quinta-feira, setembro 28, 2006

Manifestação silenciosa

Trilha alternativa: Villa-Lobos rege O Trenzinho do caipira - New York City Symphony Orchestra
















E tenho dito.

Um restinho de semana em profunda meditação para fazer boas escolhas no final de semana!

sábado, setembro 23, 2006

Terceira idade

Trilha alternativa: Vai levando, com o sempre Chico

Meninas, acho que vou mudar de idéia. Pensando bem, vou encarar de cabeça erguida os efeitos colaterais da igualdade. Que venha a idade mínima! É pura bobagem essa história de querer se aposentar antes de ficar assim bem velha, até um pouco quase caindo pelas tabelas. Me escutem meninas! Aposentar-se antes disso poderá ser uma tremenda encrenca. Acabaremos antecipando a velhice. Pelo que tenho ouvido por aí, o valor das aposentadorias será cada vez mais enxuto, se é que essas sobreviverão às repetidas fraudes, legalizadas ou não, do nosso sistema previdenciário universal e solidário.

Desta forma, nos restará mesmo é o plano B. Vamos acabar em casa, limpando poeira, arrumando gaveta, escrevendo cartas, lendo livro velho, bula de remédio, falando pelos cotovelos, implicando com o cachorro do vizinho, passando desgosto com as personagens de novelas, como se parentes fossem, e quebrando galho para deus e todo mundo.

- Ôw, já que você está por conta do nada mesmo, será que você poderia.....

E titititátátá e pronto! O problema está terceirizado. Lá vai você pra fila de um banco resolver pendenga alheia. Não que isso me incomode, de jeito nenhum. Faço com a maior boa vontade, até antes mesmo de me aposentar. O que vai me aborrecer com certeza é o por conta do nada. Aliás, já me aborrece. Não podem me ver parada, com os olhos perdidos no vazio, pensando qualquer coisa, para acharem que estou à toa e já me arrumarem um servicinho qualquer. Até buscar um copo d’água na cozinha já é uma boa forma de me ocuparem.

Diante dessa perspectiva, prefiro continuar batendo ponto. Quando nada, será sempre uma boa desculpa para sairmos todos os dias. É a porção social do emprego, né? Só não sei qual será o impacto dessa medida no ambiente do trabalho. Já pensaram, todas nós chegando pra trabalhar? Que tricô, hem? Não acho que as organizações vão nos despachar para o arquivo morto. Acho que isso não. Afinal, seremos a memória viva das organizações. Isso será inevitável. Apesar da facilidade dos bancos de dados, com formas cada vez mais amigáveis de consulta, nossos jovens colegas vão preferir, com toda certeza, ouvir os detalhes picantes de nossos relatos. Virão recheados de sabedoria, com mais um plus de informações, que dificilmente estarão arquivadas. Principalmente aquelas que se referem aos micos que ocorreram em cada episódio da história da organização.

E nós não. Nós estaremos lá, de prontidão, com os relatos sempre na ponta da língua. O que é outra vantagem sobre os bancos de dados. Quanto mais o tempo passa, esses bancos, mesmo amigáveis, exigirão recursos de filtragem cada vez mais complexos, para melhorar o resultado de cada busca. E isso demanda tempo. Vai ser uma enconha pesquisar nesses bancos. Agora, tem uma coisa. Que não nos venham perguntar onde pusemos aquele papel, que nos deram ontem, com as orientações do presidente para a solenidade que acontecerá à tarde.

- Que papel?

Também já é querer muito, não é não? Outra coisa, não queiram nos impôr o mesmo rigor adotado para os estagiários. Esse negócio de marcar reunião para 15 horas e querer que antes disso já estejamos todas na sala, aguardando a chefia, tem dó, não é não? Precisaremos de um tempo! Um tempo para encontrarmos os papéizinhos, os vários onde anotamos as observações da última reunião. Um tempo para encontrarmos a caneta, que estava tão bem guardada. Mas onde? Onde? Ah!, e o remedinho da memória, já ia me esquecendo! Teremos de tomá-lo exatamente às 15 horas! Aí passaremos antes pela copa e lá nos encontraremos com o fulano, com a fulana, a sicrana, o beltrano e ficaremos ali, divagando, tricotando, porque ninguém é de ferro. Até alguém nos chamar, claro, e aí, o espanto:

- Reunião??!! Que reunião?

