quinta-feira, janeiro 31, 2008

Aventuras virtuais

Choveu. E choveu mais e continua querendo chover. Meus planos foram todos por água abaixo. Outra vez. Acho que minhas férias encroaram de vez. Mas não me rendo às evidências. Na falta de um roteiro promissor no mundo da vida, resolvi viajar pelo universo virtual. Navegar por mares nunca dantes navegados, conhecer novos sítios, como dizem os portugueses, novas personagens. Mudar de assunto, trocar a música, descobrir novas plagas, novas paisagens.

Tinha de sair por algum lugar. Poderia ser por qualquer uma das janelas que mantenho abertas nesta praça. Escolhi uma por acaso. Depois percebi que, dependendo de por onde você sai, os caminhos te levam por trilhas temáticas e de alcance limitado. Parece que dão voltas em torno de uma grande aldeia, mas uma só aldeia, habitada por várias tribos, mas de costumes e interesses muito próximos. Cheguei a pensar que, se insistisse um pouco, acabaria chegando de volta ao ponto de onde saí. Pode ser, mas me cansei antes disso e voltei para casa.

Cansei da tela do computador, da cadeira, do teclado, mas não da viagem. Foi uma aventura prazerosa e descobri muitas praças interessantes que pretendo, uma hora, quando der, voltar para visitar com mais calma. Comecei a minha caminhada pelo blog do Márcio, uma praça que já conheço bem: Pimenta nos olhos. O Márcio é baiano, acho que é, na blogosfera essa informação não chega a ser relevante. É economista, formado pela Universidade de Salvador e se dedica às pesquisas acadêmicas e projetos voluntários. Atualmente está fazendo o doutorado no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Santiago do Chile, sobre desenvolvimento local e regional.

O Pimenta nos Olhos não trata só de economia, embora também aborde temas dessa natureza. Márcio escreve sobre política, cultura, principalmente música, sobre o cotidiano e agora dá notícias do Chile e de toda a América Latina. Sempre passo por lá para ler as últimas e postar algum comentário rápido, já que sempre navego com pressa. O Márcio promete mudanças para 2008. Vamos aguardar. Do Pimenta nos Olhos escolhi outra janela para escapar: Catatau. Foi por pura curiosidade. Faz tempo que acompanho os comentários de Catatau no blog do Márcio ou comentários do próprio Márcio, um fã de carteirinha do Catatau, sobre essa praça. Nunca tive tempo de visitá-la. Por isso fui por ali.

Não sei exatamente se Catatau é alguém de fato ou uma personagem ou uma tribo. Acho que é uma personagem: acho que é homem. É formado em filodoxia na Universibar do Pernambuco. Não sabia o que era filodoxia e achei mais prudente me informar primeiro antes de sair por aí copiando coisas que desconhecemos. Só por essa oportunidade, já valeu a pena passar pelo Catatau. Filodoxia, segundo o Houaiss, é a atitude ou predileção daqueles que, atraídos pelas aparências sensíveis, amam a opinião, a crença infundada e irrefletida, em oposição ao procedimento filosófico, movido pelo amor ao conhecimento e à verdade.

Tem mais: filodoxia, diletantismo intelectual, que se compraz em levantar problemas filosóficos, sem pretender chegar a soluções rigorosas e verdadeiras. Em suma, conversa de bar. Gostei. E, como defini seu próprio criador, o blog é para isso mesmo: para conversas de botequim e tertúlias entre amigos. Como tudo é miscelânio, o blog fala um pouco do tudo sobre tudo. O texto que gostei, no dia em que estive lá, já não está mais na tela, mas para quem quiser ler, basta clicar no título do artigo: Robert Fisk e o jornalismo imparcial.

