terça-feira, agosto 30, 2005

Juro que vi

Não vamos nos descabelar. Parece que, finalmente, conseguimos atingir o padrão de normalidade das democracias contemporâneas. Não há nada de excepcional nesta crise política. Não estamos sendo nem um pouco originais ou criativos. E olha que somos bons nisso, hem? Acontece que já está estatisticamente provado que os ilícitos denunciados são fenômenos naturais das democracias contemporâneas e daquelas democracias ditas em construção.

Pelo menos é o que consegui entender, depois de ler a entrevista do cientista político mexicano, Alejandro Poiré, na FSP da última segunda-feira (29/08). Para ele, as irregularidades no financiamento de campanhas políticas são problemas comuns às democracias contemporâneas, e não somente da América Latina. Os casos de suborno ou propina a legisladores são também recorrentes e não são exclusivos do Brasil. Mais uma vez, "são problemas das democracias contemporâneas".

O que o Brasil está passando, diz ele, a Itália já viveu, a Alemanha, o Japão, México, Estados Unidos, Peru e Argentina, para ficarmos apenas nos exemplos mais recentes. Ou seja, a ocorrência e recorrência desses fatos, em pontos variados do planeta, com mínimas variações de temperatura e pressão, formam um padrão de incidência que caracteriza exatamente uma normalidade estatística. Eu penso que podemos até concluir que essa crise é um atributo próprio do objeto em questão, no caso, as democracias contemporâneas. Não há nada, portanto, com o que se escandalizar. Vamos tocar o barco pra frente.

Seria simples assim, se não fosse um pouco mais complicado. Estatística engana bem e prova mesmo qualquer coisa, principalmente aquilo que queremos. Por isso não me esqueço da velha lição do economista Mário Henrique Simonsen: um corpo com a cabeça no forno e os pés no freezer tem uma temperatura média bastante adequada. E se a estatística é um perigo aplicada em estudos econômicos, quanto mais na política, uma ciência da paixão. E a nossa capacidade de indignarmos com as coisas? Não surpreende as normalidades detectadas? Não muda nada?

Olha só, na mesma segunda-feira, li um outro artigo no Estadão, do jornalista Carlos Alberto Sardenberg, que questionava justamente essa tentação que está rondando as CPIs e os meios políticos, de relativizar tudo quanto foi apurado. Não por tolerância, mas por uma cegueira conveniente. Os atos são ilícitos, mas só um pouco. As leis foram infringidas, mas só mais ou menos. Nessa vida média que estamos levando, até que fica tudo de bom tamanho, né? Mas ele adverte para os riscos dessa (in) atitude, principalmente na economia, que está sob a ameaça do excesso de esculhambação.

Essa mesma indignação, às vezes manifestada de forma irônica, às vezes irada, às vezes até cômica, está fervilhando também na ágora virtual, formada pelas listas de discussão, grupos, orkuts, blogs e outras comunidades arquitetadas na internet. Esse não é um movimento de rua, visível à olho nu, mas, prestem atenção, estão todos conectados e sempre alertas! O que isso significa, ainda não sei, mas acho que, a qualquer hora, vamos descobrir. Desconfio que sim.

Então, chega de rodeios. Argh! Odeio rodeios! De qualquer natureza. Se é para enfrentar o boi pelo chifre, vamos de uma vez. É caso de CPI? Então vamos investigar até o fim e que o Judiciário, o Ministério Público e toda a turma do Direito, que eles assumam suas competências também. É para fazer reforma política, então não me venham com essa micro reforma eleitoral. Ela é hilária perto do que precisamos. É ou não é? Mirem bem, eu já vi! Eu juro que vi! Vim, sim! Eu vi! Eu vi um carro com o adesivo “Constituinte exclusiva, com quarentena eleitoral ou voto nulo!”. Não faço campanha por voto nulo. Sou brasileira, não desisto! (rsss.) Mas, de resto, assino embaixo. É a melhor porta de saída para o imbróglio em que nos metemos.

Enquanto eles não se decidem, vou ficar por aqui e pensar um pouco mais sobre o modelo semipresidencialista francês. Nunca provei, mas dizem que é muito bom. Vou pensar também sobre o voto negativo. Dizem que é uma tecnologia de ponta. Tô achando que é mesmo. É isso, se não nos dão a saída, a gente inventa.

