domingo, dezembro 24, 2006

Insanidades consentidas

Trilha alternativa: Arnaldo Antunes, de novo! O que você quer

Ufa! Está passando. Mais alguns dias e estaremos do lado de lá, mergulhados em um novo ano. Mas aí, novos dias, de segunda a sexta; novos fins de semana, de feriados emendados e de noites de domingo; mais tardes chuvosas, sessão de cinema e pipoca; mais festas, batizados e casamentos; e, de novo, o fim do ano outra vez e assim por diante. Ainda assim, já que sempre será, só mais alguns dias e escaparemos a salvo da histeria mansa que entranha por nossas veias e nos tira do frágil equilíbrio que mantemos, a duras penas, ao longo de todos os meses, até antes do final do ano chegar.

Nessa temporada, o inflexível andamento do tempo fica em suspenso e flutuamos leves e soltos entre o passado e o futuro, livres da segura âncora do presente. Perdidos na linha de nossas histórias, divagamos entre o que fomos, o que seremos e o que gostaríamos de ter sido e o que desejamos ser. No rumo incerto das lembranças e fantasias, embarcamos na loucura insana de não nos deixarmos ser, nem só por um instante, o que de fato somos. Até que, de repente, o sol amanhece em outro ano, e retomamos o fio que nos conduz por mais 365 dias, subtraídos aqueles nos quais vigora o nosso delírio flutuante da passagem.

Mas neste ano não vou me deixar levar. Vou fincar pé naquilo mesmo que sou. Paciência. Vou seguir à risca as sete orientações de Dunker, descritas no seu Manual de Sobrevivência Psíquica de Fim de Ano. Foi a Rutinha que me emprestou. Valeu! Pra começar, não vou deixar escapar nem um detalhe de nada das festas e encontros de fim de ano. Não vou usar nenhuma estratégia diversionista. Ficarei atenta mesmo naqueles detalhes que me tragam o desprazer de lembranças incômodas. Vou recebê-las como um presente do tempo e revivê-las desprevenida, com a calma e a leveza que acabei por adquirir. Vou tentar, mesmo sendo difícil, transformar as vivências efêmeras das gentilezas sociais em experiências.

Depois, esqueçam, não vou contabilizar os fracassos e sucessos do ano que passou. Já sei que se fizer isso a soma vai dar zero, igual a nada. Esse jogo já não tem mais nenhum significado. Melhor do que isso é ter a certeza de que vivi plenamente todos os momentos, bons e ruins, e deles tirei um naco de tudo que precisava para seguir em frente. Também não vou fazer lista de promessas para o próximo ano. Não quero mais ser prisioneira dos meus desejos. Não vou transformar as minhas aspirações em obrigações compulsórias, como ensinou Dunker. Vou traçar o que vier, mas só caminhar nas trilhas que eu mesma desbravar.

E tem mais, não vou brincar de acreditar na magia dos rituais que se repetem nas festas e encontros de final de ano. Crianças, se cuidem! Não vou fingir que acredito nem permitir que alguém acredite por mim nas verdadeiras e encantadas histórias de Papai Noel. Conheço bem todas elas e por isso me comporto direitinho o ano inteiro, pra não pagar mico na noite de Natal. Também creio com fé na brincadeira do amigo oculto. Se me contarem, não acredito que alguém tenha burlado o sorteio e muito menos que alguém já tenha descoberto quem é o seu amigo oculto ou de quem quer que seja. Esse é um mistério que só se desvenda à meia noite do dia 24 para 25 de dezembro. E sou ainda mais tão crente, que levo a sério até o banho de sete ervas, com pétalas de rosas brancas e vermelhas; a sopa de lentilhas; as doze uvas; a roupa branca; as sete ondas e tudo mais que me contarem. E vou continuar assim.

Outra coisa, podem contar comigo para todas as brincadeiras, mas saibam, de antemão, que estarei à certa distância de mim mesma, em todos os momentos, me observando de banda, para não perder nada. E se não ficar satisfeita com o que estiver vendo, se achar que estou me excedendo, mesmo que só um pouco, mas o suficiente para não mais me reconhecer, não tenham dúvida, vou me recolher. Não tenho receio de estar comigo, já que faço isso o dia inteiro e, para ser sincera, prefiro assim, a ter que desempenhar papéis que não me cabem em histórias que não escolhi, só porque é Natal ou só porque é o último dia do ano.

Por fim, a regra de ouro: vou tentar, de verdade, fazer tudo isso que descrevi, mas se não conseguir, não vou me desesperar. Só não vou levar tão a sério assim as loucuras insanas, mas consentidas, de final do ano. Como recomenda Dunker, vou guardá-las com carinho, que já é o suficiente. E para entrar de bem com 2007, vou imitar os romenos, que imitaram os romanos. Um pouco antes da meia noite, vou apagar as luzes e parar o relógio. Só quando ouvir os foguetes lá fora, é que farei os brindes que, na hora, me vierem à cabeça e deixarei a luz iluminar novamente trazendo de volta a lucidez.

Um sonho mágico para todos, de hoje até o sol amanhecer já no outro ano.

Se der ainda volto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Feliz ano novo e que 2007 seja repleto de felicidades, realizações e sucessos. Fique em Paz e com Cristo no coração

Uilians Santos