quarta-feira, março 29, 2006

Servidão voluntária

Estava com cinco arquivos temporários abertos para escolher sobre qual pensar. Aí gripei. Fechei tudo e fui ver televisão. Televisão é muito bom pra gripe, melhor do que chá de limão. Principalmente se você consegue ter o comando do controle remoto. Aí é só ficar ali, parada em frente à tevê, que em poucos minutos a febre estabiliza. Você pára de achar que está delirando e acredita piamente que quem delira é a vida. Com mais algumas doses de documentários da National, como um que vi sobre o porquê das zebras serem as presas preferidas dos leões; uma comédia com Schwarzenegger (coitados dos californianos!); um jornal; um documentário na Globo News sobre o pleno desemprego; um clip do Red Hot Chili Peppers na MTV e mais jornal e mais jornal, você acaba até dormindo. Muuuito bom mesmo.

Depois, você acorda, de repente, mas continua ali, ancorada na vida como ela é, que aparece ao vivo e à cores na telinha da tevê. Ela sim, delirando. Além dela, pelo que pude ver nesses dias, só mais o mercado, e por conta do tombo de Palocci. A notícia ainda estava soltando fumaça, de tão quente, e os repórteres, coitados!, já ralando atrás de um e de outro para repercutir a mudança. Mantega nem tinha sido confirmado e menos ainda se pronunciado! É o jornalismo do futuro. O fato antes do fato. Por isso, a vida corre tão rápida ultimamente. Por isso, a vida anda tão banalizada. Quando as coisas acontecem, já ficaram velhas.

Mas aí o mercado, cabreiro e escaldado, aproveitou para abrir o verbo sem cerimônia. Ouvi de tudo. "Bem, não, não, não vai haver mudanças...ele terá apenas oito meses para fazer o seu trabalho; bem, bem...o novo ministro tem idéias que diferem um pouco das de Palocci, mas ele vai conduzir é a política de governo que é essa que aí está. Não haverá uma quebra dessa ordem; poderá haver algum atrito talvez em relação à política de juros, talvez algum embate com o Banco Central e aí, talvez, o Banco Central peça demissão (!!!! pode isso? Banco pede demissão?); não existe espaço para mudanças. A economia brasileira está num ajuste muito fino, muito apertado....; é...é...não não, não corremos risco de mudanças, mesmo porque o ministro Mantega sabe muito bem que se houver alguma mudança o mercado poderá reagir e aí ele terá de voltar atrás (!!!!???). Ôw, isso não parece uma ameaça? Não seria o caso de entrarmos com um processo na Justiça contra esse tal mercado, por práticas escravistas, tentativas de acorrentar a economia? Ou será que já aderimos ao voluntarismo e nos entregamos, definitivamente, à servidão para o senhor de todos os senhores: o mercado?

Tem mais. Existe mesmo uma lenda corporativa que diz que ninguém, ninguém mesmo nem um ministro da Fazenda é insubstituível. Mudam-se as pessoas, mas o trabalho continua. Lenda, né? Eu, não sei se agora comecei a delirar mas, prefiro concordar com a Rutinha, nem um de nós e nem ninguém é substituível. Cada um é cada um e por onde passa deixa a sua marca, que é pessoal e instranferível. Então, toda mudança de nomes, implica sim em mudanças de estilo, mudanças no processo de escolhas, de seleção de prioridades e blá, blá, blá, blá, blá, blá. O novo ministro sabe disso. Ou delira como eu. Vi ele falando no início da noite. E ele disse mesmo que não vai mudar, mas disse também que vai. Cada um leia como quiser.

Acordei. Vou trabalhar, porque gripe não é desculpa para ficar de molho em casa.

Até o próximo plantão!

sábado, março 25, 2006

Oia q issu dah smb

Olhei e, de cara, vi que isso não ia dar certo. Ou será que pode dar samba? Na dúvida, avisei. Meninos, parem com isso. Você estão matando a nossa língua!

- Naum pga manhi. Aki a gnt fl asim msmu!

Meninos, daqui há pouco vocês estarão grunhindo como nossos ancestrais homo habilis e ninguém mais vai entender nada do que vocês estão dizendo. Vocês terão de recorrer à linguagem gestual do tempo das cavernas.

- UUHH! UUHHH! BUHH! BUHH! AHHH! (apontando para garrafa de coca-cola, para o copo e, em seguida, para a boca)

Também não reclamem mais: ninguém me entende nessa casa! Eu falo e ninguém me entende! Não reclamem, porque são vocês que estão pedindo. Vocês já estão de joelhos, implorando, suplicando para que ninguém mais compreenda uma só palavra do que estão dizendo. Quando digo ninguém, me refiro a nós mesmos, os de maior, não à tribo dos de menor de 15 que, aliás, está reduzindo de tamanho. Em 1950, esses meninos e meninas representavam 41,6% da população brasileira. Em 2000 não passavam de 28,8% e, agora, desconfio, caminham para disputar a minoria absoluta. Para vocês terem uma idéia, em 2050, o ano cabalístico, não deverão representar mais do que 19,9%. Atenção marqueteiros de plantão!

Bom, mas então, ficou claro que eu avisei, né? E adianta? É evidente que não. E tanto fizeram, que agora é tarde demais. Puseram a nossa língua num museu! Está lá, bem no coração de São Paulo, capital do Brasil. Na Estação da Luz. Uma hora dessas vou lá. Já fiz uma visita virtual, mas pra mim não basta. Quero é tudo! Quero ver inteiro! Ver não só com os olhos, mas com todos os sentidos. Então, uma hora dessas vou lá. Enquanto não dá, continuarei navegando. Já fui, principalmente, na Praça da Língua. Ouvi Arnaldo Antunes, que amo de coração. Às vezes ele grunhe como os meninos, mas sei que é porque ele tem fome de tudo. E quando temos fome, grunhimos, ganimos, rosnamos como qualquer animal que somos.

Nuu! Então a língua já tá lá. No museu. E com uma advertência: a língua é o que nos une! É vero, porém, mais ou menos. Às vezes é o que nos divide também. O que nos une, sem restrição, é o coração. Bom, mas isso é outra história. É outra história também a versão moderna de museus, espaços vivos, em construção permanente. Museu não é mais o arquivo morto da nossa história, mas um edifício que sobe andar por andar, junto, lado a lado, com o nosso caminhar. Meno male, porque a língua também não é uma peça que se resgata do fundo do fundo de um poço, empalha e depois se exibe numa vitrine. Ela está em permanente mudança. Morre e nasce todo dia. Acho que os meninos sabem disso, por isso brincam com ela sem medo. Nós é que sentimos essa necessidade impertinente de preservá-la. Como se a língua fosse uma fotografia, um papel de bala amassado, um caco de vidro colorido ou qualquer outra lembrança que guardamos em caixinhas para um dia ativar nossa memória e nos fazer lembrar dos bons momentos que vivemos. Nós é que ficamos por aí tentando evitar o inevitável.

