quinta-feira, abril 04, 2019

A ESCATOLOGIA NEOLIBERAL


Voltando aqui para compartilhar com vocês mais um artigo do economista Cláudio Duarte sobre essa nossa conjuntura ensandecida. Sempre que conversamos, ele me ajuda a compreender melhor o que está se passando com o Brasil nesses novos tempos, por isso divido com vocês, acreditando que também os ajudará, se não a compreender melhor, pois já entendem, mas a encontrar outras palavras para expressar essa nossa perplexidade. Aproveitem:

A ESCATOLOGIA NEOLIBERAL

As experiências neoliberais têm funcionado como uma espécie de efeito dominó, cujos resultados finais são, lamentavelmente, inequívocos e sombrios. 

Introduzem reformas que geram crises, que ensejam novas reformas, que ensejam novas crises, e a cada um desses ciclos, direitos sociais constitucionalmente estabelecidos vão sendo abduzidos à luz do dia.

Esse processo tem início nas décadas de 80/90 com a difusão generalizada do conceito de "VALOR DO ACIONISTA" no âmbito da gestão das empresas. Segundo esse "mantra" neoliberal, a função de uma empresa é gerar valor (lucro) para seus acionistas e, portanto, lucros não deveriam ficar retidos nas empresas para reinvestimento, mas serem distribuídos aos acionistas, para que esses sim possam remetê-los a destinos mais lucrativos (uma infinidade de produtos financeiros desenvolvidos à partir da chamada "DESREGULAMENTAÇÃO FINANCEIRA", também de inspiração neoliberal, implementada nas décadas de 80/90 ). 

Quando os lucros chegam a ficar retidos nas empresas, são utilizados para a compra e valorização das próprias ações no mercado, gerando ganhos de capital para os acionistas, ou direcionados à compra de empresas concorrentes. Nessa segunda alternativa, ao se fundir duas empresas semelhantes, várias redundâncias são geradas (dois departamentos contábeis, duas áreas de recursos humanos, etc.), o que possibilita uma gigantesca supressão de empregos e custos. Essas reduções de custos (aumento de lucros) também impulsionam instantaneamente o valor das ações no mercado, gerando ganhos de capital para os acionistas. É simples assim.

Mas a contra-partida dessas mudanças tem sido uma queda substantiva de novos investimentos na chamada economia "real", com recessão / estagnação e um crescimento vertiginoso do desemprego e da informalidade.

Como o governo Temer respondeu a isso? Com uma reforma trabalhista neoliberal, na qual as negociações entre trabalhadores individuais e empresas passaram a prevalecer sobre os direitos trabalhistas até então assegurados em lei. Isso obviamente achata o poder de compra das famílias, gerando mais recessão, desemprego e informalidade.

O resultado dessa reforma não poderia ser outro. Em 2018 o país registrou o menor número de empregos formais dos últimos seis anos. 

E isso obviamente derruba a arrecadação de impostos e, particularmente, a arrecadação do sistema previdenciário (menos empregos formais e salários mais baixos), produzindo déficits gigantescos nas contas públicas.

Como o governo Bolsonaro pretende enfrentar essa nova crise? Com uma reforma da previdência de corte neoliberal, substituindo o regime de repartição - onde as contribuições, divididas entre trabalhadores da ativa, governo e empresas, cobrem os benefícios dos aposentados -, por um modelo de capitalização no qual exclusivamente os trabalhadores ficam responsáveis por poupar e depositar suas economias em instituições financeiras privadas, para utilizá-las quando não conseguirem mais trabalhar.

Observe que no regime de repartição, as contribuições dos trabalhadores, governo e empresas vão para o bolso dos aposentados, e dali, sem escalas, para o supermercado e para a conta da farmácia. Esses recursos ajudam a manter a economia funcionando.

No regime de capitalização, os trabalhadores terão de economizar não apenas aquilo que já contribuíam, mas também a parte anteriormente bancada pelo governo e pelas empresas. Esses são recursos que serão subtraídos do faturamento dos supermercados, das farmácias e das indústrias que abastecem esses estabelecimentos, pois ninguém nesse país é ingênuo a ponto de acreditar que a redução dos encargos das empresas e do governo vai se transformar em aumento real de salários. 

Se empresas já não estavam investindo, agora as famílias vão deixar de consumir, por conta das reformas trabalhista e previdenciária, gerando mais déficit público e a necessidade de novas reformas neoliberais para "colocar a casa em ordem". As próximas vítimas serão a saúde e a educação pública. 

Essa é a essência da escatologia neoliberal. Reformas que produzem crises, que "legitimam" novas reformas, que inexoravelmente produzirão novas crises, até o "final dos tempos".

Ao cabo desse processo, direitos sociais terão sido inteiramente abduzidos, restando apenas um Estado "enxuto" com a finalidade exclusiva de arrecadar impostos indiretos sobre o consumo de bens e serviços dos trabalhadores (já somos o vice campeão mundial neste quesito, atrás apenas da Hungria), e transferi-los para o bolso dos detentores da dívida pública, sob a forma de juros.

Enganam-se aqueles que acreditam que o atual governo não possui planos de longo prazo. Por trás da cortina de fumaça grotesca e surreal diariamente emitida por sua trupe mambembe, existe uma agenda clara como água.