Isso vai acontecer. Temo que sim. Sorte é que poderemos continuar contando com os estagiários, esses jovens tão cheios de boa vontade, tão dispostos a trabalhar, a cooperar, a compartilhar conhecimentos, principalmente aqueles relativos às inovações tecnológicas, que serão um fantasma sempre a nos amedrontar. Sorte é que poderemos continuar contando com os novos colegas, corajosos, sempre disponíveis para assumir novas tarefas, loucos para mostrar serviço, entusiasmados com a possibilidade de poder qualquer coisa... mas hem?, o que mesmo estava falando? Ah, sim, isso poderá acontecer. Temo que sim.

Boas lembranças e os melhores esquecimentos para todos, além claro, de um fim de semana sem nenhum compromisso!

Buenas!

quarta-feira, setembro 20, 2006

Terceiro turno

Trilha alternativa: É primavera!, com o grande Tim Maia

Meninas, tenho uma notícia meio chata. Sabem aquelas contas que fizemos no final do ano passado? Sabem aqueles planos que fizemos? Os projetos de viagem, de abrir um Armarinho no litoral capixaba, de montarmos um curso de literatura brasileira só sobre Clarice? Ah, e a coleção de palavras cruzadas, que trocaríamos entre nós, no chá das quartas-feiras? E o cinema da quinta? As aulas sobre história das religiões na sexta? Tínhamos mais planos, não tínhamos? Ah, sim, o passeio no zoológico com as crianças de nossos filhos; no museu da ciência, no parque das Mangabeiras, na casa da Beatriz Alvarenga e onde mais? Estão lembradas? Melhor. Nem se esforcem para lembrar. Na verdade, esqueçam tudo!

A partir de outubro, tudo será diferente. Pra mim, do jeito que as coisas andam, acho que, antes mesmo de outubro, tudo será diferente. Mas, vá lá. Me disseram que é pós-outubro. Me disseram que, seja quem for o presidente eleito, já existe um projeto de reforma da previdência em fase de acabamento. Será colocado em discussão assim que as urnas forem fechadas e, assim que possível, em votação. Mais provável, no início do próximo ano. E me disseram que não ficaremos bem na foto. Nem com photoshop, nem com botox, nem com pancake velvet, nem com nadinha de nada.

Os rapazes que estão costurando o texto final da proposta acreditam piamente na igualdade entre os sexos. Para eles, essa está em pleno vigor. E, se é para ser igual, vão radicalizar. Será tudo igual, igual mesmo. Fizeram as contas e canetaram lá no texto. A idade para aposentadoria será uma só: de 65 anos para todos. Homens e mulheres. Idade mínima, claro, como bem frisou Sardenberg, num dos últimos CBN Brasil que ouvi. Podemos até ir além, se quisermos. Viram? Eu não disse que era meio chata. Meninas, planos adiados!

Agora vou dizer uma coisa: não me incomodo. Nem ligo, desde que façamos a repartição de tudo mais. Apoio a igualdade radical. Das pequenas às grandes coisas. Revezar na lavação da louça de domingo à tarde, ao invés de ficar no computador até acabar o Fantástico; revezar nas noites em que temos de levantar para tirar a temperatura do caçula que está com virose; e os dois, trabalhar; dividir quando tivermos de decidir o que fazer no almoço e no lanche, isso TODOS OS DIAS; e trabalhar; revezar nas idas ao supermercado; no arrumar as gavetas; e trabalhar; no pregar um botão na camisa; no passar a camisa; e trabalhar; revezar na hora de acompanhar os meninos nos deveres escolares; nas pesquisas e recortes de gravuras ilustrativas dos diversos biomas do Brasil; e trabalhar e em tudo mais dessa lista infindável de pequenas tarefas que consomem, no mais das vezes, todas as nossas horas vagas do dia. O terceiro turno.

