quinta-feira, dezembro 28, 2006

Dia de cão

Trilha alternativa: Pesar do mundo, com Caetano.

Hoje acordei politicamente incorreta. Acho que neste final de ano tive uma overdose de sorrisos e abraços. Agora acordei com vontade de rosnar. Nada como um dia após o outro. Estranhei tudo que, por acidente, estava mais perto de mim. Estranhei a cerca elétrica, as grades, as portas e janelas da minha casa. Quando foi mesmo que tivemos de construir essas muralhas para nos guardar do mundo lá de fora? Nem me lembro mais, mas não importa. Por mim, cimentava o jardim, que está todo florido, rodeava a grade com arame farpado e pregava uma placa: Cuidado! Cachorro bravo! Ainda armava alçapão na varanda para afastar os passarinhos, que me acordam todo dia zoando até eu levantar.

Estranhei os pivetes na rua. Um bando deles, descendo a rua rindo e fazendo palhaçadas. Riem do quê? Nem olhei, para que não se aproximassem, porque se me pedissem qualquer coisa, um copo d´água que fosse, rosnaria para eles também. Cansei de conversa fiada. É sempre o mesmo teatro. Fazem cara de triste, falam choramingando, apelam para nosso espírito cristão e vão indo até partir meu coração. Mas hoje rosno para todos eles.

Estranhei o gerente do supermercado, que veio todo gentil e sorridente anunciar as ofertas do dia. Desviei-me dele como o diabo da cruz. Uma, duas, três vezes. Será que ele não se cansa de fazer esse papel ridículo todas as manhãs? Será que ele não sabe que já desconfiamos da sua matemática compensatória, aumentando o preço de produtos que, inevitavelmente, teremos de levar, só para cobrir os descontos que nos oferecem nas perfumarias? Rosno para ele também, principalmente, se insistir em me perseguir nos corredores do supermercado.

Estranhei um motorista de carro, que vinha bem ao meu lado, e reduziu a marcha de repente só para um pedestre afoito atravessar a rua correndo. Não foi pelo susto que levei nem pelo meu reflexo, que também me fez reduzir a velocidade para o mesmo gaiato passar. Mas estranhei o motorista por ele não ter estranhado o pedestre que deveria ter tido mais paciência e aguardado disciplinadamente a sua vez de passar. Conheço essas manhas, porque também gosto de andar a pé. Sei muito bem que, para enfrentar o poder da máquina, os pedestres se fazem de bobo e se atiram na frente dos carros, certos de que serão salvos pelo bom senso. Às vezes se estrepam, mas só às vezes. Rosnei para os dois e fui embora.

Estranhei as músicas que tocavam no rádio. Uma seqüência de seis, todas iguais. A mesma escala de dó, onde alguém espera outro alguém que não vem ou que já foi. Porque não rosnam também? Aperto uma tecla e mudo para o noticiário. Tudo igual outra vez. Uma guerra, alguém que morreu, alguém que matou, alguém que roubou, um país que cresce, uma país que não cresce. Mudam-se apenas os lugares e os nomes, mas a história é a mesma. Nem rosno mais, porque nessa faixa todos já rosnam uns para os outros. Estou dispensada.

Mas, pensando bem, é melhor não perder o jeito. Rosno para Saddam Hussein, responsável pela morte de 148 xiitas na cidade de Dujail, em 1982. Rosno mais ainda e mais ferozmente para bush, responsável pela morte, em fardas americanas e apenas por enquanto, de mais de 3 mil soldados, em solo iraquiano. Rosno de longe para o Planalto e de perto para Justiça que arquivou a ação penal contra Paulo Maluf. Rosno para o Índice de Capacidades Básicas do Observatório da Cidadania, onde o Brasil ocupa o 82° lugar entre 162 países, apesar de ser a 15ª economia do mundo (ja fomos a 8ª, não fomos?). E por aí afora foi o dia inteiro. Eu, do meu canto, rosnando para o mundo.

Ah!, nada como um dia para rosnar! Ao final dele, estamos desanuviados e novamente em paz. Prontos para um novo ano. Que coisa siô, tá custando a chegar! Mas amanhã ou depois estarei de novo em frente ao mar, andando descalça na areia, pulando as ondas e deixando ir e vir os pensamentos que quiserem brotar. Se der, passarei por aqui. Se não der, não passarei. Mas, com certeza, já não terei mais vontade de rosnar.

Dias de sol, uma sombra generosa, debaixo de uma amendoeira, um vento salgado e uma água gelada para todos nós, porque estamos merecendo.


E hoje, que o anjinho da guarda vele pelos sonhos bons de todos vocês!

domingo, dezembro 24, 2006

Insanidades consentidas

Trilha alternativa: Arnaldo Antunes, de novo! O que você quer

Ufa! Está passando. Mais alguns dias e estaremos do lado de lá, mergulhados em um novo ano. Mas aí, novos dias, de segunda a sexta; novos fins de semana, de feriados emendados e de noites de domingo; mais tardes chuvosas, sessão de cinema e pipoca; mais festas, batizados e casamentos; e, de novo, o fim do ano outra vez e assim por diante. Ainda assim, já que sempre será, só mais alguns dias e escaparemos a salvo da histeria mansa que entranha por nossas veias e nos tira do frágil equilíbrio que mantemos, a duras penas, ao longo de todos os meses, até antes do final do ano chegar.

Nessa temporada, o inflexível andamento do tempo fica em suspenso e flutuamos leves e soltos entre o passado e o futuro, livres da segura âncora do presente. Perdidos na linha de nossas histórias, divagamos entre o que fomos, o que seremos e o que gostaríamos de ter sido e o que desejamos ser. No rumo incerto das lembranças e fantasias, embarcamos na loucura insana de não nos deixarmos ser, nem só por um instante, o que de fato somos. Até que, de repente, o sol amanhece em outro ano, e retomamos o fio que nos conduz por mais 365 dias, subtraídos aqueles nos quais vigora o nosso delírio flutuante da passagem.

Mas neste ano não vou me deixar levar. Vou fincar pé naquilo mesmo que sou. Paciência. Vou seguir à risca as sete orientações de Dunker, descritas no seu Manual de Sobrevivência Psíquica de Fim de Ano. Foi a Rutinha que me emprestou. Valeu! Pra começar, não vou deixar escapar nem um detalhe de nada das festas e encontros de fim de ano. Não vou usar nenhuma estratégia diversionista. Ficarei atenta mesmo naqueles detalhes que me tragam o desprazer de lembranças incômodas. Vou recebê-las como um presente do tempo e revivê-las desprevenida, com a calma e a leveza que acabei por adquirir. Vou tentar, mesmo sendo difícil, transformar as vivências efêmeras das gentilezas sociais em experiências.

Depois, esqueçam, não vou contabilizar os fracassos e sucessos do ano que passou. Já sei que se fizer isso a soma vai dar zero, igual a nada. Esse jogo já não tem mais nenhum significado. Melhor do que isso é ter a certeza de que vivi plenamente todos os momentos, bons e ruins, e deles tirei um naco de tudo que precisava para seguir em frente. Também não vou fazer lista de promessas para o próximo ano. Não quero mais ser prisioneira dos meus desejos. Não vou transformar as minhas aspirações em obrigações compulsórias, como ensinou Dunker. Vou traçar o que vier, mas só caminhar nas trilhas que eu mesma desbravar.

E tem mais, não vou brincar de acreditar na magia dos rituais que se repetem nas festas e encontros de final de ano. Crianças, se cuidem! Não vou fingir que acredito nem permitir que alguém acredite por mim nas verdadeiras e encantadas histórias de Papai Noel. Conheço bem todas elas e por isso me comporto direitinho o ano inteiro, pra não pagar mico na noite de Natal. Também creio com fé na brincadeira do amigo oculto. Se me contarem, não acredito que alguém tenha burlado o sorteio e muito menos que alguém já tenha descoberto quem é o seu amigo oculto ou de quem quer que seja. Esse é um mistério que só se desvenda à meia noite do dia 24 para 25 de dezembro. E sou ainda mais tão crente, que levo a sério até o banho de sete ervas, com pétalas de rosas brancas e vermelhas; a sopa de lentilhas; as doze uvas; a roupa branca; as sete ondas e tudo mais que me contarem. E vou continuar assim.

Outra coisa, podem contar comigo para todas as brincadeiras, mas saibam, de antemão, que estarei à certa distância de mim mesma, em todos os momentos, me observando de banda, para não perder nada. E se não ficar satisfeita com o que estiver vendo, se achar que estou me excedendo, mesmo que só um pouco, mas o suficiente para não mais me reconhecer, não tenham dúvida, vou me recolher. Não tenho receio de estar comigo, já que faço isso o dia inteiro e, para ser sincera, prefiro assim, a ter que desempenhar papéis que não me cabem em histórias que não escolhi, só porque é Natal ou só porque é o último dia do ano.

Por fim, a regra de ouro: vou tentar, de verdade, fazer tudo isso que descrevi, mas se não conseguir, não vou me desesperar. Só não vou levar tão a sério assim as loucuras insanas, mas consentidas, de final do ano. Como recomenda Dunker, vou guardá-las com carinho, que já é o suficiente. E para entrar de bem com 2007, vou imitar os romenos, que imitaram os romanos. Um pouco antes da meia noite, vou apagar as luzes e parar o relógio. Só quando ouvir os foguetes lá fora, é que farei os brindes que, na hora, me vierem à cabeça e deixarei a luz iluminar novamente trazendo de volta a lucidez.

Um sonho mágico para todos, de hoje até o sol amanhecer já no outro ano.

Se der ainda volto.

domingo, dezembro 17, 2006

Modo de Vida

Trilha alternativa: Quase tudo, com Arnaldo Antunes

Os norte-americanos continuam sendo a população mais gorda do planeta. Nada a declarar. Nem precisaria. Mas não saberia dizer se são também a população mais esfomeada do mundo. Agora, com certeza, é a que tem o presidente mais guloso de todos. Ele quer sempre mais e mais todo o resto que sobrar. Isso tem a ver com o seu jeito ambicioso de olhar pro mundo. O que ele não deve saber, no entanto, é aquilo que Maria já sabia há muito tempo e repetia o dia inteiro para os meninos: quem tudo quer tudo perde. Tá demorando, mas uma hora chegamos ao fim.

Agora, a obesidade dos norte-americanos deve ter a ver com uma gula de outra natureza. Ou, então, está mais ligada ao modo de vida que eles andam levando. Por isso devemos observá-los com atenção redobrada para fazer tudo diferente, se possível, o oposto. É claro, não é não meninas? Ou vocês querem passar a vida inteira correndo da balança? Segundo o Resumo Estatístico dos Estados Unidos de 2007, divulgado nesse final de semana, os norte-americanos passaram, no último ano, cerca de oito horas e meia por dia assistindo à televisão, usando computadores, ouvindo rádio, indo ao cinema ou lendo.

Danou-se, hem? Fui fazer as contas e acho que não estamos longe disso não. De manhã, gosto de tomar café lendo jornal. Nisso gasto algo em torno de 40 minutos, fazendo uma leitura em diagonal. Aí vou trabalhar. Trabalho nove horas por dia, dessas nove, pelo menos quatro passo em frente ao computador. Na temporada escolar, fico pelo menos duas horas e meia dentro de um carro, levando e buscando meninos e ouvindo rádio. Quarenta minutos, mais quatro, mais duas e trinta dão sete horas e dez minutos, certo? À noite, quando chego em casa e termino o terceiro turno, gosto de ver o Jornal das 10, mais uma hora de televisão. Vamos para oito horas e dez minutos. Ainda leio umas duas ou três páginas de livro antes de dormir, chegamos às oito horas e trinta minutos.

Ou seja, não estamos num bom caminho. Fui fazer contas de novo, só por alto, para ter uma idéia da grandeza do nosso problema. Perdi 44 dias do ano em frente ao computador. Outros 22 dias só ouvindo rádio! Onze dias vendo televisão e mais onze lendo jornal e folheando livro. Não estou contando os finais de semana e feriados, porque nesses dias a rotina sai do ar. Do total dos dias úteis, foram 88 dias, quase três meses do ano, dedicados exclusivamente à atividades sedentárias. Assim não é possível, meninas! Isso não é jeito viver, vocês concordam? Não há regime algum no mundo nem academia que supere o peso dessa rotina sobre nossas vidas.

