quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Que seja o que será

É impressionante! Foi Fidel anunciar sua renúncia e o mercado já saiu por aí todo saltitante, dando gritinhos de alegria. Oh céus! E nem disfarçou seu entusiasmo. Só pensava na possibilidade que terá agora de invadir mais uma praia, derrubando uma das últimas porteiras desse mundão globalizado. Os neoliberais de plantão passaram o dia alardeando, triunfantes, o desfecho óbvio dessa história de quase cinqüenta anos. Para eles, Cuba, inevitavelmente e finalmente, terá de abrir sua economia para o resto do mundo. Oh quão desinformado somos! Mas quem se importa?

Ouvi tudo bem calada. Sei muito bem que sei muito pouco da história de Cuba. Mas ainda assim, com toda a minha ignorância, fiquei pasma o dia inteiro. Como assim? Cuba terá de abrir o seu mercado? É isso mesmo que fiquei ouvindo? Mas foi Fidel quem fechou a porteira ou ela foi fechada de fora para dentro? Quem sangrou a economia cubana durante 46 anos? Foi o governo de resistência de Fidel ou o embargo econômico imposto pelos Estados Unidos? Não estou entendendo.

Qual ditadura da América do Sul sofreu qualquer tipo de embargo como esse, apenas por alguns meses, que seja? Não me lembro. E qual democracia da América do Sul apresentou desempenho semelhante ao de Cuba no ranking de Desenvolvimento Humano? Google! Argentina, Chile e Costa Rica conseguiram uma posição melhor, mas nunca sofreram um embargo econômico da dimensão daquele imposto a essa ilha menor do que Sergipe. E quantas das nossas democracias nascentes não chegaram nem perto?


Não estou tentando justificar as restrições políticas impostas por Fidel ao povo cubano. Estou tentando ficar calada. Mas é preciso algumas doses a mais de isenção para conseguirmos ao menos nos informar sobre o que é de fato. Desconfio que não seja muito razoável comparar o regime de Fidel aos regimes ditatoriais que vigoraram nos países da América do Sul nos anos 60/70/80. Fidel é uma liderança popular, tem o apoio da maioria cubana. Implantou políticas públicas eficientes na área social, principalmente de educação e saúde. Dificilmente o povo cubano abrirá mão desses direitos para ver florescer no seu país o comércio do ensino e de planos de saúde.



Desconfio também que a retomada do desenvolvimento econômico não é uma decisão que dependa exclusivamente de políticas internas. Pelo contrário. A suspensão do embargo econômico é fundamental para garantir o arranque inicial. Mas, por enquanto, essa possibilidade já foi descartada. Isso, apesar da Assembléia Geral das Nações Unidas já ter condenado esse bloqueio econômico por pelo menos16 vezes, desde que ele foi adotado, em fevereiro de 1962.

Li na Wikipédia que, no ano passado, a Assembléia Geral da Nações Unidas, "determinada a encorajar o estrito cumprimento dos objetivos e princípios consagrados pela Carta das Nações Unidas" (...) e "reafirmando, dentre outros princípios, a igual soberania das nações, a não-intervenção e a não interferência em seus assuntos internos "(..), condenou, pela 16º vez consecutiva, o embargo imposto a Cuba pelos Estados Unidos, por 184 votos a quatro. Votaram a favor da manutenção do embargo apenas os próprios Estados Unidos, apoiados por Israel, Palau e Ilhas Marshall.


Essa última Resolução da ONU, aprovada dia 30 de outubro de 2007, pedia o fim do embargo econômico, comercial e financeiro contra Cuba "o mais rápido possível". Segundo a BBC "todos os que se manifestaram na Assembléia Geral denunciaram o embargo americano, por considerá-lo desumano e um vestígio da Guerra Fria". A Resolução da ONU foi aprovada uma semana após o presidente George Bush ter declarado que "o embargo contra Cuba será mantido enquanto o regime comunista estiver no poder na ilha". Essa Resolução da Assembléia Geral da ONU, no entanto, não tem força legal para ser imposta contra seus infratores.

E assim caminha a humanidade.

Se tiver um tempinho, vou procurar meu amigo cubano para me informar melhor. Se tiver só mais um tempinho, vou ver se me animo a ler mais um pouco sobre a história de Cuba e entender melhor o que está se passando. Desisti de encontrar isso nos jornais e no noticiário das rádios e tevês.

Uma semana embalada pela voz de Pablo Milanez. Se possível, cantando Mi Unicórnio.

Inté, que já é tarde.

Fotos: Pesquei na internet

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Dá pra ser ou tá difícil?