A língua muda. E muda também de uma esquina para outra. Quando ando na rua, percebo muito bem quantas línguas cabem dentro da nossa língua portuguesa. Não é só a língua dos meninos e a nossa língua culta, não. São diversas. São tantas quanto são as nossas tribos e se se empobrece dentro de cada um dos grupos que topamos por aí, é ali também que ela se enriquece, bebendo na fonte da sua diversidade. É por isso que, um dia, ouvi um gramático desses famosos dizer que corremos o risco do erro não só na tradução de textos estrangeiros. Às vezes, e muitas, erramos também quando estamos traduzindo um texto mesmo em português. Esquecemos de beber na fonte da diversidade e nos iludimos com a língua congelada das gramáticas.

Pensando bem, é até bom mesmo um museu. Se esse é um espaço para divulgar o português brasileiro, principalmente agora, que ele será a referência oficial para todos os países de língua portuguesa, será também, e muito mais, um espaço para exercitarmos a nossa liberdade de autores. Pois se a língua agora virou arte, tudo pode. E não importa mais, se ela morre e nasce todo dia. É como todas as outras. Das 6 mil 800 línguas que restam no mundo, quase metade são faladas hoje em dia por menos de 2 mil 500 pessoas. Um bairro da minha cidade. E até o final deste século, pelo menos metade dessas línguas terá desaparecido. Coisas da vida. Ou coisas da língua.

Olha só, Payal Sampat, que é um pesquisador associado do Worldwatch Institute, de Washington, disse num de seus textos que navega aí pela internet, que na América do Sul, centenas de línguas já foram varridas do mapa depois da conquista espanhola. Mas ainda sobrevivem 640, notavelmente diversas. Mas ele já informa aos desavisados que 27% delas estão se aproximando da extinção. No Brasil, 42 já desapareceram completamente. Estão mortas e enterradas. E a maioria das remanscentes estão rapidamente sendo substituídas pelo português. Na região do Amazonas, por exemplo, poucas línguas nativas sobrevivem e hoje não têm mais de 500 falantes. Muitas já chegaram a menos de 100. O karahawyana tem 40 praticantes; o katawixi, 10; e o arikapu, seis!Mas se umas estão desaparecendo, outras estão surgindo. Menos complexas, mais variações em torno de um mesmo tema, mas tão diversas quanta aquelas isoladas nas comunidades da Amazônia.

Não sei se Sampat concordaria com um museu. Um museu que expõe apenas uma das várias manifestações do código verbal de um povo. Se essa é uma forma de valorizar a unificação da linguagem e reforçar uma identidade nacional, por outro, representa exatamente isso: o comprometimento da diversidade que esse povo abriga. E, abrindo mão da nossa diversidade lingüística, estamos diminuindo também nossa compreensão da diversidade biológica e cultural que somos. Mas essa é outra história também. Um dia volto nela. É muito interessante.

Por enquanto, vou ficar por aqui, navegando. Vamos passear no museu (o link está no título. Ainda não aprendi a criar links no meio do texto).

Meninos, divirtam-se criando novas línguas, mas não se privem de conhecer a fonte da diversidade.

demorei, tiau pra vcs e bm dmg.

quinta-feira, março 23, 2006

Ingleses, o retorno

Já disse que os ingleses são doidos, não disse? Claro, eles são muito elegantes e simpáticos, o oposto dos americanos, que são uns jecas. Olha o bush, aquele que não vai assinar o Protocolo de Kioto. Agora olhe o Tony Barbie, por exemplo. Faz diferença, não faz? Mas tem isso, os ingleses são doidos mesmo. Fazem coisas que até o demo duvida. Hoje ouvi uma na CBN que fiquei pasma. Mas não duvido, porque os ingleses são loucos de verdade.

Não é à toa que, no ano passado, quem encabeçava a lista dos ganhadores do Prêmio Ig Nobel eram dois ingleses do Reino Unido. Ganharam na categoria Paz pelo trabalho árduo que tiveram, monitorando por um longo período a atividade de neurônios de um gafanhoto, enquanto o danadinho do inseto assistia ao filme Guerra nas Estrelas. O que eles queriam investigar era como um conjunto de neurônios do sistema visual de um inseto responderia a objetos em rota de colisão com ele. Muito relevante! Então. Eles fazem isso. Além de tomar o chá das 5 e falar mal da rainha.

Eu desconfio que esse despreendimento dos ingleses, mandando às favas a lógica utilitarista dos americanos, é mais uma necessidade de afirmação. Acho que tem até um pouco de ressentimento nessa história. E a forma que encontraram para reagir a esse incomodo foi adotando um comportamento bem típico do adolescente, daquele menino ou menina que se sente assim meio que abandonado, rejeitado, sei lá. Do tipo, ah é! pois agora eu quero, eu posso e eu vou fazer. Vocês vão ver! E fazem mesmo, até alguém ver e dar atenção a eles. Então os ingleses vão lá pesquisar o que o gafanhoto acha do Guerra nas Estrelas e dane-se o resto. Dane-se, mas ficam delirando mesmo é quando são reconhecidos e ganham o Ig Nobel da vez.

Até aí, tudo bem. São pesquisas que não ajudam muita coisa, mas também não atrapalham. Eu gosto de acompanhar essa produção até para rir um pouco. Enquanto rio, esqueço que os terremotos glaciais, provocados pelo aquecimento global, estão acelerando o processo de degelo nas regiões polares e aumentando o nível dos oceanos mais rápido do que esperávamos. Que mêda! Será que os ingleses não tem medo de que o mar invada suas praias? No lugar deles, eu teria.

Mas eles não. São loucos. Lembrem-se sempre disso. Só que, agora, eles estão ficando um pouco abusados. Estão parecendo Jamie e Adam, os mythbusters. Caçadores de mitos. Os ingleses estão destruindo todas as nossas lendas mais puras. Vi hoje nos jornais, por exemplo, que uma equipe de cientistas britânicos pôs abaixo o mito mais popular da maioria dos clássicos da literatura mundial, dos grandes filmes de todos os tempos e dos nossos melhores sonhos. Essa equipe, da Universidade de Bath, no sul da Inglaterra, que não tinha nada de melhor pra fazer, desbancou de vez o amor à primeira vista. Pode isso agora?

Segundo os pesquisadores, são necessários, em média, 12 meses (um ano, hem?) para alcançar o verdadeiro amor. Nessa, Romeu e Julieta teriam escapado sãos e salvos da fria em que se meteram, né? Mas, em compensação, jamais teriam virado personagem de história, sobrevivido à revoluções, guerras, hecatombes tecnológicas, paulocoelhos, fashion weeks e tudo mais, e chegado aos nossos dias ainda inspirando novos amores. Seriam ilustres mortais e desconhecidos.