E nem pensem em argumentar dizendo que dedicamos os outros nove meses do ano às atividades físicas: andando, correndo, nadando, malhando e assim por diante. Me conheço bem e sobre todas vocês tenho pelo menos uma leve idéia. Estou muito segura para dizer que até corremos muito o ano inteiro, mas estamos longe de poder afirmar que temos uma atividade física regular que compense verdadeiramente os 88 dias de atividades sedentárias. Não se esqueçam que não inclui no rol das atividades sedentárias as horas gastas com reuniões, que sozinhas devem consumir mais três meses; as horas de supermercados e sacolões; horas de alimentar, tomar banho, dormir que ninguém é de ferro e assim por diante.

Então, ou damos um jeito nisso em 2007, de forma radical, ou vamos é correr o risco de acabarmos como os norte-americanos. Lá, tirando a bicicleta que é a campeã das campeãs, o segundo objeto responsável pelo maior número de acidentes com ferimentos é a cama. Pudera, não é não? Não há estrutura que agüente o peso desse povo. E muito menos suporte o peso de seus pesadelos, provocados, com certeza, pela gula do presidente que eles foram nos arrumar.

Uma semana de alegres preparativos para a saborosa ceia de Natal!

Buenas a todos!

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Façam o que eu digo, não o que faço

Trilha alternativa: Solução de Vida (Molejo Dialético) de Paulinho da Viola e Ferreira Gullar, na voz do primeiro.


Meninas, tenho boas e más notícias. Primeiro, vamos às boas. O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, o empresário Paulo Skaf, aderiu a nossa campanha de boicote aos produtos chineses. Nem acreditei. Um paulista! Vocês sabem, isso é muito difícil para eles, é um ato quase revolucionário, porque tudo na vida de um paulista é business e business is business. Questionar as regras do mercado não é, para eles, um ato de ousadia, mas de insanidade mental. Por isso fiquei muito sensibilizada com a atitude de Skaf e, principalmente, desconfiada.

Mas não foi ninguém que me contou de ouvir falar que alguém disse que foi assim. Eu mesma ouvi a notícia na CBN e depois fui lá no blog do Sardenberg conferir. É verdade pura. Skaf confessou suas intenções num almoço de final de ano. Falou na presença de uma platéia de jornalistas e nem pediu off. Perdeu o controle da língua, como diria a Rutinha, e desceu a pua nos chineses. Para ele, as relações entre Brasil e China não são nada saudáveis. São ruins e de baixa qualidade, justamente porque só vendemos aos chineses matérias-primas, sem nenhum valor agregado, e deles compramos os produtos manufaturados, que nem são tão mais caros assim, mas que são muuuuuuiitos mesmo e estão prejudicando a produção nacional.

Meninas, pensem bem como deve ter sido difícil para o presidente da Fiesp dizer isso com todas as letras e para um público que também só sabe dar com a língua nos dentes. Olhem, eu fiquei consternada. O Cláudio acha que sou boba, que essa é uma reação absolutamente natural dentro do mercado. Que o presidente da Fiesp está apenas defendendo os interesses de seus filiados. Que, aliás, ele, o Skaf, vem denunciando isso não é de hoje. E mais, disse que os empresários brasileiros são assim mesmo, não gostam de se sentir ameaçados, ainda mais pela concorrência e disse que mais um monte de coisas que não vou repetir aqui, porque é tudo aquilo que já desconfiávamos desde criancinhas.

Pode ser isso mesmo, mas quando olho para o mercado chinês, com aqueles milhões e milhões e milhões de chinesinhos, que inviabilizam a economia de escala de todo o resto do mundo, eu penso que os empresários paulistas estão sendo muito ousados mesmo. Nem importa se nossa pauta de exportações para China é pouco diversificada. O fato é que, mesmo sendo poucos produtos, para eles só podemos vender muuuuuito, porque a China, já sabemos, é desproporcional.

E pode mesmo até ser isso tudo que o Cláudio falou, mas Skaf me pareceu corajoso e também muito sincero. Além do chôroro, o empresário paulista pegou pesado e acusou a China de banditismo, olhem só!, banditismo, por adotar práticas de comércio desleais. E não ficou só no blábláblá não. Skaf confirmou que a Fiesp tem 11 processos de antidumping contra a China e outros 30 em preparação. Viram? Essa foi uma adesão de peso ao nosso movimento. Foi ou não foi?

Bom, agora vamos à má notícia. Segundo o relato do jornalista Carlos Alberto Sardenberg, depois de fazer esse pronunciamento, cheio de murros e pontapés, Skaf encerrou a celebração de final de ano distribuindo um brinde aos jornalistas. Adivinhem, meninas! Isso mesmo, a lembrancinha da Fiesp, não era nada mais e nada menos do que coloridos pen drivers, nosso sonho de consumo. Mas não é isso que vem ao caso, o que foi mal é que esses chipzinhos eram autênticos produtos made in China.

Viram como é difícil, meninas? Nossa campanha tem até uma boa bandeira, mas os chineses tem um preço melhor. Tudo o que eles vendem é baratim. E aí é que está. No mercado, eles são sedutores e imbatíveis. Eu mesma estou resistindo bravamente. Não entrei na Gojureba e nem fui ao Shopping Oi. Juro que não comprei nem um made in China de presente de Natal, mas vou repetir pra vocês, não está sendo fácil. É puro sofrimento.

Sonhos altruístas para todos e um restinho de semana de consumo controlado.

Inté

sábado, dezembro 09, 2006

Papai Noel, você não existe!

No seu lugar, eu ficaria muito furiosa, de tão brava, com esse bando de marmanjos que, de seus gabinetes carpetados e empoeirados, apontam metralhadoras giratórias para o resto do mundo e apertam o gatilho sem a menor cerimônia.

No seu lugar, ficaria muito horrorizada com todo este espetáculo bárbaro que somos obrigados a assistir todos os dias, via satélite, ao vivo e à cores, expondo a morte violenta de milhares de homens, mulheres e crianças, nas pequenas e grandes guerras que se espalham como praga pelo mundo inteiro, sem mesmo darmos conta disso.

No seu lugar Papai Noel, ficaria ainda mordida, para não dizer muitíssimo irritada, com os carinhas que não tiram o pé do acelerador nem na entrada de curvas fechadíssimas, como a que estamos agora. Pisam é mais fundo e saem sofregamente empurrando pro lado tudo e todos que estão no meio do seu caminho, derrubando tudo que atravanque sua passagem, detonando todos os limites naturais que impedem seu avanço e ignorando solenemente as conseqüências de seus atos. Tudo em nome do que chamam progresso.

No seu lugar, ficaria também buzina da vida com um carinha em especial, aquele que não assina o Tratado de Kioto nem que um furacão arraste sua casa para o fundo de um abismo. Não que o seu nome tenha poder para conter o aquecimento global, o degelo das placas polares, o avanço dos mares sobre as terras costeiras, os furacões, tornados e vendavais que invadem cidades hoje mega habitadas e provocam estragos monstruosos. Não que esse carinha tenha o dom de conter a desertificação de um continente inteiro, de impedir o crescimento do buraco de ozônio, de reduzir a contaminação do ar e da água e tudo mais. Mas, admitamos, a sua assinatura sinalizaria uma intenção, uma vontade muito forte, por parte de alguém que, efetivamente, se quisesse, se tivesse bom senso, tivesse tino, poderia mesmo fazer tudo isso.

No seu lugar, Papai Noel, ficaria deveras muito fula mesmo com esse carinha em especial, que parece muito poderoso aos olhos do mundo, mas que se submete de forma hiper subserviente, diria até mesmo servilmente, aos financiadores do seu mandato, principalmente o maior deles, a indústria armamentista. Para agradá-los, esse carinha em especial, nos seus seis anos de governo, até então, espalhou a guerra e o terror pelo mundo inteiro e, junto com eles, o medo, o pavor, o horror e a necessidade inescapável das vítimas de sua estratégia eleitoral, de se armar até os dentes para se proteger dos perigos dessa vida. E aí, o carinha em especial, gentilmente, oferece a rodo para o mundo inteiro, em suaves prestações, fuzis M16A2, mísseis sparrows de longo alcance, blindados M60A3, caças F117 night hawk, entre outros armamentos, além, claro, de soldados recrutados mundo afora, principalmente nos países pobres, mas todos muito bem treinados para combater o que quiserem. Qualquer coisa ou coisa nenhuma, pois que não faz a menor diferença.

No seu lugar, ficaria ainda muito desapontada, decepcionada mesmo, com esse bando de marmanjos, que mesmo sem ter o poder do carinha em especial, poderia, sem a menor sombra de dúvida, fazer alguma coisa para subverter o paradigma de progresso a qualquer preço, substituindo-o por um novo modelo de crescimento sustentável, solidário, compassivo. Um progresso que promovesse o bem estar coletivo e não a acumulação selvagem dos 10% , que visa apenas garantir o caviar regado a veuve clicquot dos 2% e os cessninhas citation II dos menos de 1% ou daquelas 10 famílias que estão no topo da pirâmide e assim por diante.

E já que estamos falando tudo mesmo, no seu lugar Papai Noel, sentiria um baita desprezo por essa turma que viajou de classe executiva para a Europa, ficou nos melhores hotéis ou ainda por lá permanece, comendo do bom e do melhor, em troca de alguns poucos minutos de alegria para todos nós, o povão, e me fazem o papelão que fizeram. Nos deixaram todos perplexos, com nossos bonés, camisetas, bandeiras, pandeiros e toda aquela parafernália das grandes torcidas organizadas, com tudo isso nas mãos, sem ter o que celebrar. Nos deixaram boquiabertos, no meio da arquibancada, quando, lá embaixo, no gramado, não viam a bola para chutar, não encontravam o companheiro para fazer uma tabela no capricho, não vislumbravam as traves para nelas mirar e marcar um gol. Nada, nada. Nos deixaram pasmos e assombrados, enfim, quando lá embaixo, no gramado, pareciam não saber o que ali faziam.

Também no seu lugar, ficaria estarrecida, possessa, muguenga de raiva, mesmo sem saber exatamente o que significa muguenga, mas muguenga assim mesmo de raiva, com esse bando de mangonas, que só conseguem olhar para o próprio umbigo, ou melhor, para o próprio bolso, e não alimentam nenhuma sensibilidade histórica para perceberem o seu papel crucial na consolidação da nossa democracia e de uma administração pública mais eficiente e produtiva, que promova a boa aplicação dos recursos públicos para o bem de todos e felicidade geral da nação.

Mas você, Papai Noel, você não! Você não existe! Com sua paciência de bom velhinho, sua generosidade, sua tolerância, sua capacidade invejável de ouvidor, seu espírito compreensivo, sempre disposto a perdoar todas as bobagens que fazemos o ano inteiro, sua sabedoria e compassividade ilimitadas nos faz esquecer de tudo isso. Esquecer e acreditar, piamente, cegamente, fervorosamente de que é possível, de um dia para outro, de uma noite para um dia, zerarmos nossa conta com o todo poderoso e começarmos tudo de novo. Do nada, do princípio outra vez, para ver se agora, quem sabe, vamos conseguir. Quem sabe, vamos acertar. Por isso, Papai Noel, você não existe!

No meio da correria de dezembro, que estamos sempre todos enfurnados, um final de semana de paz e sossego para todos, se ainda for possível.

Buenas e até de repente!

Fundo Musical: Jingle Bell, vocês queriam o quê? (rsrsrsinhos)

domingo, dezembro 03, 2006

No viver tudo cabe

Eu me lembro das coisas antes delas acontecerem - Riobaldo

Meninas, o que vamos fazer com mais dois meses e 12 dias de vida? Quero decidir logo sobre isso, porque resolvi encaminhar ao IBGE um requerimento, solicitando a antecipação desses dias para antes do fim. Não vou ficar esperando fazer 75,8 anos, que é a nova média de expectativa de vida das brasileiras, para só então somar mais dois meses e 12 dias de vida, não é mesmo? Quero vivê-los já! Se possível, num feriado prolongado, longe do trabalho, das rotinas de uma cidade grande e da pressão dos relógios digitais.

Quero aproveitar, o quanto antes, esse bônus que ganhamos em 2006. Quero me antecipar, porque vai que não consiga ficar na média das brasileiras! Até então, tenho alcançado, com razoável sucesso, a média de todos os principais indicadores que andam circulando por aí, mas nunca se sabe, não é mesmo? Já dizia Guimarães, viver é muito perigoso. E eu concordo. Mesmo que o IBGE me garanta que a mulher brasileira está vivendo, em média, 7,6 anos a mais do que os homens e que, em Minas, as mulheres vivem até um pouquinho mais que a média brasileira, chegando ao 77,7 anos, quase os 80 do Japão e da Suíça, não vou me iludir. Não vou deixar pra depois.