Pra quem gosta, sexta-feira não tem talvez, é dia de circular. Numa outra como esta, meus rapazes, que não posso mais chamá-los de meninos, vieram me pedir um dinheirinho para esticar em algum lugar depois dos compromissos escolares. Não achei muita graça. Sabia que uma hora isso ia acontecer, mas preferiria vê-los debaixo de nossas asas, participando dos lanchinhos especiais da sexta e depois de uma sessão cineminha no sofá da sala, com pipoca e guaraná. Acho que isso nunca mais. Ou só de vez em quando, se não tiverem nada de mais ou menos melhor para fazer.

Já que seria inevitável, tirei duas notas de 10 reais da carteira e dei uma pra cada um. A reação foi instantânea e uníssona:

- Que isso mãe! Perdeu a noção!
- Uai, como assim? Dez reais é muito dinheiro, são dez notas de 1 real, hem?

O mais velho, mais ponderado, mais sensato, mais diplomata, suspirou fundo e abriu negociação.

- Mãe, a não ser que vocês queiram sair no meio da noite, na hora que for, para nos buscar onde estivermos, 10 reais não dá nem pra sair, quanto mais pra voltar pra casa.

Sabia que era pouco, mas por que haveriam de querer muito? Por acaso estariam pensando em sentar numa mesa no Favorita e pedir a carta de vinhos ou um prato personalizado? Dez reais já é mais do que suficiente para hidratar. Mais do que dá para pedir uma coca e se distrair até a hora de ir embora. Ou não? Mas considerando que esperava vê-los de volta em casa o quanto antes, abri a carteira novamente e tirei duas de 20. O mais novo deu-se por satisfeito, afinal, iríamos mesmo buscá-lo na hora que fosse, porque ele não tem idade para ficar zanzando pela cidade no escuro da noite. Mas o mais velho nem estendeu a mão para garantir ao menos a saída.

- Mãe, com 20 reais eu vou, mas não dá pra voltar e nem pra ir a lugar nenhum. Manera, né!

Acho que dá mais do que para ir. Dá para ir de ônibus e voltar de táxi, se quiser. Já fiz isso muito quando tinha a idade dele. Está certo que meus amigos e os lugares que me interessavam estavam todos por perto. Hoje, parece, tudo que é bom é longe. Mas se 20 não dá, quanto é que é o suficiente? Será que esses meninos não aprenderam na escola a conta de dividir? Será que não sabem compartilhar a conta? Será que não sabem viver com o bastante que tem?

- E aí mãe, sai um cinquentinha ou não sai?

Cinquentinha! Olha só quem não tem noção. Com cinquentinha eu faço um sacolão para a semana inteira e ainda me dão um troco. Com cinquentinha, abasteço o carro para rodar de segunda a sexta pra baixo e pra cima e ainda sobram alguns litros para passear no final de semana, se não for muito longe. Com cinquentinha, compro três sandálias coloridas na Feira de Artesanato da Afonso Pena e, com o troco, se procurar bem, compro um brinco de prata com design bem original. Com cinquentinha, posso ir na Savassi e comprar dois livros garimpados na estante de literatura que não vou me arrepender.

Outro dia, no apagar das minhas férias encroadas, fui com uma amiga na Savassi para fazer um teste. Um teste não, uma pesquisa. O que conseguiríamos comprar na Savassi com cinquentinha? A pesquisa fracassou, porque era quarta-feira de cinzas e a maioria das lojas emendaram o feriado. Mas, ainda assim, com cinquentinha, conseguiríamos comprar um oratório de caixa de fósforo da Serjô (18 reais), uma tulipa linda (4,50) na La Tésse, uma meia anti-derrapante (12 reais) na Boto Brasil e uma camisola de algodão deliciosa (19 reais), numa loja que me esqueci o nome. Ficaríamos devendo três reais e cinqüenta centavos, mas acho que daria para negociar.

Poderíamos, se desse na telha, comprar um par de congas preto da Boto Brasil por 40 reais e duas tulipas. Ou um anel na Via Láctea (44 reais) e uma tulipa. Ou um vasinho de rosas brancas (38 reais) da La Tésse e uma meia antiderrapante para andarmos dentro de casa nas noites mais frias. Enfim, com boa parte do comércio fechado, ainda assim faríamos uma grande festa com cinquentinha. Grande é um exagero, tudo bem, mas, com cinquentinha, passaríamos uma tarde bem divertida e voltaríamos para casa com alguns agrados que nos fariam felizes por muitos e muitos meses.

