quinta-feira, abril 27, 2006

Agora é tudo

Meninas, menos. Menos. Já disse que nosso estilo está em desuso, não disse? Mas é mais grave. Caímos na obsolecência absoluta. Nós e mais todo mundo. Li isso na coluna do Merval Pereira, no O Globo do dia 21 de abril. No feriadão. Não estou brincando. Ele esteve em Baku, capital do Azerbaijão, um país que fica na região do Cáucaso, numa esquina entre a Europa e a Ásia. Pois então, Merval Pereira, que já se tornou obsoleto também, foi lá acompanhar um seminário da Academia da Latinidade sobre Cultura da diferença na Eurásia - Passado e presente no diálogo da civilização. Como isso foi parar lá, não me perguntem. Mas foi.

O que entendi, se entendi, é que essa Academia da Latinidade, criada em 1999 e ligada à Universidade Cândido Mendes ou coisa assim, está fazendo uma rodada destes seminários pelo mundo todo. O atual secretário-geral da Academia é o próprio Cândido Mendes, sociólogo e filósofo brasileiro e irmão de Dom Luciano Mendes. E o que pretendem com esses encontros é discutir a questão do multiculturalismo, contrariando o som monocórdio do império do discurso único. Então. Esse é apenas mais um giro da Academia.

Em Baku, entre vários temas e expositores muito famosos, mais ou menos famosos e alguns até muito desconhecidos, pelo menos para nós mortais dessas bandas de cá, a Academia reuniu duas feras do pensamento europeu do momento: o sociólogo Alain Touraine e o filósofo Jean Baudrillard. Quem anunciou a nossa obsolecência foi Baudrillard que, por sinal, me desculpem, também se tornou obsoleto. Tá certo que ele não é uma pessoa lá muito bem humorada, pelo menos é o que dizem, e nem pensa muito na vida como ela é, mas sim na vida como pensam que ela é. Nos universos construídos, nas realidades virtuais e nas vidas inventadas, com direito a 15 minutos de fama em qualquer mídia, em qualquer parte do mundo e assim por diante.

Então, olha só, Baudrillard não é nada otimista em relação ao nosso futuro. Não tem nada a ver com as promessas catastróficas do poderoso, com o aquecimento global ou com o destempero de bush Jr., que, além de não assinar o Protocolo de Kioto, agora está querendo comprar briga com o Irã. Segundo relato de Merval Pereira, para Baudrillard, é a perfeição e a hegemonia tecnológica que estão promovendo a desqualificação definitiva do homem. Diante da máquina (ops!, olha nós aqui!), estamos perdendo não apenas nossa liberdade, mas a imaginação que temos de nós mesmos. E ele vê, nas decisões tomadas cada vez mais pela lógica dos computadores do que pela decisão humana, um seqüestro da inteligência humana em benefício da inteligência artificial, que marca o ponto em que o homem renuncia definitivamente a seu destino em benefício da instância técnica, cuja superioridade reconhece. Meu pai também fala assim.

Mas Uau! Não era bem sobre isso, mas é claro que também era sobre isso que estávamos pensando outro dia. Olha se não era. Estávamos conversando sobre como é difícil hoje em dia pensar sobre o mundo. Uma coisa tanto pode ser uma quanto outra e seja qual delas for, para cada uma teremos uma argumentação lógica, precisa e racional que a justifica e legitima. É como o Clóvis Rossi disse hoje também na Folha. Ele toma, como exemplo, a situação do Irã. Tanto podemos assumir uma posição em sua defesa, quanto podemos condená-lo. Ou, pior, podemos assumir as duas posições ao mesmo tempo, sem sermos incoerentes. Pelo contrário, às vezes, sendo até mais coerentes. Ruthinha esclareceu, para nosso alívio, pois já estávamos afundando num mar de angústia, que isso é normal. Normal, gente! Faz parte da complexidade mesmo do mundo em que vivemos e é muito bom que seja assim. Não estamos mais limitados a duas opções: o bem e o mal, o bom e o mau, o preto e o branco. O mundo binário, lembra?