E olhem só, meninas, tem mais uma coisa. Os excels-boys da Previdência, aqueles que ficam ali na telinha do computador atualizando os cálculos de aposentadoria dos brasileiros, já avisaram: com esse aumento da expectativa de vida, todo mundo, homens e mulheres, terá de trabalhar por mais tempo. Ou seja, quando estivermos chegando perto do fim, vamos ter de ficar mais um pouquinho, trabalhar mais uns dias, para manter o mesmo valor da aposentadoria, entenderam? Simples: se vamos viver mais, receberemos um número maior de parcelas da aposentadoria e, para garantir esse pagamento, teremos de trabalhar mais um pouco, fazer o recolhimento da nossa contribuição e, assim, engordar o saldo de onde resgataremos o nosso sustento futuro. Se futuro houver, né? Se não, ficará pro caixa mesmo.

Então já viram, se deixarmos para depois, não vamos gozar esses dois meses e 12 dias. Vamos continuar no mesmo batidão de todo dia. Com todos aqueles inconvenientes e algumas comodidades, sobre as quais já discutimos. Isso se não estivermos cuidando dos filhinhos de nossos filhos. Hoje 466 mil avós brasileiras já são responsáveis pela educação e cuidado dos netos ou bisnetos. Tá certo que é divertido, né? Pensem bem: não temos de pôr limite nesses meninos, isso é tarefa dos pais. O que nos caberá é só o lado criativo da educação: rir das gracinhas, fazer travessuras junto com eles, passear e outras bobagens mais que crianças adoram. Mas, mesmo sendo gostoso, realmente, não estaremos livres para curtir os dois meses e 12 de dias de bônus a que temos direito.

E aí meninas, o que vamos fazer com esses dias? Pensem! Dêem asas à imaginação! Pensem grande! A mente humana não tem limites! E, como dizia Guimarães outra vez, no viver tudo cabe! Vamos viajar para algum canto do Brasil? Vamos pra fora, antes que nos venham com aquele dinheirinho contado, que teremos de separar em envelopes, para não perder a conta de nossas dívidas? Vamos por a agenda de visitas em dia? Vamos fazer uma excursão? Vamos, vamos?! Já pensaram? Brincadeirinha, pode deixar que eu mesma me incluo fora dessa. Nada de excursão! Então vamos ficar por aqui mesmo, fazendo nada na cidade, enquanto todo mundo tem de correr de um lado pro outro a semana inteira?

Bom, pensem bem meninas, mas não demorem muito. Precisamos decidir isso o quanto antes.

Uma semana curtinha para todos, com mais dois meses e doze dias de folga só para curtir!

Buenas!

quarta-feira, novembro 29, 2006

Melhor tampar o nariz!

Trilha alternativa: A Prayer, com a mesma de sempre, Madeleine Peyroux

bush foi visitar o Iraque. Finalmente me deu ouvidos. Foi pedir aos iraquianos sugestões sobre o que fazer com eles. Mas deu azar. Olha só. Ia para o Iraque e foi parar na Jordânia. Parece que o vírus que atacou os sistema brasileiro de controle de vôos está se espalhando. A turma da torre dos aeroportos americanos também já está meio que perdida, hem? Vôo 3.709 civis mortos apenas no mês de outubro, com destino ao Iraque! bush, que não assina o Tratado de Kioto nem que a mamãe dê beijinhos, levanta as orelhinhas e grita: é o meu!

Entra saltitante e já armando confusão. Briga com Jaap de Hoop pra ficar na janela. Uma bobagem! Jaap de Hoop ia até reagir, mas tinha outros planos. Prometeu fazer um duelo de rap com Snoopy Dog, bem no centro de Bagdá, para acalmar os ânimos. Precisava, portanto, se concentrar muito para não fazer feio. Deixou pra lá e cedeu a janela a bush. júnior não se deu por vencido e resolveu discutir agora com a aeromoça. Fez um papelão só porque não tinha balinhas toffe caramelizadas para distrair durante a decolagem. Esse bush, pelo amor de deus!

Bom, aí, depois de mais de 10 horas de viagem, sendo seis sobrevoando zonas de alta turbulência, o avião pousa. bush desce sonolento e aí vem o susto: ué! Vocês me falaram que a situação aqui estava periclitante e está tudo calmo! Querem me enganar, é? E foi lá se informar no balcão da American Airlines. Foi é armar barraco outra vez, isso sim. Queria furar fila, vê se pode? Mas a recepcionista pôs moral e ele teve de encarar a espera sem chiar.

Depois dos quinze marmanjos que estavam na sua frente, bush finalmente conseguiu falar com uma atendente da Airlines, para descobrir que definitivamente não estava no Iraque. Mas onde estou, então? Que país é este, meu deus? Foi aí que o avisaram que havia pousado na Jordânia. Mas, sabe, ele nem discutiu. Isso parece estranho, não parece? Só que, no fundo, no fundo, ele ficou é agradecido e verdadeiramente aliviado. Pensa bem, o Iraque está uma zona! Era fria, na certa. Baixar no coração de Buhriz ou em plena Nassiriya não ia ser nada divertido.

Depois tem outra coisa. Não seria muito conveniente mesmo descer no Iraque em pleno calor da discussão. Afinal, o que está acontecendo ali? Uma guerra? Mas qual guerra? Uma guerra civil? Um conflito sectário? Uma onda de violência? Um distúrbio social? Um confronto entre facções rivais? A barbárie? Os especialistas e analistas de guerra americanos estão bem confusos. A grande imprensa dos EUA não. Ela tem um jeito simples para resolver questões muito polêmicas. Faz uma enquete junto a seus leitores. E fez. O resultado saiu ontem e ontem mesmo a grande imprensa dos EUA anunciou que, a partir de amanhã, passará a se referir ao conflito como guerra civil. Percebeu a simplicidade?

Bom, aliviado, bush deixou o aeroporto e foi se encontrar com os aliados da força de coalizão, para tentar encontrar uma saída honrosa do Iraque. júnior defendeu o envio de mais tropas ao país e Jaap de Hoop apoiou. Mas fico desconfiada de que Hoop está pensando mesmo é no seu público para o duelo com Snoppy Dog. Os parceiros da coalizão também estão cabreiros e, até prova em contrário, vão ficar em silêncio. Só Tony Barbie manifestou a sua concordância. Mas bush não leva Barbie muito a sério e, por isso, já enviou um e-mail a Condolezza pedindo a convocação de uma reunião do Conselho de Segurança de Guerras e outros Conflitos Armados para discutir o assunto. Orientou-a também a convidar dois especialistas para o encontro: Lula, expert em coalizão sem oposição e o jedi Obi-Owan-Kenobi, que enfrenta qualquer parada. Agora é aguardar.

Desviado e meio do meu caminho, desviado por inteiro. Acho que foi isso que bush pensou, quando descobriu que estava na Jordânia e que seus aliados não estão lá muito entusiasmados de continuar mais uma partida de War Júnior. Aí resolveu mudar de assunto. Pediu aos aliados para enviar tropas ao Afeganistão. Surtei. Quem que entende esse bush? Não era para o Iraque? Bom, mas continuou a prosa e arrematou culpando Al Qaeda pelo que está acontecendo no Iraque. Ah, claro! As tropas do Al Qaeda estão espalhadas pelas ruas do Iraque. Como não vi isso antes? E daqui a pouco bush vai dizer: se não é do Al Qaeda é de Osama Bin Laden. E se não é de nenhum dos dois, então é do cabo Júlio.

Que papo, hem? Enquanto bush perde tempo, discutindo em tese soluções para a guerra que inventou, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, e o presidente iraquiano, Jalal Talabani, resolveram juntar seus trapinhos e botar um ponto final nessa bagunça toda. bush não quer nem ouvir falar nessa história. Está se fazendo de surdo e bobo. Mas Jalal e Khamenei estão on line e vibrando com a nova amizade. Como é que isso vai acabar é que não sabemos, não é? Teremos de aguardar mais uma vez.

O meu medo é que, diante dessa situação, não poderemos nem mesmo buscar abrigo na Igreja Globalizada Deixe Jesus em Paz. O controle agora está mesmo nas nossas mãos. Ou esses carinhas resolvem isso por lá mesmo e de uma vez por todas, ou temo que vamos cruzar definitivamente o portal do Inferno de Dante. Deus nos guarde!

E nossos anjinhos da guarda também, que, mais uma vez, fiquem de prontidão e não nos abandonem a nossa própria sombra.

Um belo dia.

domingo, novembro 26, 2006

Mayday, mayday

Trilha alternativa: Dreamland, com Madeleine Peyroux

Não tenho mais medo de avião hoje do que tinha ontem. Mas nem sempre foi assim. O ronco de um avião cruzando o céu era uma senha. Onde estivéssemos, fazendo o que estivéssemos fazendo, tudo era interrompido, para ver o avião passar. Era um fascínio. Eu me lembro que quem primeiro apontasse o dedo, indicando de onde ele iria surgir, podia se gabar da sua esperteza por bons dias, pois não era toda hora que tínhamos a chance de ver, sobrevoando a cidade, um cessninha que fosse e, menos ainda, um boeing 707 ou um caravelle.

Enquanto os aviões não vinham, nos distraímos, às vezes, olhando o vôo dos urubus. O vôo de um urubu é muito parecido com o de um avião. Pelo menos de longe. Com as asas bem abertas, planando numa corrente de ar, fazendo curvas, descendo e subindo, parecem aviões acrobatas. E os urubus rondavam a cidade com muito mais freqüência do que os aviões. Hoje é o contrário. Mas, naquele tempo, e nem tanto tempo faz, eram eles que nos distraiam quando uma brincadeira perdia a graça. Só de vez em quando, muito raramente, os aviões tornavam-se a nossa brincadeira.

Então. Passado o fascínio pelos aviões, veio a indiferença. Ainda olhávamos para cima, mas só para conferir se aquele trambolho não ia cair em cima de nossas cabeças. Não saíamos mais para rua e nem caçávamos no céu aquele estranho pássaro. Alguns ainda preservaram a fissura por aviões, mas só por aqueles de guerra. E declamavam os feitos de cada um deles, na 1ª. e na 2ª. Grande Guerra, como se fosse uma poesia. Mas não eram diferentes daqueles que discutiam o valor de um selo ou dos que trocavam figurinhas de carros ou recitavam a escalação de times que nunca viram jogando. Era só mania ou um jeito esquisito de passar o tempo.

Foi quando nós mesmos tivemos de entrar dentro de um avião, para cortar o céu e sobrevoar a terra de uma cidade a outra, é que o medo começou a nos provocar. Alguns foram definitivamente derrotados e nunca venceram a paura de voar. Até hoje só trafegam em terra firme. Outros, mesmo amedrontados, enfrentaram o desafio e fizeram o seu batismo no ar. Uns poucos realizaram o sonho de criança e fizeram a sua primeira viagem com o nariz grudado no vidro da janelinha para não perder nada. Foi só quando tivemos de entrar dentro de um avião é que começamos a nos questionar como é que aquela geringonça toda, muito mais pesada do que o ar, muito menos flexível do que a asa de um passarinho, poderia se manter nas alturas sem cair sobre nossas cabeças.

Mas com o advento dos relógios digitais, que controlam com absoluta precisão até os segundos dos nossos dias, as viagens de avião começaram a se tornar mais freqüentes. Valia tudo para ganhar mais tempo. Assim como hoje. Não é que perdemos o nosso medo de voar, portanto, mas ficamos aterrorizados só de pensar em perder tempo. E, na hora de avaliar os custos e benefícios, as viagens de avião tornaram-se imbatíveis e, por isso, se banalizaram. Não o nosso medo, que ficou contido, mas nunca foi superado.

E não adianta os fissurados virem me dizer que andar de bicicleta é muito mais perigoso do que de avião. Ou que corremos muito mais risco ficando dentro de casa do que viajando num learjet desses que voam por aí. Segundo esses fanáticos, estatísticas do Departamento de Transportes do governo dos Estados Unidos já comprovaram que os acidentes aeronáuticos foram responsáveis apenas por 0,08% das fatalidades, enquanto acidentes ciclísticos contribuíram com 0,67%, acidentes domésticos com 17,99% e acidentes rodoviários, com 38,70%.

Americano acha que só tem bobo no resto do mundo. Ora bolas, quantas pessoas andam por aí voando num avião e quantas ficam por aqui em terra firme? Qual impacto é mais intenso: o de uma batida entre duas bicicletas, a 40 km por hora, se muito, ou entre dois carros, a 120 km por hora? E quantas pessoas ficam só em casa, porque nem tem para onde ir? Tenham paciência, né?

