quinta-feira, outubro 15, 2009

Um jeito de ser


Queria mesmo é falar de futebol. No mundo em que estamos vivendo, neste pleno século XXI que nos arrumaram, muito meio embromador, o futebol ainda é um dos poucos acontecimentos que conseguem mobilizar com paixão populações de todos os cantos do planeta. Se ainda é um esporte para poucas estrelas; um esporte que movimenta uma riqueza incalculável para vários paisitos desse mundão afora; que vive da política, como todos nós; na prática, continua sendo um esporte genuinamente democrático. Jogam brancos, negros e amarelos. Meninas, vocês sabiam que a China é o país com o maior número de jogadores de futebol do mundo! China, ah! a China, vai roubar de todos o posto de liderança de qualquer ranking mundial. Daqui a pouco, será o maior país de língua portuguesa do mundo!

Não vou voltar a esse assunto. Mesmo querendo muito falar de futebol, vou falar de mudança climática, porque hoje é o Blog Action Day, um mob-blog para demonstrar a força de mobilização das redes sociais no ambiente virtual. Ainda acho que futebol mobiliza mais, mas tudo bem, vou fazer a minha parte.

Já cansei de falar sobre o risco que estamos correndo. O planeta está ficando velho, ranzinza, temperamental, implicante, impertinente, birrento mesmo. Com o passar do tempo, não somos nem um pouco diferentes disso. É claro que tem as exceções. Eu mesma acho que melhoro dia a dia. Cada vez menos as coisas me irritam, me incomodam ou me chateiam. E se aparece alguma que me aborrece um pouco mais, faço como uma amiga, mando pra tonga da mironga do cabuletê.

Esse envelhecer, do qual ninguém escapa, nem o planeta, é, talvez, o maior responsável por essas mudanças que estamos assistindo. Pelos dilúvios, tsunamis, terremotos, secas, desertificações absurdas, vulcões, furacões e outros ões. Não tenho dúvida disso. É muita pretensão nossa achar que somos os autores dessa tragédia. Mas também não tiro nossa responsabilidade. Acho que o jeito, o mal jeito que escolhemos para estar no mundo acelera o nosso envelhecimento. Mudar esse jeito predador de ser pode conter um pouco esse movimento inexorável de vida e morte a que estamos todos submetidos nesse universo de deus e, quem sabe, nos dar a chance de descobrir a fórmula da vida eterna. Duvido, mas vá lá.

Não estou sendo pessimista, mas pragmática. Temos de encontrar um jeito de estar sustentável, num mundo que envelhece a nossa revelia, habitado por nós, que também estamos envelhecendo a nossa revelia. Um mundo que irá perder boa parte da sua fauna e flora, porque é assim que é desde o início de todos os tempos. Um mundo que terá de abrigar outras espécies da fauna e flora do mundo que virá. Um mundo com um jeito de funcionar que já está mais pra lá do que pra cá de tão caduco que ficou.

Talvez essa seja a única variável que podemos, de fato, alterar, com nossas intenções e ações. Encontrar um jeito diferente de fazer a roda da vida girar, menos big, menos plus, menos super, menos hiper, menos mais, poderá ser uma saída. Inventar um jeito mais simples de estar no mundo, possível de ser compartilhado com todo o planeta, sem exceções, poderá ser uma solução. É mais ou menos isso que dei conta de pensar.

Inté moçada.
Foto: minha

domingo, agosto 30, 2009

Um mundo de tralhas


Tem isso. Quando as coisas estão no seu lugar nem percebemos como elas se acumulam. Elas vão chegando, se espremendo, cavando espaço até encontrar uma vaga. Se instalam ali e pronto. Aquele pedaço de vazio vira o lugar delas. Só quando precisamos remover tudo de um cômodo para outro é que percebemos a tralha que juntamos na vida. Um mundo inteiramente dispensável, mas que insistimos em preservar acreditando que tem algum significado. Ter até tem, porque damos um a qualquer besteira que caia nas nossas mãos. Um pedaço de papel com um risco torto varando o espaço branco de um canto a outro vira um dragão de fogo invadindo a Terra-Média. O dragão nem é tão importante, mas foi meu menino que rabiscou. Nem tinha dois anos. E foi num dia em que estava chovendo e ele estava febril, com o nariz entupido, para variar, e não podia sair da cama, porque estava sem meias e muito cansado para encontrá-las perdidas debaixo da estante. Passou a manhã deitado, rabiscando papéis e inventando histórias. E eu deixei porque era melhor assim.

Mas os papéis são apenas uma parte das tralhas que juntamos. Tem ainda as roupas que não vestimos mais, porque não nos servem, porque crescemos, engordamos, porque saíram de moda, porque estão gastas ou por qualquer outra razão que nem nos lembramos mais. Mas juntamos um guarda roupa inteiro de pagãozinhos bordados, moletons de mickey, macacãozinhos de bichinhos, saias indianas, um blusão dupla face, twin set de todas as cores, três calças lee desbotadas e rasgadas na barra, um terno cinza com colete e tudo, uma roupa de anjo de alguém que nem sabemos quem, uma camisa listrada, uma fantasia de índio, uma de chaplin, quatro quimonos e meia dúzia de faixas de cores variadas e assim por diante. Tudo dobrado dentro de malas, sacolas, mochilas, tudo escondido nos maleiros. Só porque, em algum momento, conquistaram a glória de ter um significado.