Pois é, né? Mas fico pensando que, nesse mundo de hoje, na pressa em que vivemos, 12 meses é muito. Ninguém tem paciência para esse tempo todo não. Em 12 meses, os meninos e meninas de hoje já se conheceram, já se apaixonaram, como Romeu e Julieta, já pensaram em morar junto, quando não foram de fato, e já brigaram e foram caçar rumo. Doze meses hoje é uma vida. É um tédio infinito. É como Zygmunt Bauman sugere. Vivemos em um mundo líquido, que detesta tudo o que é sólido e durável, tudo que não se ajusta ao uso instantâneo. Por isso os jovens preferem os relacionamentos diluídos, amores líquidos, que descem redondo.

Bauman afirma que a tirania do mercado explica em parte essa característica rarefeita de tudo. Para ele, estamos na era do Homo consumens e o que o caracteriza não é o fato de consumir e acumular muitos bens, mas consumir, usá-los e descartá-los para, logo em seguida, consumir mais, descartar outra vez e assim por diante, abrindo sempre espaço para outros bens e usos. E isso não acaba nunca. Quer dizer, nunca não. Esse jeito predador de ser tem limite, né? Vai chegar uma hora em que o bicho vai pegar. Se essa hora já não chegou ou se o bicho já não pegou.

Mas, olha só, talvez, até por isso mesmo, os ingleses podem estar com a razão. Talvez, seja preciso mesmo mais paciência, mais tolerância, mais tempo. Pra tudo e pra todo mundo, com tudo e com todo mundo. Talvez, os meninos e meninas de hoje começarão a perceber, em algum momento, que essa roda não vai girar indefinidamente. Talvez, eles cresçam. Talvez amadureçam. E talvez descubram que o amor verdadeiro não é passageiro. É inteiro. Talvez se acalmem e talvez se amem. É. Talvez os ingleses tenham razão. Mas que são loucos são.


Um flashsonho e um clipdia para todos vocês, mas com amores verdadeiros

sábado, março 18, 2006

Desculpa, senhora

Fui tentar cancelar a assinatura do celular do Rafa. Não riam. Estou à beira de um ataque de nervos e não respondo mais pelos meus atos. Todo mundo sabe que falar com qualquer uma dessas empresas de telefonia é uma experiência insana. E eu me incluo nesse todo, por isso, desde o final do ano passado, quando iniciei esse projeto, denominado Operação Graham Bell, reservo aqueles dias em que estou com o maior bom humor para essa tarefa. Uns minutos antes, faço ainda meditação, respiro fundo e concentro meu pensamento nas boas lembranças, para trazer bons fluídos.

Só aí, me arrisco a pegar o telefone e me lançar nessa empreitada. A primeira tentativa, em novembro do ano passado, foi em vão. Quase desafiei a atendente para um duelo face a face. Depois de percorrer toda aquela ladainha – disque 1 se você quiser não sei o quê; disque 2 se quiser outra coisa; 3 se quiser também não me lembro o quê e assim por diante - depois disso tudo, atende lá uma mocinha e começa: diga o seu nome, endereço, CPF, título de eleitor, candidato em que votou nas últimas eleições, qual a sua cor predileta e vai e vai e vai, até me perguntar: data de nascimento? Data de nascimento! Essa é boa. Agora me estrepei! Como é que é mesmo? Me confundi, pomba, não posso? Faz tanto tempo, tinha de fazer as contas, não tinha não?

Tava lá concentrada na matemática e a vozinha do outro lado não parava:
- Mas coooomo? A senhora não se lembra da data do seu nascimento? Do seu aniversário?! (O que ela estava querendo insinuar?)
- Não, não me lembro, qual o problema?
- É estranho!
- Por que estranho? Você se lembra da sua?
- Claro, 25 de maio de 1985.
- Hannn, aí fica fácil, né? E a data de aniversário da sua mãe?
- Hem?
- A data de aniversário da sua mãe – repeti pausadamente.
- Fácil também, o aniversário dela é16 de setembro.
- Quero saber a data de nascimento dela. 16 de setembro de quando? Hem?
- Cooomo assim?
- O ano em que ela nasceu, minha filha.
- Ah! Isso eu não sei, mas ela deve saber.
- Não sabe não. Pode estar certa de que ela não sabe mesmo. Depois de um certo tempo, a gente esquece. Isso deixa de ser relevante. Um dia nascemos, e isso basta. É claro que não perdemos a consciência de que envelhecemos. À nossa revelia, mas envelhecemos. Só que não ficamos anunciando isso aos quatro ventos. Concorda? Então, se alguém se atreve a nos lembrar, assim, de repente, nos confundimos mesmo. Normal. E agora me deixa fazer as contas para poder te responder. Fica caladinha, certo?

E voltei pra minha conta. Rapidamente obtive um resultado que considerei até satisfatório e atendi à curiosidade da mocinha. Mas ela não se deu por satisfeita e me perguntou mais um tanto de coisas, só para conferir se eu era eu mesma. Mal sabe ela, o quanto já mudei desde que nasci. Nem eu mesma sei porque continuo pensando que eu sou eu mesma. Mas, enfim, devo estar me saindo bem, porque, pelo menos meus amigos, me conhecem até de longe.

E enquanto eu divagava sobre a essência do meu ser, aquela que me faz ser eu mesma, apesar de já não guardar mais nenhuma semelhança com aquela bebezinha raquítica e manhosa que aparece no álbum de fotos da família, a mocinha finalmente me informou: a senhora não poderá estar fazendo esse cancelamento hoje, porque tem uma conta pendente. E tinha mesmo, a do próprio mês de novembro, que tinha vencido uns dois ou três dias antes. Bom, aí desisti. Fui pagar a conta primeiro.

Na segunda tentativa, me venceram pelo cansaço. O rapaz que atendeu à chamada me ofereceu uma promoção imperdível. Expliquei a ele que não queria promoção nenhuma, queria era cancelar a assinatura, mas foi em vão também. O mocinho tinha um poder de convencimento invejável. Com metade da capacidade dele, conseguiria um desconto supimpa até em caixa de supermercado. No final, concordei com ele e disse que, então, ia pensar na tal oferta e voltaria a ligar outro dia. Fiquei pasma comigo mesma, depois que desliguei o telefone.

A terceira tentativa já foi em 2006. E tanto nela quanto na quarta, me perdi na primeira fase. Troquei o número do código que deveria digitar e cai no ramal errado. E aí, quem disse que eles foram capazes de me reencaminhar para o lugar certo? Falei com um, com dois, com três atendentes e todos me pediam: por favor, aguarde só um momento que vou estar encaminhando a senhora para uma de nossas atendentes. Foi um prazer falar com a senhora. E eu lá, sentadinha na cadeira, esperando, esperando. E nada. Da quarta vez, me lembro muito bem, li até o editorial do Clóvis Rossi, um artigo do Boaventura na página 3, passei os olhos na cobertura política, pulei pro caderno Mundo e ninguém nem tchum. Até que me rendi. Passei o resto do dia mau humorada. Monossilábica.