Fiquei impressionada com a agilidade do Catatau em atualizar seu blog. É impressionante. Hoje voltei lá e já tem mais dois ou três artigo que ainda não li. O último está ótimo, sobre estatísticas. Penso muito sobre essa fúria com que os jornalistas avançam sobre estatísticas tentando utilizá-las para dar credibilidade a suas notícias. Não percebem que os números são vazios, que empobrecem a realidade e as histórias de vida que ela contém. Se percebessem, voltariam a praticar o jornalismo reportagem para sustentar as teses que criam para nos explicar o mundo.

Do Catatau, pulei para o Ler sem Olhar. Escolhi pelo título. Achei-o curioso. Lembrou-me das situações de risco que enfrentava, quando inventava de andar de bicicleta pelas ruas do bairro: uma hora era sem as mãos no guidom, outra, com as pernas no ar, outra de olhos fechados. Era tudo pela emoção. Em Ler sem Olhar, francamente, não consegui experimentar nenhum sentimento radical com os que vivi naquela época, mas o seu autor, Diego Viana, não sei se de São Paulo ou de Paris, posta em outra praça que me conquistou de cara: Cálculo Renal. Por isso só passei em Ler sem Olhar. Outro dia volto lá com mais paciência e leio todos os textos que não li nesta viagem.

Cálculo Renal é um coletivo. Reúne sete autores, mais ou menos freqüentes na blogosfera, que postam, se não me engano, de várias partes do Brasil, de Brasília ao Rio Grande do Sul. Sem sair de lá, escapei para o Cumulus Nimbus, de uma das colaboradores do Cálculo Renal: Manoela Afonso. Gostei de tudo no Cumulus Nimbus: do texto de apresentação, dos posts, das fotos, do jeito como a Manoela escreve e de como e de onde olha o mundo. Às vezes é engraçada, às vezes mais observadora, às vezes cruel. Gostei de ter lido ahá! A-ha. Me identifiquei com a citação que está lá, desde novembro de 2007:

“A experiência, e não a verdade, é o que dá sentido à escritura. Digamos, com Foucault, que escrevemos para transformar o que sabemos e não para transmitir o já sabido. Se alguma coisa nos anima a escrever é a possibilidade de que esse ato de escritura, essa experiência em palavras, nos permita liberar-nos de certas verdades, de modo a deixarmos de ser o que somos para ser outra coisa, diferentes do que vimos sendo.”
Jorge Larrosa e Walter Kahan - do livro ‘O mestre ignorante’, de Jacques Rancière

Escolhemos esse mesmo trecho para ilustrar uma exposição que montamos no ano passado, com o objetivo de comemorar e inspirar uma reflexão sobre os 15 anos de atividade da instituição onde atuamos.

A partir desse ponto, a viagem começou a ficar mais árdua, mais difícil. Os caminhos ficaram mais tortuosos e, em alguns momentos, temi me perder na blogosfera sem ter como voltar para casa. Da Cumulus Nimbus, já sem muitas opções, entrei no Le Mur. É também um coletivo, com quatro colaboradoras ou colaboradores, sei lá. O blog não tem muitas informações sobre os escrivanhadores. Também não sei de onde postam. Gostei do visual do blog, bem clean. Gostei das imagens: fotos e desenhos. E gostei do texto E o que você faz dos seus muros. Para chegar nele, quem se aventurar, tem de rolar a tela. Mas vale a pena. Não me demorei muito, mas talvez volte no Le Mur um dia.

Do Le Mur, pulei para o ArteCultDesign. Fiquei surpresa. A mantenedora desse blog posta de Belo Horizonte. Coincidência. Ou não. O mundo é pequeno em qualquer lugar. A menina que aparece na foto da tela principal, acho, chama-se Marly e gostei da pergunta que vem logo abaixo: o que nos olha? Não consegui deixar de não ri. Quando somos crianças, imaginamos que é deus quem nos olha. Nos espreita de longe o tempo todo. Hoje penso que somos nós mesmos que estamos, o tempo todo, a nos olhar. A nos vigiar, nos controlar, nos avaliar, criticar, exigir, cobrar e assim por diante.