Quando temos de fazer nossas escolhas, encontramos é um hipermercado de idéias, de visões de mundo, tantas quantas cabem na diversidade desse nosso mundão. Mas, para Ruthinha, o que torna nossas escolhas mais difíceis não é essa diversidade. Sofremos é porque insistimos em acreditar que escolhemos com a razão. E isso não é verdade. Fazemos nossas escolhas é com o coração. Mas é claro! Como podemos nos esquecer disso toda hora, hem?

Pois é. Aqui e agora, tudo está me parecendo bem simples. Terminamos essa nossa conversa bem mais otimistas. E olha só, mesmo que não seja bem por aí, que o mundo seja um pouco mais perverso do que supõe a nossa vã imaginação, e que Baudrillard seja mais viável do que Ruthinha, ainda assim, não vou me aborrecer, nem me preocupar, sabia? Vou transferir o problema para os meninos da área de Desenvolvimento & Sistemas. Eles são novos, entendem bem do negócio, dominam a tecnologia e encontram solução pra tudo. Às vezes fazem gambiarras, mas funcionam. Se funcionam, tá bom, né?

Vou deixar tudo na mão desses meninos, desligar o computador, o celular, o palm, o i-pod, o teclado programável e todos os eletrônicos domésticos e fugir pra praia. Se estamos obsoletas, prefiro morrer na praia, né não? E esses meninos que se preparem para o duelo final. Um Mac de um lado e um nerd do outro. Se precisarem, poderemos fazer torcida. Se muito. Ou então, que chamem Neo e seus amigos.

Quero só olhar pra ver tudo.

Estou brincando. Eu puxo a torcida.

Hasta la vista e um belo dia para todos.

quinta-feira, abril 20, 2006

Onde mora o perigo?

Voltei do feriado com 24 horas de atraso. Quando vi que não ia ter jeito, perdi a pressa. E tô errada? Olha só. O Lula já disse: o Brasil não tem pressa de crescer. Li ou ouvi, não sei onde, que a economia anda morna. O Alkmim falou que vai pianinho nessas eleições. O PFL não vai correr pra indicar o vice. O PMDB só vai indo, explica pra confundir e não sai do lugar. A Justiça vai devagar há muito tempo e continua na mesma marcha. Trinta e tantos anos depois, inocentou Maluf, no episódio dos fusquinhas! Vou eu me descabelar? Ronaldo, o fenômeno, tá devagarinho desisitindo de correr atrás da bola. Rubinho, bom, esse a gente já sabe, né? E até a França, mesmo afundada em dificuldades, não quer sair destrambelhada por aí, só pra trocar de problema. Então. Não estou sozinha, estou?

De princípio, pensei que era preguiça. Isso pega mesmo. Quatro dias sem fazer nada, só vagando pela vida, são mais do que suficientes para criar um novo hábito. Mas não é preguiça. Não é rescaldo do feriado. O que aconteceu foi que, de repente, olhei e vi. Não adianta apressar o passo. Toda história tem seu ritmo. Tem um desenrolar que não desembaralha, se puxarmos o fio de uma vez só. Temos de, pacientemente, ir buscando um caminho no meio do novelo e no final tudo dá certo. Não é que acabe bem, mas dá certo. Quem tem de se encontrar, se encontra. Quem não tem, segue seu caminho e assim vai. Até que, numa determinada hora, esse desenredar torna-se suficiente para virar uma história. A história que estava sendo contada.

Vinha convicta, nesses últimos tempos, de que a história que estavam nos contando ia dar certo e acabar bem. Era uma história com tantos fios e tão embaralhados que parecia impossível se desenrolar. Mas puxaram um fio de cá, outro de lá, juntaram um com o outro e um novelo foi se formando com jeito de história. Pensei, tá pronta. Tá na hora de acabar. Daqui a pouco, vamos abrir uma folha em branco e começar um nova história. E tudo vai acabar bem. Foi uma crise formidável. Serviu para mostrar tudo que precisava ser visto. Aprendemos a lição. Agora vamos iniciar um história em linha reta, sem perpendiculares ou paralelas. Só uma linha de ponto a ponto. Clara e precisa.