Também não me esqueci das tempestades solares e das bolhas ionosféricas. Sei muito bem que estamos entrando num período de atividades solares intensas. E mais, que o Brasil, pra mal dos nossos pecados, encontra-se exatamente numa das raras regiões do planeta onde ocorre o fenômeno das bolhas ionosféricas. Também sei que as tempestades solares interferem fortemente nos sistemas de comunicação, como aqueles utilizados pelos aviões. Sei ainda que os efeitos das bolhas ionosféricas sobre as telecomunicações e, principalmente em sistemas de posicionamentos, como os de um GPS, ocorrem em diversos graus de intensidade, dependendo de quanto o sistema está ou não preparado para resolver o problema da interferência. Se vocês se esqueceram disso, eu ainda me lembro.

O nosso medo, portanto, é muito justificado. E não vai ficar maior só porque a Aeronáutica resolveu agora, só agora, divulgar que, entre 1988 e julho deste ano, foram registrados no Brasil 796 casos confirmados de quase-colisões entre aviões. Isso não nos assusta mais do que os próprios aviões. O nosso medo é antigo e o mesmo de sempre: medonho. Mas, para superar o tempo, vamos continuar voando, como provam todos aqueles que estão pernoitando nos aeroportos, a espera da chegada de uma aeronave e do anúncio do próximo vôo. A todos, boa viagem e boa sorte.

Agora, como já é tarde, vamos nos recolher nas asas de morfeu e, se for possível, ter apenas bons sonhos.

Durmam com os anjinhos.

Voei.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Conversa fiada

Trilha alternativa: Within You, Without You, com eles, os Beatles

Eu entendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Também acho que têm conversas que é melhor não tê-las. Não que nunca, mas talvez só no momento certo. Têm conversas que são até boas, mas mesmo assim, não convém. Outras, nem tanto. Melhor evitá-las. E dos pescopapos, temos de fugir deles. Passo léguas de distância.

Têm conversas que é melhor mesmo não tê-las, porque não levam a nada. Vocês já tentaram conversar com um adolescente em crise? É bobagem puríssima. Não adianta falar que ele é lindo, forte, inteligente, engraçado, que todo mundo é doido com ele, que a vida é bela, que tudo passa, que em terra firme nada é definitivo, que o céu é azul e que o melhor de tudo é que depois de um dia, vem outro dia. Besteira.

Adolescente em crise acha que o mundo desabou, que o chão escapou, que o abismo é fundo e que no fundo do fundo tem outro fundo que não tem fundo. Nessas horas, melhor do que conversar é fazer um brigadeiro bem cremoso e deixar encima da mesa, assim meio que esquecido. É deixar o cd, que ele adora, tocando no som e ainda comentar, distraidamente, que essa é a música. É assistir, ao lado dele, bem agarradinha, o último jogo de futebol de não sei quem contra quem e comentar furiosamente todas as bobagens que o juiz fizer. Só isso e não mais que isso, pois todo o resto é em vão.

Só quando tudo passa, o tudo que não é nada, é que dá pra voltar a conversar. Aí vale o que vier. Vale até conversa afiada. E, melhor que isso, bem melhor, depois que o tudo passa, é jogar conversa fora. Parece que também não levam a nada, mas é ledo engano. Dois dedos de prosa sobre nada e, de repente, percebemos que já não vemos mais o mundo como o víamos antes. São palavras ao vento, mas no bom sentido, pois são capazes até de mudar o rumo de uma história. Mas hoje são raras. Ninguém gasta tempo com conversa fiada, um assunto puxando outro, um caso emendando em mais um e outro mais, como se tecêssemos uma grande história. Nem rola. Ninguém mais joga conversa fora.

Fernando Henrique não joga e eu entendo. Pode até falar sozinho, falar até pelos cotovelos, atabalhoadamente. Mas se é uma conversa, é preciso dois. No mínimo. É preciso então saber quem está a conversar com quem. Cada um tem que ser cada um. E aí é que está. Qual PSDB vai conversar com Lula? Qual Lula vai se apresentar? E onde vão conversar? Atrás de portas fechadas? A luz de velas acesas? Outra vez Fernando Henrique tem razão. É melhor conversar com o povo, de quem se distanciaram tanto, se é que já estiveram próximos um dia. É melhor conversar à luz do sol, no meio da rua, sob os holofotes do Plenário. Um de frente pro outro, um olhando olho no olho do outro. E mais, se é mesmo pra conversar, tem que ter o que conversar. De abobrinha, basta a que já nos fartamos durante as eleições, não é não?

Um restinho de semana com muita conversa fiada no ar.

Até mais ver

domingo, novembro 19, 2006

As dores do crescimento

Trilha alternativa: Amanhã, aquele de Guilherme Arantes, mas na voz de Caetano.

Meninas, me errem em 2007. Não me esqueçam, mas me errem quando forem olhar as vitrines. Nem me chamem quando forem à Lysia, mesmo que seja só para ver as novidades. Conheço esse refrão. Cinema em shopping? Piorou. Não vou. Pode até ser o lançamento do último filme de Almodovar ou de um blockbuster da vida. Anjos e Demônios! Não vou. Se quiserem a minha companhia, podem me convidar para um festival de cinema iraniano, de clássicos do cinema mudo ou de uma série ouro da produção indiana. Qualquer coisa do tipo, mas que seja no cineclube Savassi. Lá mesmo, naquelas cadeiras duras, onde você não vê, mas pescoça um filme. Aí, podem contar comigo, eu vou. Mas em shopping, desistam.

Outra coisa. Cafezinho na Savassi, no sábado pela manhã, nem com creme nem sem creme. Não vou cair na tentação. Conheço minhas fraquezas. Hoje passei por lá e não ia parar. Mas parei e entrei na Quixote. Resultado: saí com um exemplar da edição especial do Grande Sertão: Veredas e com o último livro de Douglas Adams e um de John Grisham, esses para os meninos. Em 2007, não vou cair nessa armadilha. Também não vou embarcar naquela conversa mole, de dar só uma entradinha naquela lojinha que tem ali na esquina, que está com os preços ótimos. Ótimos para qualquer pessoa, menos para mim. Em 2007, vou ser radical. Caminhar na Savassi, só no domingo pela manhã, antes das 10 horas. E levando uma garrafinha d´água a tiracolo.

Compras no supermercado? Também vou reduzir. Ficarão restritas a uma vez por mês. Estarão suspensas as idas diárias ao Super Nosso para comprar pão, verduras ou um lanche para noite. Sei como termina essa história. O carrinho sempre sai carregado de outros itens que vi por acaso e achei que seriam necessários em algum dia da semana. Pão em 2007, só na padaria. Mesmo saindo mais caro. Meninas, vocês repararam que, depois dessa invenção de só vender pão a quilo, o pãozinho francês teve uma aumento de 100%? Fiz as contas ontem. O paõzinho que comprava a R$ 0,15 passou para R$ 0,30 e ficou ainda menor. Mas não tem importância. Na padaria só compro pão e isso já é uma economia. Da mesma forma, frutas e legumes, só vou comprar no sacolão. Nem em caso de emergência vou entrar num supermercado.

Outra coisa, táxi estará definitivamente proibido. Só em casos extremos. Se os meninos quiserem circular no final de semana, vou ter de usar o mercedão. Vou até comprar uma cartão de vale-transporte para os dois, mas dinheiro para táxi, esqueçam. Não. Eu não estou com medo de 2007. Pelo contrário. Estou apostando em 2007. E é por isso que vou cortar na carne. Subtrair até a última gota os gastos correntes e gerar uma poupança para investir. Vou fazer a minha parte. Sabemos muito bem, quando estamos educando nossos meninos, que não adianta ficarmos só falando: tem de fazer isso, não pode fazer aquilo, faça desse jeito e assim por diante. É inócuo. Temos de dar o exemplo. E é isso que vou fazer em 2007.

O Brasil precisa crescer, não precisa? Pelo menos, todo mundo está dizendo que sim. Eu até tenho minhas dúvidas, se não sobre o crescimento, pelo menos, sobre o como. Mas o que penso agora não vem ao caso. O que importa é que, para crescer, o governo precisará cortar gastos correntes e liberar recursos para investimento. Mas, parece, está confuso sobre como fazer isso. Então vou dar o exemplo. Vou fazer a minha parte e esperar para ver o espetáculo que está sendo anunciado, de um crescimento de 5% ao ano. Será que eles vão prestar atenção?

Também estão confusos sobre onde investir. Não tem problema, dou o exemplo outra vez. Não vou aplicar os recursos que economizar no mercado financeiro. Claro que não, ficaram doidas meninas? Vou investir no setor produtivo. Gerar empregos, renda e riquezas. Vou investir no setor da construção civil, que tem um poder multiplicador fantástico. Tinha até pensado de fazer um puxadinho no quintal, para abrigar os livros que estão ficando empilhados no chão do escritório. Num cantinho, ainda poderia instalar a tevê e o som e, no outro, uma mesa de ping-pong ou de totó. Mas abandonei os planos. Vai que os meninos se entusiasmem e gostem da idéia. Vão me deixar num beco sem saída. Além do mais, agora já tenho outros projetos. Vou é construir muros. Ainda não sei bem onde, mas vou, porque ouvi dizer que é super in construir muros, e não vou ficar de fora dessa, não é mesmo?

Então, o bush, aquele que não assina o tratado de Kioto e ainda bate pezinhos, já anunciou que vai construir um muro entre as fronteiras dos Estados Unidos e México. É uma bobagem, porque o México já está dentro dos Estados Unidos faz séculos. E vice-versa. Os Estados Unidos está dentro do México desde o início da sua história. Mas já entendi o que bush pretende com seus planos. Depois de um mandato ganhando rodos de dinheiro vendendo armas para o mundo todo e promovendo a destruição em massa pelo planeta, agora chegou a hora de buscar novas fontes de renda. Chegou a hora de dar uma canja para a indústria americana da construção civil. bush vai promover uma nova onda de crescimento, reconstruindo tudo que destruiu no seu primeiro mandato. O muro será apenas um treino para os contrutores.

Mas não é só bush que tem planos concretos. O príncipe Nayef, ministro de Interior da Arábia Saudita, já anunciou que vai também construir um muro ao longo dos 900 km da fronteira do seu país com o Iraque. A obra incluirá a instalação de guaritas militares e equipamentos de vigilância, somando um investimento de US$ 12 bilhões. A turma da construção civil nos Estados Unidos já está dando até gritinhos de satisfação. Vai disputar tijolo por tijolo dos quase 2 mil quilômetros de muros que serão construídos até o final de 2010. É o mundo globalizado fechando as porteiras. Êita!

Mas, então. Vou construir muros também. Talvez no quintal ou no jardim. Vou licitar uma obra para construção de labirintos domésticos. De repente, vira até uma obra de arte, hem? Só espero que Lula tenha um pouco mais de imaginação do que eu, que só faço seguir a moda. Além do mais, o Brasil já é todo cortado por muros virtuais. Espero que Lula seja mais criativo e invista na construção pesada. Invista, por exemplo, na construção de pontes, unindo esses brasis que estão isolados por aí. É uma idéia. Posso até pensar sobre ela também. Ao invés de labirintos, posso construir pontes no meu quintal. Quem sabe? Enfim, de um jeito ou de outro, vou fazer a minha parte. Espero que eles prestem atenção e também façam a sua parte.

Um restinho de domingo sem sorvete, sem trufas ao rum, sem pipoca nem guaraná. Ficou muito triste, né? Vou ponderar.

Um restinho de domingo cheio de novos planos e um cafézinho fresco, acompanhado de pão de queijo e broinha, para todos. Afinal, é só um lanchinho, né? Não vai fazer diferença no final do mês.

E buenos dias a friente tambien.
Hasta.

quarta-feira, novembro 15, 2006

À Nossa Senhora das Boas Práticas

Olha só. Hugo Chavez estava andando, andando, andando e aí encontrou uma lâmpada mágica. Esfregou e, tchanam!, apareceu um gênio. Em tempo de vacas magras, o gênio disse:
- Pode fazer um pedido.
- Huuummmm! – pensou Chavez. Já sei! Quero que você construa uma ponte ligando Venezuela a Cuba!
- Huuummm! – pensou o Gênio. É impossível! É muito difícil!
- É o que eu quero e com quatro pistas! – insistiu Chavez.
- Não vai rolar – encerrou o gênio. Pede outra.
- Huummm! Está bem. Então lá vai. Quero entender a minha mulher.
- Huuummm! Está bem. Com seis pistas!

