quinta-feira, março 23, 2006

Ingleses, o retorno

Já disse que os ingleses são doidos, não disse? Claro, eles são muito elegantes e simpáticos, o oposto dos americanos, que são uns jecas. Olha o bush, aquele que não vai assinar o Protocolo de Kioto. Agora olhe o Tony Barbie, por exemplo. Faz diferença, não faz? Mas tem isso, os ingleses são doidos mesmo. Fazem coisas que até o demo duvida. Hoje ouvi uma na CBN que fiquei pasma. Mas não duvido, porque os ingleses são loucos de verdade.

Não é à toa que, no ano passado, quem encabeçava a lista dos ganhadores do Prêmio Ig Nobel eram dois ingleses do Reino Unido. Ganharam na categoria Paz pelo trabalho árduo que tiveram, monitorando por um longo período a atividade de neurônios de um gafanhoto, enquanto o danadinho do inseto assistia ao filme Guerra nas Estrelas. O que eles queriam investigar era como um conjunto de neurônios do sistema visual de um inseto responderia a objetos em rota de colisão com ele. Muito relevante! Então. Eles fazem isso. Além de tomar o chá das 5 e falar mal da rainha.

Eu desconfio que esse despreendimento dos ingleses, mandando às favas a lógica utilitarista dos americanos, é mais uma necessidade de afirmação. Acho que tem até um pouco de ressentimento nessa história. E a forma que encontraram para reagir a esse incomodo foi adotando um comportamento bem típico do adolescente, daquele menino ou menina que se sente assim meio que abandonado, rejeitado, sei lá. Do tipo, ah é! pois agora eu quero, eu posso e eu vou fazer. Vocês vão ver! E fazem mesmo, até alguém ver e dar atenção a eles. Então os ingleses vão lá pesquisar o que o gafanhoto acha do Guerra nas Estrelas e dane-se o resto. Dane-se, mas ficam delirando mesmo é quando são reconhecidos e ganham o Ig Nobel da vez.

Até aí, tudo bem. São pesquisas que não ajudam muita coisa, mas também não atrapalham. Eu gosto de acompanhar essa produção até para rir um pouco. Enquanto rio, esqueço que os terremotos glaciais, provocados pelo aquecimento global, estão acelerando o processo de degelo nas regiões polares e aumentando o nível dos oceanos mais rápido do que esperávamos. Que mêda! Será que os ingleses não tem medo de que o mar invada suas praias? No lugar deles, eu teria.

Mas eles não. São loucos. Lembrem-se sempre disso. Só que, agora, eles estão ficando um pouco abusados. Estão parecendo Jamie e Adam, os mythbusters. Caçadores de mitos. Os ingleses estão destruindo todas as nossas lendas mais puras. Vi hoje nos jornais, por exemplo, que uma equipe de cientistas britânicos pôs abaixo o mito mais popular da maioria dos clássicos da literatura mundial, dos grandes filmes de todos os tempos e dos nossos melhores sonhos. Essa equipe, da Universidade de Bath, no sul da Inglaterra, que não tinha nada de melhor pra fazer, desbancou de vez o amor à primeira vista. Pode isso agora?

Segundo os pesquisadores, são necessários, em média, 12 meses (um ano, hem?) para alcançar o verdadeiro amor. Nessa, Romeu e Julieta teriam escapado sãos e salvos da fria em que se meteram, né? Mas, em compensação, jamais teriam virado personagem de história, sobrevivido à revoluções, guerras, hecatombes tecnológicas, paulocoelhos, fashion weeks e tudo mais, e chegado aos nossos dias ainda inspirando novos amores. Seriam ilustres mortais e desconhecidos.

Pois é, né? Mas fico pensando que, nesse mundo de hoje, na pressa em que vivemos, 12 meses é muito. Ninguém tem paciência para esse tempo todo não. Em 12 meses, os meninos e meninas de hoje já se conheceram, já se apaixonaram, como Romeu e Julieta, já pensaram em morar junto, quando não foram de fato, e já brigaram e foram caçar rumo. Doze meses hoje é uma vida. É um tédio infinito. É como Zygmunt Bauman sugere. Vivemos em um mundo líquido, que detesta tudo o que é sólido e durável, tudo que não se ajusta ao uso instantâneo. Por isso os jovens preferem os relacionamentos diluídos, amores líquidos, que descem redondo.

Bauman afirma que a tirania do mercado explica em parte essa característica rarefeita de tudo. Para ele, estamos na era do Homo consumens e o que o caracteriza não é o fato de consumir e acumular muitos bens, mas consumir, usá-los e descartá-los para, logo em seguida, consumir mais, descartar outra vez e assim por diante, abrindo sempre espaço para outros bens e usos. E isso não acaba nunca. Quer dizer, nunca não. Esse jeito predador de ser tem limite, né? Vai chegar uma hora em que o bicho vai pegar. Se essa hora já não chegou ou se o bicho já não pegou.

Mas, olha só, talvez, até por isso mesmo, os ingleses podem estar com a razão. Talvez, seja preciso mesmo mais paciência, mais tolerância, mais tempo. Pra tudo e pra todo mundo, com tudo e com todo mundo. Talvez, os meninos e meninas de hoje começarão a perceber, em algum momento, que essa roda não vai girar indefinidamente. Talvez, eles cresçam. Talvez amadureçam. E talvez descubram que o amor verdadeiro não é passageiro. É inteiro. Talvez se acalmem e talvez se amem. É. Talvez os ingleses tenham razão. Mas que são loucos são.


Um flashsonho e um clipdia para todos vocês, mas com amores verdadeiros

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