Pensei isso, com a minha santa ignorância. Mas o desfecho que está surgindo para essa história não está batendo com o enredo que deram a ela. Parece que faltam capítulos nessa história. Ou puxaram o fio de uma vez só. Ou andamos mais depressa que deveríamos e saímos fora do ritmo. O fato é que estava convicta de que tudo ia acabar bem. Não estava nem preocupada. Mas agora preocupei. Olha se não é para preocupar. Collor está com mais de 60% de aprovação no seu Estado e deve voltar a Brasília brevemente. Lula continua com sua popularidade inabalada. A oposição, faminta, em vez de apresentar-se para o que veio e, com isso, conquistar seus votos, prefere garantir a derrota de seu adversário mor antes da disputa. Cada dia surge um fio novo, mais embaralhado que aqueles que já foram puxados, mas todos querendo chegar ao Palácio da Alvorada. Foi aí que perdi a pressa.

Foi aí que olhei e vi. Essa história ainda não está acabada. Faltam muitos capítulos nessa história. De um lado e de outro. Ninguém sabe, até hoje, o início dessa história. Porque resolveram jogar as cartas na mesa. Ficou sem começo e ainda não tem um fim. Alguém brigou com alguém, mas a troco de quê? Foi vingança? Foi traição? Maldição? De quem? Contra quem? Onde foi que o PT entrou nesse barco que agora afundou? Foi em Santo André? Foi em Ribeirão Preto? Foi antes? Foi durante? E onde Lula entra nessa história? Ele está em outro núcleo? Sempre esteve? Mudou agora? Se caixa 2 é crime, e é, porque os Tribunais Regionais Eleitorais nunca correram atrás e puniram quem tinha de ser punido desde sempre? Porque os TREs sempre fizeram vista grossa? Porque a oposição faz vista grossa, quando lhe interessa? O que interessa a oposição? Porque está mais preocupada em derrubar Lula, do que disputar uma eleição? Por que os alagoanos continuam votando em Collor? Por que o povo continua querendo Lula? Por que a síndrome conspiratória continua rendendo histórias? Quem tem medo das urnas? Quem teme as ruas? Qual perigo nos espreita? Onde mora esse perigo?

É nisso que estou pensando. Devagar e sem pressa. Vou aproveitar o feriado para manter o pé fora do acelerador por mais uns dias. Acho que vai ser bom.

Experimentem.

Tenham bons sonhos, em slowmotion, e um feriado preguiçoso pela frente!

terça-feira, abril 11, 2006

Quando crescer, não quero ser igual a ela

Hoje tomei coragem. Abri a janela e fui olhar a China. Olho no olho. Agora, com a licença de bush júnior, aquele mesmo, vou fazer um desabafo preventivo. Vou dar só uma paradinha, já que a CBF liberou geral, e depois chuto pro gol. Uns dias pra trás, ouvi na CBN a série de matérias do jornalista Carlos Alberto Sardenberg sobre o espantoso crescimento da China. Ouvi caladinha, e cheguei a conclusão de que, quando crescer, não quero ser igual a ela. Acho a China linda, faço Taichi duas vezes por semana e Chi kung todos os dias. Também gosto de carne de vaca desfiada com molho de ostra e tenho uma imagem de Buda em algum canto da casa. Mas, quando crescer, não quero ser igual à China.

Me acompanha. A China, todo mundo sabe, tem mania de grandeza. É a nação mais populosa do planeta, o terceiro maior país do mundo e a maior consumidora de alimentos e produtos da face da Terra. Os chineses, li isso em algum lugar, comem 51% da carne de porco produzida no mundo, pilotam 40% das motos que todos os países juntos produzem e possuem 32% dos televisores em funcionamento no mundo. Ah, e tem também a maior quantidade de celulares do planeta. E mais, produzem sapatos numa quantidade que dava para calçar o planeta inteiro, não é? Isso para ficar em poucos números. Exagerada, não é?

Mas é a sua vocação. Nasceu assim. Por isso é grande também nas estatísticas negativas. Não precisava, mas é. A China já é um dos países que mais polui o mundo. Ignorou as experiências passadas e optou por um crescimento selvagem, semelhante aos modelos da primeira fase da revolução industrial inglesa. Desconhece também novos conceitos, como o de desenvolvimento sustentável e preservação ambiental. Saiu com atraso e com pressa, deu nisso. A China paga ainda um dos mais baixos salários do mundo, aliados a precárias condições de trabalho. Não sou eu que acho, também ouvi os números na CBN, só que esqueci. Mas isso, evidentemente, dá a ela vantagens comparativas em qualquer um dos segmentos de manufaturados. Tudo o que ela produz é mais barato. Para competir com a China, o mundo inteiro está sendo forçado a abrir mão dos avanços nas relações de trabalho e a retroagir à informalidade. Vide França.