Não fui eu que inventei essa historinha. Foi um amigo que nos contou hoje, durante o almoço. Tudo bem. Reconheço. Tem dias que é muito difícil mesmo entender o que se passa na cabeça de uma mulher. Somos um pouco assim mesmo. Complexas e caóticas. Mais caóticas que complexas. Mas tem dias, não todos. Na maior parte do tempo, somos muito práticas. Querem ver?

Semana passada estava atolada no trabalho. Mas nem estava desesperada. Estava lá, fazendo cada coisa de uma vez, com convém. Terminou o dia, fui buscar os meninos na escola. Para não parar em fila tripla, dei a volta no quarteirão e estacionei numa esquina, em frente a uma padaria e um sacolão, numa rua bem movimentada. Me ausentei por poucos minutos e, quando voltei, adivinhem! Não, não. O carro continuava lá. Mas, sem as placas. Levaram as duas. Conheço um menino, que anda aqui pelo bairro, que fala que ninguém gosta de ser tirado. E isso é a pura verdade.

Quando vi meu carro pelado, subiu uma revolta não sei de onde que quase, aí sim, me desesperei. Mas ainda não. Fiquei só atônita. Parada e sem saber o que fazer. Na rua, ninguém viu nada. Eu não via nada também. Nem um guarda. Sem ter mais o que fazer ali, entramos no carro e partimos para mais uma nova aventura. Atravessar a cidade, sem ser notados. E conseguimos.

Cheguei em casa e, imediatamente, fui comunicar o fato à quem de direito: a polícia. Fui super bem atendida. A moça que me ouvia do outro lado da linha até me confortava:

- Ainda bem que não levaram o carro, né?

Eu concordei. Ela tinha razão. Depois me orientou a formalizar a queixa, pessoalmente, no Departamento de Investigação. Claro, também estavam querendo o quê? Denúncia virtual? E a prova material do crime? Só que aí veio a dúvida. Como vou até lá, com um carro sem placas? E se a polícia me parar no meio da rua? Até explicar tudo direitinho, vai ser um sufoco bem desagradável! E se eu perder a paciência? E se a polícia perder a paciência? Enquanto tentava resolver essa questão complexa, tocou a campainha. Era a polícia. Vieram, eles, pessoalmente, formalizar minha queixa. Levei até um susto. Passei todos os dados, relatei em detalhes, os poucos que tinha, tudo o que havia acontecido e o policial, muito educado encerrou o BO. Se despediu e disse:

- Amanhã, até 9 horas, a senhora deve ir ao Posto Policial buscar a cópia deste Boletim. Até as 9 horas, hem? E, agora, a senhora deve ir ao Detran formalizar a queixa.

Pensei que já estava formalizada. Mas concordei. Ele tinha razão. Afinal era o roubo de uma placa de carro. Ninguém vai imaginar que fizeram isso para resolver o problema da fome no Brasil, né? Quem roubou essas placas não tem planos solidários na cabeça. Vão usá-las para fazer alguma confusão. Imediatamente, chamei um táxi, não ia me aventurar novamente nas ruas com um carro sem identidade. Cheguei no Detran em poucos minutos e apresentei meus documentos.

- Quero dar uma queixa do roubo das placas do meu carro. Foi agora mesmo.

O rapaz que me atendeu foi super educado. Anotou tudo e perguntou se tinha mais alguma coisa a declarar.

- Ah sim. Já fiz o BO. O número do boletim é tal.
- Mas como? Se a senhora já fez o registro da ocorrência, porque está fazendo outra vez?
- Porque me mandaram – respondi.
- Mas não precisa – respondeu ele. Duas ocorrências sobre o mesmo fato? Qual a lógica disso?
- Sei lá, uai. Foi essa a orientação que recebi.
- Pode ir embora – despediu-se o rapaz, agora secamente.

Voltei pra casa. No dia seguinte, levantei cedo para buscar a cópia do Boletim e levá-la ao Detran para reemplacar o carro. Claro, desci de carro, para não perder a hora. E, admito, também para viver mais alguns minutos perigosamente. Estacionei ao lado do posto policial e entrei. Fui super bem recebida. Agiram com rapidez e simplicidade. Nada de burocracia. Saí feliz e me sentindo até bem protegida, com três cópias do BO nas mãos, para não ter dúvidas.

Quando cheguei perto do carro, dois policiais rondavam o meu possante. Fingi que não os vi e abri a porta do carro. Já ia entrando, quando um deles me chamou:

- Ei, você!
- Eu?
- Isso mesmo. A senhora é a proprietária desse carro?
- Sou.
- A senhora já percebeu que ele está sem as placas.

Perceberam vocês? É claro que ele já estava pensando que eu estava naqueles dias caóticos, em que nos tornamos incapazes de dar conta do que se passa debaixo do nosso nariz. Mas não perdi a paciência. Pelo contrário, foi como um alerta para que me tornasse mais paciente ainda.

- Justamente – respondi. Foi exatamente isso que vim fazer aqui, formalizar a minha denúncia do roubo das placas do carro e buscar as cópias do BO.
- A senhora já fez o registro da ocorrência?
- Foi a primeira coisa que fiz. Até antes de servir o lanche aos meus filhos, ainda ontem à noite.
- A senhora tem o BO?
- Exatamente. Foi isso que vim buscar.

O policial, educamente, pegou o papel das minhas mãos e pôs-se a ler. Por alguns minutos ficou assim, de cabeça baixa, lendo linha por linha do Boletim de Ocorrência. Depois, dobrou o papel cuidadosamente, me devolveu e disse:

- Agora a senhora deve ir ao Detran e providenciar o reemplacamento do carro. O quanto antes. A senhora sabe, a rua anda cheia de marginais, né? Até pensei que esse carro sem placa, aqui no meio da rua, era de um deles! A senhora me desculpa. Não deixe para depois.

Não deixe para depois. Essas palavras ficaram retumbando na minha cabeça.

- Mas por que não posso deixar para depois? – eu pensei.

Sentiram o vacilo? É exatamente assim que começa. Do momento em que percebi o roubo das placas até aquele instante, agia de forma prática e objetiva. Sem desespero algum. Mas aquelas palavras, me desconcertaram, confesso. Não deixe para depois. Por que não? Por que? Estava com três cópias do BO nas mãos, com toda a documentação do carro em dia, com uma agenda apertada de compromissos. Porque deveria largar pra trás todos os meus compromissos e ir rapidamente e direto ao Detran? Por que, ao invés de correrem atrás de mim, não iriam eles, os policiais, correr, isso sim, atrás do clone do meu carro que deve estar andando por aí?

Mas, como vocês, também percebi que estava começando a entrar numa zona caótica: povoada de dúvidas e interrogações.

- Não. Não vou embarcar nessa – disse a mim mesma.

Também não vou deixar que me confundam toda com essa história: agora faça isso! Não, não, faça aquilo! E faça mais isso. E vá ali. Não, vá naquele outro lugar! Podem parar! Não vou deixar me contaminar pela complexidade da vida é de jeito nenhum!

Entrei no carro, me aventurei novamente nas ruas e fui trabalhar. Cheguei calma, com tudo sob controle e, inspirada por Nossa Senhora das Boas Práticas, identifiquei um despachante, passei os documentos do carro, a cópia do BO, as chaves e o carro para o rapaz e disse, agora sim, já quase à beira do desespero:

- Pronto. Agora é só o senhor ligar o carro ir até o Detran resolver isso pra mim, de qualquer jeito. E sem relatos. Não quero saber de nenhum dos detalhes da trabalheira toda que o senhor terá pela frente. Só vá e faça, por favor. O mais rápido possível, porque ao meio dia tenho de pegar os meninos em casa e levá-los à escola. Faça assim, então, pelo amor de deus!, e sem detalhes.

O despachante olhou para mim consternado e disse:

- Não se preocupe, minha senhora, esse é o meu serviço. Ao meio dia estarei de volta.

E assim fez. Viram como somos capazes de ser bem práticas também? É claro que tudo poderia ter sido bem diferente. Poderia ter sido uma história bem mais complexa e caótica, mas não era o dia. É assim que somos.

Uma boa noite a todos e um resto de semana só de boas práticas

domingo, novembro 12, 2006

Uma verdade impertinente

Trilha alternativa: Jack Johnson outra vez, com Good People

Vou dizer uma coisa pra vocês. No substantivo, Al Gore concorda comigo. Ele não acha que bush seja um idiota, é apenas um homem com grandes idéias idiotas. Ele falou isso ao editor da revista The New Yorker, o jornalista David Remnick, em uma das entrevistas publicadas no livro Dentro da Floresta, da Companhia das Letras. Como vêem, a nossa discordância é apenas de classe gramatical. No que é essencial, concordamos e, pra mim, isso basta.

Acho que não só para mim. Também para Al Gore e boa parte do mundo e, agora, para mais de 50% dos americanos. Finalmente. Não sei se muda muita coisa, pois lá também o Congresso não anda com essa bola toda, mas, pelo menos é um sinal de alerta para os marqueteiros de bush. E eles, parece, ouviram o recado das urnas e já admitem que a neocanoa está dando água. Os colegas de trabalho de bush, idem, idem. O secretário da Defesa, o diabólico Donald Rumsfeld, por exemplo, pediu demissão assim que saíram os resultados da eleição.

bush se sentiu tão desamparado, que agora está pedindo à oposição sugestões para o Iraque. Agora, né? Depois da morte de quase 3 mil americanos e mais de 50 mil iraquianos, né? Tô entendendo. Depois da lambança que fez por lá, bush quer que alguém lhe dê sugestões para uma saída honrosa. Por que não pergunta aos iraquianos, uai? Quem sabem eles têm alguma boa idéia. Uma saída à francesa, por exemplo? Ou uma saída em fila indiana, um por um se desculpando e entrando no avião de volta pra casa? Poderia ser se houvesse uma saída. Mas não tem saída. bush se meteu numa grande encrenca e só sairá de lá corrido, como no Vietnan.

A tragédia da Guerra no Iraque já tem números suficientes para dar a dimensão do desastre. 53 mil mortos. Não é pouca gente, mas tem quem ache que esses números ainda não dizem tudo. A revista médica britância, The Lancet, estima, entre os civis, quase 650 mil mortos, desde a invasão do país. É o equivalente a 2,5% da população do Iraque. As autoridades dos Estados Unidos e do próprio Iraque contestam esse número. É claro, só reconhecem aqueles da sua própria contabilidade. Tudo bem, que seja 50 mil, já é uma boa estatística para meter medo em bush. Eu ficaria. Por mais ou menos isso, Saddam Husseim foi condenado à forca.

Mas não é só a guerra do Iraque que derrotou o projeto dos republicanos. A atuação de bush, aquele que não assinou o Tratado de Kioto, desagradou oito entre 10 eleitores ouvidos nas pesquisas de boca-de-urna. Quase uma unanimidade. No mundo já é, pra desgosto de Nelson Rodrigues, que vê derrubada uma de suas teses mais populares, a que diz que toda unanimidade é burra. Até concordo com ele, mas toda regra tem uma exceção e bush é uma delas. Talvez, até porque não conhecia essa máxima de Nelson Rodrigues. Desde que se instalou na Casa Branca, vem tentando implantar o projeto da maioria permanente, essa sim, uma unanimidade burra, principalmente numa das maiores democracias do planeta e a que serviu de referência para todos nós, até pouco tempo atrás.

Mas tem gente que não muda nunca. bush, por exemplo. Al Gore, que se tornou para sempre, aquele que deveria ser o próximo presidente dos Estados Unidos, não concorda comigo, porque, nesse ponto, se parece muito com bush. Os dois são cabeça dura. Com uma diferença, bush não está nem aí para as questões ambientais que põem em risco a sobrevivência do nosso planeta. Em Nairóbi, voltou a afirmar que não assina o Protocolo de Kioto. Continua batendo pezinho. Al Gore, mesmo admitindo que seria difícil pra ele também assinar o Protocolo, caso tivesse levado a vitória que obteve nas urnas, hoje lidera um movimento para conscientizar o mundo da emergência deste tema. Al Gore, que esteve recentemente no Brasil, lançando o seu documentário Uma verdade inconveniente, onde denuncia o terror do aquecimento global, garante ainda que os Estados Unidos vai mudar sua política ambiental, seja quem for o vitorioso nas eleições de 2008.

Penso que isso pode acontecer mesmo. Não por pressão do novo Congresso ou dos democratas, mas pelo movimento da própria sociedade americana. A Califórnia, maior Estado americano, já aderiu a Kioto.Trezentas e dezenove cidades americanas e mais lideranças conservadoras e religiosas, da mesma forma, já abraçaram Kyoto. Então, a mudança é só uma questão de tempo, se é que a democracia americana ainda tem fôlego para funcionar mais algumas temporadas.

