ter sido difícil para o presidente da Fiesp dizer isso com todas as letras e para um público que também só sabe dar com a língua nos dentes. Olhem, eu fiquei consternada. O Cláudio acha que sou boba, que essa é uma reação absolutamente natural dentro do mercado. Que o presidente da Fiesp está apenas defendendo os interesses de seus filiados. Que, aliás, ele, o Skaf, vem denunciando isso não é de hoje. E mais, disse que os empresários brasileiros são assim mesmo, não gostam de se sentir ameaçados, ainda mais pela concorrência e disse que mais um monte de coisas que não vou repetir aqui, porque é tudo aquilo que já desconfiávamos desde criancinhas.

Pode ser isso mesmo, mas quando olho para o mercado chinês, com aqueles milhões e milhões e milhões de chinesinhos, que inviabilizam a economia de escala de todo o resto do mundo, eu penso que os empresários paulistas estão sendo muito ousados mesmo. Nem importa se nossa pauta de exportações para China é pouco diversificada. O fato é que, mesmo sendo poucos produtos, para eles só podemos vender muuuuuito, porque a China, já sabemos, é desproporcional.

E pode mesmo até ser isso tudo que o Cláudio falou, mas Skaf me pareceu corajoso e também muito sincero. Além do chôroro, o empresário paulista pegou pesado e acusou a China de banditismo, olhem só!, banditismo, por adotar práticas de comércio desleais. E não ficou só no blábláblá não. Skaf confirmou que a Fiesp tem 11 processos de antidumping contra a China e outros 30 em preparação. Viram? Essa foi uma adesão de peso ao nosso movimento. Foi ou não foi?

Bom, agora vamos à má notícia. Segundo o relato do jornalista Carlos Alberto Sardenberg, depois de fazer esse pronunciamento, cheio de murros e pontapés, Skaf encerrou a celebração de final de ano distribuindo um brinde aos jornalistas. Adivinhem, meninas! Isso mesmo, a lembrancinha da Fiesp, não era nada mais e nada menos do que coloridos pen drivers, nosso sonho de consumo. Mas não é isso que vem ao caso, o que foi mal é que esses chipzinhos eram autênticos produtos made in China.

Viram como é difícil, meninas? Nossa campanha tem até uma boa bandeira, mas os chineses tem um preço melhor. Tudo o que eles vendem é baratim. E aí é que está. No mercado, eles são sedutores e imbatíveis. Eu mesma estou resistindo bravamente. Não entrei na Gojureba e nem fui ao Shopping Oi. Juro que não comprei nem um made in China de presente de Natal, mas vou repetir pra vocês, não está sendo fácil. É puro sofrimento.

Sonhos altruístas para todos e um restinho de semana de consumo controlado.

Inté

sábado, dezembro 09, 2006

Papai Noel, você não existe!

No seu lugar, eu ficaria muito furiosa, de tão brava, com esse bando de marmanjos que, de seus gabinetes carpetados e empoeirados, apontam metralhadoras giratórias para o resto do mundo e apertam o gatilho sem a menor cerimônia.

No seu lugar, ficaria muito horrorizada com todo este espetáculo bárbaro que somos obrigados a assistir todos os dias, via satélite, ao vivo e à cores, expondo a morte violenta de milhares de homens, mulheres e crianças, nas pequenas e grandes guerras que se espalham como praga pelo mundo inteiro, sem mesmo darmos conta disso.

No seu lugar Papai Noel, ficaria ainda mordida, para não dizer muitíssimo irritada, com os carinhas que não tiram o pé do acelerador nem na entrada de curvas fechadíssimas, como a que estamos agora. Pisam é mais fundo e saem sofregamente empurrando pro lado tudo e todos que estão no meio do seu caminho, derrubando tudo que atravanque sua passagem, detonando todos os limites naturais que impedem seu avanço e ignorando solenemente as conseqüências de seus atos. Tudo em nome do que chamam progresso.