Até de repente.

sábado, agosto 27, 2005

É guerra, é?

Tive um surto de pensamentos na sexta-feira. Vieram em ondas, um atrás do outro, alucinados, prestes a se arrebentarem no fundo da lixeira. Antes que o pior acontecesse, procurei recuperá-los e por ordem na casa. Mas não tive tempo para cair na rede. Como hoje é sábado, vou pular de cabeça, e postar algumas coisas. Nem que seja em doses homeopáticas.

Vou começar do princípio. Não costumo reagir a provocações. Já nem me dou ao trabalho, porque, muitas vezes, essa prática já é entendida como a resposta mais irritante que qualquer outra que pudesse improvisar. Dependendo da lua, no entanto, bato de pronto. E foi o que aconteceu ontem. Recebi de um amigo, não só eu, mas todo o seu grupo de amigas, uma mensagem ultrajante. Ultrajante ou ultrapassada, sei lá. Não vou reproduzí-la, porque está disponível no site da UOL e também porque não vale a pena. Mas vou pensar sobre ela, a pedido das amigas.

Simplificando, trata-se de uma pesquisa realizada por dois psicólogos britânicos (pronuncia-se assim: bicho doido), sobre a inteligência humana. Depois de medir o tamanho do cérebro e aplicar um teste em 80 mil voluntários (tem bobo pra tudo), os dois pesquisadores chegaram à brilhante conclusão de que o homem tem o cérebro maior do que o da mulher e, conseqüentemente, é também mais inteligente do que os exemplares femininos da raça.

Não, não vou cair na esparrela de arbitrar disputas sobre matéria vencida. Vou ao que interessa. Vê se pode! O que é que os dois britânicos me arrumaram para aplicar naquele bando de babacas? O velho teste de Quociente de Inteligência ou Teste de QI! Santa Periquita, esses testes são completamente idiotas e já estão devidamente desqualificados em qualquer parte do planeta. Só não contaram pra eles. Irwing e Lynn passaram por debaixo da mesa! Esse tipo de teste fez sucesso no início do século passado e, assim mesmo, erraram o suficiente para muita gente boa não levá-los à sério, já naquela época.

Por coincidência, exatamente nessa semana, a nossa amiga Rutinha me emprestou o prospecto de uma exposição que ela visitou agora, em agosto, no Ontario Science Centre, no Canadá, intitulada Verité – La verité en question. A mostra se propunha, justamente, a discutir como um ponto de vista, mesmo inexato, pode ser válido e útil, mas também levar a preconceitos e opressão. Entre as 39 questões-chaves, expostas em painéis ilustrados e independentes, qual estava na casa 28? Os testes de QI, criticados duramente por classificar determinados grupos como inferiores, revelando evidentes preconceitos culturais.

Ainda assim, é claro, esses experimentos não caíram totalmente em desuso e uma prova disso é mais essa pesquisa. Só que, no início dos anos 90, ainda no século passado, portanto, os entendedores da matéria já reconheciam que a inteligência não é uma grandeza passível de medição. E por quê? Por quê? Porque um carinha, chamado Howard Gardner (pronuncia-se assim: bicho cabeça), constatou que não temos um padrão único de inteligência, mas uma multiplicidade de competências o que nos permite, por exemplo, considerar Pelé um gênio da humanidade.

Gardner detectou, pelo menos, sete diferentes manifestações de inteligência: a da dimensão lingüística, da lógico-matemática, da musical, da corporal-cinestésica (que é onde Pelé se destaca), da espacial, da intrapessoal e da interpessoal. Sem contar uma outra, mais recente, ainda em estudo, que é a da inteligência existencial. Além disso, constatou que a diversidade da inteligência humana deve-se também à conjunção de fatores genéticos e estímulos ambientais. Ou seja, estudos sobre essa temática são de alta complexidade e não devem estar reduzidos a um indicador síntese, como propõem Irwing e Lynn.