A China tem também uma das piores políticas para infância e adolescência do planeta. Não estou falando das restrições ao nascimento, isso é lá com eles. Falo das crianças que foram autorizadas a entrar na roda e estão submetidas à desassistência social sistemática. Não sei se são as maiores taxas do mundo, mas a China tem índices elevadíssimos de mortalidade infantil e materna; mais, 25% das crianças até 4 anos sofrem de raquitismo, em diversos graus de gravidade. Um quarto do total das crianças. Não é pouca coisa, ou é? E as meninas padecem um pouco mais, principalmente no que diz respeito à educação. Para não falar naquelas que são abandonadas no meio do caminho e precisam ser socorridas por organizações mundiais de assistência à infância.

Não vou me alongar mais, vou só lembrar outros dois pontos que estão relacionados: a questão da liberdade de expressão e dos direitos humanos. Idem, idem, ouvi na CBN e li mais em algum outro lugar. Não estou inventando. A China desconhece peremptoriamente os dois temas. Tá certo que o mundo inteiro não está levando isso muito a sério. Mas se a China quer ser a primeira em tudo, tem que zelar por todos os indicadores, não é não? Eu vou cobrar. Mas quando crescer não quero ser igual a ela.

Olhando, olho no olho, fiquei pensando que a entrada da China no mercado global provocou uma desordem desconcertante na ordem mundial. Está sendo como começar tudo de novo. Fico desconfiada de que estamos naquele momento da paradinha, do suspense. Tudo fica no ar, antes do jogador chutar pro gol. Então. Todas as vocações estão em xeque. Por isso a Europa está patinando igual pinguim nas geleiras, sem saber para onde vai. Só uma coisa é certa. Na nova divisão internacional do trabalho, a China já se decidiu, vai ser a nova produtora mundial de manufaturados. Quem quiser competir com ela vai dar com os burros n'água. Os Estados Unidos, acho, vai investir no setor da construção. Só pode ser, né? Sem assinar o Protocolo de Kioto e com as ofensivas belicosas, estão contribuindo de forma primorosa para a destruição do planeta. Como não podemos dizer que os EUA são burros, deve ser porque já estão pensando, com os olhinhos cheios de cifrão, na reconstrução disso tudo, né?

A Europa, não sei. Deveria ficar ali, produzindo filosofia, literatura de vanguarda, música romântica, vinhos, culinária sofisticada, design e outros intangíveis. Eles são bons nisso. Ásia também não sei, religião, combustíveis, sei lá. África, o mundo vai ter de pensar melhor o que está querendo desse pedacinho do planeta, né? E o Brasil? Fui conversar com o Olivé para ver se ele tinha alguma dica. Na sua visão de especialista, me garantiu que o que vai sobrar pra nós é a produção de grãos e mineração. Talvez, alguns focos de turismo, principalmente na orla e alguma coisa de turismo ecológico nas regiões da Amazônia e Pantanal. Mas pouca.

É ruim, hem? Voltaremos à condição de quintal. Mas se é pra ser assim, tenho uma proposta diferente. Vou chutar pro gol. Se for pra fora, paciência. Fiquei matutando e acho que deveríamos investir é na sombra e água fresca. Não faça nenhum juízo precipitado. Não estou fazendo apologia do ócio, apesar de gostar também de ficar à toa. Mas isso vai dar é um trabalho do cão. Vejamos: implantar uma política de desenvolvimento sustentável para toda a região da Amazônia; programas de preservação e recuperação das matas tropicais; revitalição das bacias hidrográficas, principalmente do São Francisco (tenho de vender meu peixe, né?); controle de qualidade das águas subterrâneas e, por aí afora vai. É brincadeira? É trabalho para gerações. Mas acho que não íamos nos dar mal. Agora, substituir floresta por grãos para alimentar esses marmanjões que estão por aí afora, tenha paciência, né? Nos poupem desse papel.

Sonhos mais doces e um belo dia para todos, com sombra e água fresca.