Mas quando temos de tirar tudo isso e mais, muito mais, como uma máquina de retrato polaroid, uma olivetti portátil, uma espada de jedi, um quadro a óleo da Igrejinha do Ó, a coleção do Pasquim e assim por diante, não podemos deixar de ficar brutalmente pasmos com a nossa capacidade em atribuir significados quase eternos para coisas que pertencem, inquestionavelmente, ao mundo das utilidades passageiras. E vamos revirando caixas para esvaziar o cômodo. Aí encontramos a coleção de pedras, de tampinhas, de figurinhas das seleções do mundo inteiro, de dinossauros, de cobras, de bichos esquisitos, de chaveiros, de canetas, de clips recolhidos nas ruas, de papéis laminados que embrulhavam todos os sonhos de valsa que já devoramos desde a nossa adolescência, de papel de carta, de caleidoscópios, de recortes de jornais com notícias bizarras e um sem fim de coleções.

Mas aí tem outra coisa. Como nos desfazermos de tudo isso? Quem será o merecedor desse patrimônio tão valioso? Quem vai querer ganhar de presente uma colcha de crochet, trançada em linha de meia fina desfiada, pacientemente confeccionada por uma vó de mais de 90 anos? Duvido que encontre essa pessoa por aí. Ela não existe. E se existe alguém que queira, irá usá-la como se fosse uma colcha qualquer, sem nenhum significado, pois esse irá se perder para sempre da nossa memória, quando já não pudermos mais encontrar, escondida no fundo de alguma mala, a colcha de crochet de meia fina desfiada que uma dia a vó de quase 90 anos crochetou incansavelmente, para ajudar o tempo a passar. Não. Melhor guardá-la.

Melhor guardar tudo, devolver todas as coisas ao seu lugar. Guardar a colcha, as coleções, as roupas que um dia tiveram um significado muito especial, os papéis, os cadernos, os pedaços de fitas, as caixas de jogos, os relógios, as armações de óculos e toda essa tralha que juntamos na vida. Voltar com tudo para dentro das caixas e desocupar o cômodo o mais rápido possível, porque o pintor já está terminando o corredor e antes que a manhã termine, ele vai entrar no quarto e precisa de tudo liberado. Vai pintar as paredes de branco e a do fundo de verde kiwi para quebrar a monotonia. Vai ficar bárbaro!

Inté.
Foto: do Dani. Um mosquito de Évora.

sábado, junho 20, 2009

Viva a comunidade alternativa!


Blogs, twitters, wikis, celulares, mídias móveis, interativas, livres, amigáveis, superativas e o escambau. É nesse mundo, da sociedade da informação e da comunicação, que sobrevivemos. Para o bem e para o mal. Para o nosso bem ou para o nosso mal. Não faz muito sentido mesmo falar em reserva de mercado, em exigência de diploma para se exercer o ato mais banal da nossa existência que é a comunicação, a expressão das nossas angústias, constatações, aflições, indignações, espantos, admirações, alegrias e tristezas. Mais do que compartilhar uma visão de mundo, hoje necessitamos desesperadamente compartilhar um mundo de visões, múltiplas, diversas, plurais, para desse conjunto, dessa construção coletiva, extrair a nossa percepção da vida, clarear o nosso olhar sobre o mundo das coisas, das pessoas, dos movimentos e desse olhar estruturar o nosso jeito de estar por aqui. Só nosso ou de todos nós.

Não faz sentido reservar essa possibilidade, hoje ao alcance de cada um, apenas para alguns. Isso, evidentemente, não quer dizer que a função do jornalismo e a prática do jornalista estejam superadas. Pelo contrário, estão se tornando mais complexas. Não nos satisfaz mais ter as informações nas mãos uma vez por dia ou duas ou três. Já as temos multiplicadas pelo infinito no google e nas nossas redes virtuais. Queremos mais, muito mais. Queremos um jornalismo e um jornalista que nos ajudem a compreender os movimentos da vida e não só dos fatos, a perceber suas complexidades, suas conexões com o que já passou e com o que virá. Queremos um jornalismo de opinião, posicionado, argumentativo, investigativo, adulto e não a banalidade das manchetes e dos disse que disse. Queremos contrapor nossas múltiplas visões de mundo, a uma outra, refletida, amadurecida, também múltipla na sua origem e construída menos a partir das certezas, da objetividade dos fatos, mas das dúvidas, das inquietações, das subjetividades que esses fatos escondem. Um jornalismo de gente grande e não pueril como esse que aí está.