A quinta vez foi na semana passada. Estava mais de bem com a vida do que de bom humor, mas como essa tarefa já está se tornando uma rotina, nem me preocupei muito. Já faço isso no automático. Peguei o telefone e ouvi a senha: OOiiii! Anotei, numa cadernetinha, o código que tenho de digitar e todos os dados que me pedem, assim, quando escuto a senha já respondo tudo de pronto. Nem dou papo. As contas estavam todas quitadas também, bem na minha frente, para o caso de haver algum questionamento. Já estava até me sentindo vitoriosa. Triunfante!

Doce ilusão. Olha só, fui surpreendida por uma mudança no enredo. Do outro lado, a vozinha falou: a senhora está ciente de que terá de estar pagando uma multa... Nem deixei ela terminar de falar:
- Quêêê? Multa? Que multa, minha filha?
- Desculpa, senhora. Multa por descumprimento de contrato, por estar cancelando a conta antes de doze...
- Olha aqui minha filha, não me venha com essa história de multa não, que hoje eu não tô boa. Vou te explicar pra você entender de uma vez só. Meu filho ganhou esse telefone no seu aniversário de dez anos, nem fui eu que dei. Daqui há três meses ele vai fazer 12. Então, por favor, não me enrola não. E tem mais. Pra seu governo, só que estou tentando cancelar essa conta, já tem mais de um ano. Um ano, doze meses! Sacou? (Exagerei, né? Mas me concedi essa licença poética. Achei que merecia!).
- Desculpa, senhora. É que não estou tendo acesso aos dados, porque tem uma conta pendente.

(Olha a cara de pau! Como não tinha acesso aos dados? Tive de dizer a ela até o número do livro do meu registro de nascimento! E como conta pendente? Estavam todas quitadas, bem na minha frente?)

- Nããão tem conta pendente não, minha filha! Pára com isso! E vamos resolver essa história de uma vez por todas. Está tudo quitado. Estou com todas as contas aqui, bem na minha frente. Pode perguntar o que você quiser.
- Desculpa, senhora. O pagamento foi feito em caixa eletrônico?
- Foi, claro! Queria que eu entrasse na fila também?
- Desculpa, senhora. Qual foi o dia deste pagamento?
- Ontem, minha filha. Ontem paguei tudo que devia a todo mundo. Tô zerada, mas zerei minhas dívidas também. Fiz igual o Brasil com o mercado financeiro internacional, tá bom?
- Desculpa, senhora. Não é isso. Mas é que se a conta foi paga ontem e no caixa eletrônico, esse registro só estará caindo no nosso sistema daqui há quatro dias. Enquanto isso, não há nada que eu possa estar fazendo.

Fiquei muda. Se ela não podia fazer nada, imagina eu! Desliguei o telefone arrasada. Deprimida. Exausta. Completamente derrotada! Jamais poderia imaginar que seria surpreendida desta forma. Me senti uma idiota. Uma ignorante. Como pude desconhecer essa informação, de que seriam necessários quatro dias, quatro dias para um dado sair de um computador e entrar no outro? Ainda tenho muito que aprender nessa vida. Isso, pelo menos é um conforto, né? Na segunda-feira, vou tentar de novo. E quer saber? Se não conseguir, vou simplesmente parar de pagar. Aí, tenho certeza, virão correndo atrás de mim e me ameaçarão de cortar a conta. E eu, prontamente, vou topar.

Um céu azul, um sol e um chicabon. E mais, à tardinha, uma brisa de alto de montanha para todos, neste último domingo de verão.

sexta-feira, março 17, 2006

Palavrões e palavrinhas

Vi o terremoto no Congresso Nacional hoje. Sabe o que eu penso? Estão precisando pôr algumas doses de polaramine na água do Congresso. Como disse um conhecido meu, tudo é motivo para eles se empolarem. Está certo, tem um fenômeno estranho acontecendo. É um palavrão, me desculpem, mas estamos assistindo a uma judicialização da política brasileira. Não sei ainda o que isso pode siginificar. Temo que não seja uma coisa muito boa, afinal, o Executivo já legisla igual gente grande, se agora o judiciário se mete a fazer política e ainda dificulta a ação fiscalizadora do legislativo, para que servirá o Parlamento?

Mas, por outro lado, venhamos e convenhamos. Se não perdi nada, se na minha ausência ninguém rasgou o regimento interno do Congresso Nacional, numa sessão solene de Plenário, a liminar lida hoje na CPI dos Bingos faz sentido. Uma CPI deve ter um objeto claro de investigação e sua atuação não deve perder o foco deste trabalho. Transformar o plenarinho das comissões técnicas em palanque é jogada desleal e não sei a quem pode interessar. E ainda mais, quando sabemos que o Congresso teria outras formas de ouvir a testemunha sem burlar o regimento. Os parlamentares sabem disso. Então não sei mesmo porque tanto espanto. Amanhã, se tiver tempo, vou ler os jornais para ver se entendo alguma coisa. Estou quase me convencendo de que perdi não foi pouca coisa não. Perdi a minisérie inteira.

Também, dei agora para ficar sonhando acordada, olha só! Assim, acabo mesmo perdendo os melhores lances da vida como ela é. E hoje tive um sonho estranho. Um sonho não, um delírio. Até sei de onde me inspirei. Foi um colega que trouxe uma notícia esquisita, minutos antes de Alckmin anunciar sua candidatura. Disse que Aécio ia sair de vice. Descartamos, claro. Mas aí sonhei que Alckmin tinha convidado Jereissati para vice. Fez uma chapa pura. O PFL , tomado de surpresa, lançou Roseana Sarney e Marco Maciel para se vingar. O PMDB já tinha lançado Garotinho no páreo, pensando no voto dos meninos, aqueles de 16 a 24 anos, que estão perambulando por aí. Com mais alguns gatos pingados que foram aparecendo no meio do caminho, junto com Heloisa Helena, nós eleitores ficamos igual pobre no carrefour, perdidos no meio de tanta opção.

Isso para não contar o que o PT fez. Depois de avaliar o quadro sucessório, chegou à conclusão que a corrida estava muito disputada. Era preciso lançar uma novidade na praça para garantir a posição. Mandaram o Lula para o banco de reserva e chamaram Dilma Roussef para entrar na pista. Êita, que confusão! Isso é que delírio. Acorda, Neo! Mas, pensando bem, para o PSDB até que não seria mal. A partida começava do zero pra todo mundo. Mas moleza, meu amigo, só na ingleza. Alckmin que se prepare, pois o jogo vai ser duro. E o que ele não deve fazer é entrar na briga para bater. Outro dia, uma amiga sugeriu que ele deveria terceirizar a pancadaria e manter-se no seu discurso de empreendedor. É uma saída.

