terça-feira, julho 31, 2007

O sonho não acabou

Antes que eu me canse, vou retomar os relatos de leitura à beira mar. Depois de Agualusa, fui ler o Livro de Zenóbia, presente de uma amiga. Quando recebi o livro, bestamente quis saber porque eu. Ou melhor, porque o Livro de Zenóbia. Mas tem coisas que não tem explicação, aprendi agora. Estão escritas. Ou devem estar. Percebi isso nas palavras de Zenóbia. E confirmei na coincidência dos livros que escolhi às cegas para jogar dentro da mala, com o táxi já buzinando na porta.

No livro de Agualusa (adoro escrever esse nome!), Félix Ventura inventa passados para a nova elite angolana. Sem histórias grandiosas para contar, ela precisa reinventar suas memórias para lançar-se no presente de alma lavada. E a sua nova biografia surge como um sonho, misturando fatos reais, pessoais, com as histórias de todo mundo ou de qualquer um. Félix Ventura, mais do que um vendedor de passados, era mesmo um fazedor de sonhos.

Zenóbia não faz sonhos, é o próprio. Não precisa garimpar memórias alheias para reconstituir suas lembranças da vida. E não mistura o real com o imaginado: tudo é servido na poesia. Com a delicadeza de quem, numa tarde chuvosa de domingo, folheia um velho álbum de família. Com o espanto e a alegria de quem, numa outra tarde de domingo, redescobre seu caderno de notas, dentro de uma velha caixa esquecida no maleiro.

Zenóbia, cria de Maria Esther Maciel, não faz bem um relato de sua vida, ficou mais só pensando. São as lembranças que vão surgindo como ondas, espalhando as histórias no papel. Zenóbia, imagino, ficava ali mais apreciando o espetáculo, ora se espantando, ora se admirando, ora se alegrando ou se entristecendo. E aí pronto. Dava de pensar. São essas coisas que passaram pela sua cabeça que Zenóbia guardou no seu livro e agora inventou de nos mostrar. Ainda bem!

Dos outros livros que li, não vale a pena comentar. Não que não fossem bons, mas porque não são livros de história, os meus preferidos. Eram leituras obrigatórias para um trabalho que tenho de entregar sexta-feira e mal comecei. Ontem rendi muito: fiz dois parágrafos. Hoje, tentei mais um pouco, mas não foi possível. Busquei novos livros, esbocei novo roteiro, ensaiei alguns parágrafos e depois deletei tudo.

Estou com um problema. As coisas que os livros dizem não se encaixam com as coisas que quero dizer. Isso torna tudo mais difícil, porque um trabalho acadêmico não pode deixar de ter algumas citações de grife, para validar o esforço. Mas preferia, de coração, fazer como Zenóbia, apreciar o espetáculo dos autores renomados, mas escrever apenas o que estou pensando. Mesmo correndo o risco de cair na informalidade. Amanhã será inevitável: de um jeito ou de outro, farei a minha escolha.

Uma quinta-feira sem citações e nem pés de página, só com frases originais!

Inté.

quarta-feira, julho 25, 2007

É só um sonho

Foto: minha.

De volta. Sempre em terra firme, atravessamos as montanhas e fomos desaguar no mar. A cidade estava vazia, o mar imenso de tão grande, o céu azul purinho e o sol morno e lento. Os dias se arrastaram sem pressa e pareceram bem maiores do que de fato são. Aproveitei todos os instantes preguiçosamente. Desliguei o rádio, vi TV só de relance e nem li jornal. Andei descalça na areia, pulei ondas, mergulhei e me afastei só para ficar olhando o mar verde-esmeralda que rodeia a cidade. Bebi água de coco, provei uma caipirinha de abacaxi e temperei um badejo para cozinhar na panela de pedra com tomate, cebola, pimentão, cheiro verde e azeite até entornar. Sem coentro.

Mas, principalmente, li. Se fosse resolver uma pendência agora, diria que o livro que mais marcou a minha vida foi este: o último que devorei. Mas não digo, porque essa é uma missão quase impossível. Talvez listar os livros dos quais ainda me lembro fosse mais fácil. Porque tem isso também. Leio e fatalmente me esqueço de quase tudo, passados alguns meses. Sobram fragmentos, uma palavra, uma frase, uma idéia, uma personagem, qualquer coisa. E me aposso desses pedaços de textos como se fossem meus. Minhas lembranças literárias são como miçangas de um colar que se arrebentou e não é mais. São coisinhas que guardo numa caixa e já não pertencem mais à obra original. Por isso, ainda assim, seria difícil montar essa lista.