Foi do ArteCultDesign que quase voltei para casa. Senti que dali para frente ia andar em pedregulhos, escalar paredões íngremes e atravessar corredeiras assassinas. De lá, só consegui escapar por uma trilha meio sinistra: Chama Violeta. Sem nenhum juízo de valor, mas com toda sinceridade, levei susto. O blog é violeta mesmo, com letras azuis, e é musical, Assim que termina de carregar, toca uma música dessas meio celestiais. Não é a minha praia. Definitivamente. Mas é um blog interessante e bem feito para quem gosta. Não li nada da Chama Violeta, mas acho que os posts merecem ser lidos. Um dia volto lá.

E o que eu mais temia aconteceu. Estava presa. Não tinha por onde escapar. Parecia que estava numa torre muito alta de algum castelo mal assombrado. Senti até um frio na barriga. Pasmem, a Chama Violeta não tem nenhuma janela para o mundo. Foi uma constatação bem desagradável. Mas antes de me desesperar resolvi entrar nos comentários e ver se de lá conseguia fugir para algum outro lugar. Deu certo. De lá pulei no Oceanus. Não sei nada sobre o senhor ou senhora Oceanus, mas ali tem as melhores fotos sobre o mar que consegui ver nessa viagem. Demorei bastante no Oceanus, só apreciando as fotografias. Vale a pena dar uma espiada.

Do Oceanus, fui para a Jardineira Aprendiz. Esse tema tem me interessado muito, porque, conforme havia me prometido no início do ano, estou cuidando melhor do meu jardim. Fiz até uma extravagância nessas férias e criei um espaço, na varanda da copa, para cultivar temperos e ervas. Foi muito gostoso fazer isso e ficou tudo muito bonito. Mas voltando à Jardineira Aprendiz, sei que é o blog de uma mulher e que posta de algum lugar em Portugal. O blog tem muitas fotos de flores, folhagens, árvores, todas, todas, maravilhosas. Foi um belo passeio. Me deixei ficar por ali muito tempo. Muito mais do que havia previsto. Quando dei por mim, já precisava voltar para casa.

E foi aí que os problemas apareceram de verdade: como voltar? Descobri que os portugueses às vezes falam do Brasil, mas não abrem janelas para nossas praias. Passei pelo O murmurar das pedras, de Mofina Mendes, que tem um post sobre uma Orquestra de Legumes muito engraçada e curiosa. Sai pelo Funes, o memorioso, de um advogado do Porto e de lá fui para o Fado Falado. Gostei dessa pracinha, com posts curtos e bem humorados. Fiquei feliz quando vi um texto especial dedicado ao nosso Garrincha. Ele merece, ele merece! Merece um post e outros mais. Quando pensei isso, já estava clicando em outro blog, Do alto da Penha - Mira-se o mundo sem binóculos, também de Portugal. E olha que coincidência: lá também tinha um post dedicado ao Garrincha, com vídeo e tudo mais. Fiquei bem orgulhosa, mas cada vez mais aflita, porque nada de achar um caminho de volta para o Brasil.

Já sem muita paciência de pesquisar links sugeridos, comecei a clicar nervosamente no Próximo Blog, que fica na barra de ferramenta do Blogger. Sobrevoei muitos sítios, cada um mais esquisito do que o outro, em línguas mais estranhas do que outras. Por acaso, passei por um blog em português, de Portugal, claro. Não resisti e dei uma paradinha: Desenhador do Quotidiano. É muito bom, o autor tem uma libreta preta, não sei se moleskine, onde registra paisagens da cidade. Lamentei não ter passado por ele mais cedo, quando ainda me divertia.

Voltei para o Próximo Blog e continuei clicando enfurecidamente. Nada! Nient! Rien! só blogs holandeses, húngaros, chineses ou japoneses sei lá e de outras línguas mais. Estava escurecendo, os meninos começando a reclamar pelo lanche, minha mãe já tinha ligado, o moço que vai consertar a secadora também. Precisava mesmo voltar para casa. Foi aí que vi, num desses blogs em língua indecifrável, um campo da Google pesquisa. Não tive dúvidas. Digitei rapidamente: espera, estou pensando e cheguei de volta em casa. Ufa! Da próxima vez terei mais cuidado com a carta de navegação. Mas é assim mesmo, vivendo e aprendendo.