PS: Ia dizer um céu de brigadeiro também, mas o dia não está pra isso, né? Agora, cá pra nós, acho que o Lula deveria estatizar a Varig. A rainha da Inglaterra faz isso, de tempos em tempos, para salvar as ferrovias inglesas. A Varig é uma marca do Brasil. É um intangível importante para o país. Não deveriam deixar desaparecer assim. É duro construir um símbolo nacional.

terça-feira, abril 04, 2006

Êita nós!

Olha como são as coisas. Mal conseguimos uma carteirinha do restrito clube de chefes de governo e já começaram as retaliações. Não estou reclamando, só constatando. Nem estou tendo uma recaída feminista, pois nunca advoguei essa causa. Quando cheguei, as portas já estavam entreabertas e o que fiz e faço é só tocar o barco. Muitas vezes com dificuldade, outras mais devagar, às vezes com mais esforço, mas tocando. Em frente. Também não é pelo gosto de polemizar. Longe de mim tal prática. Mas deixar passar de liso, não posso, vai que a moda pega!

Pior é que, por aqui, isso já pegou, só não caiu ainda nas generalidades. Então. As universidades americanas estão adotando uma ação afirmativa para homens, reservando um percentual das inscrições nos cursos superiores aos alunos do sexo masculino. Em outras palavras, criaram um sistema de cotas para preservar a vaga de homens nas universidades. Não é lei, mas é como se fosse. É um acordão entre elas. Pronto. Deu pra entender, né? Embora seja difícil de acreditar. Mas tá lá, a Rutinha me mostrou com todas as letras. Vimos no O Globo do dia 2 de abril. Não é mentira.

Jennifer Britz, diretora de seleção do Kennyon College, uma tradicional faculdade americana, admitiu que, como em todas as demais escolas, ela também tem feito vista grossa às exigências de currículo dos candidatos homens que disputam uma vaga no ensino superior. Britz explicou que tem sido mais flexível, para manter uma paridade entre os sexos no campus: 50% homens e 50% mulheres. Ela confirmou que, se os critérios fossem igualmente rigorosos para os dois sexos, a maioria dos campus teria 60% de mulheres, ou mais, porque as candidatas são mais numerosas, mais bem preparadas e com projetos de estudos mais interessantes. Não estou acreditando no que estou escrevendo. Vou escrevendo, lendo, pensando e fico pasma! Pasma!

Não estou com tempo para fazer essa investigação agora, mas será que essa paridade se repete no conjunto da sociedade americana. Lá, a divisão é certinha assim mesmo, meio a meio? Aqui, por exemplo, desde o Censo de 80 que o número de mulheres é superior ao de homens e a diferença só vem crescendo. Como as oportunidades são iguais - elas se diferenciam é em outros quesitos e por outras razões - o número de universitárias também é maior do que o de universitários. Hoje, dos 4,2 milhões de alunos matriculados em curso superior, 2,4 milhões são mulheres e 1,8 milhão são homens. Fazer o quê? Vamos adotar também cotas para homens? Fala sério, né?

E esses números nem são muito importantes não, embora façam a diferença. Mas o que tem feito mulheres ocuparem um espaço cada vez maior nas escolas, em todos os níveis, e também no mercado de trabalho, é outra variável. Como disse a própria Britz, é porque elas são mais preparadas e seus projetos são mais interessantes. É claro que somos todas muito esforçadas. É claro que nossos cérebros são capazes de fazer um número de sinapses muito maior do que outros cérebros, como, por exemplo, os dos homens. Ou seja, é claro que somos mais inteligentes mesmo. Brincadeira! Brincandeira! Nem acredito nisso, só agora, que os números estão demonstrando, é que estou tendendo a crer que somos mesmo muito especiais.

Mas um amigo, mais sensato, e que também não leva a sério essas teorias, tem outro argumento para explicar o sucesso das mulheres nos estudos e no trabalho. Para ele isso é um complô de mães. Ele tem observado que as mulheres são muito mais rigorosas na educação de suas filhas mulheres do que na educação de seus filhos homens. Exigem delas mais disciplina, mais dedicação, persistência, compromisso e tudo isso que torna uma pessoa capaz de conquistar e exercer sua autonomia, mesmo num mundo habitado por maioria de marionetes, como esse em que estamos vivendo. Quanto aos meninos, bom, é melhor que eles fiquem na deles mesmo. Deixa eles fazerem do jeito que eles quiserem, se não vão emburrar e homem emburrado é muito aborrecido. Deixa eles, vamos ver no que vai dar. E como mão na cabeça não educa ninguém, taí o resultado. Mas, para o meu amigo, tudo isso foi de caso pensado, foi esperteza das mulheres para consolidar os espaços que conquistaram. Não concordo não, mas outro dia volto nisso.

