domingo, janeiro 27, 2008

Das listas e da improvisação

Sou chegada numa listinha. Quando acordo, a primeira coisa que faço, até antes mesmo de me levantar, é passar mentalmente a lista de afazeres do dia. Quando estou caminhando, repasso as prioridades, inverto a ordem, incluo novas atividades, me desfaço de outras até encontrar um meio termo que me agrade. Quando chego no trabalho, abro a agenda e passo tudo para o papel. Também quando vou ao supermercado, não saio de casa sem antes fazer uma lista. Já fiz até lista para ir à locadora de vídeos, à farmácia, ao shopping e até, principalmente, para ir à papelaria, meu passeio predileto. Antes de viajar, claro, faço várias listas: das coisas que tenho de fazer antes de pegar a estrada, das roupas que tenho de levar, dos livros e por aí vai.

Também adoro fazer e ajudar os outros a fazer lista de festa. Passar uma a uma todas as providências, depois ir cortando cada uma delas à medida que as tarefas vão sendo cumpridas. É o máximo. Mas não fico só nisso. Tenho também uma coleção de listas inúteis: lista dos cds que preciso ouvir uma hora, dos filmes que não posso deixar de ver, dos livros que estão me esperando na estante e outra daqueles que preciso comprar quando tiver uma chance, dos passeios que quero fazer, dos lugares onde não posso deixar de ir um dia. Já fiz lista das palavras que me agradam e daquelas horripilantes, que devo evitar a qualquer custo, lista de frases para sempre, de frases engraçadas e frases de filmes, pérolas ou imperdíveis.

Mas, admito, não levo minhas listas a sério. Poucas vezes termino o dia cumprindo todas as prioridades eleitas. Raramente consulto a lista do supermercado, prefiro passear pelos corredores e comprar o que me dá vontade. Às vezes isso é um problema, porque deixo de levar exatamente o que estava faltando e sou obrigada a voltar para refazer o dever. Mas não me importo. Também não levo a sério as minhas listas inúteis. Aliás, é por isso mesmo que as chamo de inúteis. Acabo sempre escutando as músicas que os meninos escolhem, vendo os filmes que outros estão afim de ver e lendo os livros que me dão. E isso também não me incomoda, porque acabam sendo boas escolhas também.

Por exemplo, estou com três livros na Lista de espera: Inês Pedrosa, Pamuk e Mia Couto. Até o final das férias pretendo ler pelo menos dois deles, de preferência numa varanda, com o vento batendo no rosto e o mar lá na frente, quebrando na areia e esparramando água até quase na calçada. Mas agora, agora mesmo, não tive vontade de ler nenhum deles. Preferi pegar outros que não estavam na lista, mas que me pareceram bem mais apetitosos para esse início de ano improvisado que estou passando. Tudo que havia planejado, furou. Mais uma lista que foi para o lixo. Sem mapa de navegação para me orientar, estou praticando a arte da improvisação. Acho que vou ficar boa nisso.

E enquanto fico por aqui, distraindo o tempo, já li três livros. Eles têm algumas coisas em comum: os três são pequenos, quase de bolso. São de leitura rápida, não porque sejam pequenos, mas porque o texto flui e a história prende. Depois que começamos, não dá para interromper antes do fim. E os três têm uma programação visual que me agrada aos olhos. Isso para mim é fundamental num livro. Por exemplo, faz tempo que não leio livros da Record e só porque não me agradam aos olhos. Além das letras miúdas e entrelinhas apertadas, as capas são feias. Isso é uma grande bobagem, sei disso, mas como temos muitas ofertas, posso me dar a esse luxo. Hoje não sei como andam as edições da Record. Espero que tenham melhorado. Mas os três livros que li, são impecáveis. E as coincidências acabam por aqui.