Uma semana de novos e divertidos aprendizados para todos.

Inté fevereiro!

domingo, janeiro 27, 2008

Das listas e da improvisação

Sou chegada numa listinha. Quando acordo, a primeira coisa que faço, até antes mesmo de me levantar, é passar mentalmente a lista de afazeres do dia. Quando estou caminhando, repasso as prioridades, inverto a ordem, incluo novas atividades, me desfaço de outras até encontrar um meio termo que me agrade. Quando chego no trabalho, abro a agenda e passo tudo para o papel. Também quando vou ao supermercado, não saio de casa sem antes fazer uma lista. Já fiz até lista para ir à locadora de vídeos, à farmácia, ao shopping e até, principalmente, para ir à papelaria, meu passeio predileto. Antes de viajar, claro, faço várias listas: das coisas que tenho de fazer antes de pegar a estrada, das roupas que tenho de levar, dos livros e por aí vai.

Também adoro fazer e ajudar os outros a fazer lista de festa. Passar uma a uma todas as providências, depois ir cortando cada uma delas à medida que as tarefas vão sendo cumpridas. É o máximo. Mas não fico só nisso. Tenho também uma coleção de listas inúteis: lista dos cds que preciso ouvir uma hora, dos filmes que não posso deixar de ver, dos livros que estão me esperando na estante e outra daqueles que preciso comprar quando tiver uma chance, dos passeios que quero fazer, dos lugares onde não posso deixar de ir um dia. Já fiz lista das palavras que me agradam e daquelas horripilantes, que devo evitar a qualquer custo, lista de frases para sempre, de frases engraçadas e frases de filmes, pérolas ou imperdíveis.

Mas, admito, não levo minhas listas a sério. Poucas vezes termino o dia cumprindo todas as prioridades eleitas. Raramente consulto a lista do supermercado, prefiro passear pelos corredores e comprar o que me dá vontade. Às vezes isso é um problema, porque deixo de levar exatamente o que estava faltando e sou obrigada a voltar para refazer o dever. Mas não me importo. Também não levo a sério as minhas listas inúteis. Aliás, é por isso mesmo que as chamo de inúteis. Acabo sempre escutando as músicas que os meninos escolhem, vendo os filmes que outros estão afim de ver e lendo os livros que me dão. E isso também não me incomoda, porque acabam sendo boas escolhas também.

Por exemplo, estou com três livros na Lista de espera: Inês Pedrosa, Pamuk e Mia Couto. Até o final das férias pretendo ler pelo menos dois deles, de preferência numa varanda, com o vento batendo no rosto e o mar lá na frente, quebrando na areia e esparramando água até quase na calçada. Mas agora, agora mesmo, não tive vontade de ler nenhum deles. Preferi pegar outros que não estavam na lista, mas que me pareceram bem mais apetitosos para esse início de ano improvisado que estou passando. Tudo que havia planejado, furou. Mais uma lista que foi para o lixo. Sem mapa de navegação para me orientar, estou praticando a arte da improvisação. Acho que vou ficar boa nisso.

E enquanto fico por aqui, distraindo o tempo, já li três livros. Eles têm algumas coisas em comum: os três são pequenos, quase de bolso. São de leitura rápida, não porque sejam pequenos, mas porque o texto flui e a história prende. Depois que começamos, não dá para interromper antes do fim. E os três têm uma programação visual que me agrada aos olhos. Isso para mim é fundamental num livro. Por exemplo, faz tempo que não leio livros da Record e só porque não me agradam aos olhos. Além das letras miúdas e entrelinhas apertadas, as capas são feias. Isso é uma grande bobagem, sei disso, mas como temos muitas ofertas, posso me dar a esse luxo. Hoje não sei como andam as edições da Record. Espero que tenham melhorado. Mas os três livros que li, são impecáveis. E as coincidências acabam por aqui.

