domingo, setembro 26, 2010

Caixinha de surpresa


Preferiria não ter visto, mas vi. Vi o Cruzeiro ser derrotado desnecessariamente pelo Santos. O Cruzeiro poderia ter jogado com mais vontade e garra, mas preferiu um jogo morno e disperso. Parecia outra equipe em campo. Cuca parecia outro técnico a orientar os jogadores. Mas ao mesmo tempo, parecia o mesmo Cruzeiro de sempre que, a qualquer momento, poderia reagir e ao menos empatar. Por isso torci até o último minuto, inutilmente. Mas tudo isso são coisas do futebol. Mesmo quando um jogo ou um campeonato, como o Brasileirão, começam a se tornar previsíveis, mesmo quando os resultados vão sendo forjados sutilmente pelos erros e desatenções da arbitragem, pela catimba dos adversários, pela alma vira-lata dos times fora do eixo, mesmo assim, o futebol é um jogo imprevisível. No campo, tudo pode acontecer.

O craque do time pode acordar de mau humor, o perna de pau acordar inspirado, a equipe desentrosada, por alguma razão inexplicável, pode entrar em sintonia e a equipe sempre afinada perder as conexões e correr perdida de um lado para o outro do campo até o apito final. E é disso que eu gosto no futebol: da caixinha de surpresa. Eu gosto dos gols finalizados na prorrogação, dos perebas que surpreendem com jogadas insuportavelmente belas, dos jogadores invisíveis que se materializam no lugar certo quando ninguém espera, das vitórias de virada e de todos os lances únicos, daqueles que não podem nunca ser programados, porque são inventados ali, naquele exato instante em que a bola cai no pé do jogador e ele olha pra frente e enxerga uma oportunidade qualquer.

É claro que, fora de campo, a vida reserva outros momentos caixinha de surpresa. As eleições, por exemplo. Por mais que as pesquisas de opinião, cada vez mais sofisticadas, ajudem a dar previsibilidade aos resultados, ainda assim é possível sermos surpreendidos pelas urnas. O segundo turno das eleições de 2006 foi um desses momentos. Lula e Alckmin caminhavam juntos em todas as enquetes e até o final do primeiro turno. No segundo, Lula disparou e deixou Alckmin para trás, contrariando a expectativa de boa parte dos analistas, que apostavam num resultado apertado.

Já as eleições proporcionais, estas sempre reservam surpresas, porque é quase impossível tentar antecipar seus resultados usando as ferramentas convencionais de pesquisas de opinião. Em Minas Gerais são 553 candidatos a deputado federal e 977 a deputado estadual e um eleitorado próximo de 15 milhões de pessoas, espalhadas por 853 municípios com as mais diferentes histórias. Uma bela caixinha de surpresa. E se isso não bastasse, o fato das eleições proporcionais serem coincidentes com as eleições majoritárias, que mobilizam mais as atenções dos eleitores, poucos são os que já escolheram seus candidatos para o Parlamento. Muitos só se decidem na beira da urna.

Neste ano, espero, mais uma vez, um momento caixinha de surpresa nas eleições. Torço para que seus resultados nos façam recuperar a crença de que a política ainda pode ser o espaço do encontro. O espaço do diálogo verdadeiro e sincero, para troca de ideias e construção coletiva de soluções e alternativas que garantam uma vida boa para todos. Sonhar não é defeito.

Inté
Foto: minha

sábado, setembro 18, 2010

Nua e crua

Brotos de bolas de flores

A primavera está chegando. Já não era sem tempo. Não aguentava mais a mesmice de tudo desde sempre. Vamos ver se agora florescem novas ideias. Não quero nada requentado, reprogramado, repaginado. Quero é o que ainda nem existe nem foi inventado. Quero o que eu nem sei o que é, mas ainda assim é o que eu quero. E na primavera eu posso. Ou penso que posso.

Estou enfarada da vida com photoshop. Dos sorrisos perfeitos; das medidas precisas; das vanguardas moldadas em qualis; dos improvisos cuidadosamente elaborados; das falas absolutamente previsíveis, exaustivamente ensaiadas para responder exatamente aquilo que quero ouvir.

Estou exausta. Cansada das soluções mágicas que não deixam escapar saídas, a não ser aquelas devidamente sinalizadas; das promessas vazias, das promessas improváveis, das promessas razoáveis, das promessas; dos deuses, dos heróis, dos bandidos, de todas as personagens que não conseguem se reinventar e no mais de tudo que finge mudar para continuar como está.

Mas na primavera eu posso. Posso querer um amarelo como nunca antes existiu. Posso querer um bando de maritacas falando pelos cotovelos coisas que ninguém nunca nem ouviu falar. Com palavras que nunca foram ditas. Posso querer pedras no caminho para tropeçar, casca de banana para escorregar. Na primavera eu posso. Posso querer sorvete de araça azul, igual aquele que vi um dia na capa de um disco do Caetano e nunca mais vi. Posso querer um sorriso banguela, uma gargalhada dissonante, fora de hora, fora de lugar. Um discurso desconexo, desarticulado, desafinado.

Posso. Posso querer uma terra nua e crua. Um papel sem pauta, um livro sem letras, uma música sem notas. Posso querer uma foto sem cor, uma imagem sem formas, um filme sem movimento. Acho que na primavera eu posso. Posso até mais, um dia sem horas, uma vida sem destino, um vento, um ciclone, um tufão, um tornado. Acho que posso.

Inté