E, por aqui, se fosse Lula, ficava esperto também. Em Nairóbi, o Brasil ganhou o prêmio Fóssil do Dia, que é concedido pela rede de ongs Climate Action Network aos países que mais tentam atravancar as negociações do novo acordo internacional, que substituirá o protocolo de Kioto, a partir de 2012. Achei injusto. O Brasil pode ter até pisado na bola, mas, se fez isso, foi sem querer. Pior que nós, são eles. E aí acho que bush mereceria essa honraria com muito mais razão. Mas, seja como for, o Brasil foi premiado e Lula, doravante, deveria andar com mais cuidado quando fosse tratar das questões ambientais, se não quiser virar também uma unanimidade nacional.

Um restinho de domingo em amenas divergências

Inté.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Tragam as chaves do cofre!

Trilha alternativa: Sitting waiting, wishing, com Jack Johnson, do cd In Between Dreams

Ó céus, a China é desproporcional mesmo! Agora está desorientada porque não sabe o que fazer com suas reservas, no valor de US$ 1 trilhão!. Vou escrever de novo, com letrinhas, para não deixar dúvidas: um trilhão de dólares!. Esse é o dinheiro que ela está juntando no cofrinho e que equivale, mais ou menos, ao tanto que ela ganha com a venda de seus produtos no supermercado mundial, menos o que ela gasta comprando matérias primas e maquinários para fazer esses produtos e mais a fábula de investimento que ela vem atraindo do mundo todo. Sacaram? Ela juntou essa grana boa em menos de dez anos e, desde o início de 2006, suas reservas têm aumentado a uma média de quase US$ 20 bilhões por mês.

Querem saber o que isso significa? US$ 20 bilhões é mais ou menos a metade de todo o superávit comercial que o Brasil deverá ter neste ano, segundo a Folha de São Paulo. Dimensionaram o tamanho do problema que a China pôs no cofre? Um trilhão de dólares equivale a 40% do seu próprio PIB, o que é muito, segundo os analistas econômicos. Mas é mais, muuuuito mais do que o PIB de boa parte do mundo todo e mais também, muuuuito mais, do que as reservas de qualquer país no planeta. É um super-hiper-mega fenômeno. Só que agora a China não sabe o que fazer com essa montanha de dinheiro. É o que eu digo, esse negócio de crescer desembestadamente é um problema.

E as autoridades chinesas concordam comigo. Elas já estão até tentando diminuir o ritmo de crescimento, só que não é fácil. É como parar um carro que vem a toda, a 200 km por hora. Não breca de jeito nenhum. Vai deslizando um pedaço de chão, se não encontrar um boi na pista ou qualquer outro obstáculo. E a China vai deslizar muito, se não ficar esperta. Por isso, com um trilhão de dólares na caixinha, eu não teria dúvida, começaria a distribuir já. O que qui custa?

A China tá apinhada de famílias carentes, não seria preciso nem exportar reservas para atender os pobres do mundo. Bastava vender dólares no mercado interno, captar yuans e dividí-los com o resto da população. Tudo bem, não precisa distribuir, vamos supor, três saquinhos de moeda por família, mesmo porque, já pensaram o tamanho da fila? Mas poderiam reverter esses dólares em obras e outras políticas sociais que beneficiassem essa população, sem obrigá-la a ter de sair do campo para cidade, como fizemos aqui, em busca de melhores oportunidades de vida. Nós acabamos na favela. O que de mais grave poderá acontecer com as megacidades chinesas?

Eu fico preocupada. Fico de verdade, sabem porque? Porque se a China se desorientar no mesmo grau e ritmo com que acumulou essa graninha, vai pirar o resto do mundo e mais um pouco e nós juntos. Por favor, nos incluam fora deste barco. Acho até que deveríamos dar uma mãozinha aos chineses, para ajudá-los a resolver esse problemão em que se meteram. Não vou mendigar dólar de ninguém, mas acho que deveríamos iniciar um movimento mundial de boicote aos produtos chineses. Que dó, hem? Os produtos chineses são tão baratins!

Mas olha só, a China já é o segundo maior país poluidor do mundo, só perde para os Estados Unidos. Se ficássemos por aí, já teríamos uma boa causa. Mas tem mais. A sua mão de obra é a mais mal paga do planeta. Ela trabalha em regime de escravidão e não é beneficiada com nenhuma política de assistência do Estado. Ela não tem nem previdência social. Segunda boa razão para boicotarmos os made in china. E tem mais: trabalho infantil, perseguição às crianças e desrespeito aos direitos humanos. Esses seriam alguns tópicos, entre outros, que poderiam constar de um manifesto de apoio ao Movimento Internacional de Boicote aos Produtos Chineses (MIBPOC). É uma idéia e desconfio que eles até iriam nos agradecer, considerando o sufoco que estão passando com o cofre cuspindo dólares pelo ladrão.

Agora tive mais uma idéia. E nem estou na beira do mar, mas os pensamentos estão vindo em ondas. Olha só, não é que o Brasil esteja passando por um problema semelhante ao da China. Quem nos dera, hem? Mas US$ 80 bilhões de dólares de reservas também não é pouca coisa para uma economia como a do Brasil. Não é uma fortuna, mas se pegássemos um pouquinho mais de 10% dessa nossa poupança, uns US$ 15 bilhões, para investir em obras de infra-estrutura já daria um bom agito na economia, sem comprometer os seus fundamentos. Ou não?

Ufa, cansei de fazer conta. Agora vou arrumar gavetas, que ninguém é de ferro.

Um fim de semana sem direito a fast food chinês.

Vamos variar, não é não? Que tal um lombo com tropeiro em Ouro Preto? Nós todos merecemos!

Até de repente!

domingo, outubro 29, 2006

Crescer é...

Trilha alternativa: Cio da Terra, com Milton Nascimento, claro, não é não?

Ufa! Custei, mas votei. Teclei na última hora, mais por obrigação do que por convicção. Mas isso não tem a menor relevância na contagem final dos votos. O que importa realmente é que eles estejam ali. E o meu voto está. Foi não querendo ir, mas foi. Uma hora teclava em um e cancelava. Outra hora teclava é no outro e cancelava. Às vezes teclava patinhos e cancelava. Até o mesário ficou preocupado, começou a me rodear com uma cara meio cismada. Não o recrimino, afinal levei mais de 50 segundos para me decidir. E fiquei muito à vontade mesmo, porque nem fila tinha na minha seção.

Pronto. Agora passou o tempo da divergência, devemos entrar na temporada da convergência. O que será conciliável nos dois discursos oferecidos aos eleitores, durante a estação de caça aos votos? As reformas, com certeza, vão aparecer na pauta de governo do candidato vitorioso, seja ele quem for. Isso ficou bem claro durante os debates. Reforma tributária, fiscal, da previdência, trabalhista, política e assim por diante. Resta saber a prioridade que vão receber, o ritmo com que vão caminhar e os pontos que serão mais enfatizados nas mudanças. Mas, até agora, tirando a idade mínima para a previdência, que Alckmin se disse contrário, vi poucas divergências entre um e outro. A Folha concorda comigo. O PSDB até chegou a pregar a redução da carga tributária, mas não acredito, com sinceridade, que eles seriam capazes disso.

E o que fica claro nisso tudo, lamentavelmente, é que deverá permanecer, ao longo dos próximos quatro anos, a preponderância da economia sobre as políticas sociais. Alguém já me disse uma vez que a economia não é uma ciência, mas uma ideologia disfarçada. Parece que é mesmo e compartilhada pelas duas forças que disputavam a presidência no Brasil. O grande debate, relevantíssimo, que prevaleceu na fala dos dois candidatos é a necessidade de acelerar os índices de crescimento da economia brasileira. Para Alckmin, essa fala vinha como uma denúncia, apesar de em oito anos de FHC o índice não ter sido muito diferente. Para Lula, vinha como uma promessa. Já crescemos, mas vamos crescer mais! – repetia.

Crescer. Esse é o verbo. Mas tenho um poço de dúvidas sobre a sua conjugação. Primeiro, desconfio de todos os exercícios estatísticos comparativos feitos sobre o desempenho da economia brasileira em relação ao dos demais países emergentes ou não. O que representa um índice de 2% na economia brasileira e um de 6%, por exemplo, numa economia como a do Uruguai? O que representa os mesmos 2% numa economia que vem crescendo continuamente e 5% numa economia que saiu do fundo do buraco. Não acho que sejam grandezas comparáveis, mesmo o Cláudio dizendo que são.

Depois, já estou ficando empanturrada com essa perspectiva ad infinitum de crescer, crescer, crescer, até não sei onde mais crescer. Crescer muito. Fico pensando que essa máxima do mercado vai trombar, qualquer hora dessas, com seus limites. Se já não está. Semana passada, a organização ambiental WWF divulgou o seu relatório Living Planet Report, denunciando que já estamos usando recursos naturais a uma taxa 25% maior que a capacidade do planeta de regenerá-lo.

De novo, o ano de 2050 é o limite-referência. Se continuarmos a crescer neste mesmo ritmo, quando chegarmos lá, em 2050, a humanidade precisará de duas Terras para prover suas necessidades. Vou copiar o relatório: desde meados dos anos 80, a humanidade não está mais vivendo dos juros da natureza, mas esgotando seu capital. E é aí é que está. Desconfio que nos estrepamos. O mundo cresceu desarvoradamente desde os anos 50 para cá, mas sempre para os mesmos. Essa obsessão resultou na proliferação mais do que desenfreada de uma pobreza em série, nos mais diversos cantos do mundo. Além da fome, que é uma conseqüência natural desse modelo, a pobreza provocou boa parte dos desastres ambientais que assistimos hoje e alimenta gordamente as estatísticas da violência.

Para reverter a curva da pobreza, não acredito que tenhamos, como única opção, de continuar a crescer, crescer, crescer. Vamos ter é de cortar o muito. Até para garantir a sobrevivência do planeta. E crescer mais devagar. E aprender rapidamente a distribuir, distribuir, distribuir. Só assim a China vai conseguir resgatar da miséria, sem comprometer a qualidade do meio ambiente, os 800 milhões de chinezinhos que ainda estão no campo. E olha que a China explodiu de crescer nos últimos anos. Só assim nós, aqui mesmo, vamos conseguir incluir os nossos milhões de pobrezinhos, que andam por aí, pelos sinais de trânsito, pelas esquinas, por aí. É nisso que estou pensando neste finalzinho de domingo.


Estou seriamente desconfiada de que se não convergirmos agora, caminharemos desembestadamente para extinguirmos do planeta esse tal do bicho-homem.


Um restinho de domingo no descanso merecido e uma semana plena de entendimentos para todos.

Buenas.

terça-feira, outubro 24, 2006

E se?

Trilha alternativa: O Samba do Crioulo Doido. Com quem mesmo?

E se o vento não tivesse batido meio atravessado e desviado a trupe de Cabral para a costa brasileira? Como seríamos? Como teriam nos deixado ser?

E se não tivesse dado na telha de D. João III de copiar o sistema de colonização implantado nos Açores, dividindo as terras brasileiras em 14 capitanias hereditárias? Se não tivesse concedido esses lotes a membros da burocracia e a militares e navegadores? E se, diferente do que foi, esses donatários tivessem vindo por aqui ao menos para bater o ponto? Seríamos melhores ou piores do que somos?

E se os bandeirantes paulistas não tivessem se transformado em milícias paramilitares e, contrariando a lei, não tivessem saído Brasil adentro escravizando índios? Quando não simplesmente exterminando-os? E se os bandeirantes paulistas não tivessem inaugurado uma civilização própria, fundamentada na temeridade e na cobiça? Seríamos mais felizes? Ou seríamos mais perdidos?

E se não tivéssemos sido contaminados pela febre do ouro? Se os rios não tivessem sido desviados para facilitar a catagem do ouro? Se os paulistas não tivessem sido liberados pela Coroa para iniciar o comércio de africanos para abastecer de mão-de-obra barata as minas das Gerais? Seríamos menos alegres? Cantaríamos menos? Dançariamos mais desajeitados?

E se Joaquim Silvério dos Reis não fosse um endividado aloprado e não tivesse denunciado a já gorada conjuração mineira? E se a elite endinheirada da província mineira, que liderava o movimento, não tivesse dado com os burros n'água? Se tivesse conseguido fundar a República de Minas? O Brasil teria aderido? Ou seríamos divididos em pequenas republiquetas da banana?