Falei. Mas ainda não acabei. O outro aspecto da pesquisa, divulgada pela BBC Brasil, refere-se ao tamanho do cérebro. Homem é muito estranho e engraçado. Eles estão sempre discutindo alguma coisa em torno disso: se é maior, se é menor, se é melhor, se é pior, se é mais, se é menos. É um mundo binário, num universo ultra mega poli. Bom, mas o fato é que essa história de tamanho também continua a ser pesquisada e os resultados, se são considerados, pelo menos, o são apenas como incertezas a serem ainda mais investigadas.

Só que, mais uma vez, já se constatou também que não é isso que nos torna diferentes. Nem dentro da nossa espécie, nem em relação a outras espécies do reino animal. Talvez, talvez, a diferença esteja mais na organização interna ou na densidade de conexões entre neurônios. E aí, só para não deixar passar batido, é bom lembrar que, recentemente, o próprio site da UOL divulgou uma pesquisa, que relata a existência de neurônios duplicados é no cérebro das mulheres, o que lhes dá maior possibilidade de desenvolver pensamentos complexos (hehehehe). O Cláudio e o Rafa dizem que não são neurônios duplicados, mas uma dupla de neurônios (simplesmente um n¹ e um n² ). Isso é intriga da oposição e vai exigir uma ação doméstica mais radical. Mas isso fica para depois. Agora vou entrar na rede. Tchibum!

PS: Guardei os outros pensamentos dentro do livro de Edgar Morin (A cabeça bem-feita). Um em cada folha. Um dia volto neles.

Durmam com os anjinhos!

quarta-feira, agosto 24, 2005

Espera, estou pensando

Ou, o que será que o Banco Central pensa da vida, para manter os juros tão altos, durante tanto tempo e numa conjuntura claramente favorável à redução destas taxas? Dureza, hem? Esse não vai ser um assunto muito divertido. Mas, um dia, ouvi o Sardenberg entrevistando um economista e, depois outro, que falavam exatamente isso. Não sabiam o que o Banco Central estava pensando ao manter taxas tão elevadas. Aí aconteceu. Me deu vontade de pensar sobre o que é que o Banco Central poderia estar pensando.

Admito. Vou precisar da ajuda da tia Pati, a tia gordinha que mora dentro de mim, para desatar esse nó. Ela gosta de desembaraçar linhas emboladas, montar quebra-cabeças, arrumar caixas de lápis de 48 cores, organizar arquivos, ordenar os livros na estante, montar álbuns de foto da família e outras tarefas afins, que demandam grande concentração.Fiz um roteirinho básico para auxiliá-la, mas desconfio que ela não precisará disso.

A idéia é a seguinte: os economistas amam incentivos. Eles adotam esse tipo de mecanismo tanto para estimular quanto para inibir a ação dos agentes econômicos. Eu li isso num livro. Então, a primeira questão que apresento à tia Pati é essa: as altas taxas de juros são um incentivo a quê? Essa foi fácil. São um incentivo positivo às aplicações no mercado financeiro e um incentivo negativo aos investimentos no setor produtivo. São um estímulo à entrada de capital estrangeiro para aplicações financeiras e um desestímulo aos investimentos de longa maturação, como aqueles do setor produtivo. Não sei se ela está certa, mas que tia Pati foi rápida no gatilho, foi.

A segunda questão é a seguinte: quem se beneficia com esse tipo de incentivo? As empresas produtivas, principalmente aquelas que tem algum tipo de endividamento ou estão precisando fazer algum investimento, certamente que não. Mas aquelas que estão no ramo, como os bancos e outras empresas do setor financeiro ou mesmo fora dele, mas com sobra de caixa, estas, com certeza, estão gostando. Também quem tem dinheiro aplicado está satisfeito. Essa é uma boa resposta. Os bancos, por exemplo, sem dúvida estão respondendo a esse incentivo positivo, basta ver o resultado de todos eles no último trimestre. Mas, com certeza, essa resposta está ainda incompleta.

Se ela se lembrar de outros beneficiários, vou dar a ela o direito de se inscrever novamente. Por fim, a última questão que apresentei diz respeito aos interesses que estariam sendo privilegiados com essa política. Essa é muito difícil, nem tia Pati queria responder. Mas, como insisti, olha o que ela disse. É claro que são os interesses do capital financeiro. Simples assim. É. É simples, mas não diz nada. Volta para casa e vai pensar mais um pouco, tia Pati!