Mesmo do último livro que li só guardei o que me tocou, ainda que tenha sido quase tudo. Mas, de O Vendedor de Passados, do angolano José Eduardo Agualusa, guardei principalmente essa confusão: a mistura despudorada de passados que Félix Ventura remexe no seu caldeirão de memórias, só para inventar um presente aceitável para suas personagens. Resgata fatos e fotos, datas e outros registros, tudo fisgado de livros antigos, recortes de jornais, anotações, vídeos gravados de telejornais, bugigangas compradas em feiras de objetos usados e até de palavras que permanecem, como dizia o poeta, em estado de pedra dentro de algum dicionário. E desse emaranhado de histórias reais inventa uma de mentira. Dela puxa linhas bem traçadas que se encaixam como luva nos sonhos nunca sonhados de suas personagens, dando a elas um presente respeitável e digno de ser biografado. Qual história é a verdadeira agora?

Foi uma leitura muito bem ajustada ao momento. Quando troco de casa, passados uns dias, experimento sempre uma leve sensação de desprendimento, como se estivesse saindo da minha história e entrando em outra. Sou eu mesma, igual na forma e no jeito, mas estranhamente outra pessoa. Perdida em outra história que ainda está para ser inventada. A memória da primeira se mistura com o sonho da segunda e nenhuma delas é menos real do que a outra. Quando troco de casa, preciso de um tempo para me encontrar. Ou não. São elas que me encontram ou se encontram no meu corpo e me apontam o mundo das possibilidades, que às vezes esqueço que existe, perdida na rotina da cidade grande. Se não me policio, quase enlouqueço. O mar, de fato, descansa a minha cabeça, mas só em Minas, onde estão minhas raízes, a alma tem sossego.

E de Agualusa guardei ainda as palavras finais da sua personagem que, engraçadamente, se parecem muito com as do escritor moçambicano, Mia Couto, na palestra que fez, recentemente, em Belo Horizonte. Mas só percebi isso, quando voltava pra casa. Vinha distraindo o tempo na estrada e ouvindo a gravação que a Rutinha me passou com a palestra de Mia Couto. E ele fechou sua apresentação dizendo: porque não nos basta ter um sonho, queremos ser um sonho. Félix Ventura, de Agualusa, lembrando-se de Martin Luther King, cita, no desfecho da sua história, a frase do líder negro: eu tive um sonho. Mas, logo retruca. Ele deveria ter dito antes: eu fiz um sonho.

Costurando os fuxicos, é mais ou menos assim que às vezes me sinto, quando troco de casa: como se estivesse num sonho, como se fosse o próprio sonho, como se essa vida não passasse mesmo disso. Puro sonho que a gente vai inventando todo dia e depois dá de chamar de realidade.

Falando nisso, bons sonhos a todos.

Inté mais ver, um dia.

quinta-feira, julho 12, 2007

Não dá samba

Os franceses como os brasileiros. Parece chique, mas não é. É preocupante. Os ingleses como os brasileiros, vá lá, pode dar samba. Eles são meio loucos e um pouco cabeça dura. Essa combinação costuma funcionar. Às vezes. E é o que eles vão testar. Depois de nos observar por um bom tempo, resolveram adotar o nosso modelo de orçamento participativo. O projeto piloto vai abranger 10 regiões do país e, nessas áreas, os ingleses poderão influir na destinação de 23 milhões de libras do orçamento público. Não disse que os ingleses são meio loucos?

Mas os franceses como os brasileiros não vai dar nem marchinha de carnaval. Olha só procê vê. Ainda estava amuada com os resultados da pesquisa de Álvaro Moisés e fui surpreendida, num pleno domingo, com um comentário sobre a tolerância dos franceses que só reforça o aspecto mais negativo daquela pesquisa. Como já contei, Moisés nos revelou que mais da metade dos brasileiros aceitaria de bom grado um governo que passasse por cima das leis, do Congresso e das instituições, quando tivesse de resolver uma situação difícil que o país pudesse estar enfrentando. A pesquisa não explica o que é uma situação difícil, mas os brasileiros responderam que aceitariam esse despropósito.

Fui olhar na Constituição. Não li tudo, mas do que dei conta, o estado democrático de direito poderá ser suspenso, em alguma proporção, apenas quando, por razões que não vou listar aqui, o governo não tiver outra alternativa a não ser decretar no país o estado de defesa, de sítio ou de guerra declarada. Espero estarmos longe disso. Mas, ainda assim, se um governo brasileiro se encontrar em uma situação tão difícil que não tenha outra opção a não ser tomar decisões daquela ordem, estaria agindo estritamente de acordo com as regras constitucionais e não acima delas.

