quinta-feira, agosto 21, 2008

Vivendo e aprendendo

Sherazade

Já aprendi muita coisa inútil na vida. Por exemplo, fritar ovos sem quebrar a gema. Sei que assim ficam mais gostosos, mas é inútil. Estender a cama sem deixar pregas no lençol. Fica bonito, mas é indiferente. Desenho geométrico. Gastei boas tardes da minha vida traçando mosaicos coloridos em degradé, para nada. Escrever de trás pra frente. Não tem a menor utilidade, embora seja divertido. Os nomes de todos os ossos do corpo humano. Absolutamente inútil, mesmo porque, já mudaram todos eles. A fórmula quadrática de Sridhara. A não ser para resolver folhas e folhas de papel almaço, com centenas de equações de segundo grau, não me serviu para mais nada. As mitocôndrias: organelas citoplasmáticas, membranosas, cuja principal função é gerar energia através da síntese do trifosfato de adenosina. Inútil. Outros conhecimentos foram tão irrelevantes, que nem me lembro mais deles. Só muito vagamente: compostos orgânicos; complexo de Golgi; cinemática; estática; hidrostática e assim por diante.

Não me arrependo de ter acumulado tanto conhecimento inútil, mas acho razoável quando alguém questiona os conteúdos obrigatórios dos currículos de ensino fundamental e médio das escolas brasileiras ou de qualquer outra parte do mundo. É sempre muito desagradável ter de controlar a nossa curiosidade e deixar escapar milhões de idéias que andam soltas pelo mundo, só para não perder o foco. Ainda hoje dá uma tristeza danada quando tenho de desconversar as histórias compridas que meus meninos inventam de me contar, só para reconduzi-los aos livros que os aguardam em cima da mesa ou às folhas e folhas de deveres que se acumulam dentro da mochila. Por que concordamos todos, em algum momento que não sei exatamente quando foi, que, para ser alguém na vida, temos de aprender exatamente as coisas que aprendemos nas escolas? Por que não outras?

Aprender a cuidar de uma horta, a refogar um arroz, a levantar uma parede, abrir uma janela, a costurar uma roupa, a ser amigo, a namorar, a conversar e outros conhecimentos banais, mas que são fundamentais para nossa sobrevivência? Por que não percorrer novos caminhos, para onde aponta a nossa curiosidade? Aprender um tico de quase nada sobre o universo infinito, sobre física quântica, biogenética, teoria do caos, análise multivariável e outros mistérios da vida? Por que não? Essa deve ter sido a pergunta que os pais de Jonatas e Davi se fizeram, antes de tirar seus dois filhos da escola e oferecer a eles a opção de se formarem em casa.

Os dois meninos, de 14 e 15 anos, moram no município mineiro de Timóteo. Desde 2006, estudam em casa, com o apoio dos pais, Cleber e Bernadeth, e de professores particulares, quando necessário. Aprendem retórica, dialética, gramática, aritmética, geometria, música e duas línguas estrangeiras - inglês e hebraico. É pouco? A Justiça achou que sim. No início deste agosto, os dois meninos tiveram de se submeter a oito provas, elaboradas por 26 professores da rede pública municipal e estadual da pequena Timóteo, para demonstrarem que são bons no que fazem. Foram mais de cem questões, abertas e fechadas, sobre as disciplinas da 5ª, 6ª e 7ª séries do ensino fundamental. Um Enem dirigido. Ainda não sei como Jonatas e Davi se saíram, mas não tenho dúvidas de que deverão ter um bom desempenho, se não nas provas, na vida.

Agora, a nossa Justiça precisava se explicar melhor. Certamente, ela deve ter tido bons argumentos para justificar sua intervenção nesse caso, apesar de se tratarem de crianças que estão plenamente assistidas pela família e apoiadas por uma rede alternativa de educadores, monitorada permanentemente pelos pais. Não sei quais foram, mas devem ter sido bons para mobilizar tanto esforço. E quais deverão ser os argumentos dessa nossa Justiça para se omitir tão vergonhosamente na defesa dos direitos de milhares de brasileirinhos, abandonados na sua santa ignorância? Por que ela não está atrás dos pais desses meninos que estão vagando soltos nas ruas, a léguas e léguas de distância da escola? Por que não está investigando a qualidade do ensino que é repassados a milhões de outros brasileirinhos, que estão regularmente matriculados nas escolas, mas saem de lá sem mal saber ler? Será que é porque esse é um problema maior do que sua capacidade de solucioná-lo? Será que é porque não dá conta mesmo de resolvê-lo e aí melhor fingir não vê-lo? Melhor enfrentar Jonatas e Davi, um problema menor, se é que são mesmo um problema?