É evidente que, para isso, não basta revogar a exigência de um diploma. Para multiplicar as vozes nesse mundo midiático, é preciso liberá-las. É preciso, por exemplo, urgentemente, inadiavelmente, que haja o reconhecimento das mídias comunitárias, para que possamos conhecê-las. Queimar toneladas de equipamentos de rádio sob a alegação de que são ilegais não contribui para a liberdade de expressão. É preciso deixar as ondas comunitárias navegarem nesse espaço público, sempre dominado pelas grandes mídias. É preciso conectar os milhões de analfabetos tecnológicos. Mais. É preciso democratizar as redações, permitir a livre circulação de idéias, de pontos de vista diferentes, deixar aflorar as contradições do discurso pronto, estimular o debate interno, controlar as vaidades e revogar as arrogâncias. É preciso rever os currículos das escolas de jornalismo, aprofundar seus conteúdos, torná-los mais complexos, mais arrojados, para que os profissionais ali formados saiam maduros para a vida. É preciso responsabilizar os donos da mídia pelos seus atos de desinformação, de incomunicação, de restrição à liberdade de expressão.

Como vêem, esse não é um mundo de facilidades. Mais, muito mais do que revogar a exigência do diploma de jornalismo, é preciso revogar a pretensão de se ter no mundo um discurso único para explicar toda a nossa diversidade. Como jornalista, é mais ou menos isso que espero.

E espero mais. Que se revogue a exigência de diplomas e carteirinhas de outras categorias. Sinto limitada a minha cidadania, quando, para defender meus direitos, sou obrigada a constituir um advogado, com diploma de bacharel e carteirinha da OAB. Por que? O Direito, assim como o Jornalismo, é uma atividade intelectual, do ramo do conhecimento humano. Senso de justiça e bom senso não são monopólio dos juristas e advogados e o conhecimento da lei, é meu dever como cidadã. Jamais posso alegar, em minha defesa, o desconhecimento dela. Ousando, defenderia até o nosso direito de atuar como juízes não togados, sem a exigência de diplomas. Seria até mesmo uma solução para desencalhar os milhares e milhares de processos que estão mofando nas prateleiras dos tribunais.

E mais, que se repense também as exigências ou as restrições que se impõem, por exemplo, aos loucos dos estudantes de Medicina. Depois de concluírem um curso de seis, sete anos de estudo integral - manhã, tarde e noite - para obter as credenciais de especialistas, são ainda obrigados a disputar novo vestibular, com apenas uma ou duas vagas disponíveis por ano, e cumprir mais um ou dois anos de residência, para aí sim, estarem autorizados a usar um título. A dermatologia, por exemplo, abre uma vaga por ano. Isso não é reserva de mercado? Não é uma restrição grave ao desenvolvimento e expressão de novos talentos? E viva a homeopatia, a acupultura, do in, chi kong, chás, garrafadas, pajelanças, a confissão e a eucaristia. Não vivemos mesmo num mundo de facilidades. Por isso espero mais, muito mais. Espero muito de tudo isso.

Inté quando der, pois ando muito ocupada me especializando, especializando, especializando, para alguma coisa muito boa que só pode estar por vir, para justificar tanto esforço. E quando não, estou vivendo.

sábado, maio 23, 2009

Janelas abertas


Sempre prefiro janelas abertas. Se estão fechadas, quando chego em casa, abro todas elas. Prefiro ainda mais as janelas escancaradas, sugando a vida que corre lá fora e despejando-a no meio da casa. Latidos de cachorro misturados à voz rouca da cozinheira, desfiando suas histórias na beira do fogão; o ronco de um motor de carro abafando o grito dos meninos num quintal qualquer da vizinhança; e a luz entrando pela casa, mudando a cor esfumaçada do sofá, iluminando os cantos empoeirados do escritório; e o vento varrendo o corredor, espalhando mais outros sons que saem não sei de onde para se abrigarem dentro da minha casa. De um violão dedilhado que escapa de algum quarto do prédio dos fundos; de um rádio no talo anunciando mais uma desgraça no mundo; do assobio dos lixeiros subindo a rua para recolher nossas sobras desperdiçadas dentro de sacos azuis; de uma torneira aberta, deixando a água jorrar e escorrer ralo a fora; e de um choro, um consolo, um riso e o passou, passou, que alguém repete como se fosse um emplasto embebido em mel, doce, doce, encharcando de esperança a hora que vem depois de outra hora, depois de outra, depois de outra e assim um dia, outro dia e mais outro e um mês, um semestre, um ano, uma vida. Adoro janelas abertas, de par em par, bem escancaradas para deixar a vida entrar com força. Adoro.
Inté

domingo, maio 03, 2009

Que bom, que ruim!

Os pensamentos fragmentados em mil planos

Não sei se penso ou não penso. As ideias ainda estão embaralhadas e, certamente, não irão se ordenar numa escrita solitária, mas só num amplo debate que não tenho esperança que se dê tão cedo. É exagero admitir que gostei, mas é embaraçoso reconhecer que também não gostei. Concordamos todas que a Lei de Imprensa tinha um ranço de coisa velha. Seu texto refletia as preocupações do momento mesmo em que foi editada, preocupações que, em alguma dose, já foram superadas. Em outros trechos, trata de questões que já caducaram. Um exemplo, até simplório, é a multa que estabelece para quem vender ou distribuir jornais, periódicos, impressos cuja entrada no país tenha sido proibida. O dito terá de pagar 10 mil cruzeiros por exemplar apreendido. Nem sei mais quanto isso vale e nem sei se alguém sabe.

