terça-feira, abril 11, 2006

Quando crescer, não quero ser igual a ela

Hoje tomei coragem. Abri a janela e fui olhar a China. Olho no olho. Agora, com a licença de bush júnior, aquele mesmo, vou fazer um desabafo preventivo. Vou dar só uma paradinha, já que a CBF liberou geral, e depois chuto pro gol. Uns dias pra trás, ouvi na CBN a série de matérias do jornalista Carlos Alberto Sardenberg sobre o espantoso crescimento da China. Ouvi caladinha, e cheguei a conclusão de que, quando crescer, não quero ser igual a ela. Acho a China linda, faço Taichi duas vezes por semana e Chi kung todos os dias. Também gosto de carne de vaca desfiada com molho de ostra e tenho uma imagem de Buda em algum canto da casa. Mas, quando crescer, não quero ser igual à China.

Me acompanha. A China, todo mundo sabe, tem mania de grandeza. É a nação mais populosa do planeta, o terceiro maior país do mundo e a maior consumidora de alimentos e produtos da face da Terra. Os chineses, li isso em algum lugar, comem 51% da carne de porco produzida no mundo, pilotam 40% das motos que todos os países juntos produzem e possuem 32% dos televisores em funcionamento no mundo. Ah, e tem também a maior quantidade de celulares do planeta. E mais, produzem sapatos numa quantidade que dava para calçar o planeta inteiro, não é? Isso para ficar em poucos números. Exagerada, não é?

Mas é a sua vocação. Nasceu assim. Por isso é grande também nas estatísticas negativas. Não precisava, mas é. A China já é um dos países que mais polui o mundo. Ignorou as experiências passadas e optou por um crescimento selvagem, semelhante aos modelos da primeira fase da revolução industrial inglesa. Desconhece também novos conceitos, como o de desenvolvimento sustentável e preservação ambiental. Saiu com atraso e com pressa, deu nisso. A China paga ainda um dos mais baixos salários do mundo, aliados a precárias condições de trabalho. Não sou eu que acho, também ouvi os números na CBN, só que esqueci. Mas isso, evidentemente, dá a ela vantagens comparativas em qualquer um dos segmentos de manufaturados. Tudo o que ela produz é mais barato. Para competir com a China, o mundo inteiro está sendo forçado a abrir mão dos avanços nas relações de trabalho e a retroagir à informalidade. Vide França.

A China tem também uma das piores políticas para infância e adolescência do planeta. Não estou falando das restrições ao nascimento, isso é lá com eles. Falo das crianças que foram autorizadas a entrar na roda e estão submetidas à desassistência social sistemática. Não sei se são as maiores taxas do mundo, mas a China tem índices elevadíssimos de mortalidade infantil e materna; mais, 25% das crianças até 4 anos sofrem de raquitismo, em diversos graus de gravidade. Um quarto do total das crianças. Não é pouca coisa, ou é? E as meninas padecem um pouco mais, principalmente no que diz respeito à educação. Para não falar naquelas que são abandonadas no meio do caminho e precisam ser socorridas por organizações mundiais de assistência à infância.

Não vou me alongar mais, vou só lembrar outros dois pontos que estão relacionados: a questão da liberdade de expressão e dos direitos humanos. Idem, idem, ouvi na CBN e li mais em algum outro lugar. Não estou inventando. A China desconhece peremptoriamente os dois temas. Tá certo que o mundo inteiro não está levando isso muito a sério. Mas se a China quer ser a primeira em tudo, tem que zelar por todos os indicadores, não é não? Eu vou cobrar. Mas quando crescer não quero ser igual a ela.