Pensando bem outra vez, não sou eu apenas que ando delirando acordada. A vida como ela é também está se descolando. Hoje Aécio comentou que poderá optar pelo Senado, ao invés de disputar a reeleição. Não é uma saída, com certeza, porque aqui o jogo já está decidido, se for ele o candidato. Então, tem de ser uma porta de entrada. Mas pra onde? Bem, aí é que está. Só dormindo e delirando novamente.

Palavrinhas sensatas para todos vocês, depois de tanta confusão
Bons sonhos, um belo dia e alegres despertares!

PS: Postei esse texto ontem à noite, mas esse blog foi bloqueado, não sei porque, e o texto não foi publicado. Hoje tentei de novo e, outra vez, deu problema. Como sou brasileira, vou continuar insistindo. Bom, de lá pra cá, ouvi a notícia de que a Justiça teria concedido liminar suspendendo as prévias do PMDB, mas Germano Rigotto anunciou que vai fazer assim mesmo. Tô achando que rasgaram não foi só o regimento interno não, foi a constituição inteira. Povo doido siô. E antes um pouco, vi o Sardenberg conversando com o Sérgio Abranches e ele estava chamando atenção para isso, para esse fenômeno, que estamos vivendo também, de um desrespeito generalizado à lei, tanto pelo poder público, quanto pela sociedade. Estamos no Estado do não-Direito. E democracia, pomba, tem regras. Se não forem observadas, vira casa de mãe joana. Ops, daqui a pouco vão convocar a Joana para ela explicar o que está acontecendo com a democracia brasileira. Melhor mudar de assunto. Bye

terça-feira, março 14, 2006

O mundo é outro

Estava divagando no volante, entre um rap e um rock, quando um dos meninos mexeu no rádio e passou pela CBN . Ouvi distraidamente a jornalista Miriam Leitão comentar os desafios que a China terá de enfrentar no daqui pra frente. Naquele instante ela falava do desemprego, que já começa a querer se transformar em problema, numa das maiores economias do mundo. É um paradoxo, se pensarmos que a China cresce a galope e, como portadora da síndrome de gigantismo, deveria ter um mercado de trabalho capaz de abrigar um mundão de gente.

Olha só, outro dia mesmo, ouvi também no CBN Brasil que a China produz 9 bilhões de pares de sapatos por ano e exporta quase 6 bilhões, um para cada habitante do planeta. Só essa indústria calçadista já deve empregar um exército inteiro de chinezinhos, um tanto equivalente ao tamanho do mercado de trabalho formal brasileiro. Mas as coisas nem sempre são o que parecem. O mundo é outro e as condições de acolhimento desta mão de obra, pra lá de abundante, são bem diferentes daquelas que tivemos por aqui, por exemplo, no início da nossa industrialização.

No último fim de semana, enquanto lavava uns pratos e refogava uma carne para tentar um cozido português, o Cláudio resumia pra mim os momentos mais emocionantes de um livro que ele estava lendo. Aliás, leiam! Chama-se A cultura do novo capitalismo, de Richard Sennett, da Editora Record. Sennett relatava o espanto de Weber com a grande sacada de Bismarck sobre a organização interna das corporações, reproduzindo a forma de uma pirâmide. Quanto mais alto na cadeia de comando, menor o número de pessoas no controle. Em contrapartida, quanto mais descemos nessa escala de poder, maior o número de pessoas incluídas na organização.

Pois então, Bismarck incluiu na sua proposta de pacto social para os operários alemães a promessa de um lugar para todos no sistema social. E fez isso, porque sacou que a forma da pirâmide permitia que uma corporação agregasse um número cada vez maior de indivíduos nas camadas mais baixas do seu organograma, abrindo oportunidade para inclusão de todos. “A obstinada justificativa de Bismarck para a sistemática engorda das instituições era a pacificação, a tentativa de evitar conflitos, assegurando um lugar para todos e cada um dentro do novo sistema” - como escreveu Sennett. Mais do que garantir eficiência às organizações, buscava-se com o crescimento da burocracia, garantir a inclusão social de uma massa de desempregados que se deslocava do campo para os incipientes centros urbanos num ritmo cada vez mais intenso.

E assim foi. Mas não é mais. Hoje vivemos sob o signo da globalização. Por uma série de razões que não vou ficar aqui descrevendo, mas que conhecemos bem, pois vivemos esse momento, das reengenharias, da revolução tecnológica, da automação, do imperativo do curto prazo, do domínio do capital impaciente, vulgarmente conhecido como especulativo, e de outros fenômenos que atingiram em cheio as organizações, elas acabaram mundando. A pirâmide foi desmontada para dar lugar a uma estrutura quase horizontalizada. E o chão de fábrica virou uma plataforma futurística, habitada por máquinas e robos que dependem cada vez menos dos trabalhadores presenciais. Já ouvi muita gente boa falando que o trabalho não vai acabar nunca, mas emprego, esqueçam. Este já era.

Se a China está entrando de sócio no mercadão global, é claro que vai acompanhar as tendências do momento. Não vai querer perder tempo percorrendo um caminho já mapeado por todos. E aí? Aí, fico pensando que o desemprego não será só um desafio para a economia chinesa, mas um problemaço que ela terá de enfrentar com muita criatividade. Isso se não quiser ver os seus jovens perdidos por aí. Lembram-se do Brasil? São 27% dos jovens brasileiros entre 15 e 27 anos que estão perambulando por aí, sem ter o que fazer. São 1 milhão e 700 mil meninos e meninas que estão em casa, vendo televisão, ou na rua sem nada de bom para pensar. E cabeça vazia, oficina do diabo, como dizia minha vó.

Onde estão esses meninos e meninas? Para onde vão os chinezinhos que não conseguirem ingresso para o espetáculo do crescimento da economia chinesa? Aí é que está.

Tenham um boa noite de descanso e aproveitem, porque amanhã nós ainda podemos labutar

domingo, março 12, 2006

Somos todas medéias

Nnu! Já tinha até me esquecido de como era um dia de chuva fininha, com um friozinho bem médio e uma lista de coisas pra fazer embolada no lixo. Mas hoje reavivei minha memória e desfrutei vagarosamente cada minuto da minha mais vadia. Não foi fácil, mas derrotei impiedosamente as tentativas dos adversários de me atribuir alguma tarefa infame ou um programa legal. Amanhã, quem sabe?