São essas perguntinhas bobas que ficam martelando na minha cabeça. Uma hora dessas, perco o foco e mergulho nas histórias de Jonatas e Davi e na dos milhões de brasileirinhos para ver se entendo as razões da nossa Justiça.

Uma semaninha dedicada aos conhecimentos inúteis e irrelevantes, mas saborosos o suficiente para atrair a nossa curiosidade!

Inté



Foto: minha. Obra de Hilal Sami Hilal, exposta no Palácio das Artes. Uma hora conto a história dele.

segunda-feira, agosto 18, 2008

Um incelença entrou no paraíso

Mesmo que estivesse com tempo para parar e pensar um pouquinho, não conseguiria escrever nada mais bonito nem melhor do que esse texto, escrito por meu pai, no último sábado, dia 16, em homenagem a seu amigo Dorival Caymmi. Por isso, nem vou me dar ao trabalho. Mesmo gostando de inventar moda e de caçar palavras para tentar expressar as coisas que passam pela minha cabeça, nesse caso, acho que seria perda de tempo. O texto já está pronto e não gasta reiventar a roda.

Abro aqui uma cessão de espaço para compartilhar com meu pai essa homenagem a Caymmi. Se quiserem, celebrem conosco!

Lembranças de Caymmi

Em 1945 eu trabalhava como auxiliar do Departamento Artístico da Rádio Nacional. Era o meu primeiro emprego, presente do José Mauro a pedido de meu pai em seu leito de morte. Tinha 17 anos e estava deslumbrado com a oportunidade de conhecer e conviver com os maiores astros e estrelas do rádio daquela época. O elenco da Nacional era fantástico: Francisco Alves, "o Rei da Voz"; Orlando Silva, "o cantor das multidões"; Emilinha Borba, "a favorita da Marinha"; Marlene, "a rainha do rádio"; Almirante, "a maior patente do Rádio"; isto sem falar na turma do rádio-teatro:Ismênia dos Santos, Paulo Gracindo, Isis de Oliveira, Rodolfo Mayer, Celso Guimarãese muitos e muitos outros e outras... Mas, faltava um que meu pai admirava muito e eu, por herança, admirava também, não só por herança, mas porque as músicas que ele compunha e cantava eram diferentes das que os cariocas compunham e cantavam. As dele tinham um quê de saudade, de doçura, de balanço de rede. Estou falando de Dorival Caymmi, que era da Rádio Tupi.

Naquela época a Nacional tinha um programa chamado "Um milhão de melodias" que nos corredores era conhecido como o "Coca-Cola". Era uma versão tupiniquim do "HitParade" americano. Seu produtor era o José Mauro, acolitado pelo Paulo Tapajós e pelo Haroldo Barbosa. A regência da orquestra era do Maestro Radamés Gnatalli, também autor dos arranjos. Ia ao ar na quarta-feira, às nove e trinta e cinco da noite e terminava às dez horas, impreterivelmente pois às dez tinha a última edição do dia do famosíssimo "Repórter Esso". Eu tinha uma missão importante naquele programa: cronometrava o tempo dos arranjos durante o ensaio, para evitar que ele ficasse aquém do, ou ultrapassasse, o horário estipulado.

Ter suas músicas apresentadas no "Coca-Cola" era o sonho de compositores e cantores pois valia como um diploma de sucesso.Um dia - era uma sexta-feira - entra na sala do José Mauro ninguém menos do que Dorival Caymmi. Os dois trocaram um abraço, começaram um bate-papo sobre música e o José perguntou:

- Caymmi, você tem alguma música nova?
- Acabei uma hoje de manhã. Ficou bonitinha...
- Canta um pedacinho.
- Sem violão não tem graça - disse Caymmi.
- Isto não é problema, disse o José.