E qual o significado dessa restrição no mundo de hoje? Um mundo globalmente conectado, no qual as informações circulam em tempo real e estão acessíveis de qualquer parte do planeta? Meus filhos, por exemplo. Eles tem o hábito de ler jornais, mas não a versão em papel, que deixam para nós, viciados em café com notícia, todas as manhãs. Eles preferem a versão eletrônica, que acessam por meio dos portais da grande imprensa e sites do mundo inteiro, atualizados ao longo do dia. Azar o nosso, que temos de esperar 24 horas, se não quisermos nos dar ao trabalho de acompanhar on line todo o noticiário, como eles fazem. É claro que nada é tão simples assim. Ainda temos uma China, por exemplo, para desqualificar esse argumento. Mas não tenho dúvidas de que vivemos um outro momento e que esse tipo de restrição é de difícil compreensão para as novas gerações.

E seja como for, o fato é que se existe um consenso, é o de que essa lei não dava mais conta da nossa realidade, que ficou ainda muito maior, e precisava mesmo ser revogada. O que me incomoda, portanto, não é a sua revogação, mas a forma como foi tornada letra morta e, com igual incômodo, a meia verdade que essa notícia enseja. Amanhecemos sendo convencidos de que agora sim, agora sim, temos plena liberdade de imprensa. Como se não houvessem outras leis, hoje muito mais fortes, exercendo o controle da informação nos meios de comunicação. Que eu saiba, as leis de mercado, essas sim, hoje poderosas, continuam em pleno vigor. Ou não? Sei que não é tão simples assim detectar a influência do poder econômico no processo de edição de um jornal, mas seria ingenuidade acreditar que não exista. Da mesma forma, o poder político também abre suas asas sobre as informações que circulam na mídia. Se é legítimo ou não, é outra discussão, mas que existe uma guerra surda nas redações quando determinados assuntos entram em pauta, não tenham dúvida.

E agora? Revogada a lei, sem um amplo debate que antecedesse essa decisão e permitisse a formulação coletiva de um novo texto para apreciação do Parlamento, caímos num vácuo legal, onde tudo é permitido. Na prática, pode até não ser assim, mas, em tese, é. Ainda que uma Folha de S. Paulo anuncie uma nova reforma editorial, prometendo mundos e fundos, será que a autoregulamentação alcança toda a complexidade que esse assunto abrange? E agora? - de novo. Agora, dizem, caberá ao Parlamento discutir o texto de uma nova lei, que virá definir os novos parâmetros para a atividade jornalística. Mas qual Parlamento? Esse mesmo que aí está. Esse mesmo, que tem sido incansavelmente bombardeado por essa mesma mídia que aí está. Não vou entrar no mérito das críticas que viram manchete de jornais todos os dias, algumas muito justas, outras nem tanto. Algumas saídas de nem sei onde, outras fruto do trabalho investigativo de jornalistas responsáveis. Aqui não vem ao caso. O fato é que, depois desse bombardeio, teremos um Parlamento em forma para conduzir essa discussão? Não sei.

E, claro, isso é preocupante. Um Parlamento enfraquecido poderá enfrentar o poder de uma mídia que, agora, atua sem nenhum limite? E será que essa mídia que aí está, não tem também, lá no fundo, bem no fundo mesmo, uma pontinha de pretensão de vir a substituir esse Parlamento enfraquecido na representação dos interesses da sociedade e na fiscalização do Poder Público? E será que essa mídia é mais competente para representar a pluralidade de interesses que permeia a nossa sociedade, mais do que um Parlamento, ainda que com toda a precariedade que o nosso ainda sofre? Também não sei, mas, na dúvida, prefiro o Parlamento, que pode ser renovado a cada quatro anos.

Eu avisei: minhas ideias ainda estão embaralhadas e viraram uma grande salada, mas é mais ou menos por aí que vou continuar pensando. E tomara que esse debate, que não tenho esperança de tão cedo poder acompanhar, aconteça bem antes do que o meu pessimismo tem permitido.

Inté.
Foto: minha. De uma exposição no Palácio das Artes.


domingo, abril 19, 2009

Vamos passear, meu bem

Ainda continuo por aqui, embora muito mais por aí. É a vida. Mal me distraio com algum pensamento e lá vem ela me chamar. Como não sei dizer não, largo o que estou pensando de lado e, cegamente, sigo por onde ela me leva. E assim vou indo. Mas tem dia que a vida me esquece e aí consigo escapar dos afazeres demorando um pouco mais no meio do caminho. Ando mais devagar de propósito; topo os engarrafamentos sem aborrecimento; e ainda estico os trajetos, inventando saídas novas e mais longas.