E, como hoje já é amanhã, dei só uma navegada na internet, antes de ir dormir, para ver o que o mundo andava fazendo, enquanto eu fazia nada. E, tirando Ronaldo, que, parece, também resolveu gazetear neste sábado, e Milozevik que radicalizou, os demais e os restantes continuaram na roda viva. Hiperativos. O imperativo da nossa sociedade hipermoderna.Continuaram, mesmo sabendo que, no mundo de hoje, ninguém mais se estabelece, só segue em frente. Vai ver, foi até por isso mesmo. Estamos todos condenados ao curto prazo e à impaciente urgência de apresentar resultados. Assim, mantiveram acesa a chama da eficiência e mostraram serviço. Bravo!

Olhei também a foto de Michelle Bachelet, ao ser empossada nova presidente do Chile. Estava com as mãos cruzadas sobre o coração. Eu vi. Não tinha os punhos fechados. As mãos estavam abertas e cruzadas sobre o coração. Isso faz diferença. O gesto, não o fato de ser o gesto de uma mulher. Se fosse Evo, Chávez, Kishner e até bush, também faria diferença. Mas era Bachelet que estava lá, com as mãos cruzadas sobre o coração.

Não li as matérias, mas aposto que repetiram a mesma ladainha: Bachelet, a primeira mulher a ocupar a presidência num país da América Latina; a primeira mulher a receber uma faixa presidencial. Parecemos uma tribo de exóticos e inexperientes seres que, para o espanto da geral, conseguimos desbravar a selva de pedra e ocupar uma cadeira no camarote vip. Então tá. Vou fingir que caio nessa. Mas, como diz Dilma Roussef, estamos apenas pelejando, pelejando.

Não estou criticando os repórteres. A culpa é do clima de festa, propício a esses devaneios. Tanto que bush cedeu o lugar na fita para Condoleezza Rice, que vai disputar as próximas eleições nos EUA, enfrentando do outro lado a fúria da mulher traída de Hilary Clinton. Como defendo que todos nós deveríamos ter um título de eleitor norte-americano, já que eles interferem na vida de todo o planeta, vou declarar o meu voto de antemão. Ele vai para Hilary, claro. Ela sabe o que é pelejar.

Também não estou reclamando. Só constatando. E depois de uma semana inteira de reverências mil, minha auto-estima saturou. O excesso às vezes acaba é gerando carências. Até bush, vê se pode? Foi pra porta da Casa Branca e anunciou que os EUA vão ajudar as mulheres a defender sua liberdade, não importa onde vivam. Por Deus, bush, esquece! Não precisa mesmo. Obrigada, obrigada, mas fique fora disso. Não tente destampar a nossa caixa de pandora. Disso, cuidamos nós mesmas. E fique esperto. Como diz a Rutinha, nunca se esqueça que somos todas medéias.

Se for possível, durmam o sono das crianças, sempre sob a proteção da fada madrinha

OS: Fizemos um acordão para tentar salvar o blogviajeiro. Enquanto Dani e Artur estiverem enrolados nos seus afazeres acadêmicos, vou dando um jeito de manter no ar ao menos nossos arquivos de acompanhamento da conjuntura. Vamos levando desse jeito até que surja uma grande idéia e aponte um rumo para essa falta de ter o que fazer que demos de inventar.

quinta-feira, março 09, 2006

Não tô entendendo

Peguei o bonde andando. Perdi muito de tudo o que estava acontecendo no Congresso Nacional nos últimos meses. Fui cuidar da vida e parei de acompanhar a crise política. Errei. Mas, fazer o quê? Chega uma hora que é preciso fazer algumas escolhas e, nisso, acabamos excluindo algumas coisas da nossa vida, para dar lugar a outras. É o mesmo princípio da seleção natural: os mais fortes engolem os mais fracos, o mais urgente se sobrepõe ao que urge menos, o mais importante toma o lugar do que é apenas rotineiro e assim por diante.

Mas estes últimos dias acabei acompanhando, ainda que de longe, a votação dos processos de cassação dos deputados Roberto Brant e Professor Luizinho. Vi ainda a repercussão do resultado dessas votações no Plenário da Câmara e a indignação dos membros do Conselho de Ética, revoltados com a posição do Plenário, contrária ao parecer aprovado pelos conselheiros. Ameaçam até uma renúncia coletiva. Olha o desespero!

Não estou me referindo ao mérito dessa discussão, se os deputados deveriam ser cassados ou não. Essa é uma outra questão. Mas estou desconfiada que perdi alguma coisa. Por que o espanto do Conselho de Ética? O Plenário da Câmara dos Deputados, assim como de qualquer outra casa legislativa, é soberano na decisão sobre qualquer matéria que for apreciada no Parlamento. Cada um dos quinhentos e tantos deputados que ocupam uma cadeira na Câmara tem poderes iguais. Essa é a regra do jogo. O voto de cada um deles tem o mesmo peso.

Por que o Conselho de Ética quer se atribuir um poder decisório acima da instância soberana do Parlamento? Amanhã, se a Comissão de Constituição e Justiça emitir um parecer sobre determinado projeto e for contrariada no Plenário, poderá, da mesma forma, questionar a posição do Parlamento? Poderá avocar para si o poder pleno de decisão? E o voto dos outros quinhentos e tantos que compõem o Plenário da Câmara? Nada? Zero?

Aí reclamam. Houve um acordão! Houve um acordinho! Bom, isso é outra história. Mas, só para lembrar, na votação de qualquer projeto no Parlamento temos, da mesma forma, uma acordão ou um acordinho. Essa é a dinâmica do processo decisório democrático e político. Quem concorda ou discorda, vai buscar apoio junto ao Plenário para defender a sua posição e, nesse embate, existe um jogo de soma zero, onde uns apoiam outros para amanhã ter o apoio de uns a projeto que é de seu interesse. Claro, cada um tomará sua posição no tabuleiro de acordo com seus princípios, com os ideais de seu partido e por aí vai. Estou falando de acordos políticos, não de mensalão, né? Mas são acordãos, acordinhos, acordos ou que outro nome queiram dar.

Concordo também que esse jogo seria mais legítimo se o voto fosse aberto. Não apenas nessa, mas em todas as votações no Parlamento. A sociedade, que está ali representada, tem o direito de conhecer o voto de cada um dos parlamentares sobre qualquer matéria. Fico desconfiada que isso deve estar garantido até no Código de Defesa do Consumidor. E, nesse caso específico, da votação de processos de cassação de deputados, acho que o Código garante até o direito de recall. O mandato de cada deputado pertence à sociedade e, nesse caso, não é nem o Plenário e nem o Conselho de Ética quem deveria estar votando, mas os próprios eleitores.