Compartilhar também as grandes aflições: por que ele chegou do trabalho e não me perguntou como foi o meu dia? Como foi o dia dele? O que será que ele fez? Com quem conversou? Por que não me ligou durante a tarde? O que meu filho está pensando? O que está querendo? Está feliz? Está triste? O que está acontecendo? Quem ligou para o meu filho? Por que ele fechou a porta do quarto e está falando baixinho? Por que fica tanto tempo no telefone? Que barulho é esse no quintal? Será que tem um ladrão? Por que ninguém atende o telefone na casa dos meus pais? O que terá acontecido? Será que saíram? Para onde foram? Por que a vizinha desceu a rua e não me deu bom dia? Será que está com problemas? Será que posso ajudar? Ai, ai, preciso descer pra trabalhar, mas quem vai olhar se o meu caçula está tomando o seu banho direitinho? Quem vai ver se está se alimentando bem, comendo alface, feijão e o bifinho de fígado acebolado (argh!)? Quem?

Revezar também nos grandes momentos: nos nove meses que carregamos todos eles na barriga (eu disse que ia radicalizar!), na amamentação, nas tpms, nas menopausas, nas dietas, na musculação e por aí afora vai. Isso é que é ser igual igual. Mas sou uma pessoa bastante razoável e, tenho certeza, de que qualquer esforço nessa direção será inútil. Por isso, prefiro negociar. Não deixemos que, em nome de nossa igualdade, se crie injustiças e nem que, pelas nossas diferenças, se promova privilégios, como diz a Rutinha. Mas, sejamos razoáveis. A começar pelo limite de idade para aposentadoria. Enquanto tivermos de cumprir o terceiro turno, sem direito a revezamento, mantemos a diferença. É uma boa proposta não é, meninas?

Umas horas de folga para todas nós, neste resto de semana

Inté.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Mac Feliz!

Trilha alternativa: Soy loco por ti, América, com Caetano e Gil

Olha só, estava ouvindo a CBN e fiquei sabendo da última. A Mc Donald´s pôs à venda a sua rede de lojas no Brasil. Aqui e em mais 20 países pelo mundo afora. Tá vendo? Acontece nas melhores famílias. É claro que não é à toa que estão fazendo isso. Devem ter se cansado de contabilizar prejuízos. Nos últimos 10 anos e em qualquer parte do mundo, toda manifestação anti-globalização sempre terminou na porta de uma lanchonete Mc Donald’s, com os manifestantes jogando pedra, quebrando vidro, destruindo fachada, fazendo o maior auê. Isso, quando não, simplesmente, se postavam à porta de uma das lojas, com cartazes e faixas, convidando a população a boicotar os sandubas de chuchu.

A situação estava saindo fora de controle já fazia um bom tempo. Pode não ter sido fácil chegar a essa decisão, mas também não deve ter sido difícil. Imagino que foi mais ou menos assim: um dia, o CEO, o manda chuva do pedaço, acordou de mau humor. Chegou no escritório com cara de poucos amigos e ficou a manhã inteira trancado na sala do 23º meditando. Na hora do almoço (é sempre na hora do almoço!), convocou uma reunião dos executivos seniors e juniors da organização. Expôs a situação: quebra-quebra não sei onde; boicote aqui e ali; médicos, num ato sem precedentes, concordando que as calorias Mc são puro veneno; vendas despencando, enfim, uma crise! E o CEO, de pouca conversa, resumiu a ópera: estamos ferrados! E os srs. têm uma tarde para encontrar a solução. E saiu da sala, né?