Foi numa oportunidade dessas que me reencontrei com Adélia Prado. Estava tentando subir a Antônio Aleixo, mas a rua estava entupida de carros. Já ia ligar o rádio, para ajudar a passar o tempo, mas resolvi fazer diferente. Em vez de notícias, preferi ligar o som e seguir com Adélia recitando seus poemas. Fomos passeando pela cidade, cortando a Praça da Liberdade, descendo Cláudio Manoel, virando Pernambuco, Santa Rita Durão e tomando o caminho de volta para casa.

O que gosto em Adélia é do seu jeito caseiro de falar das coisas mais complicadas da vida. Sem nenhum requinte, sem nenhum excesso, ela torna essa nossa experiência cotidiana e banal na coisa mais importante do mundo. Redimensiona nossa rotina e a torna divina e sagrada. Escamar um peixe no meio da noite deixa de ser desaforo e torna-se um ritual de amor. Também gosto do jeito que ela trata as nossas doidices, sem nenhuma cerimônia. Mulher tem disso mesmo, divaga, viaja, desliga sem mais nem menos, estranha as coisas mais comuns do mundo e faz loucuras como se fossem absolutamente naturais. E temos mesmo de ser doidas ou santas, como ela diz, para darmos conta dessa nossa inconstância.

Mas, principalmente, preciso de algumas doses de Adélia Prado, de tempos em tempos, é para recuperar o sentido da vida. Ela é muito boa nisso. Nem falo da sua poesia nem da sua prosa. Falo dela mesma. Da sua sabedoria, da sua generosidade para lidar com a nossa pequenez diante das coisas que realmente valem a pena nesse mundão. Ela nos consola e nos conforta ao se igualar a todas nós, mesmo sendo tão especial. Por isso é muito bom passear com Adélia Prado. Experimentem.
Sobre o significado da arte/vida


Adélia recitando poesias



Duas doses, bem dosadas.

Inté outro dia.

domingo, março 29, 2009

O apagão

Por uma boa causa

É claro que ficamos no escuro. De oito e trinta da noite até nove e trinta do último sábado, ficamos no breu. Eu participei do apagão! Entrei no clima. Estou no clima faz tempo! Não é de hoje que dei um apagão no mundo. Me afastei. Desliguei todos os contatos para não me deixar contaminar pelo falatório desorientado dos analistas que tentam, sem sucesso, entender para onde essa crise está nos empurrando.

Que esse mundo, do jeito que vinha vindo, ia dar errado, todas nós já sabíamos. Que agora precisamos, com urgência, escapar do centro desse ciclone, também sabemos. Que, para isso, precisamos reiventar o nosso jeito de estar no mundo, mais uma vez concordamos. Só que é exatamente aí que mora o problema. Que jeito é esse que vamos inventar? Nem Anthony Giddens, o arquiteto da terceira via, nos ajudou muito com sua entrevista à Folha de São Paulo, neste domingo.

Que a crise financeira global está exigindo uma redifinição radical da sociedade em que vivemos, sabemos. Que esse mundo novo terá de inventar um modelo de desenvolvimento auto sustentável, mais igualitário, solidário e tolerante, também sabemos. Que será diferente de tudo o que já aprendemos até hoje, já imaginávamos. Mas tudo isso em nada nos ajuda a avançar. Fazem parte do mesmo falatório nosso de todos os dias.

O que urgimos nesse momento, sem demora mesmo, são das práticas que tornarão possível a retomada da nossa história na Terra. E para enxergá-las com nitidez, precisamos, sim, dar um apagão no mundo, desaprender a lógica que nos fez entendê-lo até aqui, buscar alcançar novos pontos de vista para reabrir os olhos de frente para novas paisagens, novas possibilidades. Aí sim, quem sabe, conseguiremos ver essas práticas inovadoras de que tanto precisamos.

Mas, por enquanto, ainda estamos na escuridão. Num apagão criativo, para não embarcarmos no pessimismo alheio.

Inté

Foto: minha, no últmo sábado, do escritório nas escuras.

quinta-feira, março 26, 2009

??????????


O que exatamente significa éon? Qual a medida exata de um éon? E antonomásia? De onde vem? Será que dói? Será que epizêuxis nos salvaria das grandes tragédias? Onde fica Ougadougou? E Eritréia? Quantas pessoas já conseguiram alcançar o topo do Monte Everest ou Monte Chomolangma ou Qomolangma, em bom tibetano? Quem vai enfrentar a Belamcanda chimemsis, essa herbácea rizomatoza que ameaça o meio ambiente tanto quanto nós? Como vamos derrotar as plantas exóticas invasoras? E quanto é um trilhão de dólares? Qual a medida exata em linha reta de um trilhão de notas de um dólar? Seria suficiente para dar a volta em torno da terra? Sobrariam notas para mais algumas voltas? Ou não?

Se minhas dúvidas fossem só essas, estaria feita. Mesmo se fossem outras, mas da mesma natureza, estaria com sorte. O google resolveria todos os meus problemas. Mas a minha ignorância é muito maior e engorda dúvidas muito mais indigestas. Enquanto a terra gira à nossa revelia, o mundo vira de pernas para o ar. Nem que estivesse com tempo para ler os jornais todas as manhãs, ouvir o noticiário das rádios e da televisão, desconfio que não conseguiria entender niente de nada. E não vou nem tentar provar, porque estou na correria de sempre e, pior, sem carro. Hoje fazem 20 dias que renovei minha carteira de habilitação e até hoje não a recebi em casa, como me prometeram. Dá para entender? Também não.