Já estava fazendo novas contas, quando o meu mais velho retrucou outra vez:

- Tudo bem mãe, já sei, já sei, tem muita gente que vive o mês inteiro com cinquentinha. Com cinquentinha salvaria a vida de muitas criancinhas abandonadas por esse Brasil afora, poderia agasalhar meia dúzia de velhinhas no asilo Dom Bosco, comprar material escolar para os meninos carentes do Lar São Benedito. O que mais, mãe? Poderia mudar o mundo, né? Mas hoje não, mãe, é sexta-feira. Hoje só quero dar uma saidinha. Dá pra ser ou tá difícil?

Pra todos, um fim de semana pra ser, pois, como diz meu pai, mais vale um gosto do que cem vinténs!

Buenas.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

O dono do pedaço

Bem que queria, mas vai ficar só na vontade. Como desde sempre, teremos de nos contentar em apenas acompanhar de longe as eleições para a presidência dos Estados Unidos. É uma injustiça, porque, seja quem for o candidato escolhido, suas decisões irão influir na vida de todos nós. Mas um dia chegaremos lá. Isso se antes não der de acontecer do poder do império desmoronar. E esse cenário não está muito distante assim. O mais provável, então, é que ficaremos sempre só na vontade mesmo.

Mas se não podemos votar, pelos menos já podemos dar pitaco sobre a acirrada disputa entre Hillary e Obama e todos os demais, no round final das eleições americanas. Pelo menos é isso que entendi do post que o Yuri publicou no seu blog. Nunca lamentei tanto não ter me esforçado um pouco mais para aprender inglês na época em que todo mundo aprendeu. Agora é tarde demais, estou ocupada com outros afazeres. Segundo Yuri, a Global Voices, em parceria com a Reuters está propondo um diálogo global sobre as eleições nos Estados Unidos. O projeto se chama Vozes sem Votos (Voices Without Votes), e vai mobilizar os não-eleitores de todo o mundo, passando pelo Oriente Médio, Ásia, África, América do Sul e Europa Oriental, inclusive.

Vou ficar de fora outra vez. Essas restrições tiraram muito do meu entusiasmo para acompanhar as eleições americanas. Estou preferindo me recolher às leituras de Mia Couto, Patrícia Reis, Agualusa e assim por diante. E está bom desse jeito. Mas fico pesarosa de não poder dar uma mãozinha a Hillary, porque ela está num sufoco danado. Desconfio, que sua candidatura vai amarelar. Os americanos ainda não estão preparados para eleger uma mulher. Essa é a verdade, por mais paradoxal que possa parecer. Podem até nos surpreender no minuto final, mas fico cismada que não.

Fico tentada, mas não sou besta a esse ponto. Não vou dizer que a sociedade americana é machista, porque não é. Ou, pelo menos não na mesma intensidade das nossas abaixo do Equador. Mas seu perfil é fortemente masculino. Desconfio que eles se vêem como a sociedade provedora do mundo, protetora de todas as famílias de todas as raças, que se encontram sob a ameaça de cruéis dominadores. Pensam ser responsáveis pela guarda, preservação e controle de toda a riqueza do planeta, referência para todos quanto aos valores sublimes da vida. E, principalmente, não se acanham de assumir o papel de donos do destino de todos nós. Enfim, se vêem como se fossem o homem da casa. Como nos velhos tempos de Malboro.

Os dois mandatos de bush, aquele, só serviram para fortalecer ainda mais essa fantasia. Como se não bastasse uma visão masculina do papel que desempenham no mundo, bush desencadeou um processo radical de militarização da sociedade americana fora dos campos de batalha, mas, principalmente, nas coisas miúdas da vida. Posso estar redondamente equivocada, mas é assim que percebo o crescimento de Obama e o desamparo de Hillary nas últimas semanas, mesmo estando ainda à frente do seu parceiro de partido. Temo que os americanos não estejam se deixando levar apenas pelo poder de convencimento de Obama que, dizem, tem um discurso extremamente arrebatador. Nem fazem uma escolha entre o melhor e o pior. Estão apenas reafirmando sua natureza masculina.

Não vou dizer também que Hillary seria a única garantia de uma mudança no jeito americano de governar o mundo. Não necessariamente. Margareth, a Tatcher, é o exemplo de que não basta ser mulher, para ter esse jeito especial de governar. Nem sempre. Mas Hillary traz essa possibilidade, que não vejo em Obama. Pelo contrário, vejo nele, cada vez mais, menos dessa possibilidade. Espero estar enganada. Mas do fundo da minha ignorância e da precariedade de informações que faço questão de manter, com a preciosa ajuda da nossa mídia tupiniquim, é assim que percebo.

Uma semana com muitos quereres e novos fazeres para todos.

Inté, quando for possível. Sempre.