sábado, março 18, 2006

Desculpa, senhora

Fui tentar cancelar a assinatura do celular do Rafa. Não riam. Estou à beira de um ataque de nervos e não respondo mais pelos meus atos. Todo mundo sabe que falar com qualquer uma dessas empresas de telefonia é uma experiência insana. E eu me incluo nesse todo, por isso, desde o final do ano passado, quando iniciei esse projeto, denominado Operação Graham Bell, reservo aqueles dias em que estou com o maior bom humor para essa tarefa. Uns minutos antes, faço ainda meditação, respiro fundo e concentro meu pensamento nas boas lembranças, para trazer bons fluídos.

Só aí, me arrisco a pegar o telefone e me lançar nessa empreitada. A primeira tentativa, em novembro do ano passado, foi em vão. Quase desafiei a atendente para um duelo face a face. Depois de percorrer toda aquela ladainha – disque 1 se você quiser não sei o quê; disque 2 se quiser outra coisa; 3 se quiser também não me lembro o quê e assim por diante - depois disso tudo, atende lá uma mocinha e começa: diga o seu nome, endereço, CPF, título de eleitor, candidato em que votou nas últimas eleições, qual a sua cor predileta e vai e vai e vai, até me perguntar: data de nascimento? Data de nascimento! Essa é boa. Agora me estrepei! Como é que é mesmo? Me confundi, pomba, não posso? Faz tanto tempo, tinha de fazer as contas, não tinha não?

Tava lá concentrada na matemática e a vozinha do outro lado não parava:
- Mas coooomo? A senhora não se lembra da data do seu nascimento? Do seu aniversário?! (O que ela estava querendo insinuar?)
- Não, não me lembro, qual o problema?
- É estranho!
- Por que estranho? Você se lembra da sua?
- Claro, 25 de maio de 1985.
- Hannn, aí fica fácil, né? E a data de aniversário da sua mãe?
- Hem?
- A data de aniversário da sua mãe – repeti pausadamente.
- Fácil também, o aniversário dela é16 de setembro.
- Quero saber a data de nascimento dela. 16 de setembro de quando? Hem?
- Cooomo assim?
- O ano em que ela nasceu, minha filha.
- Ah! Isso eu não sei, mas ela deve saber.
- Não sabe não. Pode estar certa de que ela não sabe mesmo. Depois de um certo tempo, a gente esquece. Isso deixa de ser relevante. Um dia nascemos, e isso basta. É claro que não perdemos a consciência de que envelhecemos. À nossa revelia, mas envelhecemos. Só que não ficamos anunciando isso aos quatro ventos. Concorda? Então, se alguém se atreve a nos lembrar, assim, de repente, nos confundimos mesmo. Normal. E agora me deixa fazer as contas para poder te responder. Fica caladinha, certo?

E voltei pra minha conta. Rapidamente obtive um resultado que considerei até satisfatório e atendi à curiosidade da mocinha. Mas ela não se deu por satisfeita e me perguntou mais um tanto de coisas, só para conferir se eu era eu mesma. Mal sabe ela, o quanto já mudei desde que nasci. Nem eu mesma sei porque continuo pensando que eu sou eu mesma. Mas, enfim, devo estar me saindo bem, porque, pelo menos meus amigos, me conhecem até de longe.

E enquanto eu divagava sobre a essência do meu ser, aquela que me faz ser eu mesma, apesar de já não guardar mais nenhuma semelhança com aquela bebezinha raquítica e manhosa que aparece no álbum de fotos da família, a mocinha finalmente me informou: a senhora não poderá estar fazendo esse cancelamento hoje, porque tem uma conta pendente. E tinha mesmo, a do próprio mês de novembro, que tinha vencido uns dois ou três dias antes. Bom, aí desisti. Fui pagar a conta primeiro.

Na segunda tentativa, me venceram pelo cansaço. O rapaz que atendeu à chamada me ofereceu uma promoção imperdível. Expliquei a ele que não queria promoção nenhuma, queria era cancelar a assinatura, mas foi em vão também. O mocinho tinha um poder de convencimento invejável. Com metade da capacidade dele, conseguiria um desconto supimpa até em caixa de supermercado. No final, concordei com ele e disse que, então, ia pensar na tal oferta e voltaria a ligar outro dia. Fiquei pasma comigo mesma, depois que desliguei o telefone.