Agora, sobre o que o Banco Central pensa da vida, isso é comigo. Como ele não é”um bando de loucos que bebe gasolina” , pelo contrário, “é sábio e competente”, como li num dos artigos do mesmo Sardenberg, então o Banco Central deve pensar que a vida é só um livro de contabilidade, onde cada um registra sua história em três colunas: contas a pagar, contas a receber e saldo, se tiver. Que o capital financeiro está no comando, não tenho dúvida. E pode ser também que a vida hoje se resuma a isso mesmo. Mas que é uma baita falta de criatividade, tô prá vê! E um pôr do sol, num fim de tarde, na beira de uma praia, no topo da Serra da Babilônia ou meio da Contorno, chegando na trincheira da André Cavalcanti? Nada?

Qui beleeeza!

Podem falar o que quiser, mas que a democracia é muito bacana, isso é! Estava agora mesmo na rua, quase chegando no meu trabalho, quando cruzei com uma manifestação dos trabalhadores rurais. Não eram menos de 3 mil trabalhadores, com bandeiras brancas e verdes. Muitas bandeiras. Uma para cada um. Aquele mar de bandeiras brancas e verdes tremulando. E faixas coloridas, com frases nas quais nem prestei atenção. E um caminhão de som, com alguém falando, gritando, gesticulando e depois, se afastando, e a música tocando. E o povo passando. Eram mais de 3 mil, tenho certeza. Enchendo as ruas e as calçadas de vida. Vida mesmo, nervosa, agitada. Estamos acostumados a só trombar com carros e postes e, de repente, trombamos com uma multidão. É muito bacana. É muito bonito. Nem sei o que eles estavam reivindicando, mas senti uma felicidade enorme de vê-los ali, no meio da cidade, defendendo a vida, brigando por alguma coisa. Me desculpem os tecnocratas, mas gente é muuuuito bom. Nem é preciso pensar sobre isso. Basta sentir.

terça-feira, agosto 23, 2005

Perdas necessárias

Esse é o título de um livro que alguém escreveu, alguém leu, gostou e me contou. Não me lembro mais de nenhum dos dois quem e só tenho uma vaga idéia do que o livro tratava. Mas isso não é relevante. Me interessa é o título, que é a legenda do que estou pensando. E a minha intuição, que vem, provavelmente, dessa memória difusa do que um dia me foi contado.

Nessa vida besta, nada é simples. Nem nós mesmos somos assim tão primários para não arrumarmos um jeito de complicar mais um tanto. Problema pouco é bobagem. Quem quer viver um momento que seja um qualquer? Que não seja o mais importante de todos, o mais sério de todos, o mais grave, o mais difícil, o mais trágico? Que seja, o mais cômico, o mais divertido, desde que o mais mais? Há simplicidade nas coisas, que estão ali, prontas e acabadas para todo sempre. Não em nós, bicho homem que nasce precisando de aprender tudo para poder viver e ainda morre insatisfeito achando que foi tão pouco o que conseguiu reter.

Então, voltando à legenda. Nessa vida dura e nem sempre justa, como diz o Cláudio, quando damos um passo à frente, precisamos deixar um passo para trás, caso contrário, não saimos do lugar. São as perdas necessárias. Mas, às vezes, vacilamos e ficamos ali, suspensos, meio instáveis, querendo não querendo. E é nessa que o tombo é certo.

O que estou notando, no entanto, é que hoje as pessoas estão engraçadamente mais dispostas a dar esse passo. Seja para que lado for, o que importa é sair do lugar. É uma desacomodação geral. Existe nisso um sentimento de perda muito forte, que lateja em todas as histórias que tenho ouvido. Existe também muito desatino nas escolhas que estão sendo feitas, mas existe, principalmente, uma vontade muito grande de acertar por conta própria. E desconfio que isso tem tudo a ver com o fuzuê de Brasília.

Por isso, mesmo aqueles que não se tocaram tanto com essa confusão, precisam ter é um pouco mais de paciência e tentar também reiventar um jeito novo de levar a vida, para não perder o bonde da história. É certo que ainda não temos noção de como essa crise, por enquanto mais política, vai afetar a vida pública nacional, mas já está ficando bem claro, que ela mexeu com a vida pessoal de muita gente.