Bom, mas isso é outra história. Aí veio o domingo. Manhãzinha preguiçosa e coisa e tal, até que peguei o jornal pra ler. Fui direto na última página, como faço sempre, e lá estava: um artigo, que acreditava ser, despretensioso sobre o estilo sarkozy de governar. Li só porque era domingo. Ando tão desencantada com as saídas que o mundo tem nos apontado, que agora estou optando por desconhecê-las. Mas, como era domingo, li.

Sarkozy está construindo sua imagem de governante e faz ele muito bem. Mas, pra começar, não precisava exagerar. Aqui no Brasil não deu muito certo. O último presidente que pousou de super-homem e desfilou sua hiperatividade em supersônicos, submarinos e pistas de cooper, acabou no olho da rua. Mas é assim que ele quer ser visto pelos franceses: como um hiperpresidente. E, parece, está conseguindo. Sua taxa de confiabilidade continua a subir, de 63% para 65% em apenas dois meses, desde a sua posse.

Segundo seus marqueteiros, Sarkozy passa essa imagem naturalmente. Não é um super mário, mas é aquele que tudo pode e tudo faz, independentemente do conteúdo ideológico de suas decisões. Isso é novidade, imagino. Não é um costume muito francês. E quando ainda Sarkozy afirma ter sido eleito para fazer alguma coisa em todas as questões, sugere, sutilmente, que fará, de um jeito ou de outro, ainda que tenha mesmo de atropelar alguns desses costumes. E isso é que é hiper preocupante. Não que os franceses não possam mudar. Tudo está mudando nesse mundo. Mas me dá uma cisma danada dessas situações sem limite, sem referência, escancaradas para qualquer possibilidade. Normalmente, não dão samba. Nem no Brasil, nem na França, suponho.

É isso. Se não estivesse com sono, emendaria com um outro artigo que acabei de ler - Educação para a Democracia, de Maria Victória Benevides - e que me trouxe um novo alento. Mas vou dormir, que faço melhor.

Uma sexta-feira bem facinha para todos, nada de situações difíceis.

Inté.

quarta-feira, julho 04, 2007

Confusão mental

Estou igual avião de ponte aérea, só chego atrasada aonde vou. Até para pensar, estou perdendo a hora. Preciso de mais tempo, mais tempo e aí, quando dou pela coisa, o tempo já passou. Nesses últimos meses, enviei uma penca de textos iniciados e inacabados para a cesta editoria, porque tinha coisa melhor para fazer na hora. Às vezes, nem melhor, mas inadiável. E aí o assunto ficou velho, o texto perdeu o ritmo e pronto. Virei o disco e fui pensar outra coisa.

Hoje, de novo, estou com três dias de atraso. Mas vou resistir. Não vou abandonar meu tema. Adoro pesquisas quantitativas. Não pelos resultados propriamente ditos, que são até muito divertidos em alguns casos, mas para tentar descobrir qual a intenção que está por trás da pesquisa. A maioria delas é um exercício de c.q.d.. Lembra das aulas de matemática? Como queríamos demonstrar? Pois é, essas pesquisas, muitas vezes, são utilizadas só para isso. Para dar um status de ciência a alguma opinião que está por aí. Um reforço para validar argumentos sobre achismos de toda sorte, com interesses nem sempre republicanos.

Por isso, ao mesmo tempo que me atrai, tenho uma birra danada dessas pesquisas. Não acho que elas dêem conta de explicar a complexidade do nosso mundo. Reduzem qualquer assunto a três opções: sim, não e talvez ou qualquer uma das variações em torno desses mesmos sentidos. E mais duas opções que não dizem quase nada: não sei e não quero responder. Com um agravante, perguntam o óbvio e, para não pagar mico, o entrevistado responde o óbvio também, o que é esperado que ele responda e não o que ele pensa. E aí não saímos do lugar.

Esse foi o caso da maioria das pesquisas que li nos últimos dias, questionando os entrevistados sobre política, políticos, instituições políticas, democracias, instituições democráticas e assim por diante. Os questionários foram aplicados em universos os mais variados possíveis: universitários capixabas; mulheres em funções executivas; homens de 35 a 50 anos e que andam de bicicleta e por aí vai. Até criancinhas agora estão respondendo questionários de instituto de pesquisa. Andou de velocípede na pracinha já está preparada para a vida. Já tem autonomia para ter alguma opinião formada sobre tudo.