No seu lugar, ficaria também buzina da vida com um carinha em especial, aquele que não assina o Tratado de Kioto nem que um furacão arraste sua casa para o fundo de um abismo. Não que o seu nome tenha poder para conter o aquecimento global, o degelo das placas polares, o avanço dos mares sobre as terras costeiras, os furacões, tornados e vendavais que invadem cidades hoje mega habitadas e provocam estragos monstruosos. Não que esse carinha tenha o dom de conter a desertificação de um continente inteiro, de impedir o crescimento do buraco de ozônio, de reduzir a contaminação do ar e da água e tudo mais. Mas, admitamos, a sua assinatura sinalizaria uma intenção, uma vontade muito forte, por parte de alguém que, efetivamente, se quisesse, se tivesse bom senso, tivesse tino, poderia mesmo fazer tudo isso.

No seu lugar, Papai Noel, ficaria deveras muito fula mesmo com esse carinha em especial, que parece muito poderoso aos olhos do mundo, mas que se submete de forma hiper subserviente, diria até mesmo servilmente, aos financiadores do seu mandato, principalmente o maior deles, a indústria armamentista. Para agradá-los, esse carinha em especial, nos seus seis anos de governo, até então, espalhou a guerra e o terror pelo mundo inteiro e, junto com eles, o medo, o pavor, o horror e a necessidade inescapável das vítimas de sua estratégia eleitoral, de se armar até os dentes para se proteger dos perigos dessa vida. E aí, o carinha em especial, gentilmente, oferece a rodo para o mundo inteiro, em suaves prestações, fuzis M16A2, mísseis sparrows de longo alcance, blindados M60A3, caças F117 night hawk, entre outros armamentos, além, claro, de soldados recrutados mundo afora, principalmente nos países pobres, mas todos muito bem treinados para combater o que quiserem. Qualquer coisa ou coisa nenhuma, pois que não faz a menor diferença.

No seu lugar, ficaria ainda muito desapontada, decepcionada mesmo, com esse bando de marmanjos, que mesmo sem ter o poder do carinha em especial, poderia, sem a menor sombra de dúvida, fazer alguma coisa para subverter o paradigma de progresso a qualquer preço, substituindo-o por um novo modelo de crescimento sustentável, solidário, compassivo. Um progresso que promovesse o bem estar coletivo e não a acumulação selvagem dos 10% , que visa apenas garantir o caviar regado a veuve clicquot dos 2% e os cessninhas citation II dos menos de 1% ou daquelas 10 famílias que estão no topo da pirâmide e assim por diante.

E já que estamos falando tudo mesmo, no seu lugar Papai Noel, sentiria um baita desprezo por essa turma que viajou de classe executiva para a Europa, ficou nos melhores hotéis ou ainda por lá permanece, comendo do bom e do melhor, em troca de alguns poucos minutos de alegria para todos nós, o povão, e me fazem o papelão que fizeram. Nos deixaram todos perplexos, com nossos bonés, camisetas, bandeiras, pandeiros e toda aquela parafernália das grandes torcidas organizadas, com tudo isso nas mãos, sem ter o que celebrar. Nos deixaram boquiabertos, no meio da arquibancada, quando, lá embaixo, no gramado, não viam a bola para chutar, não encontravam o companheiro para fazer uma tabela no capricho, não vislumbravam as traves para nelas mirar e marcar um gol. Nada, nada. Nos deixaram pasmos e assombrados, enfim, quando lá embaixo, no gramado, pareciam não saber o que ali faziam.

Também no seu lugar, ficaria estarrecida, possessa, muguenga de raiva, mesmo sem saber exatamente o que significa muguenga, mas muguenga assim mesmo de raiva, com esse bando de mangonas, que só conseguem olhar para o próprio umbigo, ou melhor, para o próprio bolso, e não alimentam nenhuma sensibilidade histórica para perceberem o seu papel crucial na consolidação da nossa democracia e de uma administração pública mais eficiente e produtiva, que promova a boa aplicação dos recursos públicos para o bem de todos e felicidade geral da nação.

Mas você, Papai Noel, você não! Você não existe! Com sua paciência de bom velhinho, sua generosidade, sua tolerância, sua capacidade invejável de ouvidor, seu espírito compreensivo, sempre disposto a perdoar todas as bobagens que fazemos o ano inteiro, sua sabedoria e compassividade ilimitadas nos faz esquecer de tudo isso. Esquecer e acreditar, piamente, cegamente, fervorosamente de que é possível, de um dia para outro, de uma noite para um dia, zerarmos nossa conta com o todo poderoso e começarmos tudo de novo. Do nada, do princípio outra vez, para ver se agora, quem sabe, vamos conseguir. Quem sabe, vamos acertar. Por isso, Papai Noel, você não existe!