Mesmo quem não apostava na estrelinha vermelha, torcia para dar certo, pois todos aprendemos com o PT a não ter medo de ser feliz. Foi ou não foi? Pensamos, agora vai! Agora vai! Mas ainda não foi dessa vez. Saimos é mais tristes dessa confusão. Na vida pública, fico pensando, o petismo ou lulismo ou que nome venha a ter esse fenômeno será uma perda necessária para podermos avançar. E na nossa vida pessoal? O que faremos? O que as pessoas estão fazendo é indo a luta, por conta própria. Estão indo cuidar da vida, que o tempo está passando . E isso não sem registrar também algumas perdas necessárias. Coisas da vida. Eu vou. E os chineses, mais uma vez, batem palmas!

sábado, agosto 20, 2005

A vingança dos sofistas

Essa muvuca de Brasília já está me dando nos nervos. Já não sei mais quem denunciou quem; não sei quem é vítima e quem é o algoz; nem se o dinheiro era da igreja ou de campanha, se era de caixa 2 ou do balcão de negócios; não sei se foi o fulano que entregou ou se foi ele quem recebeu a mala; nem qual a história que está sendo contada, já não sei mais. São tantas entre tantas que estão aí iniciadas, que já estou misturando os enredos e as personagens. É um disse-me-disse danado. A revista Caras deveria soltar uma edição especial com o quem é quem dessa novela, para nos ajudar a retomar o fio da meada.

Mas agora, pensando bem, nem sei se quero mais. Acho que vou acabar concordando com o meu amigo Ludus. Tudo isso que está acontecendo não passa da vingança maligna dos sofistas. Na última sexta-feira, ele soltou essa e foi embora para Patos. Como assim? De qual núcleo são os sofistas? Do Correio? Do Mensalão? Do Bingo? Quem os denunciou? Em qual história eles estão? Ele nem ouviu.

Então, porque hoje é sábado e eu estou por conta do à-toa - pelo menos agora - resolvi pensar sobre a vingança dos sofistas. Anhan! Nada que um bom dicionário de filosofia não desvende. Quem são os sofistas? Pasmem-se. Eram intelectuais que viviam em Atenas, em meados do século V, escandalizando os filósofo da época, ao fazer do saber uma profissão, oferecendo aulas de retórica e de eloqüência aos jovens da classe dirigente, em troca de algumas moedas.

Dominando a técnica, os novos sofistas, do grego sophistés, que significa sábio, eles eram capazes de produzir argumentos aparentes (geralmente intrincados) para defender qualquer proposição, fosse ela verdadeira ou falsa. Com essa prática, desmascararam as pretensões dos filósofos puros de chegar a verdades absolutas, mostrando que todas supostas “verdades” eram construções humanas, com o fim de promover interesses vitais. A sofística não é, portanto, uma busca séria da verdade, mas um jogo intelectual. Há controvérsias, é claro, mas aqui não vem ao caso. O fato é que essa verdade é também uma versão possível.

Uma prova de que os sofistas se deram muito bem, mesmo execrados pelos filósofos puros, é que há evidências da presença deles até na história da filosofia chinesa. Na cartilha da escola das Formas e dos Nomes (Hsing Ming chia), por exemplo, no capítulo 33, eram apresentados alguns exercícios para serem praticados pelos ávidos estudantes. Eram propostas teses, que deveriam ser defendidas ou criticadas pelo aluno, como por exemplo: “há plumas no ovo”; ou “a sombra do pássaro que voa não voa” e mais, “se se tira a metade de um bastão a cada dia, ele não desaparecerá em uma miríade de anos” e assim por diante.

Voltando à terrinha, o que estamos assistindo hoje parece mesmo praga de sofista. Cada oitiva de uma CPI é uma história que é contada, com princípio, meio e fim, com seus próprios personagens e cada vez em maior número. São verdades que vão sendo construídas de acordo com o interesse de cada depoente. E são tantos os depoentes e tantas as histórias, que já não sabemos mais quais são as de verdade ou quais são as de mentira. E quanto mais bem preparado ou mais eloqüente é o depoente, mais provável a história nos parece.

Mas quando paramos um pouco para pensar, quando tentamos retomar capítulo por capítulo para ver qual encaixa onde, tudo isso parece mais é uma grande confusão mental. É um jogo intelectual ou político, como queiram. A cada dia estamos chegando perto de uma verdade e, cada vez mais longe, desconfio, da verdade absoluta.