Os seniors e os júniors - famintos, mau humorados, com os celulares apitando em todos os tons -, ficaram lá, olhando um pra cara do outro, franzindo a testa, coçando a cabeça, rabiscando setinhas no papel em branco, tamborilando na mesa, enfim, sem rumo mesmo, esperando brotar um túnel no fim da luz. Foi aí que alguém se lembrou do vice-presidente de Marketing, que não estava na sala. Não estava, porque fora convidado para falar sobre As Estratégias de Marketing de Ronald Mc Donalds num seminário internacional sobre Marketing de Guerra, em Oman.

Ligaram pra ele, claro. O cara já estava num restaurante, experimentando um vinho não sei de onde e saboreando porções de kibe cru, esfirra de frango brasileiro, kaftas e outras cositas más. Ouviu os colegas, que estavam em viva voz, e depois pediu um tempo. Tomou um gole de vinho, pensou, pensou e disse: não dá pra saír de fininho, fazendo as trouxas e picando a mula. Temos de bolar uma estratégia de marketing. Elas são fabulosas! Os colegas, do lado de lá, responderam: dãwrr!!! E juntos, num gesto único, fecharam as mãos em punho e bateram-na no alto da testa.

O vice-presidente de Marketing pediu mais um tempo e disse que voltava a ligar. A sala ficou em silêncio. Nisso, entrou a copeira com uma bandeja de Big Mac e coca cola pra todo mundo! Os seniors e os juniors se entreolharam, agradeceram, disseram que estavam muito preocupados, ocupadíssimos e sem fome, aquelas coisas, né? E a copeira deu meia volta com a bandeja e desapareceu. Aí o telefone tocou. Era o vice mesmo. Ele disse: Já sei! Nós vamos fazer uma coisa bem original, vamos terceirizar os prejuízos e administrar os lucros!

- Heeeem? – gritaram os outros do outro lado da linha.
- Isso, vamos vender as lanchonetes para os nativos. Eles é que vão administrá-las e mantê-las dentro do nosso padrão de qualidade. Se o negócio estiver indo bem e quiserem abrir uma nova loja, vá lá. Desde que assumam os investimentos de implantação. E nós, nósitos, vamos cobrar um pequeno percentual sobre o faturamento, tipo assim um royalties, se vocês me entendem, pelo uso da marca. Vammmmmos ficarrr riiiiicos!!!! – disse ele, todo feliz.

E assim está sendo e será. Viu como é simples? Ninguém foi pedir ajuda ao papi bush, aquele. Deram uma solução de mercado. É assim que as grandes empresas fazem, porque elas, principalmente, acreditam no mercado. E é claro que vai aparecer um banqueiro, que também acredita no mercado, e vai achar que essa história de lanchonete é uma boa opção para diversificar seus investimentos e vai fazer uma oferta. Vão negociar, descontar um tanto daqui outro tanto de lá e bater o martelo.

Tudo bem que o caso da Petrobras é um pouco diferente. Mas se for, é muito pouco. Nem vem com essa história de que a Petrobras é patrimônio do povo brasileiro, que o governo tem de defendê-la, que o povo tem de ir pra rua e, se preciso for, tem até de lutar com unhas e dentes para preservar os interesses da empresa brasileira na Bolívia. Nem vem. Tá certo, a Petrobras foi construída com o dinheiro do povo mesmo e pára por aí. Nunca nem um brasileiro recebeu um dividendo da Petrobras. Nem em dinheiro vivo nem em investimentos sociais, a não ser que pudessem ser descontados do imposto de renda. Nunca nem um brasileiro deixou de pagar cada gota de gasolina que consome e ainda mais os impostos que incidem sobre esse valor.