E dirigindo-se a mim, mandou que buscasse um violão na sala do Almirante, que ficava ao lado. O baiano pegou o violão, deu um dedilhado, acertou a afinação, e cantou:

Marina, morena, Marina
Você se pintou
Marina você faça tudo
Mas faça o favor
Não pinte esse rosto
Que eu gosto
Que eu gosto e que é só meu
Marina, você já é bonita
Com o que Deus lhe deu
Já me aborreci,
Me zanguei,
Já não posso falar
E quando eu me zango, Marina
Não sei perdoar
Eu já desculpei tanta coisa
Você não arranjava outro igual
Desculpe, morena, Marina
Mas eu tô de mal

O José ficou entusiasmado: Muito boa! Vamos lançar no Coca-Cola quarta-feira! Roberto, chama o Alexandre Gnatalli (era irmão do Radamés e trabalhava no arquivo musical) para ele transcrever a melodia, e você datilografa a letra. Assim foi feito e, hoje, com muito orgulho, posso inserir no meu currículo este título honroso: "Primeiro datilógrafo de Marina"...

Quando mais tarde fui trabalhar na Tupí, ficamos amigos e guardo com muito carinho o livro "Cancioneiro da Bahia", prefaciado pelo Jorge Amado e ilustrado pelo Clovis Graciano, reunindo letras e comentários do Caymmi, que tem uma dedicatória em que ele diz: "Para o Roberto, com a amizade do Dorival Caymmi. Rio - fev. 1948".

Caymmi, meu caro, peço a Deus que lhe dê uma nuvem, uma rede e um violão, para que à noite você faça uma serenata para as estrelas cantando suas músicas cheias de doçura...

Inté

Foto: pescada na internet

domingo, agosto 10, 2008

Senhora do mundo

Não perdi nem boicotei a abertura dos Jogos Olímpicos de 2008. Adiantei tudo que dava para adiantar e atrasei tudo que sobrou para fazer só para não ficar de fora da festa. Sabia que os chineses não se contentariam apenas em bater o ponto nessa solenidade. A nova senhora do mundo aproveitaria a oportunidade para se apresentar à galera globalizada em rede, ao vivo e a cores. E foi isso que fez. Nos deu uma boa mostra do que será daqui pra frente. Eu fiquei hipnotizada, mas não sozinha. Fomos mais de 4 bilhões de pessoas no mundo inteiro que não descolamos os olhos do televisor.

Então vamos nos acostumando. Se já estamos achando o mundo muito cheio de gente, as ruas entupidas de carro, os bares entornando pelo ladrão, os corredores dos supermercados abarrotados de donas de casas, os pontos de ônibus parecendo saída do Mineirão em dia de clássico, podemos nos preparar, teremos saudades desse tempo. A Era Beijing não terá lugar para petit comité. Ou iremos todos juntos ou não iremos. E todos não é nós, é muitos e muitos e muitos mesmo. Muito mais que 2008 percursionistas juntos ou que milhares de etezinhos reluzentes, piscando no centro do palco.

E tem mais. Não é um todos no meio desse empurra-empurra que estamos acostumados não. Haverá de ter muita disciplina. Os detalhes se tornarão fundamentais. Ou aprenderemos a ter movimentos harmoniosos e sincronizados ou teremos de ensiná-los um pouco da nossa avacalhação para conseguirmos interagir sem descompasso. Mas esse será o menor dos desafios que teremos de enfrentar na Era Beijing. O maior, talvez, será o de superar a superficialidade a que nos acostumamos durante o Império Americano. Teremos de aprender a ir fundo nas coisas, descer às raízes para nos lançarmos para o alto. Afinal, não vamos desperdiçar 5 mil anos de história ou vamos?



Mas enquanto a Era Beijing não se instala, fico pensando nos problemas que teremos pela frente. Ninguém conseguiu responder, por exemplo, a dúvida do coordenador dos Jogos Olímpicos em Pequim. Como a China, com uma população de 1,3 bilhão de pessoas, não consegue arrumar 11 infelizes que saibam jogar um futebol minimamente apresentável? Isso é um problema. O que será mais que eles não dão conta de fazer? Também pensei, como a China, com tantos anos de janela, não conseguiu recuperar a tradição dos primeiros jogos olímpicos, suspendendo todos os conflitos em curso e firmando um período de trégua, durante os jogos, para o congraçamento dos países? Quem me explica esse destempero na Ossétia do Sul?

A única coisa que entendi disso tudo é que o mundo não é tão pequeno assim quanto queriam me fazer imaginar. Os limites do mundo vão muito mais além da consciência que tenho dele. Nunca na minha vida tinha ouvido falar em Ossétia do Sul. Tudo bem, o último Almanaque Abril que comprei foi de 2006, mas podia já ter tido alguma notícia de Ossétia do Sul. E nunca. E isso me incomodou muito. E mais ainda, porque desconheço não apenas Ossétia do Sul, mas muitas outras regiões do mundo. Nunca tinha escutado falar, por exemplo, de Kiribati, Naurú, Lesoto, Eritréia e o escambau. Acho que na Era Beijing, o mundo ficará maior também.

