domingo, outubro 29, 2006

Crescer é...

Trilha alternativa: Cio da Terra, com Milton Nascimento, claro, não é não?

Ufa! Custei, mas votei. Teclei na última hora, mais por obrigação do que por convicção. Mas isso não tem a menor relevância na contagem final dos votos. O que importa realmente é que eles estejam ali. E o meu voto está. Foi não querendo ir, mas foi. Uma hora teclava em um e cancelava. Outra hora teclava é no outro e cancelava. Às vezes teclava patinhos e cancelava. Até o mesário ficou preocupado, começou a me rodear com uma cara meio cismada. Não o recrimino, afinal levei mais de 50 segundos para me decidir. E fiquei muito à vontade mesmo, porque nem fila tinha na minha seção.

Pronto. Agora passou o tempo da divergência, devemos entrar na temporada da convergência. O que será conciliável nos dois discursos oferecidos aos eleitores, durante a estação de caça aos votos? As reformas, com certeza, vão aparecer na pauta de governo do candidato vitorioso, seja ele quem for. Isso ficou bem claro durante os debates. Reforma tributária, fiscal, da previdência, trabalhista, política e assim por diante. Resta saber a prioridade que vão receber, o ritmo com que vão caminhar e os pontos que serão mais enfatizados nas mudanças. Mas, até agora, tirando a idade mínima para a previdência, que Alckmin se disse contrário, vi poucas divergências entre um e outro. A Folha concorda comigo. O PSDB até chegou a pregar a redução da carga tributária, mas não acredito, com sinceridade, que eles seriam capazes disso.

E o que fica claro nisso tudo, lamentavelmente, é que deverá permanecer, ao longo dos próximos quatro anos, a preponderância da economia sobre as políticas sociais. Alguém já me disse uma vez que a economia não é uma ciência, mas uma ideologia disfarçada. Parece que é mesmo e compartilhada pelas duas forças que disputavam a presidência no Brasil. O grande debate, relevantíssimo, que prevaleceu na fala dos dois candidatos é a necessidade de acelerar os índices de crescimento da economia brasileira. Para Alckmin, essa fala vinha como uma denúncia, apesar de em oito anos de FHC o índice não ter sido muito diferente. Para Lula, vinha como uma promessa. Já crescemos, mas vamos crescer mais! – repetia.

Crescer. Esse é o verbo. Mas tenho um poço de dúvidas sobre a sua conjugação. Primeiro, desconfio de todos os exercícios estatísticos comparativos feitos sobre o desempenho da economia brasileira em relação ao dos demais países emergentes ou não. O que representa um índice de 2% na economia brasileira e um de 6%, por exemplo, numa economia como a do Uruguai? O que representa os mesmos 2% numa economia que vem crescendo continuamente e 5% numa economia que saiu do fundo do buraco. Não acho que sejam grandezas comparáveis, mesmo o Cláudio dizendo que são.

Depois, já estou ficando empanturrada com essa perspectiva ad infinitum de crescer, crescer, crescer, até não sei onde mais crescer. Crescer muito. Fico pensando que essa máxima do mercado vai trombar, qualquer hora dessas, com seus limites. Se já não está. Semana passada, a organização ambiental WWF divulgou o seu relatório Living Planet Report, denunciando que já estamos usando recursos naturais a uma taxa 25% maior que a capacidade do planeta de regenerá-lo.

De novo, o ano de 2050 é o limite-referência. Se continuarmos a crescer neste mesmo ritmo, quando chegarmos lá, em 2050, a humanidade precisará de duas Terras para prover suas necessidades. Vou copiar o relatório: desde meados dos anos 80, a humanidade não está mais vivendo dos juros da natureza, mas esgotando seu capital. E é aí é que está. Desconfio que nos estrepamos. O mundo cresceu desarvoradamente desde os anos 50 para cá, mas sempre para os mesmos. Essa obsessão resultou na proliferação mais do que desenfreada de uma pobreza em série, nos mais diversos cantos do mundo. Além da fome, que é uma conseqüência natural desse modelo, a pobreza provocou boa parte dos desastres ambientais que assistimos hoje e alimenta gordamente as estatísticas da violência.

Para reverter a curva da pobreza, não acredito que tenhamos, como única opção, de continuar a crescer, crescer, crescer. Vamos ter é de cortar o muito. Até para garantir a sobrevivência do planeta. E crescer mais devagar. E aprender rapidamente a distribuir, distribuir, distribuir. Só assim a China vai conseguir resgatar da miséria, sem comprometer a qualidade do meio ambiente, os 800 milhões de chinezinhos que ainda estão no campo. E olha que a China explodiu de crescer nos últimos anos. Só assim nós, aqui mesmo, vamos conseguir incluir os nossos milhões de pobrezinhos, que andam por aí, pelos sinais de trânsito, pelas esquinas, por aí. É nisso que estou pensando neste finalzinho de domingo.


Estou seriamente desconfiada de que se não convergirmos agora, caminharemos desembestadamente para extinguirmos do planeta esse tal do bicho-homem.


Um restinho de domingo no descanso merecido e uma semana plena de entendimentos para todos.

Buenas.

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