Mas lendo essas pesquisas, observei que os resultados são mais ou menos os mesmos. Isso tem um lado positivo, devem estar certas. Ou não. São, justamente, exercícios de c.q.d. para validar alguma intenção que está solta por aí. Seja como for, resolvi relevar a minha birra por pesquisas quantitativas e ler seriamente uma publicada na Folha de São Paulo do último domingo, patrocinada pela Fapesp e coordenada pelo cientista político José Álvaro Moisés.

Relevei, primeiro, porque gosto das coisas que Álvaro Moisés escreve e, depois, porque esse é um trabalho que ele vem fazendo já há bastante tempo, desde 1989, visando a criação de uma série histórica. Essa preocupação com o longo prazo é interessante porque dá mais sentido aos resultados. Mas o cenário que ela traça para o nosso consumo diário não difere em nada das demais pesquisas.

Olha só. A maioria, 68,1% dos entrevistados, prefere a democracia, mas 81% desconfiam dos partidos e 76% do Congresso. E podíamos esperar outra resposta? Mas qual a coerência desse cenário? E se adicionarmos as respostas de outras questões apuradas, a confusão mental é ainda maior. Dos entrevistados, 31,5% acreditam que a democracia pode funcionar sem partidos e 28.7% acham que pode funcionar sem Congresso.

Até aí, apesar da confusão mental, ainda podemos inventar uma explicação, se extrapolarmos o que está dito e inferirmos que eles estão defendendo um modelo pleno de democracia participativa, mas isso é só suposição. E acho melhor ficar por aí mesmo, porque eles não sabem o problemão que estão criando. Agora, quando 51,8% concordam em algum grau com a idéia de que “quando há uma situação difícil no Brasil, não importa que o governo passe por cima das leis, do Congresso, das instituições para resolver os problemas do país”, o quadro fica mais grave.

A única conclusão que consigo tirar dessa salada de percentuais é que as pessoas estão respondendo qualquer coisa sobre qualquer assunto, mesmo quando não têm a mínima compreensão sobre o tema que estão opinando. Que as palavras estão gastas, já concordamos sobre isso. Que perderam seu sentido original e são utilizadas hoje conforme o gosto e a preferência de cada um, também já percebemos. Que são meros adereços no discurso daqueles que querem apenas aparentar algum jeito especial de ser, também já desconfiamos. Mas e aí? Será que isso é suficiente para explicar esse cenário caótico que as pesquisas estão revelando? Não sei.

Só sei que fico intrigada. Queria mesmo saber como os entrevistados de Álvaro Moisés definiriam democracia. Repetiriam o modelo difundido pela mídia, que tem como único princípio a liberdade de expressão? Mas liberdade para quem? Para os donos das empresas de comunicação? Danou-se, hem? Ou será que seria o modelo do mercado, da democracia do consumidor, liberdade para escolher, comprar e devolver se não gostar? Mas, aí também, liberdade de escolha para quem? Liberdade para quem comprar o quê? Vamos retornar ao conceito de democracia relativa? Deus me livre, hem?

Fico desconfiada de que se essa pergunta fosse incluída no questionário cairíamos mesmo é no modelo básico, o da democracia política, que prevê apenas eleições periódicas, livres e diretas. Um exercício de simplicidade política voluntária. Está na moda, não é? Ou será que seriam capaz de imaginar um modelo de democracia radical? Fico curiosa para saber. De qualquer forma, vou me prevenir da tentação pela simplicidade e reler o texto Nós, o povo: reformas políticas para radicalizar a democracia, de Maria Victoria Benevides. Acho que só com esse artigo já estarei imunizada. Se preciso for, voltarei aos clássicos.

E se não estivesse tão cansada, continuaria pensando sobre essa pesquisa. Sobre como essas pessoas imaginam uma democracia sem Parlamento. Sobre como elas imaginam uma democracia sem partidos. Achei essa idéia até interessante. Voto personalista no sentido mais exato da expressão. E ainda, sobre como elas definem uma situação difícil. Sobre quem elas acreditam seria capaz de resolver os problemas do país, passando por cima das leis, do Congresso, das instituições. Deus? Dom Sebastião? Mas neeem! Já estou com sono e cansada. Amanhã, tenho três opções: levantar cedo e trabalhar; levantar e trabalhar; levantar atrasada e trabalhar.

Um restinho de semana com muitas e variadas opções.
Até de repente