Então, que me desculpe o Conselho de Ética. Se não gostaram da decisão do Plenário, façam como todos nós faremos, escolham melhor seus representantes nas eleições de outubro. E, antes disso, tratem de apresentar um projeto instituindo o recall urgente. Tratem ainda de fazer um bom acordo no Plenário para garantir a aprovação da emenda que institui o voto aberto, não só para os processo de cassação de deputados, mas para toda e qualquer matéria.

Um voto aberto para vocês: bons sonhos e um alegre despertar!

terça-feira, março 07, 2006

A fúria do sol

Trilha alternativa: Pais e filhos ou Strani Amore, com Renato Russo, pelo menos uma vez.

Hoje fui engarrafada no trânsito. Levei duas horas para percorrer um trajeto que, normalmente, não gasto mais do que 30 minutos. Em outras épocas, teria cozinhado a raiva na primeira hora e, na segunda, despejado a minha ira em cima do primeiro carro que empacasse o meu caminho. Mas a idade tem suas vantagens. Aprendi a ter calma. Fechei os vidros, liguei o som e deixei rolar Renato Russo, Madeleine, Velvet Underground e Renato Russo e Madeleine e Velvet de novo e tudo outra vez.

Às vezes não andava e muitas vezes ficava parada. Mas não me desesperei. Estou me guardando para quando tiver um bom motivo. Tem gente que perde a cabeça por nada. Olha o Ronaldinho, que coisa feia, brigando no vestiário. Olha o Alckmin. Já virou até paraibano! Está se descabelando por nada. Nesse vai não vai do PSDB, ele já ganhou dois meses de mídia gratuita, ficou conhecido no Brasil inteiro, saiu do anonimato do Morumbi, com direito até a destaque em escola de samba em Sun Paulo e a se empanturrar de chuchu com camarão no sambódromo do Rio. Desesperar pra que? Olha o Guga, nem parece brasileiro. Já desistiu. Olha o bush, o que anda fazendo. Olha Efraim Morais, o que fez. Mais 60 dias de palanque, hem?

Só respeito o desespero daquelas 120 famílias do povoado de Tabocal, em Santo Antônio de Jesus, um lugarejo perto de Salvador. Acordaram em pânico na última madrugada, com o fogo e a fumaça rondando suas almas e devorando todo o mato que topavam pela frente. Nisso, sou como os gauleses, meu maior medo é que o céu caia sobre nossas cabeças. E isso não está mais fora de cogitação. Se não o céu, o meteorito de Tabocal. Se não o céu, todo o lixo que produzimos desde a primeira jornada nas estrelas.

Pelo menos é o que estou entendendo do nada que entendo dessa matéria. Mas vi uma notícia hoje cedo que me deixou muito mais ou menos preocupada e me fez conter o desespero no início da noite, quando me engarrafaram no trânsito. Não tem nada a ver com o aquecimento global. Aliás, corremos o risco de nem ter a oportunidade de assistir o final desse grande espetáculo da natureza. Nem com Lula, coitado, que acho nem sabe o que se passa. Está ocupado agora em assumir a sua porção sapo das histórias da carochinha, passeando com a realeza pelos corredores do Castelo de Buckingham. Só não sei quem vai ser o voluntário que terá de beijá-lo para transformá-lo em príncipe.

Bom, mas o que Lula não está sabendo é que, a partir do ano que vem, no mais tardar em 2008, inicia-se mais um ciclo de atividade solar, com duração de 11 anos! Nesse período, o clima solar fica instável, sujeito a chuvas e trovoadas. Mas as tempestades solares não despejarão duchas de água fria na cabeça de ninguém. Vão é provocar grandes explosões nas áreas próximas às manchas solares, equivalentes a um milhão de bombas atômicas de 100 megatons. As colossais labaredas e erupções que se originarem desse fenômeno mandarão à Terra grandes ondas de energia, capazes de provocar apagões por todo o planeta, bloquear comunicações por rádio e satélites de suas órbitas, entre outras avarias.

Segundo os pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, em Boulder, no Colorado, as tempestades solares serão de 30% a 50% mais freqüentes nos próximos anos e mais intensas também que aquelas registradas nos outros 23 ciclos já estudados. Vocês estão percebendo o que isso pode significar? Alguns dias sem luz, sem telefone celular, sem internet, sem televisão, sem banho de água quente, sem semáforos para ordenar o trânsito caótico das grandes cidades, sem rádio, sem aparelhos de tomografia, raio-x e outras parafernálias da medicina moderna, sem liquidificador, batedeira, microondas, X-box, cafeteiras, cinema, sonzão, faca elétrica e tudo mais que nos compõe hoje em dia, como diria meu pai.

As tempestades solares afetam também a navegação aérea e marítima, colocando em risco as viagens de avião e navio. O pesquisador Helmut Zyprian comprovou que na ocasião do lançamento da nave espacial Columbia, acidentada em 8 de fevereiro de 2003, havia um fluxo intenso de partículas solares, que provavelmente provocaram a queda da nave. Jahanna König, também estudiosa dos efeitos solares, já documentou a relação da queda de aviões com tempestades solares. Enfim, a partir do ano que vem, devemos estar atentos a tudo que vem dos céus. Não só as bênçãos do Poderoso poderão descer sobre nossas cabeças. E é isso que temo, por isso estou me guardando para não me desesperar na hora errada.

Mas isso ainda não é tudo. Segundo os pesquisadores, o aquecimento global, agora sim, poderá ser acelerado nos próximos anos não pela queima de combustível fóssil, mas exatamente pela maior atividade solar. Eles observaram que, paralelamente a esse fenômeno, ocorre um aumento de dióxido de carbono na atmosfera terrestre e isso pode não ser uma simples coincidência. Eugene Parker, do laboratório de Astrofísica e Pesquisa Espacial da Universidade de Chicago, explicou que as tempestades solares aumentam a temperatura da terra, esquentando os oceanos. Aquecidos, eles absorvem menos dióxido de carbono da atmosfera, fazendo com que o ar do planeta acumule mais gases do chamado efeito estufa. Sobrou pra nós outra vez. E dá-lhe bush.

Que o céu não nos caia. E nem o sol.

Durmam e sonhem com estrelas menores

sexta-feira, março 03, 2006

Tá dominado

Carnaval tem de servir para alguma coisa, né? Pra quem gosta serve pra uma coisa só: aproveitaaarrrr !!! Pra quem não curte, serve pra um monte de coisas. Entre tantas, escolhi ir ao cinema. Além das histórias, da pipoca e da coca, teve também fartura de jujuba. Mas não ficamos só nisso, né? Aproveitamos a folia pra aprender a mexer com esse tal de podcast. Hehehehe, agora tá tudo dominado. Só a falta de tempo poderá nos deter. O pior é que é o que provavelmente vai acontecer. Mas, não tem importância. Aprendemos o caminho das pedras.