De repente, nas profundezas do bosque, de Amós Oz, foi presente de uma amiga. Conta a história de uma aldeia onde não existe mais nenhum bicho, nem aranha, nem formiga, nem barata, nem peixe, nem pássaro, nem leão, nem cavalo, nem nada. Só o homem, sozinho. Nessa estranha aldeia, nada mais deixa de existir e a vida continua como se nos bastássemos. É claro que isso não dá certo e, depois de um tempo, duas crianças se aventuram nas matas que rodeam a cidadezinha em busca dos animais desaparecidos. A história é o pretexto para Amós Oz falar da intolerância, da discriminação e outros males dos nossos dias. Mas, principalmente, desconfio que ele fala da perigosa ruptura que estamos nos empenhando, nos desfazendo do mundo das emoções para deixar prevalecer apenas o mundo da razão. Não sei se esse livro é o que melhor representa a obra de Amós Oz, mas gostei de conhecê-lo através dessa história.

Morder-te o coração, da portuguesa Patrícia Reis, encontrei por acaso. Foi num sábado. Fui passear na Savassi com uma amiga, enquanto fazia hora para o almoço. Depois de visitar a nova loja do Ronaldo Fraga, que é mesmo digna de visitação, resolvemos entrar na Quixote só para ver as novidades. Não pretendíamos comprar nada, mas aí bati o olho num livro igual a esses que gosto: quase de bolso, com uma capa irresistível e um título que me agradou: amor em segunda mão, da mesma Patrícia Reis. Folheei e já gostei. Bati o olho de novo e vi esse: Morder-te coração. Trouxe os dois para casa.

Ainda não li o primeiro, mas o segundo devorei de uma vez só. É uma história de amor ou de amores ou de desamores, de encontros e desencontros, de tentativas. Resumindo assim, não parece muito original, mas isso é irrelevante para quem sabe contar uma história. E Patrícia Reis sabe. Usa as palavras na dose certa, mistura poesia e cinema para dar ritmo à narrativa. Como se fosse um quebra-cabeça, desmonta sua história peça por peça e remonta com novos enredos até voltar à trama inicial. Se não fosse um livro, Morder-te o coração seria a ventania que anuncia uma chuva. Vou deixá-lo na minha cabeceira para reler de novo alguns pedaços. Ou uma frase, como essa: eu consigo saber como é tudo porque consigo imaginar...

A arte de não fazer nada, de Véronique Vienne, não é um livro de histórias, mas também oferece uma leitura prazerosa e cativante. Estava na estante desde o natal de 2006. Me dei de presente no auge da correria, mas não li. Nem precisava. Bastava vê-lo para me lembrar de que é sempre bom dar um tempo no meio da roda viva. Se fosse obediente já teria adotado esse conselho desde criança. Dona Benta também ensinava isso. No sítio do Pica-pau Amarelo, ela instituiu o Dia de Não Fazer Nada. Naquela época, pensei que era mais uma brincadeira para distrair as crianças e não levei a sério. Hoje prezo meus trinta minutos de férias diárias. E já em pleno e merecido descanso, estou tentando me especializar na arte do ócio. Não é nada fácil, com tantas gavetas para arrumar. Mas estou me disciplinando e me permitindo algumas horas do dia sem fazer absolutamente nada. Obrigada, Véronique.

Foi assim que burlei a minha Lista de espera. Também furei a lista de filmes que Ainda vou ver, mas essa já é outra história. Se der, volto aqui antes de viajar para contar como foi.


Até lá, uma semana de improvisações para todos.
Inté

domingo, janeiro 13, 2008

Pé na estrada

Estávamos preparados para assistir neste final de semana o filme de David Lynch, Império dos Sonhos. Arrumei a matula com um pouco de tudo: pipoca, água, bala de goma, água e menthos. Afinal, três horas de filme não é pouco tempo. Mas na hora de sair, cadê? Olhamos o jornal de cabo a rabo e o filme não estava mais em nenhuma das salas de cinema da cidade. Já tinham corrido com ele. Isso acontece demais comigo. Sempre vou deixando pra depois, pra outro dia, pra mais tarde e, quando assusto, perdi.