A terceira tentativa já foi em 2006. E tanto nela quanto na quarta, me perdi na primeira fase. Troquei o número do código que deveria digitar e cai no ramal errado. E aí, quem disse que eles foram capazes de me reencaminhar para o lugar certo? Falei com um, com dois, com três atendentes e todos me pediam: por favor, aguarde só um momento que vou estar encaminhando a senhora para uma de nossas atendentes. Foi um prazer falar com a senhora. E eu lá, sentadinha na cadeira, esperando, esperando. E nada. Da quarta vez, me lembro muito bem, li até o editorial do Clóvis Rossi, um artigo do Boaventura na página 3, passei os olhos na cobertura política, pulei pro caderno Mundo e ninguém nem tchum. Até que me rendi. Passei o resto do dia mau humorada. Monossilábica.

A quinta vez foi na semana passada. Estava mais de bem com a vida do que de bom humor, mas como essa tarefa já está se tornando uma rotina, nem me preocupei muito. Já faço isso no automático. Peguei o telefone e ouvi a senha: OOiiii! Anotei, numa cadernetinha, o código que tenho de digitar e todos os dados que me pedem, assim, quando escuto a senha já respondo tudo de pronto. Nem dou papo. As contas estavam todas quitadas também, bem na minha frente, para o caso de haver algum questionamento. Já estava até me sentindo vitoriosa. Triunfante!

Doce ilusão. Olha só, fui surpreendida por uma mudança no enredo. Do outro lado, a vozinha falou: a senhora está ciente de que terá de estar pagando uma multa... Nem deixei ela terminar de falar:
- Quêêê? Multa? Que multa, minha filha?
- Desculpa, senhora. Multa por descumprimento de contrato, por estar cancelando a conta antes de doze...
- Olha aqui minha filha, não me venha com essa história de multa não, que hoje eu não tô boa. Vou te explicar pra você entender de uma vez só. Meu filho ganhou esse telefone no seu aniversário de dez anos, nem fui eu que dei. Daqui há três meses ele vai fazer 12. Então, por favor, não me enrola não. E tem mais. Pra seu governo, só que estou tentando cancelar essa conta, já tem mais de um ano. Um ano, doze meses! Sacou? (Exagerei, né? Mas me concedi essa licença poética. Achei que merecia!).
- Desculpa, senhora. É que não estou tendo acesso aos dados, porque tem uma conta pendente.

(Olha a cara de pau! Como não tinha acesso aos dados? Tive de dizer a ela até o número do livro do meu registro de nascimento! E como conta pendente? Estavam todas quitadas, bem na minha frente?)

- Nããão tem conta pendente não, minha filha! Pára com isso! E vamos resolver essa história de uma vez por todas. Está tudo quitado. Estou com todas as contas aqui, bem na minha frente. Pode perguntar o que você quiser.
- Desculpa, senhora. O pagamento foi feito em caixa eletrônico?
- Foi, claro! Queria que eu entrasse na fila também?
- Desculpa, senhora. Qual foi o dia deste pagamento?
- Ontem, minha filha. Ontem paguei tudo que devia a todo mundo. Tô zerada, mas zerei minhas dívidas também. Fiz igual o Brasil com o mercado financeiro internacional, tá bom?
- Desculpa, senhora. Não é isso. Mas é que se a conta foi paga ontem e no caixa eletrônico, esse registro só estará caindo no nosso sistema daqui há quatro dias. Enquanto isso, não há nada que eu possa estar fazendo.

Fiquei muda. Se ela não podia fazer nada, imagina eu! Desliguei o telefone arrasada. Deprimida. Exausta. Completamente derrotada! Jamais poderia imaginar que seria surpreendida desta forma. Me senti uma idiota. Uma ignorante. Como pude desconhecer essa informação, de que seriam necessários quatro dias, quatro dias para um dado sair de um computador e entrar no outro? Ainda tenho muito que aprender nessa vida. Isso, pelo menos é um conforto, né? Na segunda-feira, vou tentar de novo. E quer saber? Se não conseguir, vou simplesmente parar de pagar. Aí, tenho certeza, virão correndo atrás de mim e me ameaçarão de cortar a conta. E eu, prontamente, vou topar.

Um céu azul, um sol e um chicabon. E mais, à tardinha, uma brisa de alto de montanha para todos, neste último domingo de verão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não li linha por linha da sua empreitada junto à companhia telefônica porque eu conheço bem e me dá engulhos. Passei os olhos e fui ao final onde encontrei suas espectativas. Olha, sinto te informar que não é bem assim. Eles não vão cortar sua conta. Vão colocar seu nome no SPC e continuar produzindo contas com juros. Eu cheguei a alimentar a idéia de não ter mais telefone fixo - do celular eu ainda estou escapando - numa dessas situações. O remédio é mesmo muita yôga, meditação... vale até uma novena. Essas companhias são como a máfia: depois que você entra, se quiser sair, corre o risco de perder a vida. Estarei torcendo por você. Avante! A luta continua!

patricia duarte disse...

Não, não, baygon, digo, SPC não! Tudo, tudo, menos isso!