Então. Mas não quero discutir. A Petrobras é uma empresa público-privada! Pronto. Chegamos a um bom termo. Os prejuízos são coletivizados e o lucro privatizado. Mas, se é que vamos mesmo, nós brasileiros, ter de assumir esse prejuízo, com a desapropriação dos bens da Petrobras na Bolívia, tive uma idéia! Vamos convidar o vice-presidente de Marketing da Mc Donald’s para nos fazer uma visita. Vamos oferecer a ele um churrasco de picanha, daquelas bem suculentas, vermelhinhas, temperada só com sal grosso e regada a caipirinha ou doses controladas de Maria da Cruz. É, Maria da Cruz é só em doses controladas. Não dá para entornar, né?, igual os gringos gostam de fazer. Aí, no meio da confusão, a gente senta com ele num canto e arranca dele uma estratégia dessas de marketing, das boas, para nos tirar do território estrangeiro. Quem sabe? Não custa tentar, né? Melhor que nada. Ou vamos esperar o Lula dar uma solução?

É isso.

Um fim de semana mac feliz para todos!

Eu vou, mas volto. Quando der!

domingo, setembro 10, 2006

Feliz por um triz

Trilha alternativa: Marginália, com Gilberto Gil

Meninas, vocês viram como somos felizes? Uma pesquisa da Datafolha, publicada neste domingo, constatou que 75% do universo feminino brasileiro é feliz. Somos nós. A pesquisa mostrou ainda que 76% dos brasileiros se dizem felizes. Somos todos nós. Já ia comemorar, claro, mas o jornal de São Paulo está sempre alerta. Pensam que ele se deixaria enganar pelos números? Nem por aqueles que ele próprio apurou. É rápido no gatilho e parte para a sabotagem sem nos dar tempo nem para respirarmos aliviadas. Desconstrói o próprio cenário que montou. Isso é que é autocrítica red bull. A vitalidade questionadora do jornal de São Paulo é um espanto!

Assim, na mesma manchete, já nos adverte que essa felicidade declarada faz parte de um sistema de autoengano que utilizamos para enfrentar as agruras do mundo. Minha vó fazia muito isso, de fato, o que não quer dizer que não era sinceramente feliz . Mas o jornal não quer deixar dúvida. Usa o olhar do outro, nossos vizinhos, amigos, colegas, testemunhas vivas da nossa felicidade, para comprovar sua anti-tese. E aí a pesquisa aponta que só 28% dos entrevistados consideram a população em geral feliz.

Vê se pode? O Cláudio diz que pode. Nós nos avaliamos sempre em relação ao outro. Se dizemos que somos felizes, é porque olhamos para o outro e achamos que a situação dele é pior que a nossa. Logo, estamos melhor que eles e, portanto, devemos ser feliz por isso. Que vínculos estranhos criamos para compreender o mundo, hem? Não posso olhar para o outro e vê-lo feliz e ser feliz por isso? É cristão demais para o nosso ateísmo?

Seja como for, o jornal de São Paulo, no corpo da matéria, busca validar essa desconfiança em relação ao resultado da pesquisa que ele próprio patrocinou, ouvindo diversas autoridades no assunto. De Eduardo Giannetti a Rosely Sayão, passando por líderes religiosos e educadores. Todos concordam que não é recomendável levar os números a sério. Não? Não devemos? Então, não entendo. Se não devemos levar os números muito a sério e se o que eles estão dizendo, nessa pesquisa, não procede, quer dizer que a pesquisa é fajuta? Que confusão mental nos metemos, hem?

Se é fajuta, para quê divulgar? Para demonstrar que, diferente do que muita gente poderia estar pensando agora, nesses últimos quatro anos não perdemos o medo de ser feliz? Não, não perdemos o medo de ser feliz. Apenas nos enganamos. Nos enganamos com a felicidade, nos enganamos com Lula, nos enganamos com o Congresso, com os empresários, com os publicitários, com os caseiros, motoristas, secretárias, ex-companheiros e ex-companheiras, maridos, mulheres, etc,etc,etc. É isso?

Que baita zorra, hem meninas? Que coisa caótica o jornal de São Paulo foi nos contar. Somos e não somos felizes. Somos mais, porém menos felizes do que em 1996, como demonstram os números da economia, citados na matéria. O que vivemos hoje é puro engano, eleitores! Ops, leitores! Não caiam nessa armadilha! É isso que o jornal de São Paulo quer nos dizer? Porque não diz? Porque finge não dizer? Porque se engana também?