Agora, numa coisa os administradores desses centros educacionais americanos têm razão. Eles têm um argumento a favor das cotas que tendo a considerar até imbatível. Para eles, a superpopulação feminina nos campus tornaria a vida nas universidades muito desinteressante, afugentando os alunos e levando as escolas à bancarrota. Não sei exatamente o que eles querem dizer com "desinteressante", mas reconheço que seria um tédio mortal. Já pensaram um campus repleto de legalmente louras? Aquela mulherada falando toda ao mesmo tempo, ou rindo, ou chorando, ou, pasmas de tudo, xingando, execrando, pleiteando todos os direitos que acham são merecedoras! Êita! Seria uma cansaço.

Claro, meninas, um campus repleto de mulheres como nós, sensatas, recatadas, discretas, abertas ao diálogo, já seria bem diferente, né? Mas não somos tantas assim para encher um campus, né? Nosso estilo está em desuso. Além do mais, acho que nenhuma de nós abre mão da agradável convivência com amigos como os que temos hoje, não é verdade? Então, vamos lá, peguem suas bandeiras, faixas, cartazes, megafone e vamos pra rua já! Vamos fazer uma manifestação preventiva: Abaixo o sistema de cotas para homens nas universidades públicas e privadas! Por escolas mistas com vagas proporcionais! E aproveitando: Xô bush, aquele que não assina o Protocolo de Kioto! E mais: Queremos voto aberto em todas as votações! Queremos o recall! Queremos o recall! Ai, ai, cansei!

Um fim de semana ameno para todos, ao som de Cantatas de Bach, sabiás e águas rolando na cachoeira, que ninguém é de ferro!

Inté.

sábado, abril 01, 2006

Yes or no

Motorista de táxi tem as manhas. Invariavelmente, sempre que oriento um deles a entrar à direita, ele vira à esquerda e dá certo. Eu só acerto quando antes simulo fazer uma anotação qualquer, aí fico sabendo, esse é o lado direito. Mas, nem sempre dá tempo e na maioria das vezes aposto é na intuição. Quebro a cara, claro. Uma noite dessas pra trás, ainda gripada e com preguiça de dirigir, deixei o carro em casa e fui de táxi a um compromisso inadiável. Na volta, já quase chegando, orientei o motorista a virar à direita. Era impossível. Ele percebeu logo a minha dificuldade e evitou a contramão, entrando à esquerda. No que ele fez muito bem. Andou mais alguns metros e já estávamos bem em frente à minha casa.

Confesso que, até ontem à noite, essa estupidez direcional me deixava constrangida. Mais que isso, intrigada, porque quando sou eu que estou no volante, domino muito bem todos os sentidos de direção e vou de um ponto a outro da cidade até com certa facilidade. Ontem, no entanto, percebi que essa dificuldade é bem mais comum do que poderia imaginar. Uma amiga me ligou, preocupada, porque não estava conseguindo avaliar se a saída de Palocci do Ministério da Fazenda seria uma oportunidade para Lula dar uma guinada à esquerda ou um risco que o levaria a entrar sem dó à direita.

Queria ter dito a ela que isso não tem muita importância, mas não tive chance. Minha amiga, diferente de mim, pensa falando. Quando me liga, a única coisa que espera é que eu a escute com atenção. E é o que faço. Mas agora, vou dizer: isso não é relevante, pelo menos não do jeito que ela pensa. Primeiro, porque governos, como já ouvi alguém dizer, são de direita. São conservadores. É assim que são e a prática tem nos demonstrado isso. Portanto, não vou ficar aqui discorrendo sobre a série de razões que os levam a agir desta forma.

