segunda-feira, agosto 18, 2008

Um incelença entrou no paraíso

Mesmo que estivesse com tempo para parar e pensar um pouquinho, não conseguiria escrever nada mais bonito nem melhor do que esse texto, escrito por meu pai, no último sábado, dia 16, em homenagem a seu amigo Dorival Caymmi. Por isso, nem vou me dar ao trabalho. Mesmo gostando de inventar moda e de caçar palavras para tentar expressar as coisas que passam pela minha cabeça, nesse caso, acho que seria perda de tempo. O texto já está pronto e não gasta reiventar a roda.

Abro aqui uma cessão de espaço para compartilhar com meu pai essa homenagem a Caymmi. Se quiserem, celebrem conosco!

Lembranças de Caymmi

Em 1945 eu trabalhava como auxiliar do Departamento Artístico da Rádio Nacional. Era o meu primeiro emprego, presente do José Mauro a pedido de meu pai em seu leito de morte. Tinha 17 anos e estava deslumbrado com a oportunidade de conhecer e conviver com os maiores astros e estrelas do rádio daquela época. O elenco da Nacional era fantástico: Francisco Alves, "o Rei da Voz"; Orlando Silva, "o cantor das multidões"; Emilinha Borba, "a favorita da Marinha"; Marlene, "a rainha do rádio"; Almirante, "a maior patente do Rádio"; isto sem falar na turma do rádio-teatro:Ismênia dos Santos, Paulo Gracindo, Isis de Oliveira, Rodolfo Mayer, Celso Guimarãese muitos e muitos outros e outras... Mas, faltava um que meu pai admirava muito e eu, por herança, admirava também, não só por herança, mas porque as músicas que ele compunha e cantava eram diferentes das que os cariocas compunham e cantavam. As dele tinham um quê de saudade, de doçura, de balanço de rede. Estou falando de Dorival Caymmi, que era da Rádio Tupi.

Naquela época a Nacional tinha um programa chamado "Um milhão de melodias" que nos corredores era conhecido como o "Coca-Cola". Era uma versão tupiniquim do "HitParade" americano. Seu produtor era o José Mauro, acolitado pelo Paulo Tapajós e pelo Haroldo Barbosa. A regência da orquestra era do Maestro Radamés Gnatalli, também autor dos arranjos. Ia ao ar na quarta-feira, às nove e trinta e cinco da noite e terminava às dez horas, impreterivelmente pois às dez tinha a última edição do dia do famosíssimo "Repórter Esso". Eu tinha uma missão importante naquele programa: cronometrava o tempo dos arranjos durante o ensaio, para evitar que ele ficasse aquém do, ou ultrapassasse, o horário estipulado.

Ter suas músicas apresentadas no "Coca-Cola" era o sonho de compositores e cantores pois valia como um diploma de sucesso.Um dia - era uma sexta-feira - entra na sala do José Mauro ninguém menos do que Dorival Caymmi. Os dois trocaram um abraço, começaram um bate-papo sobre música e o José perguntou:

- Caymmi, você tem alguma música nova?
- Acabei uma hoje de manhã. Ficou bonitinha...
- Canta um pedacinho.
- Sem violão não tem graça - disse Caymmi.
- Isto não é problema, disse o José.

E dirigindo-se a mim, mandou que buscasse um violão na sala do Almirante, que ficava ao lado. O baiano pegou o violão, deu um dedilhado, acertou a afinação, e cantou:

Marina, morena, Marina
Você se pintou
Marina você faça tudo
Mas faça o favor
Não pinte esse rosto
Que eu gosto
Que eu gosto e que é só meu
Marina, você já é bonita
Com o que Deus lhe deu
Já me aborreci,
Me zanguei,
Já não posso falar
E quando eu me zango, Marina
Não sei perdoar
Eu já desculpei tanta coisa
Você não arranjava outro igual
Desculpe, morena, Marina
Mas eu tô de mal

O José ficou entusiasmado: Muito boa! Vamos lançar no Coca-Cola quarta-feira! Roberto, chama o Alexandre Gnatalli (era irmão do Radamés e trabalhava no arquivo musical) para ele transcrever a melodia, e você datilografa a letra. Assim foi feito e, hoje, com muito orgulho, posso inserir no meu currículo este título honroso: "Primeiro datilógrafo de Marina"...

Quando mais tarde fui trabalhar na Tupí, ficamos amigos e guardo com muito carinho o livro "Cancioneiro da Bahia", prefaciado pelo Jorge Amado e ilustrado pelo Clovis Graciano, reunindo letras e comentários do Caymmi, que tem uma dedicatória em que ele diz: "Para o Roberto, com a amizade do Dorival Caymmi. Rio - fev. 1948".

Caymmi, meu caro, peço a Deus que lhe dê uma nuvem, uma rede e um violão, para que à noite você faça uma serenata para as estrelas cantando suas músicas cheias de doçura...

Inté

Foto: pescada na internet

2 comentários:

Clará disse...

Vovo Roberto arrasou, né?

E sim, recebi o email do sitemeter e já instalei! esqueci de agradecer, hihi! mas salvou minha vida!

bjim

Anônimo disse...

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