Querem saber, meninas? Não vou levar essa pesquisa a sério. Acho que os números são mesmo um engano. Além do mais, não passo o dia me questionando se sou feliz ou não. Nem penso nisso, na maioria das vezes, porque essa definição é muito subjetiva para o meu gosto. Não acho que é possível medir a felicidade com se fosse uma peça de tecido, ou pesar como um punhado de arroz. O que sei é que há muitos momentos na minha vida em que estou feliz e outros nem tanto. Essa possibilidade, essa liberdade, de estar ou não feliz, e não ter medo disso é que me deixa muito feliz. Vocês não?

Uma semana desesperadamente feliz ou calmamente infeliz, do jeito que vier e do que jeito que quisermos transformá-la

Até quando der.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Me engana e eu não gosto

Trilha alternativa: Palhaços, com Egberto Gismonti

Tanannn! Descobri o motivo da minha irritação com o jornal Folha de São Paulo. Achava que o que me incomodava era o seu bairrismo desenfreado, mas não é. Ou, pelo menos, não é só isso. É alguma coisa muito mais grave. Mais grave porque não diz respeito só à Folha de São Paulo, mas ao conjunto da imprensa brasileira. E vou restringir a minha impaciência aos veículos de comunicação tupiniquins por pura ignorância, já que não acompanho os demais.

Já desconfiava disso, mas entendia que era uma crise de adolescência encroada. Não é. E mais. Descobri que não sou eu apenas que me irrito com esse comportamento da Folha de São Paulo. Encontrei minha turma e ela não é pequena. É o seguinte: outro dia fui ouvir o Marcelo Coelho falar. Normalmente leio Marcelo Coelho, mas nesse dia fui ouví-lo. E, de tudo muito interessante que ouvi, o que me emocionou de fato foi o seu relato sobre como funciona hoje a cabeça da imprensa.

Vou tentar explicar com minhas palavras, já que com as dele será impossível, pois não vou me lembrar nem que a vaca tussa. Antes também de ir direto ao prato principal, vou servir umas entradas só para situar a conversa. Já sabemos que houve uma época em que o trabalho do jornalista era buscar a verdade dos fatos e relatá-la com objetividade, com isenção, com imparcialidade. Isso foi uma invenção da escola norte-americana, para dar um verniz científico ao trabalho do jornalista, antes feito com paixão, com identidade, com opinião. Assim, ao invés de idéias, os jornais passaram a buscar fatos.

É claro que não davam conta de todos e mesmo daqueles que alcançavam, não conseguiam relatar todos os aspectos que estavam ali envolvidos. A realidade não é mesmo uma coisa muito simples. Para fisgar a verdade de um fato, convencionou-se então que o jornalista deveria encontrar, pelo menos, duas versões plausíveis sobre um mesmo fato, de forma que uma validasse a outra e vice-versa. Isso nem sempre funcionava muito bem, pois uma versão acabava, muitas das vezes, se sobrepondo a outra, que, mesmo sendo aceitável e compondo o todo daquela parte da realidade, aparecia no corpo da matéria menos consistente ou até inadequada. Aí por razões outras, não que uma fosse mais verdadeira. Mas, seja como for, o fato é que essa prática pegou.

Assim a verdade passou a ter pelo menos duas versões. Não sei se motivados por esse modelo - acho difícil – mas, por alguma razão qualquer que não sei explicar, nesse momento, passamos também a ter uma consciência maior de que a realidade é mesmo muito mais do que complicada, é um sistema complexo, ultrainter-relacionado tanto no que diz respeito às causas quanto às conseqüências que um simples fato pode conter e gerar. Essa constatação, de uma certa forma, colocou em xeque algumas verdades até então consideradas inabaláveis e muitas outras, até menos sagradas. A busca da verdade tornou-se assim uma missão bem mais árdua, nesse mundo de facilidades. Exige dos jornalistas uma formação mais sofisticada, que o simples domínio das técnicas difundidas pela escola norte-americana. Para alguns, tornou-se uma missão até meio quase que impossível. Pronto. Aqui acaba a minha intervenção.