Se pudesse e se quisesse, poderia ficar por aqui digitando milhares e milhares de caracteres, formando centenas e centenas de palavras e frases com todas as idéias que me passaram pela cabeça, enquanto assistia a performance da nova senhora do mundo. Mas vou poupá-los. Vou desfrutar um pouco mais do mundo minimalista, enquanto ele ainda é possível.

Uma semana de trégua para todos e de boas vitórias para o Brasil.

Inté

Fotos: pescadas na internet.

quarta-feira, agosto 06, 2008

Perdi o trem


Acho que estou ficando extemporânea. Essa é uma constatação bastante desagradável mas, ainda assim, prefiro admiti-la a ter de me esforçar para compreender os absurdos que tenho visto. Por exemplo: o McDonald's ser credenciado como restaurante oficial das Olimpíadas pela sétima vez consecutiva! Dá para entender? Desde 2001 que meus meninos, voluntariamente, renunciaram aos mclanche feliz, big mac e outros quarteirões do cardápio fast food da lanchonete símbolo dos EUA. Foi um ato político e eu não tenho nada a ver com isso. O mérito é das professoras da escola onde eles estudavam. De tanto ouvirem falar dos malefícios desse tipo de alimentação, eles acharam por bem renunciar ao McDonald's a ter de abrir mão de hambúrguers, refrigerantes, batatinhas fritas e outras delícias (ops!) da culinária americana.

Para nós, pobres mortais, ainda vá lá. De vez em quando, um hambúrguer com coca-cola até que cai bem. Mas pensem bem: um atleta, um medalha de ouro em ginástica olímpica, um judoca, uma das meninas do vôlei, um halterofilista, qualquer um deles, terminando os treinos e, ainda suando e se arrastando de cansaço, entrando num McDonald's e pedindo um Big Mac, seis embalagens de catchup e mais seis de maionese e um copão de coca. Isso é razoável? Estou absolutamente estupefacta com essa situação. Mas olho para os lados e não vejo ninguém se espantando. Pelo contrário, estão todos felizes por terem agora 1 bilhão de amigos chineses!

E aí está. Se já não consigo assimilar a condição do McDonald's como restaurante oficial das Olímpiadas pela sétima vez consecutiva, tenho ainda mais dificuldade para entender como ele conseguiu manter essa posição em plena China. Não sou desinformada. Claro que sei que hoje existem centenas de McDonald's espalhados por aqueles país; que os chinezinhos, como os brasileirinhos e os francesinhos e todos os inhos adoram comer besteiras. Sei disso. Sei que a China não é mais a China. Mas, por isso mesmo, não consigo entender como os chineses abriram mão de credenciar um China in Box para abrigar um McDonald's. Por que perderam essa oportunidade, de divulgar a sua própria culinára?! Por que? Por que? Não entendo mesmo. Acho que perdi alguma coisa.

Outro exemplo: o anúncio da Lupo, dedicado ao Dia dos Pais. A peça repete o mesmo tema da última campanha: Lupo é tudo. Como assim? Lupo é tudo? Tudo o quê? Bom, mas isso é outra conversa. Vamos admitir que Lupo seja tudo, para resumir a história. Aí a musiquinha do dia dos pais vai listando tudo que um pai é. É forte, é amigo, é legal, é referência é não sei mais lá o quê, é tudo e, a certa altura, vem a pérola: pai é Lupo. Lupo é pai. Pai é Lupo? Lupo é pai? Como assim? Meu pai não é uma meia. Tenho certeza disso. Nem o pai dos meus filhos é uma meia ou qualquer coisa parecida. Também não acho que meia seja pai. Nem meia nem qualquer outro dos produtos Lupo. São todos muito bons, mas não são pai nem aqui nem na China. Ou são?

Viram como estou confusa? E, quando fico confusa, viro um poço de dúvidas. Quem sabe esse anúncio é bom? Quem sabe não é isso mesmo? Lembram da coca-cola? Isso é que é! É o quê? Ninguém sabe, mas esse refrão vingou durante décadas. Estão vendo? A mesma lógica da falta de lógica. Quem sabe a Lupo tem razão? Quem sabe o anúncio é bom? Argh, estou muito confusa. Será que estou ficando muito rabugenta? Será que estou ficando extemporânea? Ai ai.