De repente, nas profundezas do bosque, de Amós Oz, foi presente de uma amiga. Conta a história de uma aldeia onde não existe mais nenhum bicho, nem aranha, nem formiga, nem barata, nem peixe, nem pássaro, nem leão, nem cavalo, nem nada. Só o homem, sozinho. Nessa estranha aldeia, nada mais deixa de existir e a vida continua como se nos bastássemos. É claro que isso não dá certo e, depois de um tempo, duas crianças se aventuram nas matas que rodeam a cidadezinha em busca dos animais desaparecidos. A história é o pretexto para Amós Oz falar da intolerância, da discriminação e outros males dos nossos dias. Mas, principalmente, desconfio que ele fala da perigosa ruptura que estamos nos empenhando, nos desfazendo do mundo das emoções para deixar prevalecer apenas o mundo da razão. Não sei se esse livro é o que melhor representa a obra de Amós Oz, mas gostei de conhecê-lo através dessa história.

Morder-te o coração, da portuguesa Patrícia Reis, encontrei por acaso. Foi num sábado. Fui passear na Savassi com uma amiga, enquanto fazia hora para o almoço. Depois de visitar a nova loja do Ronaldo Fraga, que é mesmo digna de visitação, resolvemos entrar na Quixote só para ver as novidades. Não pretendíamos comprar nada, mas aí bati o olho num livro igual a esses que gosto: quase de bolso, com uma capa irresistível e um título que me agradou: amor em segunda mão, da mesma Patrícia Reis. Folheei e já gostei. Bati o olho de novo e vi esse: Morder-te coração. Trouxe os dois para casa.

Ainda não li o primeiro, mas o segundo devorei de uma vez só. É uma história de amor ou de amores ou de desamores, de encontros e desencontros, de tentativas. Resumindo assim, não parece muito original, mas isso é irrelevante para quem sabe contar uma história. E Patrícia Reis sabe. Usa as palavras na dose certa, mistura poesia e cinema para dar ritmo à narrativa. Como se fosse um quebra-cabeça, desmonta sua história peça por peça e remonta com novos enredos até voltar à trama inicial. Se não fosse um livro, Morder-te o coração seria a ventania que anuncia uma chuva. Vou deixá-lo na minha cabeceira para reler de novo alguns pedaços. Ou uma frase, como essa: eu consigo saber como é tudo porque consigo imaginar...

A arte de não fazer nada, de Véronique Vienne, não é um livro de histórias, mas também oferece uma leitura prazerosa e cativante. Estava na estante desde o natal de 2006. Me dei de presente no auge da correria, mas não li. Nem precisava. Bastava vê-lo para me lembrar de que é sempre bom dar um tempo no meio da roda viva. Se fosse obediente já teria adotado esse conselho desde criança. Dona Benta também ensinava isso. No sítio do Pica-pau Amarelo, ela instituiu o Dia de Não Fazer Nada. Naquela época, pensei que era mais uma brincadeira para distrair as crianças e não levei a sério. Hoje prezo meus trinta minutos de férias diárias. E já em pleno e merecido descanso, estou tentando me especializar na arte do ócio. Não é nada fácil, com tantas gavetas para arrumar. Mas estou me disciplinando e me permitindo algumas horas do dia sem fazer absolutamente nada. Obrigada, Véronique.

Foi assim que burlei a minha Lista de espera. Também furei a lista de filmes que Ainda vou ver, mas essa já é outra história. Se der, volto aqui antes de viajar para contar como foi.


Até lá, uma semana de improvisações para todos.
Inté

3 comentários:

Anônimo disse...

hum...
e não é que essa história de lista ajuda mesmo...ainda mais para quem memória fraca, como eu.
hehehe
abs

Ricardo Ballarine disse...

Se quiser furar a fila novamente com Amós Oz, experimente "O mesmo mar" ou "Pantera no porão" (este é bem curto também).

patricia duarte disse...

Então vou de Pantera no Porão (rsrsrs), afinal, é ritmo de férias, né?