Marcelo Coelho chegou a sobrevoar algumas considerações sobre como esse contexto vai influenciar o jornalismo, mas acho que não é necessário entrar nesse capítulo para entender o prato principal. O que interessa é que, a partir desse momento, o jornalismo foi se abrigar num certo ponto entre o fato e as versões que surgiam para explicá-lo. Os fatos, claro, continuaram sendo importantes, mas apenas para dar veracidade às versões divulgadas, que eram e são as que prevalecem hoje como verdades para o senso comum. E aí chegamos onde queria.

Sem saber onde a verdade se esconde, o jornalismo, na sua insana e metódica busca, passou então a sabotar, até a exaustão, as versões apresentadas por suas fontes. Se elas resistissem, tornavam-se verdades provisórias, até que surgisse uma nova mais robusta. Se não resistissem, estavam desmascaradas e o pobre do jornalista deveria sair a rua novamente, até garimpar uma outra versão, mais consistente, que sustentasse sua notícia. Assim foi e ainda é. É o jornalismo da sabotagem, como identificou Marcelo Coelho. Também não funciona muito bem. Às vezes, por razões outras, uma versão prevalece sobre outras sem contudo provar que seja a verdadeira ou a mais verdadeira.

Esse é um método copiado da ciência, conforme a Ruthinha me explicou. Para validar uma tese qualquer, os pesquisadores tentam encontrar os furos que ela pode conter e vão questionando-a também até a exaustão. Se não provam nada contra, a chance dessa tese estar correta é muito alta. Então, mais uma vez, o jornalismo foi buscar socorro na ciência, para validar o seu discurso da objetividade. Mas ao questionar as versões à exaustão, sem aprofundar no contexto em que o esquecido fato se insere, sem identificar as conexões a que ele está ligado, a imprensa constrói apenas uma realidade hiperfactual, sem nenhuma coerência e sem significado.

Nada que nos ajude a entender o mundo em que estamos vivendo. Não sei se consegui explicar o que entendi da fala de Marcelo Coelho, mas essa versão que fiz me ajudou a entender porque a Folha me parece sempre ser um jornal do contra, que critica tudo, que destrói qualquer explicação possível sobre qualquer fato. Um jornal eternamente aborrecente. A Folha e todos os demais. Entendi porque, no final de uma cobertura, tenho sempre a impressão de que fui enganada. O fato perdeu atualidade, perdeu espaço na imprensa e o máximo que consegui foi supor alguma coisa do que aconteceu.

Ôiaiá...pensei demais. Agora preciso divagar um pouco para descansar.

Vou ouvir Egberto Gismonti.

Boa noite, meus queridos. Um fim de semana com muitas e boas (di) versões.

Até mais ver, um dia.

sábado, setembro 02, 2006

A faca que meu pai me deu

Trilha alternativa: Walkin' after midnight, com Madeleine Peyroux

Vou contar uma história. Essa também não é minha, foi a Cris que me contou e foi alguém que contou pra ela. É a história da faca que meu pai me deu. Um dia meu pai me deu uma faca, a mais bonita de todas. Tinha lâmina de aço afiada, cabo de chifre de boi e bainha de couro natural. Uma faca sorocaba, ele disse, mas acho que é mineira. Não importa. Uma belezura. Não era grande de assustar, mas também não era pititica, mais igual a canivete. Era de bom tamanho, pra levar na cintura e cortar rama de folha que atravancasse meu caminho, modelar vareta de bambu pra fazer papagaio, entre outras finalidades mais saborosas, como descascar laranja e cortar carne queimada na fogueira.