Nessa mesma linha, mas aí pegando o verbete “sofisma”, encontraríamos outras evidências do que Ludus chamou de “a vingança dos sofistas”. Mas para demonstrar essa tese, meus amigos, precisaria de mais tempo. É um trabalho de cão, pois teria de voltar aos depoimentos de um por um para ir idenficando, em cada um deles, quais os gêneros adotados, pois são vários. Pensando bem, é um desafio e tanto. Já estou ficando animada. Acho que vai ser emocionante. Mas não hoje. Um dia, quem sabe.

Bjins.

sexta-feira, agosto 19, 2005

Idéiafix pegou no meu pé

Hoje eu acordei com o cachorrinho do Obelix no meu pé. Não consigo pensar em nada. Está uma sexta-feira muito estranha. Fiz tudinho o que tinha para fazer, mas passei o dia todo com a sensação insistente de que ainda tinha algo a ser feito. Fiquei devedora de não sei o quê. Vou pensar nisso na segunda-feira. Hoje está impossível.

Enquanto isso, na sala de espera, vamos nos distraindo com um poeminha de Jacques Prévert.

O gato e o pássaro
Uma aldeia escuta desolada
O canto de um pássaro ferido
É o único pássaro da aldeia
E foi o único gato da aldeia
Que o devorou pela metade
O pássaro deixou de cantar
O gato deixou de ronronar
E de esfregar o focinho
E a aldeia preparou para o coitadinho
Um extraordinário funeral
O gato que também foi convidado
Seguiu atrás do pequeno caixão de palha
Onde o pássaro morto jazia
Carregado por uma menininha
Que não parava de chorar
Se eu soubesse que isso ia te fazer sofrer tanto
Disse-lhe o gato
Eu o teria comido inteirinho
E depois eu lhe diria
Que o vi partir voando
Voando até ao fim do mundo
Lá longe onde é tão lange
Que de lá nunca se volta
Você sofreria bem menos
Ficaria tristinha e só lamentaria um pouco

Nunca devemos deixar as coisas pela metade.

Até de repente!

quinta-feira, agosto 18, 2005

Acabou a moleza!

Está rolando na rede uma caminhada virtual, pacífica e democrática, em repúdio à série de escândalos que está pipocando em todo o Brasil. O objetivo, segundo os organizadores, é de utilizar a internet como forma de mobilização popular para manifestar a indignação de todos os brasileiros com relação aos fatos e seus envolvidos. Até agora já participam da caminhada 118.365 pessoas. Os estados com maior número de participantes, pela ordem, são os seguintes: São Paulo, Rio, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Distrito Federal. Dos 1.012 km que separam São Paulo de Brasília, já foram percorridos 236,7 km. É chão pra burro, hem?

Essa idéia é muito legal! Já ri muito, apesar de não ser o lugar e o momento adequado para isso, mas tem hora que não consigo me controlar. Rio mesmo. É que fiquei pensando, mais desejando que pensando, para ser muito sincera, se não teria alguém por aí disposto a criar uma Academia Virtual. Seria a solução para todos os meus problemas. Pensem bem, de manhanzinha, você liga o computador, conecta, localiza a página da Academia Virtual, entra com a senha e escolhe a atividade: aeróbica. Clicou na modalidade, aparece imediatamente uma tela para ser preenchida: tempo, intensidade, com/sem música, etc. Você prenche, dá ok e pronto! Já está na turma certa. Tudo resolvido. Quer um esporte mais radical, vai lá: arvorismo, escalada, etc. Um mais light? Tem também: taichi, ioga, e assim por diante.

Enquanto isso, você volta para cama, dorme mais cinco minutinhos só (!), levanta com calma, toma café, lê o jornal, toma banho, administra o dia-a-dia doméstico, alimenta os bichinhos (o passarinho, o peixe, o cachorro, o papagaio) e pronto! Volta lá no computador, avalia o desempenho do dia (vai ter uma telinha só para isso, para fornecer o resumo do dia) e clica no Exit. Pronto mais uma vez! Aí é só pegar a chave do carro e ir embora trabalhar, porque pra ganhar din din, só assim, trabalhando. Trabalhando muuuiiiito. Mas, agora, com uma diferença, você vai estar com a consciência ainda mais tranquila, porque você não vai precisar mais mentir para o médico da família.