E se D. Pedro tivesse sido abatido pela diarréia que contraiu às vésperas do famoso 7 de Setembro e não tivesse tido forças para chegar às margens do Ipiranga? José Bonifácio Andrada daria o grito em seu lugar? Ou o povo se banharia nas águas do rio? Isso nos tornaria menos subservientes ou mais dependentes?

E se? E se?

E se os golpistas civis e militares não tivessem, na calada da noite, longe do cheiro do povo, em silêncio e provisoriamente, proclamado a nossa república? E se o referendo a república não tivesse demorado 104 anos, depois dela já proclamada, para ser convocado? Os espíritos estariam mais armados? E se o povo, paciente, tivesse costurado o movimento e construído a república, no momento em que a monarquia caia de podre? Teríamos uma noção melhor das coisas públicas e privadas? Saberíamos diferenciá-las com mais competência?

É tanto se nessa história que cansei. Vou pular algumas paradas da linha do tempo. E se Getúlio não tivesse insônia? E se tivesse atirado pro alto ao invés de acertar o seu coração? E se JK tivesse mais cinco anos? E se Jânio não tivesse renunciado? E se Jango tivesse mais tino? E se os militares não tivessem se apegado ao poder? E se o Dante de Oliveira tivesse trabalhado melhor a sua base parlamentar? E se Tancredo não sofresse de diverticulite? E se Collor não fosse uma farsa? E se FHC fosse só um acadêmico? Seriamos um país melhor ou pior? Estaríamos no 1º, 2º, 3º ou 4º mundo?

E se Lula tivesse conseguido um bom emprego no ABC paulista? E se não tivesse se acidentado no trabalho? E se não gostasse de política? E se não tivesse conquistado a presidência em 2002? E se não tivéssemos o instituto da reeleição? E se Alckmin não fosse um chuchu? E se Alckmin fosse Serra? E se Alckmin fosse Aécio? Estaríamos mais conformados ou mais revoltados? E se....?

E se essa noite a lua iluminar nossos sonhos? E se as estrelas descerem a rampa do céu para brilhar ao lado da nossa cama? E se nosso anjo da guarda fizer sentinela a noite toda e não deixar que nada de mal nos aconteça? Estaremos mais contentes amanhã ou menos desiludidos?

Até de repente!

domingo, outubro 22, 2006

Espelho, espelho meu

Trilha alternativa: Bom dia!, com Zizi Pozzi, pois até hoje só ouvi com ela mesma.

Do alto da mesa três tigres tristes me espreitam. Terei de devorá-los antes que me decifrem. Mas vou deixar pra depois. Agora não é hora de trabalhar. Prefiro pensavaguear. Justamente. Fazia isso, enquanto terminava de lavar a louça do almoço. Tentava me lembrar quais foram as pessoas que mais me influenciaram na vida e que nunca existiram. Essa é também uma forma de me decifrar, antes que os três tigres tristes o façam. Se não é que, antes disso, eu mesma irei devorá-los.

O caubói do Marlboro é o campeão dos campeões entre as personagens que tiveram maior influência na formação do comportamento da sociedade mundial, nos últimos dois séculos. E ele nunca existiu. Vi isso na resenha de um livro que deve estar chegando por aí, listando as 101 Pessoas mais Influentes que Nunca Viveram. Os três autores americanos destacam ainda nesse ranking Papai Noel; o Grande Irmão, personagem do livro 1984 de George Orwell; o Rei Arthur; e, mais para o fim da lista, a detestável Barbie, o Patinho Feio, Batman e James Bond, o Agente 007.

Não vou contestar. Devem saber o que estão dizendo. Mas posso garantir que nenhuma delas exerceu influência alguma no meu jeito de ver e de estar no mundo. Não essas. Podem existir outras que me capturaram sorrateiramente, enquanto estava distraída, me estranhando num espelho ou no reflexo de uma vitrine, em plena avenida Afonso Pena.Com certeza existiram outras que me pegaram pelo pé, enquanto sonhavagueava, deitada no sofá da sala, lendo um livro ou vendo televisão. Existiram. Agora estou certa disso.

Até hoje luto ferozmente para me livrar da má influência da formiga e da cigarra, personagens de uma das fábulas de La Fontaine, que li fascinada e, ao mesmo tempo, aterrorizada, num dia de Natal. Não foi a modernidade que me levou para o mercado de trabalho. Não foi mesmo. Foi a formiga que me condenou. E ela não existiu, mas lá, naquele dia, apavorada com o meu triste destino de criança-cigarra feliz, tomei a decisão de que, quando crescesse, seria qualquer coisa, mas, antes de tudo, seria uma trabalhadora incansável. E tenho sido. Não é fácil nos livrarmos de influências tão enraizadas.

Também peguei da formiga a mania de juntar coisas. Guardo qualquer traquitana que amanhã possa ter alguma utilidade. Um pedaço de barbante, papéis de presente, fitas coloridas, clips que encontro perdidos no meio da rua, botões, pés de meia solteiros, roupas que não nos servem mais, embalagens reaproveitáveis, fios, conectores, tudo que um dia, num inverno da vida, poderá virar outra coisa de grande valia. Até papel com um lado em branco, guardo para rascunho. Guardo, embora nunca me lembre de usá-los quando vou escrever qualquer bobagem. Mas é a praga da formiga.

É dela que tirei essa crença: na vida, ou você trabalha ou você se diverte. E se trabalha, não se diverte e, se se diverte, não tem como trabalhar. E outras lições penosas: só terá recompensas na vida, se trabalhar muito. Se preferir se divertir, vai dançar. Eu me lembro muito bem: Ah, cantavas! Então agora dance! – foi o que a formiga disse. Mas hoje, ainda que tarde, já me permito ser uma forgarra ou uma cimiga, sem dor na consciência.

Antes disso e durante um bom tempo, penei amargamente esperando o dia em que estaria pronta para lutar pela minha sobrevivência. Só aliviei essa carga no dia em que me deixei influenciar por outra pessoa tão forte quanto a formiga de La Fontaine. Ela também não existiu, mas a conheci por acaso, na estante do escritório da minha casa: era uma menina também, de 11 anos e, para mal dos pecados, órfã de tudo e sobrinha de Tia Polly Harrigton, uma mulher intragável que não suportava a luz do sol. Exatamente. Pollyana. Aprendi com ela a minha salvação: o jogo do contente.

Fiquei tão viciada nisso que colecionei uma infinidade de outras personagens que me influenciaram exatamente dessa mesma forma. De Maria, a Noviça Rebelde de Julie Andrews, mais tarde sra. Von Trapp, até o sem medo de ser feliz do PT. A ingenuidade não é de todo mal e funciona bem, se queremos apenas ser feliz na vida. O diacho é que queremos sempre mais e aí o jogo do contente é um obstáculo quase intransponível. Precisamos da raiva e da coragem para mudar alguma coisa nesse mundo. São as filhas da esperança, como dizia Santo Agostinho.

E a raiva e a coragem não aprendemos com ninguém. Tivemos de inventá-las. Claro, inspiradas em histórias de vida reais, misturadas em doses muitas vezes inadequadas, quando não equivocadas, mas sempre suficientes para nos fazer mover, seja pra que lado for, mas mover e sair do conforto do contente. E tiveram outros seres inexistentes que me moldaram, mas três tigres tristes me encaram do outro lado da mesa. Acho melhor parar por aqui e devorá-los logo, antes que me desvendem.

Que os astros conspirem a favor de todos vocês neste final de semana, livrando-os das más influências que pairam sobre o planeta.

Hasta la vista e un belo día.

terça-feira, outubro 17, 2006

O que é que esse cara tem?

Meninas, esse cara tem um problema. Deve ter nascido careca, sem dentes e com dificuldades para falar. Só pode, porque uma pessoa assim não é normal. Ou então, não teve infância. Não teve um cachorro quando era menino! Não amarrou besouro na caixa de fósforo, não deu banho em gato, não cortou asa de passarinho e todas essas maldades que menino faz, só por curiosidade, sem nenhuma intenção de maltratar o bichinho. Deve ter sido isso. Ou coisa pior. Mas ele tem um problema.

Sabem aquele, que não assina o Tratado de Kioto nem que chova canivetes na sua horta? Pois é. Finalmente, tirou a bic do bolso. Melhor que não tivesse tirado. Mas tirou. E decretou um retrocesso histórico de algumas centenas de anos para todo o resto da humanidade. O danado do bush, pegou a sua bic para assinar uma polêmica lei antiterrorismo, que lhe dá agora, de fato, poderes de imperador. Doravante, bush tem autorização do Congresso Americano (ô congressinho, hem?) para, por exemplo, interpretar normas internacionais sobre tratamento de prisioneiros.

Sabem o que isso significa? Que as convenções de Genebra, assinadas por todos nós, inclusive pelo próprio Estados Unidos, viraram letra morta. Não foi outra coisa que aconteceu. Pois, doravante, essas convenções poderão ter interpretações originais, inspiradas, exclusivamente, no estreito entendimento que aquele tem do mundo. Não mais baseadas na intenção do legislador, no consenso dos juristas, no bom senso que nos orienta a todos quando enfrentamos momentos mais delicados.

Significa, por exemplo, que se bush desconfiar de qualquer distraído que estiver dando sopa nas ruas de Washington D.C. , este Zé mané estará ferrado para o resto da vida. Aquele vai interrogá-lo até o final dos tempos e se o coitado não tiver nada a declarar, poderá sofrer todas as atrocidades do mundo, das mais primitivas às mais tecnológicas, tudo dentro da lei. Vai penar até falar aquilo que aquele quer ouvir. Pau de arara, por exemplo. Se bush achar necessário, pode ser. Afogamento na bacia de alumínio. Se for preciso, tá valendo. Vinte quatro horas ligado num canal evangélico. É sopa no mel! E por aí afora vai. bush é quem vai decidir.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 1948, o nosso primeiro grande projeto de Humanidade, também foi pro lixo, claro! Todos os seus 30 artigos, de um jeito ou de outro, foram despachados para o museu. Acho que não estou exagerando. O artigo 5o., com certeza: A tortura é proibida em toda e qualquer situação. Nenhuma pessoa poderá ser submetida a tratamentos ou punições cruéis, ou capazes de levá-la a se sentir atingida em sua dignidade humana. Esse é até óbvio, não é não?

Não vou copiar toda a Declaração, mas quero citar pelo menos mais um artigo, o 2o: Seus direitos devem ser respeitados por todos, não importa o país onde você nasceu, nem a forma como ele é governado. Você não poderá receber um tratamento diferente, nem ter seus direitos ignorados ou desrespeitados, em razão de sua origem, de sua raça, de sua cor, de seu sexo, de seu idioma, de sua religião ou de suas opiniões ou convicções políticas ou de qualquer natureza. E vai por aí.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é considerada a principal invenção do século XX. Creiam meninas, foi uma conquista muito mais ousada do que qualquer uma destas novas tecnologias que andam sendo vendidas por aí, como os laptops, i-pods e outras bobagens mais. E, pomba, numa canetada aquele, que não assina o Tratado de Kioto, transformou-a em picadinho, no fundo de uma lata de lixo. Esse cara tem um problema. Ou melhor, esse cara é o problema.

Tô indo.

Durmam em paz, apesar de bush, e que o nosso anjo da guarda não nos abandone nesta noite.

Pé de Página
Trilha falada : O capitalismo imperialista está em decadência irreversível, doutor, é um fato. Agora, lembra Rosa de Luxemburg? Ela escreveu que a queda do capitalismo traria o socialismo ou a barbárie. Não vejo indício de socialismo. Palavras proféticas de Paulo Francis, in Cabeça de Negro

sexta-feira, outubro 13, 2006

Sopa de letrinhas

Trilha falada: Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães. Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas.

Estava fechando o portão da garagem ontem à noite e fui interceptada pela minha vizinha da direita. Digo, da casa que fica logo à direita daquela onde moro. Preparei o espírito. Achei que ela vinha se queixar do ser arbóreo que habita nossa calçada e que deu muito trabalho nas duas últimas semanas. Espalhou folhas pela rua inteira. Muitas. Imaginem muitas mesmo, meninas. Foi muito mais. Mas já esperava por isso e armei-me de bons argumentos para acalmá-la. Só que não era essa a pauta do dia. Ela estava em plena campanha. Queria conquistar meu voto para Geraldo.

