Trilha alternativa: Palhaços, com Egberto Gismonti
Tanannn! Descobri o motivo da minha irritação com o jornal Folha de São Paulo. Achava que o que me incomodava era o seu bairrismo desenfreado, mas não é. Ou, pelo menos, não é só isso. É alguma coisa muito mais grave. Mais grave porque não diz respeito só à Folha de São Paulo, mas ao conjunto da imprensa brasileira. E vou restringir a minha impaciência aos veículos de comunicação tupiniquins por pura ignorância, já que não acompanho os demais.
Já desconfiava disso, mas entendia que era uma crise de adolescência encroada. Não é. E mais. Descobri que não sou eu apenas que me irrito com esse comportamento da Folha de São Paulo. Encontrei minha turma e ela não é pequena. É o seguinte: outro dia fui ouvir o Marcelo Coelho falar. Normalmente leio Marcelo Coelho, mas nesse dia fui ouví-lo. E, de tudo muito interessante que ouvi, o que me emocionou de fato foi o seu relato sobre como funciona hoje a cabeça da imprensa.
Vou tentar explicar com minhas palavras, já que com as dele será impossível, pois não vou me lembrar nem que a vaca tussa. Antes também de ir direto ao prato principal, vou servir umas entradas só para situar a conversa. Já sabemos que houve uma época em que o trabalho do jornalista era buscar a verdade dos fatos e relatá-la com objetividade, com isenção, com imparcialidade. Isso foi uma invenção da escola norte-americana, para dar um verniz científico ao trabalho do jornalista, antes feito com paixão, com identidade, com opinião. Assim, ao invés de idéias, os jornais passaram a buscar fatos.
É claro que não davam conta de todos e mesmo daqueles que alcançavam, não conseguiam relatar todos os aspectos que estavam ali envolvidos. A realidade não é mesmo uma coisa muito simples. Para fisgar a verdade de um fato, convencionou-se então que o jornalista deveria encontrar, pelo menos, duas versões plausíveis sobre um mesmo fato, de forma que uma validasse a outra e vice-versa. Isso nem sempre funcionava muito bem, pois uma versão acabava, muitas das vezes, se sobrepondo a outra, que, mesmo sendo aceitável e compondo o todo daquela parte da realidade, aparecia no corpo da matéria menos consistente ou até inadequada. Aí por razões outras, não que uma fosse mais verdadeira. Mas, seja como for, o fato é que essa prática pegou.
Assim a verdade passou a ter pelo menos duas versões. Não sei se motivados por esse modelo - acho difícil – mas, por alguma razão qualquer que não sei explicar, nesse momento, passamos também a ter uma consciência maior de que a realidade é mesmo muito mais do que complicada, é um sistema complexo, ultrainter-relacionado tanto no que diz respeito às causas quanto às conseqüências que um simples fato pode conter e gerar. Essa constatação, de uma certa forma, colocou em xeque algumas verdades até então consideradas inabaláveis e muitas outras, até menos sagradas. A busca da verdade tornou-se assim uma missão bem mais árdua, nesse mundo de facilidades. Exige dos jornalistas uma formação mais sofisticada, que o simples domínio das técnicas difundidas pela escola norte-americana. Para alguns, tornou-se uma missão até meio quase que impossível. Pronto. Aqui acaba a minha intervenção.
Marcelo Coelho chegou a sobrevoar algumas considerações sobre como esse contexto vai influenciar o jornalismo, mas acho que não é necessário entrar nesse capítulo para entender o prato principal. O que interessa é que, a partir desse momento, o jornalismo foi se abrigar num certo ponto entre o fato e as versões que surgiam para explicá-lo. Os fatos, claro, continuaram sendo importantes, mas apenas para dar veracidade às versões divulgadas, que eram e são as que prevalecem hoje como verdades para o senso comum. E aí chegamos onde queria.
Sem saber onde a verdade se esconde, o jornalismo, na sua insana e metódica busca, passou então a sabotar, até a exaustão, as versões apresentadas por suas fontes. Se elas resistissem, tornavam-se verdades provisórias, até que surgisse uma nova mais robusta. Se não resistissem, estavam desmascaradas e o pobre do jornalista deveria sair a rua novamente, até garimpar uma outra versão, mais consistente, que sustentasse sua notícia. Assim foi e ainda é. É o jornalismo da sabotagem, como identificou Marcelo Coelho. Também não funciona muito bem. Às vezes, por razões outras, uma versão prevalece sobre outras sem contudo provar que seja a verdadeira ou a mais verdadeira.
Esse é um método copiado da ciência, conforme a Ruthinha me explicou. Para validar uma tese qualquer, os pesquisadores tentam encontrar os furos que ela pode conter e vão questionando-a também até a exaustão. Se não provam nada contra, a chance dessa tese estar correta é muito alta. Então, mais uma vez, o jornalismo foi buscar socorro na ciência, para validar o seu discurso da objetividade. Mas ao questionar as versões à exaustão, sem aprofundar no contexto em que o esquecido fato se insere, sem identificar as conexões a que ele está ligado, a imprensa constrói apenas uma realidade hiperfactual, sem nenhuma coerência e sem significado.
Nada que nos ajude a entender o mundo em que estamos vivendo. Não sei se consegui explicar o que entendi da fala de Marcelo Coelho, mas essa versão que fiz me ajudou a entender porque a Folha me parece sempre ser um jornal do contra, que critica tudo, que destrói qualquer explicação possível sobre qualquer fato. Um jornal eternamente aborrecente. A Folha e todos os demais. Entendi porque, no final de uma cobertura, tenho sempre a impressão de que fui enganada. O fato perdeu atualidade, perdeu espaço na imprensa e o máximo que consegui foi supor alguma coisa do que aconteceu.
Ôiaiá...pensei demais. Agora preciso divagar um pouco para descansar.
Vou ouvir Egberto Gismonti.
Boa noite, meus queridos. Um fim de semana com muitas e boas (di) versões.
Até mais ver, um dia.
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