Tem só um probleminha. O resultado desse esforço todo não pode ser apenas virtual, caso contrário, não vai colar. Mas isso é um problema para os meninos da informática, do desenvolvimento (GDS). Isso é lá com eles, não é mesmo?

quarta-feira, agosto 17, 2005

De volta ao subsolo

Estava ouvindo rádio hoje e ouvi alguém dizer que precisávamos voltar aos fundadores da república para retomarmos o caminho de casa. Foi na CBN, acho que foi a Miriam Leitão. Ou foi o Heródoto? Ou foi o Sardenberg? Não estou me lembrando. Mas o que interessa é que esse é um bom conselho. Eco também diz isso, no seu último livro - A Misteriosa chama da Rainha Loana. Para ele (ou para Bodoni), se queremos dar um salto para frente, temos de dar alguns passos para trás. Então, é sobre isso que tenho pensado nesses últimos meses. Nooossa! Essa crise está mesmo fazendo história, já temos quase três meses de confusão!

Bom, aí fui procurar alguma coisa que pudesse me ajudar a encontrar o fio desta meada. Achei um texto muito legal, do professor da USP Sérgio Cardoso, que está no livro Retorno ao Republicanismo, da editora Humanitas. Ele vai fundo na discussão sobre a importância da república, fazendo ainda um paralelo entre os ideários democráticos e republicanos. E nessa trajetória, claro, ele volta ao subsolo, para beber em fontes de água pura. Os velhos e bons clássicos! Ele inclui uma citação de Rousseau que é deliciosa. Vou reproduzí-la, porque ela me fez pensar muito. Até hoje. Lá vai:

Aquele que ousa empreender a instituição de um povo deve sentir-se em condição de mudar, por assim dizer, a natureza humana; transformar cada indivíduo, que por si mesmo é um todo perfeito e solitário, em parte de um todo maior do qual este indivíduo recebe, de algum modo, sua vida e seu ser; alterar a constituição do homem para reforçá-la; substituir por uma existência parcial e moral a existência física e independente que todos recebemos da natureza. É preciso, em uma palavra, que ele subtraia ao homem suas forças próprias para lhe dar outras que lhe são estranhas e de que não possa fazer uso sem o auxílio de outrem.

Só para situar o contexto desta citação, ela surge quando Sérgio Cardoso está falando sobre a missão do legislador que, para ele, é a "de produzir cidadãos, conduzir os indivíduos independentes e egoístas à disciplina das leis; é enfim, a de realizar o contrato social pela constituição da república". Ôw, é sério! É muito bonito. Tanto o texto de Rousseau, quanto o de Sérgio Cardoso. Vale a pena ler e pensar. Ufa! Hoje exagerei na dose. Tô indo.

Viva as calçadas!

Nunca tinha pensado nisso antes. Mas olhem só as calçadas. Por elas, passam, indo e vindo, o rico e o pobre, o homem ou a mulher, o negro e o branco, o feio, o bonito, e todos e qualquer um. Passam pela mesma igual calçada. As leis deveriam ser assim, como as calçadas, iguais para todos.

Nunca mesmo tinha pensado nisso. Não nas leis, mas nas calçadas. Mas também não pensei nisso sozinha. Neste último final de semana, fui ao lançamento do novo livro do pensador Bernardo Toro e foi ele quem usou essa imagem para explicar o conceito de “bem público”. Vocês não têm noção de como foi bom! Pena que estava muito barulho e ele falava um espanhol acelerado que, às vezes, não dava para acompanhar. Mas só essa imagem e a sua afirmação, de que as leis são o maior bem público de um povo, já valeram.

Quem quiser conhecer o que esse cara está pensando, é só ler o livro “A construção do público: cidadania, democracia e participação”, da editora Senac Rio. E viva as calçadas!

segunda-feira, agosto 15, 2005

Fidelidades e outras encrencas

Estava aqui pensando e olhem só. A oposição está se reunindo agora à tarde em Brasília, no Congresso Nacional, para discutir uma saída estratégica desta crise em que nos metemos. Uma agenda positiva para a política, vejam só, que vai incluir, entre outros tópicos, uma mini reforma política. Essa mini, que, cá para nós, precisava ser máxi, recoloca a condição da fidelidade partidária como quesito básico para aqueles que quiserem participar do jogo político. Muito justo. Essa questão da fidelidade partidária é mesmo crucial para que possamos identificar com clareza e nitidez as peças que atuam no tabuleiro das instituições políticas brasileiras.

