domingo, abril 19, 2009

Vamos passear, meu bem

Ainda continuo por aqui, embora muito mais por aí. É a vida. Mal me distraio com algum pensamento e lá vem ela me chamar. Como não sei dizer não, largo o que estou pensando de lado e, cegamente, sigo por onde ela me leva. E assim vou indo. Mas tem dia que a vida me esquece e aí consigo escapar dos afazeres demorando um pouco mais no meio do caminho. Ando mais devagar de propósito; topo os engarrafamentos sem aborrecimento; e ainda estico os trajetos, inventando saídas novas e mais longas.

Foi numa oportunidade dessas que me reencontrei com Adélia Prado. Estava tentando subir a Antônio Aleixo, mas a rua estava entupida de carros. Já ia ligar o rádio, para ajudar a passar o tempo, mas resolvi fazer diferente. Em vez de notícias, preferi ligar o som e seguir com Adélia recitando seus poemas. Fomos passeando pela cidade, cortando a Praça da Liberdade, descendo Cláudio Manoel, virando Pernambuco, Santa Rita Durão e tomando o caminho de volta para casa.

O que gosto em Adélia é do seu jeito caseiro de falar das coisas mais complicadas da vida. Sem nenhum requinte, sem nenhum excesso, ela torna essa nossa experiência cotidiana e banal na coisa mais importante do mundo. Redimensiona nossa rotina e a torna divina e sagrada. Escamar um peixe no meio da noite deixa de ser desaforo e torna-se um ritual de amor. Também gosto do jeito que ela trata as nossas doidices, sem nenhuma cerimônia. Mulher tem disso mesmo, divaga, viaja, desliga sem mais nem menos, estranha as coisas mais comuns do mundo e faz loucuras como se fossem absolutamente naturais. E temos mesmo de ser doidas ou santas, como ela diz, para darmos conta dessa nossa inconstância.

Mas, principalmente, preciso de algumas doses de Adélia Prado, de tempos em tempos, é para recuperar o sentido da vida. Ela é muito boa nisso. Nem falo da sua poesia nem da sua prosa. Falo dela mesma. Da sua sabedoria, da sua generosidade para lidar com a nossa pequenez diante das coisas que realmente valem a pena nesse mundão. Ela nos consola e nos conforta ao se igualar a todas nós, mesmo sendo tão especial. Por isso é muito bom passear com Adélia Prado. Experimentem.
Sobre o significado da arte/vida


Adélia recitando poesias



Duas doses, bem dosadas.

Inté outro dia.