Na falta de um Lynch atual, recorremos ao vídeo para rever algum outro do passado que, da mesma forma, devo ter perdido quando estava rodando no circuito comercial. Foi uma sorte. Encontramos História Real, de 1999. É claro que ainda não tinha visto. Não me lembro o que estava fazendo em 1999, mas tenho certeza de que não tinha tempo sobrando para ir ao cinema nos finais de semana ou numa sexta à noite. O filme é um poema sobre a vida e, apesar de não representar o Lynch original, tem tudo dele, só que em doses mais doces do que ácidas, mas não menos reais.

História Real é um road movie a 12 km por hora, como alguém já disse. É o relato da viagem de Alvim Straight, um homem de 73 anos, com algumas dificuldades próprias da idade, mas disposto a continuar sua aventura na terra até quando der. Ele atravessa quase 500 km de estrada, num cortador de grama, para rever seu irmão, vítima de um derrame. Os dois não se falavam há muito tempo, mas com a notícia, Alvim resolve esquecer o passado e reencontrá-lo. Faz a viagem sozinho e, no caminho, encontra pessoas e vive as mais diversas situações e complicações, mas sem nunca se afastar do seu plano de vôo original.

Não é um melodrama. Poderia ter virado, mas não nas mãos de David Lynch. Alvim faz a sua viagem solitária, como todos nós estamos fazendo todos os dias, desde a hora em que nascemos até a hora em que, um dia, partiremos. Os amigos que faz durante o trajeto são como nossos companheiros de viagem, que encontramos no meio da vida. Nessa caminhada, Alvim fala da velhice, da amizade, do futuro, do passado, do presente. Vai digerindo tudo devagar, expurgando os maus momentos até tornar a alma mais leve, para se encontrar com o irmão.

Não pensei nada sobre História Real. Só vi e senti. E vou rever agora mais uma vez. Em 2008, quero um pouco do ritmo desse filme para a minha vida. Quero tudo mais lento e mais doce, para ter tempo de saborear. Se vocês tiverem a oportunidade de assistir ou de rever esse filme, não deixem ela escapar pelos dedos.

Uma semana a 12 km por hora para todos!

Buenas.

Imagens: de divulgação, capturadas na internet

terça-feira, janeiro 08, 2008

Moleskinemos nós!

Mas a vida é a autoridade desordeira. - Mia Couto




O ano passou e nem vi. Foi muito rápido. Entrou janeiro e de repente já era março, daí pulou pra maio e avançou até junho sem que nem me desse conta. Quando tirei os olhos da tela já era o segundo semestre. O ano começou a acabar. Pensei, agora é que o bicho vai pegar. E pegou. De agosto para outubro não deu nem para perceber e até chegar dezembro foi num piscar de olhos. Não vi os dias passando, nem os meses nem o ano. Estava ocupada cuidando da vida e me distraí das horas. Resultado: o ano terminou muito antes do trabalho chegar ao fim e agora estou tendo de estender 2007 por mais alguns dias e jogar minhas férias para o final de janeiro. Não cometo mais esse erro.

Com isso, também não fiz planos para o novo ano. Nem uma lista: nem de promessas nem de novos desafios. Vou ficar com as de sempre: parar de fumar, fazer uma ginástica, aprender inglês, cuidar melhor do jardim, passear mais, ler os livros que estão na minha lista de espera, ver os filmes de 2007 que ainda não vi, beber mais água, estender mais um pouco a conversa fiada com os meninos, no final da noite, testar novos cremes, para ver se não provocam nenhuma reação alérgica, não deixar acumular tarefas que terei mesmo de fazer, de um jeito ou de outro, tirar 15 minutos de férias por dia e uma prolongada pelo menos uma vez por semana, inventar um doce de frutas que não engorde tanto quanto brigadeiro e assim por diante. Mais uma coisa, vou tentar ler jornal de novo, quem sabe o mundo andou mudando e também não vi. Considero todos bons desafios para 2008, acho que não preciso correr atrás de novidades.