Olhando, olho no olho, fiquei pensando que a entrada da China no mercado global provocou uma desordem desconcertante na ordem mundial. Está sendo como começar tudo de novo. Fico desconfiada de que estamos naquele momento da paradinha, do suspense. Tudo fica no ar, antes do jogador chutar pro gol. Então. Todas as vocações estão em xeque. Por isso a Europa está patinando igual pinguim nas geleiras, sem saber para onde vai. Só uma coisa é certa. Na nova divisão internacional do trabalho, a China já se decidiu, vai ser a nova produtora mundial de manufaturados. Quem quiser competir com ela vai dar com os burros n'água. Os Estados Unidos, acho, vai investir no setor da construção. Só pode ser, né? Sem assinar o Protocolo de Kioto e com as ofensivas belicosas, estão contribuindo de forma primorosa para a destruição do planeta. Como não podemos dizer que os EUA são burros, deve ser porque já estão pensando, com os olhinhos cheios de cifrão, na reconstrução disso tudo, né?

A Europa, não sei. Deveria ficar ali, produzindo filosofia, literatura de vanguarda, música romântica, vinhos, culinária sofisticada, design e outros intangíveis. Eles são bons nisso. Ásia também não sei, religião, combustíveis, sei lá. África, o mundo vai ter de pensar melhor o que está querendo desse pedacinho do planeta, né? E o Brasil? Fui conversar com o Olivé para ver se ele tinha alguma dica. Na sua visão de especialista, me garantiu que o que vai sobrar pra nós é a produção de grãos e mineração. Talvez, alguns focos de turismo, principalmente na orla e alguma coisa de turismo ecológico nas regiões da Amazônia e Pantanal. Mas pouca.

É ruim, hem? Voltaremos à condição de quintal. Mas se é pra ser assim, tenho uma proposta diferente. Vou chutar pro gol. Se for pra fora, paciência. Fiquei matutando e acho que deveríamos investir é na sombra e água fresca. Não faça nenhum juízo precipitado. Não estou fazendo apologia do ócio, apesar de gostar também de ficar à toa. Mas isso vai dar é um trabalho do cão. Vejamos: implantar uma política de desenvolvimento sustentável para toda a região da Amazônia; programas de preservação e recuperação das matas tropicais; revitalição das bacias hidrográficas, principalmente do São Francisco (tenho de vender meu peixe, né?); controle de qualidade das águas subterrâneas e, por aí afora vai. É brincadeira? É trabalho para gerações. Mas acho que não íamos nos dar mal. Agora, substituir floresta por grãos para alimentar esses marmanjões que estão por aí afora, tenha paciência, né? Nos poupem desse papel.

Sonhos mais doces e um belo dia para todos, com sombra e água fresca.

PS: Ia dizer um céu de brigadeiro também, mas o dia não está pra isso, né? Agora, cá pra nós, acho que o Lula deveria estatizar a Varig. A rainha da Inglaterra faz isso, de tempos em tempos, para salvar as ferrovias inglesas. A Varig é uma marca do Brasil. É um intangível importante para o país. Não deveriam deixar desaparecer assim. É duro construir um símbolo nacional.

2 comentários:

Anônimo disse...

Quando eu crescer, Pat, também não quero ser como ela, a China. Até porque eu não quero crescer mais desse jeito que todo mundo acha que é importante crescer (não quero, não devo e nem posso!!!).
Quando crescer quero é ter essa sua lucidez. Escrever desse jeito, mansa e claramente como ninguém. Olhar as coisas daquele ângulo que pode fazer a diferença. E não ficar repetindo o que essa turma que escreve e fala em jornais todos os dias insiste em dizer que é news.
Quando crescer (e aqui tô falando de quando formos da altura dos nossos sonhos) eu quero é ter como jornal número um do país aquele que traga todo dia na primeira folha um texto seu. Sobre qualquer coisa. Com certeza vai ser importante.
Enquanto isso, obrigada pelo soestoupensando... Isso já é tanto nesses tempos de vacas curtas e de idéias magras...
Beijo grande.
Ruthinha

patricia duarte disse...

ÊÊÊÊ Ruthinha! Brigadinha pela visita e pelo seu comentário. Voltei do feriado meio desanimada, não sei se foi o cansaço dos percalços que passamos no retorno do feriado, mas estava com preguiça de tudo, até de ler jornal e procurar de novo o fio da meada. Agora animei de novo (hehehehe). Também, depois de palavras tão carinhosas, quem não fica né? Bjim.