Depois, porque essa discussão está superada, pelo menos da forma como minha amiga ainda insisti em apresentá-la. Olha só, há pouco tempo, um amigo foi a um sebo, tentar se desfazer de alguns livros que estavam empatando sua estante. Levou uma caixa repleta de clássicos para o Amadeo. O rapazinho que o atendeu foi avaliando, um por um, todos os livros. Depois, olhou para o meu amigo e concluiu: esses aqui, fico com eles. Esses outros, não vai dar não. Meu amigo não entendeu. Como assim? Estão bem conservados!? Aí o rapazinho apontou para o alto de uma estante e argumentou: já tenho cinco coleções do Capital de Marx encalhadas. Não vou pegar mais uma, vou?

Foi preciso muita lábia para convencer o rapaz a ficar com os livros. No final, meu amigo acabou cedendo e topou trocar os cinco volumes de O Capital por uma edição em dois volumes de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos. E ainda ouviu o rapaz resmungar: assim, ao menos, ficamos elas por elas. Coisa de comerciante, claro, mas ilustra bem em que pé essa discussão está hoje.

Por isso não estranhei quando minha amiga, no seu monólogo, citou pasma as críticas do nobilíssimo economista Joseph Stiglitz às políticas adotadas por países emergentes que reproduziram, preto no branco, o receituário do tal Consenso de Washington. Ele veio a Belo Horizonte participar do encontro do BID. Aliás, quase perdi a cobertura deste evento. Tive de migrar pra Band para ter alguma notícia. O sistema Globo ignorou solenemente tudo o que rolou por aqui esses dias. Não entendo a Globo. Será que ela pensa que o Brasil mora na ponte aérea Rio-São Paulo? Vai saber. Só sei que saiu fora dessa rota, a Globo só se interessa pelo que é esdrúxulo ou estapafúrdio. Não vi inteiro, desde o comecinho, mas o Jornal das 10 da Globo News, por exemplo, perdeu esse debate de Stiglitz. Perdeu as notícias do encontro, mas deu, até com imagens (logo estava lá!), o mico dos seguranças que confundiram com uma bomba, a mochila de um dos estagiários que prestava serviço de intérprete no encontro. Muito engraçadinho, viu?

Mas Stiglitz, que não é, vamos dizer assim, nenhum porta-voz de uma esquerda americana, se isso existe, confirmou tudo aquilo que já sabíamos. Os países que adotaram à risca o modelo do Consenso, deram com os burros n’água. A China e a Índia, que buscaram traçar um caminho próprio, estão crescendo loucamente. E não foi só Stiglitz que admitiu isso não. O próprio John Williamson, o arquiteto do Consenso de Washington, e que também esteve em Belo Horizonte, reconheceu que foi um erro querer transpor uma solução única para economias tão diferentes. Foi isso que deixou minha amiga pasma. Esses caras são de direita, conservadores, e estão mais à esquerda do que o Lula! Aliás, foi isso também que Clóvis Rossi concluiu no seu artigo de sábado, na Folha de São Paulo. Mas Williamson, não podemos esquecer, disse também que os países emergentes precisam de governos fortes (sic!). Não sei o que isso quer dizer, mas fiquei preocupada. De verdade. Então, ele está à esquerda e à direita ao mesmo tempo?

Tá vendo? Não tô dizendo que esse negócio de esquerda e de direita é difícil? Mas, pelo menos agora, já fico mais consolada. Não sou eu apenas que faço confusão. Só Ludus mesmo não se aflige com essas questões. Sábio filósofo, ele me explicou, inspirado em Hannah Arendt, que estão hoje à direita todos aqueles que, de uma certa forma, priorizam a liberdade e, à esquerda, os que defendem a igualdade. Aí quem ficou pasma, fui eu. Mas como, liberdade e igualdade não são compatíveis? A Revolução Francesa é propaganda enganosa? E ele, do alto da sua sabedoria: é isso aí. E o nosso desafio não é saber se devemos ir pra direita ou pra esquerda não, é o de encontrar o caminho do meio, o do equilíbrio. Aquele que nos permitirá alcançar a igualdade com liberdade. Disse isso e foi indo embora pra Patos. Vou aguardá-lo de volta para retomar essa conversa. Mas já gostei do que ele disse. Não vai resolver meu problema, mas me ajudará a entender melhor os rumos que estamos tomando.

Sonhos à direita ou à esquerda. Se ficarem na dúvida, façam como o menino do anúncio daquele carro total flex: sigam em frente e tenham um belo dia!