O Dani já pôs um programa no ar. Uma seqüência musical. Não faz a minha cabeça. Mas, no gênero, podem ter certeza, ele até que teve bom gosto. A última música é até legalzinha. Gravamos também uma trilha poética, mas ainda não está no ar. Quem sabe amanhã. O site que está abrigando o PodeSer também ainda não está muito bento não. Tem hora que cai, tem hora que não entra, mas funciona. Quem quiser arriscar, o endereço é o seguinte:

http://www.podeser.vocepod.com (o link está no título deste post. Aí vai direto na página, se o site não estiver dando tilte, né?)


Bom, agora eu vou, que tenho mais o que fazer.

Até de repente

quarta-feira, março 01, 2006

Dei sorte!

Trilha alternativa: Madeleine Peyroux cantando Walkin’after midnight (Gracias, outra vez!)

Abusei da pipoca com coca-cola neste feriado prolongado. Mas não tem importância.Vi mais quatro dos filmes que estão cotados para alguma coisa na festa do Oscar. Gostei principalmente de todos. Não sei se perdi meu senso crítico, se estava com sede de histórias ou se os filmes são bons mesmos. Se não são, enganam bem.

Mas vou admitir. Fiquei mais surpreendida e até mesmo feliz foi com o filme de Woody Allen. O único que vi que não está na lista dos candidatos à estatueta. Já tinha me dado por satisfeita com a obra dele. O último filme de Allen que vi, sinceramente, não me deixou animada a ir até o final. Foi em DVD. Tem isso também, né? É muito fácil sair da sala quando assistimos filmes em casa. Tudo é motivo. Tomar um copo d’água, assar um pãozinho de queijo, atender o telefone, procurar alguma coisa que ninguém sabe onde pôs, atender o interfone e assim vai até que, pronto!, você desiste.

E eu desisti. Mas acho que o filme era bem médio mesmo, porque nem me lembro do nome dele, menos ainda da história. Sei que não foi Melinda e Melinda, que também vi em DVD, mas foi antes desse último que quase assisti e me esqueci. Só me lembro que, naquele dia, pensei: Woody Allen está morto! Já fez tudo o que tinha que fazer. Parabéns e tiau. Bom descanso! Tá liberado.

Mas aí, olha que sorte, ele volta com Match Point. O filme tem tudo do melhor de Woody Allen e mais alguma coisa. Não sei se pra todo mundo, pois ainda não li a crítica. Estou ficando atrevida mesmo (rsrsrs). Estou me permitindo achar coisas que só eu mesma acho, sem maiores referências, a não ser os links que eu mesmo aciono, a partir daquilo que me toca.

E o que me toca neste momento são as coisas que acontecem por acaso. Não falo da sorte que às vezes nos surpreende no meio do caminho e alteram o rumo de nossas histórias. Às vezes nos pega ainda antes disso e até determina a direção da nossa jornada. Me lembro um dia que estava com o Rafa, andando pela cidade, quando ele viu uma família de moradores de rua. Ele ficou olhando os meninos brincando com um carrinho quebrado. Ficou rindo do jeito como os meninos brincavam e faziam barulhos, imitando o ronco de motores e, também, do jeito como riam. O Rafa não olhou com pena para os meninos, só olhou. Divertidamente. Mas, depois que saímos de perto, ele me falou: que sorte, hem mãe? Como assim? Ué, eu ter nascido numa família como a nossa, que não precisa morar na rua. É, isso é sorte também e acontece antes do jogo começar. Aí a sorte pode ser destino. E destino a gente muda. Ou não. Bom, mas isso é outra discussão.

Então. Não é isso o que me toca agora. O que me toca é o acaso. São aquelas coisas que nos acontecem e que não sabemos se foi intervenção do nosso anjo da guarda ou do demo que nos espreita vida afora. Se foi porque os astros estão conspirando a favor ou contra ou se foi por uma força estranha qualquer. E outro dia, por acaso, no domingo antes de sair para ver o filme de Allen, vi uma crônica de Affonso Romano de Sant’Anna sobre a importância do acaso. Ele advertia que o acaso só produz resultados para aqueles que estão distraidamente atentos ao que pode vir acontecer. Aquela atenção de pescador, que joga a linha no rio, abre a latinha de cerveja, recosta, fecha os olhos e, de repente, o peixe fisga e ele pesca o distraído por acaso. Mas isso acontece porque o pescador fica só levemente desatento.

Acho que tem isso mesmo. Tem coisas que acontecem desse jeito. Mas tem outro tipo de acaso que age não porque estamos distraidamente antenados, mas porque temos uma ausência plena de causas. Nos deixamos ficar. Nos deixamos tocar. Nos deixamos levar. E tudo que acontece vem por acaso. Não esperamos nada nem desejamos qualquer coisa. Só deixamos o que vem acontecer. Se nos traz bons momentos, foi sorte. Se nos traz maus bocados, foi azar. E assim lá vamos sem nenhuma direção. Acho que o personagem de Woody Allen caminha mais por aí. É claro que Chris é um jogador. Deixa seu destino entregue à sorte que lhe cabe. Mas é o acaso que constrói a sua história. Por acaso, as coisas acontecem. Não que ele as procure, que ele persiga algum objetivo. Para ele, tanto faz. Tudo pode ser. E estamos conversados.

E quando tem de justificar a única intervenção que faz no texto da sua história, o máximo que ele consegue dizer, é que já havia se acostumado com a vida que levava e que ainda não estava preparado para atuar por conta própria. Quer dizer, continuou apostando na sorte ou esperando que o acaso desse o seu jeito. Mas Chris não diz de jeito nenhum que desejava tudo que tinha. E foi ainda inspirado pelo acaso que ele resolve o único problema que surge na sua vida e, por acaso, é bem sucedido nessa empreitada. Por acaso ou por sorte.

Chris é um adepto radical do destino e dos seus acasos. Não acho que as pessoas sejam assim o tempo todo. Mas, às vezes, em alguns momentos, somos assim mesmo. Nos deixamos ficar. Nos deixamos levar. E as coisas acontecem, ganham significado e mudam o rumo da nossa história até que, de repente, retomamos a rédea do destino. Ou pensamos que tomamos. Para o bem ou para o mal.

Por exemplo. O jeito como estamos cuidando do nosso futuro, no agora mesmo. Estamos deixando tudo por conta do acaso. Não sou contra. Mas, sé é pra ser assim, né bush?, é bom ficarmos bem otimistas, como aconselha um médico que falou agora-agora na CBN. É bom apostarmos na sorte, como fez o Chris. E melhor ainda, praticarmos o acaso de Affonso Romano, nos mantendo distraidamente atentos, para sabermos aproveitar as boas oportunidades. Aí corremos o risco de acertar. Se nos deixarmos só levar, acho que temos chance de nos estreparmos. Então. Alea jacta est!

E que o acaso nos proteja, enquanto andamos distraídos por aí.

Inté