Se a ignorância é inevitável, vou desfrutá-la. Quando o céu ficar mais claro, o mar estiver para peixes novamente e o vento soprando a favor, vou me deitar numa rede, com todos os jornais do dia, e devorá-los letra por letra. Vou ouvir todos os noticiários, das rádios e da televisão, e ver se pego no tranco. Hoje não, porque já é amanhã e tenho de levantar muito mais cedo do que gostaria.

Inté.
Foto: Pesquei na internet. Da AFP/Ahmad Zamroni

quarta-feira, março 11, 2009

Persistir, é preciso

Quem quer ser milionário?
Persistência. É sobre isso que estou pensando. Mas não vou me arriscar a dar uma de entendida, porque não sou besta. Ainda mais que nem tive tempo de ler as críticas e, para ser sincera, foi melhor assim. Agora, a única certeza que arrisco é de que gosto de bons filmes. Gosto tanto quanto gosto de filmes ruins e, admito, alguns até execráveis. Mas gosto. Gosto, por exemplo, de todos os filmes ruins de Adam Sandler, desde 1996, indicado oito vezes como pior ator do ano. E daí? Se me fez rir, me ganhou. E tem mais, para o meu caçula, Adam Sandler é o cara. Não vou discordar. Gostei até de Idiocracy, de Michale Judge. Esbarrou no meu limite, mas gostei. Me deu medo, porque é muito verossímil. Caminhamos muito rapidamente para o cenário montado por Judge. Deus me livre!

É claro que, podendo escolher, prefiro os melhores. Se vou sair de casa, pegar esse trânsito infernal e entrar numa fila para comprar o ingresso e em outra para entrar na sala de cinema, prefiro os melhores. Filme ruim, vejo na televisão. E nesse final de semana sai de casa. Depois de passar 15 horas num curso de atualização para renovar minha carteira de motorista, achei que merecia ver o melhor dos melhores. Sem ler as críticas, como já disse, segui a indicação da academia e fui assistir ao filme de Danny Boyle: Quem quer ser milionário?. Tinha uma vaga idéia da história. Jamal, um menino pobre, que trabalhava servindo chá em uma companhia de telemarketing, por algum acaso desses da vida, cai num programa de auditório, concorrendo a um prêmio milionário, respondendo perguntas disparatadas sobre qualquer assunto.

Também ouvi dizer que o filme guardava alguma semelhança com Cidade de Deus, de Fernando Meirelles. Esse detalhe quase me fez desistir. Não porque não tenha gostado de Cidade de Deus. É fantástico. Mas já estava suficientemente encharcada de realidade, depois de passar 15 horas num cubículo mal ventilado, com 26 desconhecidos, de idade média de 55 anos, mal humorados e descrentes, esculhambando com o governo, que é sempre o culpado pelas nossas falhas, e nem podendo polemizar, para não perder o foco. Isso, num final de semana! Considerei minha missão mais do que cumprida e, portanto, estava liberada para buscar apenas distração. Mas venci a preguiça e o preconceito e segui a indicação da academia.

O filme de Boyle me pegou na contramão. Não me lembro mais de detalhes de Cidade de Deus, a não ser da cena de abertura, com os meninos correndo atrás de uma galinha. Quem quer ser milionário? também começa com uma corrida, da polícia atrás dos meninos. Pode ter sido até intencional, uma homenagem, mas tirando isso, nada me fez lembrar de Cidade de Deus. Também não li o livro Sua resposta vale um bilhão, de Vikas Swarup, que inspirou o filme. Assim, plenamente desinformada, não me dei nem ao trabalho de querer captar fielmente a mensagem que Boyle pretendia passar com a sua recriação. Deixei fluir.

Depois de um tempo, deixei a história de lado, passei de liso pelas cenas mais chocantes e me concentrei em Jamal. Segui-o como se o espionasse. Me pus no lugar do inspetor que o interrogava. Queria entender as razões de Jamal. Mas foi Salim quem me ajudou. Quando entrou na sala para entregar a chave do carro a Latika e ajudá-la a fugir, Salim resumiu tudo: Jamal não desisti. Nunca. E foi isso que ficou. O filme me fez pensar na persistência, que é quase igual teimosia, mas é bem diferente e muito mais difícil de praticar. Persistir é perseverar, mas sem embirrar, sem empacar. É correr atrás, fazer acontecer, não por intransigência, mas porque está escrito. Porque é nisso que se acredita.

Desconfio que hoje nos falta algumas doses a mais de persistência e, por isso, estamos atolados na teimosia de uns poucos. O mundo acabou, mas uns poucos insistem em remendá-lo, tentando mantê-lo como sempre esteve. Ficamos empacados na virada. Talvez nos falte uma Latika para fazer brilhar os nossos olhos, inspirar os vôos da nossa imaginação e nos fazer sonhar o outro mundo possível. Talvez nos falte persistência, porque esse outro mundo ainda não está escrito. Talvez, ou não. Vai saber.