Uma semana bem divertida para todos, na companhia de um bilhão de amigos chinesinhos, todos de meinhas lupo, andando e pulando pela sala, beliscando hambúrguers e bebericando copões de coca.

Inté.

segunda-feira, agosto 04, 2008

Andar, andei


Aposto que vocês andam pensando que estou em plenas férias, me esbaldando em alguma praia por aí, pulando ondas e fazendo nadica de nada o dia inteirinho. Ou então, embrenhada num canto de Minas, fazendo trilha em algum parque das Gerais e observando nuvens. Ou melhor, passeando pelo planeta, andando de um país pra outro, tropeçando na língua, estranhando temperos e me deslumbrando com as coisas exóticas das culturas alheias. Seria bom se fosse.

Mas acertaram só muito mais ou menos. Tirei mesmo cinco diazinhos de férias na última semana de julho e já foi uma boa temporada. Aproveitei, de fato, para ver o mar e pular ondas. Uma hora o ano novo precisava começar, não é? E me dediquei com afinco ao Nadismo. Não pensei nada de óbvio nem de inédito, nem nada rasteiro nem de inteligente. Até a medida do sal, preferi olhar na receita a ter de usar a minha intuição. E a cidade me ajudou muito. Estava às traças. Tão vazia, que a praia parecia nosso quintal. E o céu também colaborou. Estava azul pleno, sem nem uma nuvem para ser observada. Enfim, nesses míseros cinco diazinhos, acho que toquei a essência do nada.

Mas antes disso, me fartei de palavras, papéis, apostilas, livros, words, excels, googles e essa tranqueira toda que temos de usar para ninguém ter dúvida de que estamos trabalhando com empenho e dedicação. Não tenho certeza se tive idéias criativas nessa temporada escrava, mas pelo menos consegui organizá-las em frases compreensíveis e textos razoavelmente lógicos. Se vão acrescentar alguma novidade é outra história, mas, enfim, terminei o que comecei. Só devo o trabalho final. Eu e todo mundo. Mas, para isso teremos tempo. Acho que já posso cantar vitória.

E enquanto estive prisioneira no mundo das idéias, perdi completamente o contato com o mundo da vida. Mal ouvia falar dos milhares de acontecimentos que rolavam enquanto me debruçava sobre um monte de letras. Não lia nem manchete de jornais, quanto mais notícias e artigos assinados. Nem as imagens me interessavam. Se mal ouvia ou lia, menos ainda via. Perdi o fio da meada de tudo. Nem me lembro mais de bush, Obama, Hillary. Não dou notícia de Lula nem da sua turma. Perdi de vista os quase 400 mil candidatos a alguma coisa nas eleições de outubro. Nem sei quem vem por aí. Muito menos quem virá em 2010.

Rodada de Doha. Passo também. G-5, G-8, G-12, G-20, perdi a conta. No caixa do supermercado, só percebi que a inflação voltou, mas tive notícias, de longe, que já recuou, depois voltou de novo e não sei mais por onde anda. As bolsas subiram, desceram, caíram, despencaram e devem estar rastejando por aí. Ou não. Vai saber. O mundo continua crescendo, crescendo, crescendo. Mas também desacelerando. Pisando no freio, reduzindo a marcha. Talvez este seja o problema. Não sabe para onde ir. E se ele não sabe, muito menos eu.

O que ninguém precisa me contar, porque isso todo mundo sabe, é que toda hora as pessoas continuam morrendo no Iraque. Que a China continua liderando o ranking de qualquer coisa. Que o clima continua mudando. Que o trânsito continuou parado, mesmo enquanto esse bando de estudantes esteve de férias. Que Gérard Derpadieu continua sendo o ator preferencial de 9 entre 10 diretores de filmes franceses. Que o campeonato brasileiro de futebol continua indefinido porque hoje todos os times são igualmente ruins, exceto o Cruzeiro, claro, que é muito bom, mesmo estando numa fase, vamos dizer assim, meio mal. E que depois de um dia, vem sempre outro dia. Até quando, vai saber.

E enquanto nada muda, vou aproveitar para retomar o fio da meada e, quem sabe, voltar a pensar sobre essas coisas todas que ficam zumbindo no meu ouvido o dia inteiro.

Uma temporada mais branda para todos nós.


Inté. Sempre que tiver um tempinho.

Foto: minha. De um dia que não me lembro mais qual.