No meio da correria de dezembro, que estamos sempre todos enfurnados, um final de semana de paz e sossego para todos, se ainda for possível.

Buenas e até de repente!

Fundo Musical: Jingle Bell, vocês queriam o quê? (rsrsrsinhos)

domingo, dezembro 03, 2006

No viver tudo cabe

Eu me lembro das coisas antes delas acontecerem - Riobaldo

Meninas, o que vamos fazer com mais dois meses e 12 dias de vida? Quero decidir logo sobre isso, porque resolvi encaminhar ao IBGE um requerimento, solicitando a antecipação desses dias para antes do fim. Não vou ficar esperando fazer 75,8 anos, que é a nova média de expectativa de vida das brasileiras, para só então somar mais dois meses e 12 dias de vida, não é mesmo? Quero vivê-los já! Se possível, num feriado prolongado, longe do trabalho, das rotinas de uma cidade grande e da pressão dos relógios digitais.

Quero aproveitar, o quanto antes, esse bônus que ganhamos em 2006. Quero me antecipar, porque vai que não consiga ficar na média das brasileiras! Até então, tenho alcançado, com razoável sucesso, a média de todos os principais indicadores que andam circulando por aí, mas nunca se sabe, não é mesmo? Já dizia Guimarães, viver é muito perigoso. E eu concordo. Mesmo que o IBGE me garanta que a mulher brasileira está vivendo, em média, 7,6 anos a mais do que os homens e que, em Minas, as mulheres vivem até um pouquinho mais que a média brasileira, chegando ao 77,7 anos, quase os 80 do Japão e da Suíça, não vou me iludir. Não vou deixar pra depois.

E olhem só, meninas, tem mais uma coisa. Os excels-boys da Previdência, aqueles que ficam ali na telinha do computador atualizando os cálculos de aposentadoria dos brasileiros, já avisaram: com esse aumento da expectativa de vida, todo mundo, homens e mulheres, terá de trabalhar por mais tempo. Ou seja, quando estivermos chegando perto do fim, vamos ter de ficar mais um pouquinho, trabalhar mais uns dias, para manter o mesmo valor da aposentadoria, entenderam? Simples: se vamos viver mais, receberemos um número maior de parcelas da aposentadoria e, para garantir esse pagamento, teremos de trabalhar mais um pouco, fazer o recolhimento da nossa contribuição e, assim, engordar o saldo de onde resgataremos o nosso sustento futuro. Se futuro houver, né? Se não, ficará pro caixa mesmo.

Então já viram, se deixarmos para depois, não vamos gozar esses dois meses e 12 dias. Vamos continuar no mesmo batidão de todo dia. Com todos aqueles inconvenientes e algumas comodidades, sobre as quais já discutimos. Isso se não estivermos cuidando dos filhinhos de nossos filhos. Hoje 466 mil avós brasileiras já são responsáveis pela educação e cuidado dos netos ou bisnetos. Tá certo que é divertido, né? Pensem bem: não temos de pôr limite nesses meninos, isso é tarefa dos pais. O que nos caberá é só o lado criativo da educação: rir das gracinhas, fazer travessuras junto com eles, passear e outras bobagens mais que crianças adoram. Mas, mesmo sendo gostoso, realmente, não estaremos livres para curtir os dois meses e 12 de dias de bônus a que temos direito.

E aí meninas, o que vamos fazer com esses dias? Pensem! Dêem asas à imaginação! Pensem grande! A mente humana não tem limites! E, como dizia Guimarães outra vez, no viver tudo cabe! Vamos viajar para algum canto do Brasil? Vamos pra fora, antes que nos venham com aquele dinheirinho contado, que teremos de separar em envelopes, para não perder a conta de nossas dívidas? Vamos por a agenda de visitas em dia? Vamos fazer uma excursão? Vamos, vamos?! Já pensaram? Brincadeirinha, pode deixar que eu mesma me incluo fora dessa. Nada de excursão! Então vamos ficar por aqui mesmo, fazendo nada na cidade, enquanto todo mundo tem de correr de um lado pro outro a semana inteira?

Bom, pensem bem meninas, mas não demorem muito. Precisamos decidir isso o quanto antes.

Uma semana curtinha para todos, com mais dois meses e doze dias de folga só para curtir!

Buenas!