Mas não é sobre isso que estava pensando, pois hoje é feriado aqui em Belo Horizonte e, nos meus dias de folga, me prometi não pensar nessas encrencas que estão por aí. Estava pensando é no futebol mineiro. Peraí, mas essa é outra encrenca! Concordo. Mas é de outro naipe. Então? Então, posso. Eu nem acompanho futebol assim tão de perto. Me interessa só o resultado, para saber como reagir na segunda-feira. Mas tenho certeza de que desempenharia melhor o meu papel, na defesa ou na crítica de um time, se fosse possível, ao menos, saber o nome dos seus jogadores. Mas isso hoje é impossível! Quando você aprende um nome e identifica um jogador, ele já foi vendido para outro clube, quando não desaparece para ressurgir lá na frente, defendendo a camisa de um time espanhol, japonês ou arábe. Isso é uma zona!

O que estava pensando é que é urgentíssimo defendermos, para já, uma mini reforma também no futebol, incluindo a fidelidade clubística para os jogadores, extensiva, talvez, aos técnicos. Ainda não pensei como ela poderia funcionar, mas, certamente, deveria definir, a partir da assinatura do contrato, um prazo, no qual, o jogador não poderia deixar o clube por oferta nenhuma. Não o prazo do contrato, mas um que caracterizasse, de fato, a fidelidade clubística do jogador, portanto, superior a uma temporada. E, findo o prazo, o jogador deveria ainda cumprir uma quarentena, período, no qual, ele não poderia vestir nenhuma outra camisa, sob pena de quebrar essa condição. Com, isso, penso, de um incerto jeito, acabaríamos aprendendo, pelo menos, a escalação dos nossos times do coração!

domingo, agosto 14, 2005

Macunaíma, o herói sem nenhum caráter

Por um acaso desses da vida, caiu em minhas mãos, logo agora, esse livro de Mário de Andrade. Apesar de já o ter lido, não me lembrava mais quase nada da história, apenas que se tratava das aventuras e desventuras de um herói sem caráter. Li por obrigação, disso eu me lembro. Mas agora é diferente. E antes de iniciar essa releitura, fui pesquisar alguma coisa sobre a obra, que pudesse, desta vez, me fisgar definitivamente para dentro da história. E achei um relato muito interessante. Um trecho do prefácio que Mário de Andrade escreveu para a primeira edição de Macunaíma e que nunca foi publicado. É assaz interessante e me fez pensar muuuito. Por isso, estou postando aqui. Pode ser que esse pequeno trecho do prefácio inspire também em vocês essa vontade incontrolável que sofremos, de pensar muito!

“O que me interessou por Macunaíma foi incontestavelmente a preocupação em que vivo de trabalhar e descobrir o mais que possa a entidade nacional dos brasileiros. Ora depois de pelejar muito verifiquei uma coisa que me parece certa: o brasileiro não tem caráter. Pode ser que alguém já tenha falado isso antes de mim porém a minha conclusão é uma novidade para mim porque tirada da minha experiência pessoal. E com a palavra caráter não determino apenas uma realidade moral não, em vez entendo a entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes na ação exterior no sentimento na língua na História na andadura, tanto no bem como no mal. O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional.
Os franceses têm caráter e assim os jorubas e os mexicanos. Seja porque civilização própria, perigo iminente, ou consciência de séculos tenham auxiliado, o certo é que esses uns têm caráter. Brasileiro não. Está que nem o rapaz de vinte anos: a gente mais ou menos pode perceber tendências gerais, mas ainda não é tempo de afirmar coisa nenhuma. […] Pois quando matutava nessas coisas topei com Macunaíma no alemão de Koch-Grünberg. E Macunaíma é um herói surpreendentemente sem caráter. (Gozei)”

Será que já é tempo de afirmarmos alguma coisa?

Aguardem...

Estou pensando....