Inté quando tiver tempo.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

Viva a era ecozóide!

De volta ao começo

Meninas, agora que o mundo acabou era para estarmos bem eufóricas ou totalmente destruídas. Estranhamente, não estamos. Nem uma coisa nem outra. Mas temos de admitir, essa chegada meio intempestiva e inesperada do fim do mundo nos deixou perplexas. Ficamos no ar. Suspensas. Nós e nosotros. Nada se resolve. Tudo que é decidido num dia, na manhã do outro se desfaz e é preciso recomeçar do zero outra vez. As certezas desceram ralo abaixo e ninguém está seguro o suficiente para indicar caminho algum. Uma amiga disse que a culpa não é do fim do mundo, mas de Nossa Senhora Desatadora de Nós. Rezamos tanto para ela, que nossas preces foram atendidas. Todos os nós foram desfeitos ao mesmo tempo e tudo flui ininterruptamente sem se fixar em nada. A única solução é encontrarmos outra santa, ou santo que seja, que se disponha a atar pelo menos alguns nós, para nos dar um pouco de descanso.

Pode ser. Pode ser até que São Paulo seja uma boa opção, como ela sugeriu. Mas pode ser também que Nossa Senhora Desatadora de Nós não tenha nada a ver com isso. E desconfio que não. Apesar da controvérsia que existe sobre o tema, acho que estamos é vivendo as turbulências naturais da entrada de uma nova era. No último sábado, dia 14, exatamente às 7 horas e 45 minutos da manhã, com a Lua bem posicionada na Sétima Casa, ou seja, a 24 graus e 45 minutos de Libra, Júpiter e Marte finalmente se alinharam, anunciando, para alguns entendidos, a chegada da tão esperada Era de Aquário. É verdade que Carl Jung, por exemplo, não compartilha dessa celebração. Além de não estar mais aqui, pelos seus cálculos, a Era de Aquário só deverá ocorrer em 2600 d.c., mas isso não tem importância. Temos pressa e, ultimamente, o mundo tem andado muito mais rápido do que ele poderia prever. Portanto, é bem plausível que os novos cálculos estejam corretos.

Ou não? Para nós, que lemos jornais, assistimos TV, ouvimos rádio e navegamos na internet, tudo isso nos parece bastante contraditório, afinal, esse poderoso alinhamento de astros no céu anunciaria uma era de paz e amor e não de guerras, ódio e outras bizarrices mais, como as que temos visto. Pelo menos foi o que nos ensinaram, quando ainda éramos criancinhas. Tudo bem, nem tão crianças assim, mas bem jovens. Lembram daquela música de Hair? Não ousaria cantá-la, mas dizia com todas as letras: quando a Lua estiver na sétima casa, e Júpiter se alinhar com Marte, então, a paz irá guiar os planetas e o amor varrerá as estrelas. Propaganda enganosa? Meninas, não vamos nos precipitar. O que pode, aparentemente, ser contraditório, pode, sob um outro olhar, ser absolutamente necessário. Para construir o novo, às vezes, é preciso primeiro destruir o velho.

Não vamos nos dispersar nem perder a esperança. Agora que o mundo acabou, vamos começar de novo, quantas vezes for necessário, e ver se dessa vez fazemos do jeito certo. Se não certo, pelo menos de um jeito melhor do que aquele que fizemos até hoje. Ou fizeram, já que não somos meninas tão poderosas assim. Mas façamos a nossa parte. Quem sabe, quando os nós forem atados novamente, o mundo volta a funcionar. Ave São Paulo e viva a Era de Aquário!

Ai ai, acho que vou virar uma otimista pra variar.

Inté.
Foto: Minha. O mar de Natal.

domingo, fevereiro 08, 2009

Ave palavras!

A reforma já está na rua

Estou num dilema terrível: adoto ou não a reforma ortográfica e, se adoto, defino ou não um dia D para colocá-la em prática. Eis a questão. Sei que não terei muita escolha, mais cedo ou mais tarde estarei tendo ideias sem acento, ainda mais soltas no ar do que aquelas que tenho tido até então. Essas não me escapavam, pois, se tentavam fugir, conseguia segurá-las pelo agudo e pendurá-las em algum cabide dos meus pensamentos. Agora, temo que serão mais fugazes ainda e ficarão pulando de galho em galho, como macaquinhos travessos, sem que eu consiga agarrá-las para examiná-las mais atenta e profundamente.

Mas também sei que se tiver dificuldades para assimilar as novas regras, sobreviverei, como tenho sobrevivido até hoje escrevendo só de ouvido e de memória, sem nunca ter dominado completamente as normas da língua culta, especialmente as exceções. Nem cheguei a ser crucificada por conta dessa minha ignorância. No máximo, tive de me recolher a minha insignificância, quando passei, por uma razão ou outra, pelas mãos precisas de revisores. Não costumo me aborrecer com esse tipo de correção nem mesmo com intromissões mais agressivas. Mas, nesses casos, abro mão da autoria para aderir à criação coletiva e o resultado final é sempre melhor.

