quarta-feira, maio 18, 2011

Cidadãos do mundo, dispersemos!

Já estamos todos carecas de saber que a globalização favoreceu, especialmente, a integração dos mercados, transformando o mundo num grande balcão de negócios. Vende-se qualquer coisa, de bananas a mulheres, crianças, trabalhadores, gorilas, mudas de ervas aromáticas, alucinógenos e qualquer droga que possa ser precificada, ou seja, todas e tudo. Mas como as ondas, que inevitavelmente acabam se espalhando na areia, a globalização também respingou em outras praias. A indústria cultural, impulsionada pelo avanço das tecnologias de informação e comunicação, se apossou das manifestações mais singelas de todos os povos e transformou-as em produtos de consumo de massa dando-nos a ilusão de termos nos tornado cidadãos do mundo.

Admito que gosto de pensar que o planeta é a nossa casa; que estamos todos no mesmo barco; que somos gaia, partes de um todo absoluto; que somos todos irmãos e formamos juntos uma grande e única família. Mas basta ler uma vez só, em um dia qualquer, as manchetes de capa de um jornal escolhido aleatoriamente, entre os milhares que circulam pelo mundo, que escapamos sãos e salvos dessa doce ilusão. Mais do que isso. Ainda que as grandes mídias e o mercadão do mundo desconstruam diariamente nossas identidades regionais, tentando nos transformar em meros consumidores das classes A, B, C,. D ou E, sobrevivemos à pasteurização da vida e preservamos nossos vínculos locais, cultivando, longe das câmeras, nossas preferências musicais, gastronômicas, literárias e assim por diante.

Por mais que navegue pelo mundo e por mais que esse mundo tenha se tornado um ovo, continuo curtindo adoidado tomar café com pão de queijo, traçar um prato de arroz com feijão e bife de panela e, de sobremesa, queijo com goiabada. Continuo me divertindo com as festas de São João, as brincadeiras de rua – pula maré, rouba-bandeira, queimada, passa anel e pegador. Gosto de ouvir a música que vem dos cafundós de Minas, de sentar na porta da cozinha, de jogar conversa fora e de tudo mais que me torna inconfundivelmente mineira de corpo e alma. Sempre estarei em Minas, para sempre terei vindo de Minas e jamais sairei de Minas, porque não sou eu que estou aqui, é Minas que está em mim, à revelia da grande mídia e dos esforços da indústria cultural.

Estou divagando sobre tudo isso por uma razão, aparentemente, muito banal. Hoje cedo, quando abri o jornal dos mineiros, li o comentário de um jornalista do caderno SuperEsporte que me deixou estarrecida. Sem nenhuma cerimônia e em meia linha, o colunista desqualificou o campeonato regional de futebol, recém encerrado, desmerecendo o título conquistado pela equipe vitoriosa, título que ele considera inexpressivo. E qual título será que ele gostaria que os times mineiros perseguissem? O do campeonado espanhol?

Mas não importa muito quem saiu vitorioso nas dezenas de campeonatos que se desenrolaram por esse Brasil a dentro nos últimos meses. Quer dizer, não importa para o que estou pensando aqui e agora. É claro que todos os campeões são merecedores das justas homenagens. Mas o que torna esses campeonatos formidáveis é, justamente, o que o colunista do jornal dos mineiros ignora solenemente. São as oportunidades que eles criam para centenas de pequenos times locais se apresentarem dignamente a suas torcidas. Escancararem, a cada jogo, a sua identidade, as suas cores, o seu grito, os seus talentos, muitos, inclusive, cobiçados pelos grandes times e alguns até já transferidos para os novos clubes.

O que é bárbaro nesses campeonatos e, no mineiro foi assim também, é que eles são um momento muito especial também para os torcedores. É claro que torci cegamente para o meu time em todos os jogos, mas me emocionava também a torcida adversária. Nessa hora, somos todos iguais. Torcemos com a mesma alegria, o mesmo entusiasmo, a mesma garra, a mesma fidelidade à camisa que escolhemos. A paixão das torcidas do América de Teófilo Otoni, do Ipatinga, do Caldense, do Democratas e de tantos outros é uma prova de que ainda não estamos perdidos.

Assistimos sim, via cabo, o campeonato espanhol, o italiano, o francês e sei lá mais qual. Assistimos sim os grandes times brasileiros disputando vagas no Brasileirão, na Libertadores. Mas o sangue ferve mesmo é quando entramos em campo junto com o time. É quando temos a chance de ir pra rua, de carregar bandeira, de gritar até perder a voz, de rir, de chorar, de zoar, de bater boca e voltar pra casa com a alma lavada. E isso só acontece, para todos nós torcedores deste Brasil a dentro, é quando chega o campeonato regional. Por isso, viva os campeonatos regionais! Quem dera tívessemos também uma imprensa regional, capaz de reconhecer o valor do nosso glorioso campeonato mineiro!

Lá vai Xico, estou voltando. Até quando der novamente.


Foto: Site lapisraro.com.br