Um dia, depois de muito tempo, essa faca ficou meio que cega, já não cortava tão bem como antes e volta e meia me deixava na mão. Então, pedi ao amigo de um amigo do meu pai, que arrumasse aquela lâmina e trocasse por outra mais nova, mais disposta a cortar os fios que embaralhavam o meu caminho ou a carne que sangrava na fogueira. E ele arrumou e ela durou mais um outro tanto de tempo. Um dia, que não aquele primeiro, ela estava num canto do fogão e passou um menino correndo e jogou a faca no chão. Não caiu de ponta, de jeito que estragasse a lâmina, mas caiu de cabo e quebrou um lado da empunhadura, quebrou de tal forma bem quebrado que não dava pra colar nem parafusar de novo a peça no lugar.

Voltei no amigo do amigo do meu pai e pedi a ele que me arrumasse outro cabo para aquela faca de bainha de couro natural. O homem fez um cabo caprichado, de osso de chifre de búfalo com detalhes em metal, fez uma peça bem moderna mesmo. Ficou outra belezura. E eu olhei para aquela faca e fiquei pensando, que faca especial eu tinha nas mãos. Não era uma faca qualquer. Era uma faca mágica. Não tinha mais nada da faca original, nem a lâmina nem o cabo, mas ainda era e sempre será a faca que meu pai me deu.

A Cris me contou essa história uma vez só, em pé, na beira da garrafa de café, e nunca mais esqueci. Acho que é porque ela me fala da vida. Me identifiquei demais com aquela faca que meu pai me deu. Nesse tempo todo já mudei muitas vezes. Cresci, acho que amadureci (disso não tenho tanta certeza, mas é um pouco inevitável), troquei de roupa, experimentei novos estilos, mudei de opinião várias vezes, mas continuo sendo eu mesma, com esse jeito desajeitado de levar a vida.

Essa história também me fala dos homens e do mundo. Na aparência mudamos muito. Ficamos ultra modernos, tecnológicos. Nos desumanizamos, desnaturalizamos para virarmos seres cibernéticos. Não vivemos mais no meio da vizinhança, vivemos em rede planetária, conectados ao mundo virtual. Não nos alimentamos mais dos frutos da terra, mas daqueles transformados em laboratórios, transgênicos. Enfim, pensamos e acreditamos que viramos seres transcendentais. Mas, no fundo, no fundo, continuamos os mesmos.

Permanecemos pavorosamente angustiados e desesperadamente felizes, buscando superar a incomunicação humana para nos tornarmos uno e, aí de fato, transcendentes, como propôs Theilhard de Chardin. Igual a faca que meu pai me deu, permanecemos, ainda que fingindo termos superado a nossa condição humana, permanecemos natureza, poeira do universo, os mesmos desde sempre. Que nem os ruminantes, que por séculos e séculos a fio continuam no pasto mastigando o capim, ainda ruminamos, no fundo da nossa alma, as velhas idéias de solidariedade e o sonho de nos tornarmos o todo de qualquer parte.

Continuamos sendo peças de puzzle. Uma única não quer dizer nada, não tem nenhum significado, como escreveu um dia Georges Perec (in A vida modo de usar). Uma única, não passa de pergunta impossível, desafio opaco, mas basta que se consiga conectar uma delas às suas vizinhas, ao cabo de alguns minutos e tudo se torna evidente. Das duas peças, miraculosamente reunidas, se forma uma única e assim por diante, até vislumbrarmos um conjunto pleno de significado. E é assim que eu penso o mundo. Sozinhos, é difícil percebermos o sentido da nossa existência. Juntos formamos um belo conjunto da natureza, com a mesma missão de sempre: encontrar o sentido da vida. Pena que o homem contemporâneo ande tão sozinho e tão distraído, preocupado apenas com suas guerras, particulares ou coletivas. Pena mesmo.

Vou aproveitar a chuva e montar um quebra cabeça de mil peças.

Um fim de semana em boas vizinhanças.

Até de repente.