Confesso, fui surpreendida. Mas claro que evitei dizer não. Sou distraída, mas não jogo pedra em ninguém. Tentei apenas argumentar que São Paulo merece Lula, depois de ter nos devolvido Paulo Maluf. Ela, militante aguerrida, não cedeu e continuou sua investida em favor de Geraldo. No final, concordamos, as duas, que precisamos pensar muito até o final do mês. Concordamos também nas nossas dúvidas: qual é, de fato, o valor das palavras no discurso de cada um deles? E tão importante quanto, o significado de cada uma delas? Será que estamos todos falando a mesma língua? Tem horas, meninas, que desconfio que não. Será que o que um fala o outro entende? Será que eles têm noção do que dizem? Será que estão falando exatamente o que pensam ou pensam uma coisa e falam outra? Será que o que entendemos do que dizem é mesmo o que estão falando?

A concretude das letras
A conversa foi ficando tão etérea para uma sexta enforcada que começamos a desconfiar de que nem nós estávamos mais nos entendendo e resolvemos simplificar. Ali, em pé, na beira do portão, passamos a falar da concretude das palavras. A minha vizinha da direita, a boca pequena, queixou-se dos netos que estariam aniquilando a língua portuguesa. Recebeu um e-mail de um deles, que mora em Brasília, e quase precisou de um tradutor. Aqui virou aki; não é naum; você (vê se pode, não usam mais senhora!), mas você, é vc; e falou é flw. Olhem que drama. Onde vamos parar? – ela me perguntou, querendo respostas.

Para ganhar tempo, devolvi com uma pergunta. Quem me contou essa garantiu que a questão apareceu numa prova de concurso. Tasquei, na lata. Como se escreve, na forma aportuguesada, a palavra mozzarela? Minha vizinha, como eu, não teve dúvida: mussarela, uai! Errado. Não é. É muçarela, conforme dita o dicionário. Ela ficou pasma e indignada ao mesmo tempo. Não pode! Não pode! E voltamos a concordar. A escrita é uma convenção e se todo mundo escreve mussarela, o certo é mussarela. Então ficou mais fácil convencê-la de que os atentados cometidos contra a língua portuguesa são apenas tentativas de simplificá-la, tornando-a mais acessível. De um certo jeito, é um movimento pela democratização da escrita.

Não inventei isso. Só usei o mesmo argumento dos gramáticos do início do século XX. Naquela época, segundo li num dos números da revista Língua Portuguesa, da editora Segmento, eles iniciaram uma verdadeira guerra para restabelecer a ortografia fonética. Com alguns padrões, claro, porém mais simplificados do que os da chamada ortografia pseudo-etimológica. Essa havia surgido ainda no Renascimento, com o objetivo sublime de elevar a língua portuguesa a um status de língua culta, com um padrão clássico.

Foi nesse período que tipografia, virou typographia, farmácia, virou pharmacia, caos, virou chaos e outras extravagâncias mais. Os grupos ch (com som de k), ph, rh e th eram os blue chips do mercado ortográfico, supervalorizados. O retorno à simplicidade ortográfica não foi uma tarefa fácil. Pelo contrário, sofremos muitas idas e vindas, resistências e bombardeios, negociando sempre em duas frentes: internamente, com nossos gramáticos e com os nobres membros da Academia Brasileira de Letras e, externamente, com os patrícios portugueses. Só em 1938, o sistema ortográfico simplificado foi restabelecido.

Uma batalha estava vencida. Faltava limpar o front externo. O acordo de uniformização da ortografia brasileira e portuguesa foi assinado em 1943. De lá pra cá, foi atualizado apenas uma vez, em 1971, durante o governo Médici, com a assinatura de um novo decreto, incluindo pequenas alterações no acordo. E é esse que vigora até os nossos dias. Sem nenhuma outra revisão.

Isso é bom com macarrão
Se é assim, ouso dizer que mussarela se escreve mesmo é com /ss/, pois, por essa convenção, o /ç/ deve ser usado apenas em palavras de origem tupi, o que, definitivamente, não é o caso de mozzarela, indiscutivelmente uma palavra de origem italiana. Já estávamos quase terminando o nosso tricô, quando minha vizinha da direita quis saber então se todos os países de língua portuguesa já adotam esse padrão. Aí é outra história, não é não? A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) ainda está conversando, conversando...um dia chega a um consenso. Está como nós, eleitores, conversando, conversando...

Enquanto isso, vai jogando futebol, pra ver se se entrosa mais. Mas a fome de bola do Brasil e agora, na era pós-Filipão, de Portugal também é tão grande, que acho cada vez mais difícil chegarmos a um rápido acordo. Nos Jogos da Lusofonia, de futsal, que estão acontecendo agora, Portugal e Brasil derrotaram de forma humilhante um dos mais novos membros da CPLP, o jovem Timor Leste.

Segundo Sardenberg, no CBN Brasil de hoje, Portugal derrotou a equipe novata do Timor Leste por 59 ou 56 x 0 e o Brasil eliminou o time do torneio com uma goleada de 76 x 0. Uau! Os rapazes capricharam. A torcida agradece e os gramáticos, lingüistas, professores, escritores e todos os que lutam desesperadamente pela unificação da língua portuguesa dão um sorriso amarelo e suspiram impacientes para mais essa tentativa frustrada de confraternização. Exatamente como nós, eleitores, ao final de cada debate.

Um restinho de feriadão ou feriadaum na mais doce e santa harmonia ou armonia, se é que vocês me entendem, meninas.

Tiau, tchau, tial, tchiau, txchau, tixau!

terça-feira, outubro 10, 2006

Nada disso

Trilha marginal: Inútil, com Ultraje a Rigor (dá-lhe Roger!)

Ia pegar umas ondas por aí, mas não fui. E não indo, vim passear por aqui. Ia só divagar, mas não resisto a uma pauta pronta. Confesso que vi o debate dos presidenciáveis. Foi dureza, num fim de domingo, mas admito, vi tudo até o final. Vocês viram? Que conversa arrevesada, hem meninas? Tá doido siô, fico arriada com esse bate boca sem fim, que não vai a lugar algum. Não presta nem para nos ajudar a decidir um voto. Se é que já não decidimos.

Vou ser franca. Esse discurso denuncista já deu o que tinha de dar na campanha. Cansou. Cansei. E não só eu, mas acho que todos nós eleitores. Agora queremos é mais. Mais qualquer coisa: idéias, propostas, planos, pistas, maquinações, sonhos, qualquer coisa, menos esse lenga lenga, que por mais grave e importante que seja, não os diferencia em nada. Pelo menos não no imaginário do eleitor. Político é político. Em qualquer pesquisa de imagem, ele ocupa sempre a taxa mais baixa de credibilidade junto à opinião pública. Nesse quesito, portanto, acabam se igualando, mesmo sendo homens de bem, como acho que são.

Tem outra coisa que me dá nos nervos: a estupidez geográfica. Achar que o Brasil mora em São Paulo. Não moramos. Às vezes, até gostaríamos. Mas não moramos. Estamos perdidos é no meio de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, que abrigam 5 mil 561 cidades. Estamos é ali, escondidos em uma delas. O Brasil, portanto, é muito maior do que São Paulo. Maior do que São Paulo e Minas juntos. Do que São Paulo, Minas e Rio, todos somados. O Brasil tem problemas e soluções espalhados pra todo lado. Tem necessidades e potencialidades em todo canto. São Paulo é só uma esquina e não um país inteiro. Alguém tem de dizer isso ao Geraldo. Ou então, vamos declarar logo de uma vez a independência de São Paulo e seja o que deus quiser. A parte vira o todo e a confusão se desfaz.

E mais outra coisa: tudo que já está feito, feito está. E será sempre pouco para o muito que ainda temos por fazer. Alguém precisa dizer isso ao Luiz Inácio. Afinal, moramos todos num país de dimensão continental. Quem mandou? Azar o nosso. Morássemos na Holanda, em Portugal ou no Principado de Liechtenstein, tudo seria mais simples. Mas não moramos e aí é que as coisas começam a se complicar. Tudo por aqui é super, hiper, mega mais difícil. Não temos um problema, mas vários. Não temos uma solução, mas um depende repleto de variáveis. Brasil se pronúncia Brasis. Nossa unidade está só na alma.

E outra mais: meu olho não é uma câmara de tevê. Detesto quando olham para mim de dentro de um tubo de imagens. Querem fingir que conversam comigo. Mas não me convencem. Queria ver o Geraldo olhando no olho do Luiz Inácio. Queria ver o Luiz Inácio olhando no olho do Geraldo. Queria vê-los dialogando. Um falando pro outro. Um ouvindo o que outro estava falando. Discordando, retrucando, rebatendo, tropeçando, gaguejando, mas olhando, olho no olho. Era isso que eu queria.

E não só. Queria saber mais. Qual é o diagnóstico de Geraldo para o Brasil-Brasis? Em que pé estamos, ao final deste mandato, hem Luiz Inácio? E então? O que vai ser pra frente? Pra um e pra outro? Por onde vamos? Pra onde vamos? Com quem vamos? Essas são as grandes questões que atormentam meu sono. Espero que me respondam antes do final do mês. Enquanto não, continuo onde sempre estive: ou voto nele, nulo ou nulula. Tá difícil, hem meninas? Como diz o Rafa, a vida é dura assim mesmo, mas no final a gente morre.

Uma semaninha arretada pra todos.

Até mais ver.

quinta-feira, outubro 05, 2006

O que faremos esta noite?

Trilha alternativa: pra ninguém dizer que variei, Dreamland, com Madeleine Peyroux

Meninas, parece que nascemos mesmo para conquistar o mundo. E se nada de errado acontecer ao longo do caminho, tenho a impressão de que já estamos assumindo o comando. Vocês viram a pesquisa do IBGE que está circulando nos jornais de hoje? Quase 30% dos domicílios brasileiros já são chefiados por mulheres. E esse não é um achado pontual, culpa do Lula ou uma seqüela da globalização. É uma mudança no padrão de atividade feminina, como constata a pesquisa.

Já viramos uma tendência, que se consolida a cada nova pesquisa. E uma tendência forte. Só para vocês terem noção do tamanho do estrago que estamos fazendo, de 2002 para 2006, esse percentual cresceu 21% e, pelos números de agosto passado, já éramos quase 3 milhões de mulheres na chefia dos lares brasileiros. Já poderíamos fundar um partido ou uma igreja com sucesso garantido. É brincadeira?

Mas não fiquem prosa, meninas. Ainda falta muito para assumirmos o leme. Essa turma que está nos representando hoje ocupa postos mais precários que o da média da população feminina empregada, com nível de informalidade maior e jornada de trabalho mais longa. Na mesma função, ainda recebe salários mais baixos do que os homens e apresenta menor nível de escolaridade também. Outra coisa, menos grave, essas mulheres são mais velhas que a média de todas nós que estamos por aí, batalhando o pão de cada dia. Ou seja, a situação ainda é dramática, mas estamos chegando lá, não é não?

Acho que o Cérebro deve estar se contorcendo de inveja. Mas acho também que não deveria. Pela pesquisa, a nossa situação, além de dramática, é trágica. Mais da metade das nossas chefes de família mora sozinha com os filhos. Ou seja, rala e pena todos os dias. Outras 25% são casadas e mais ralam que penam. As 18% que faltam para fechar a conta, moram sozinhas e mais penam do que ralam. Ao que parece, estamos todas no mesmo barco. De um jeito ou de outro, quando temos de nos dividir entre a casa, a família e o trabalho, não temos muito opção: ou penamos ou ralamos para dar conta de tudo. Pelejamos, como já disse Dilma. Não é uma queixa, meninas, é só uma constatação, para amenizar a angústia de Cérebro.

No fundo, no fundo, se fosse fazer uma avaliação do resultado dessa pesquisa, faria uma leitura até otimista. Acho que o que esses números nos mostram é que hoje estamos mais corajosas. Antes, fazíamos tudo isso, mas fingíamos que não éramos nós que tocávamos o barco. Agora não. Ficamos também mais confiantes no nosso tino. Mais tolerantes. Abrimos mão da perfeição. Aprendemos a lidar com nossos erros de forma mais amigável. Não nos desesperamos diante da crítica. Não carregamos mais o sentimento de culpa das nossas avós. Ficamos felizes mais vezes ao dia, mesmo sofrendo em dobro, agora preocupadas com o destino de nossos filhos e de todo o mundo. Ficamos mais calmas, ainda que as notícias continuem nos irritando todas as manhãs. Enfim, estamos nos adaptando.

Mas continuamos maquinando nossos sonhos. E se o Pink viesse nos perguntar agora: o que faremos esta noite? Como o Cérebro, responderíamos: o que fazemos todas as noites, meu caro. Vamos tentar conquistar o mundo! Diríamos isso, não diríamos?

Então. Um finalzinho de semana com muitos planos e boas estratégias para todos.

Inté.