Acrescento apenas mais um. Em 2008, vou fazer, principalmente, um esforço redobrado para anotar todos os meus sonhos e minhas idéias na caderneta nova que ganhei de natal. Em 2007 fiz várias tentativas. Ganhei duas cadernetinhas que cabiam na palma da minha mão e anotei algumas coisas: uma palestra do Fernando Abrúcio sobre o Estado do Estado, uma aula sobre Comunicação e Sociabilidade, algumas frases que li nos jornais e anotações de um encontro sobre blogs. Além dessas duas cadernetinhas, comprei mais três: uma rosa, que ficou na minha mesinha de cabeceira e lá continua, em branco, porque nunca aconteceu de querer anotar nada nela. Outra ficou na minha bolsa e anotei pedaços de conversas e frases que perderam o sentido, porque ficaram fora de contexto. E a terceira ficou na minha mesa de trabalho: anotei reuniões, compromissos e informações que avaliava serem relevantes, mas todas com prazo de validade limitado. Venceram na passagem do ano.

Agora vou fazer diferente. Vou deixar na minha bolsa apenas a Moleskine que ganhei de presente da minha afilhada. Vou recolher todas as demais e deixar para rascunho, perto do telefone. À mão ficará apenas a minha Moleskine pretinha. Ela é muito inspiradora. Não é uma caderneta qualquer. É a libreta de notas que, nos últimos dois séculos, foi utilizada por artistas e intelectuais europeus para registrar seus insights e poder mais tarde retomá-los em suas criações. Van Gogh, Picasso, Hemingway, todos tinham uma Moleskine pretinha, igual a que ganhei, na sua bagagem de mão.

Produzida originalmente em pequenas fábricas francesas, essa libreta foi objeto de desejo de todos os grandes escritores, pintores e músicos da era moderna e era cobiçada também pela multidão de artistas anônimos, que freqüentava os bolsões de cultura espalhados pela Europa. Isso até 1986, quando desapareceu seu último fabricante, uma empresa familiar de Tours. Em 1998, para o júbilo de todas as almas sensíveis, uma pequena editora milanesa voltou a fabricar a verdadeira Moleskine pretinha. Centenas delas já estão por aí, espalhadas pelo mundo, registrando as grandes aventuras da vida, as emoções mais sinceras e todos os sonhos em movimento.

Cabe agora, a cada um de nós, por acaso possuidores desse pequeno e notável arquivo de papel, fazer por onde. Anotar pequenas idéias, que se não derem em nada, já terão dado em boas lembranças. Se derem, um dia poderão virar uma história genial, um romance tipo inesquecível ou uma teoria revolucionária sobre qualquer coisa. Anotar sentenças musicais, que distraidamente cantarolamos no meio da rua. Podem também não dar em nada ou dar em grandes sinfonias ou num samba de breque que desconcertará no túmulo até o velho Morengueira. Quem pode, deve ainda pincelar um traço, o esboço de um rosto, de um sorriso, de um olhar qualquer que passou pela rua e vimos e nunca mais veremos, mas que ficarão para sempre na Moleskine de algum artista anônimo que, sabiamente, deu um jeito de eternizá-los na sua libreta preta, ainda com algumas páginas em branco.




Um 2008 cheio de boas idéias e bons motivos pedindo para serem registrados. E que ninguém faça como fiz em 2007. Antes que o ano passe e acabe sem nos darmos conta, tratem de semear pela vida todas essas idéias e motivos que anotarem em pedacinhos de papel, para que elas possam florescer e enfeitar essa nova temporada que agora está se iniciando.

Inté mais ver.

Imagens: Da série Moleskine de Tiffany-Z