Não são, portanto, as novas regras que me incomodam. Me adaptarei, mais dia menos dia. E se tropeçar, tenho certeza, algum olhar mais atento virá me socorrer. Pior, muito pior, são as vírgulas, mas essa é outra história. O que está, de fato, me aporrinhando, me deixando sem assunto, quando vem a vontade de escrever qualquer besteira, é essa urgência em se adotar a nova ortografia, mal saída do forno, ainda queimando a língua. Pensei que teria toda a vida pela frente até ser obrigada a me enquadrar. Mas nada. Mal amanheceu 2009, abri os jornais e as novas regras estavam lá, em pleno exercício. Viraram notícia de primeira página e hoje já ficaram velhas.

Da noite para o dia, ficamos todos fora de moda. Nossos textos parecem pão dormido. A meninada, viciada em novidades, não estranha a nova escrita, mas, sim, a forma antiquada que insistimos em preservar. Lêem nossos textos com a curiosidade de quem vasculha o passado atrás de bizarrices. Deus me livre! Agora, só resta a nós, mortais, nos apressarmos. E é essa pressa que não suporto, especialmente num domingo chuvoso, como o de agora. Por isso me entrego a esse dilema: aderir ou não aderir à reforma! Amanhã penso nisso.

Inté outro dia.
Foto: minha

sábado, janeiro 31, 2009

Ad infinitum

Voltei. Durante uns dias, fiz o que todos os mineiros fazem nessa época do ano. Se não fazem, gostariam. Se não gostariam, deveriam. Fui para a praia. Pulei ondas, mas, principalmente, observei o céu, no amanhecer e no entardecer. Longe de estar entediada e desinteressada, com o olhar perdido no infinito, me dediquei, neste exercício, a disciplinar a minha atenção, que andava sufocada e dispersa no meio do mundo de informações que nos atolou neste final de ano. Precisava dos ares marinhos para arejar meus pensamentos. Mais do que isso, precisava andar descalça, entrar na água, dormir depois do almoço, jogar conversa fora na beira da praia e andar na chuva, coisa que não fazia desde não sei quando.

Assim, em vez de me preocupar com o conflito na Faixa de Gaza, de querer entender as razões dessa guerra interminável e indecifrável, me dediquei a observar o movimento constante das nuvens no horizonte. Parecem seres vivos, se esticando e se encolhendo, aderindo uns aos outros ou se desgarrando para seguir novos caminhos. É impossível reter uma imagem do horizonte nublado por mais de alguns poucos segundos. E no amanhecer e no entardecer, também as cores mudam de tonalidade como se um pintor distraído estivesse ali, naquele exato momento, testando as tintas da sua palheta para descobrir aquela que melhor expressa seus sentimentos.


É impressionante com o céu e o mar são instáveis. É desconcertante observá-los e pensar que fazemos parte desse mesmo mundo. Em que momento da nossa jornada encasquetamos que poderíamos nos tornar seres estáveis e previsíveis, tendo a mesma natureza, vocacionada para a inconstância? Vai saber. E não sabendo, nos engalfinhamos nessa luta incessante pela permanência, resistindo em vão, mas bravamente, a qualquer tipo de mudança: de humor, de sabor, de norte, de sorte, de qualquer ponto de vista, entre outras possibilidades. Seres inflexíveis, imunes a tsunamis.

Mas, de volta, me esqueço rapidamente dessas divagações. Com a agenda nova que ganhei no natal, uma mini moleskine vermelha, com uma penca de compromissos já anotados, me convenço piamente de que, de fato, temos uma natureza bem diversa daquela do mundo em que habitamos. Trafegando pelas ruas já apinhadas de carros, protegida do sol pela sombra de prédios que se proliferam como praga pela cidade, não tenho dúvidas de que somos mesmo seres de cimento e asfalto, estáticos e previamente formatados, incapazes de improvisar movimentos surpreendentes.

Enfim, 2009! Estamos prontos para nos repetirmos ad infinitum, até o final dos tempos. Sigamos em frente!

Inté quando der.
Fotos: todas minhas. Do sol nascendo nascendo na praia e dos muros da cidade.

sábado, janeiro 03, 2009

Férias coletivas


Pronto. Podemos mudar de assunto. Mesmo porque, 2008 ainda não acabou. Tenho uma cesta de pendências me aguardando no gmail. Só depois de resolvê-las estarei pronta para iniciar o próximo ano. Mas não vou pensar nisso agora. Vou deixar para segunda-feira, porque hoje é sábado e, apesar de tudo, já estou de férias. Eu e os principais líderes políticos do planeta e toda a diplomacia internacional. Só as tropas israelenses e os soldados do Hamas não descansam. Estão na luta e não estão de brincadeira.

Não sei quem tem razão nessa confusão toda, se é que é possível alguém ter razão. Há tempos desisti de querer entender as sutilezas desse conflito, porque, às vezes, me parece, essa é a única coisa que eles sabem mesmo fazer: guerrear. Mas seja lá quem for que estiver com a razão nesse episódio, o fato é que já está suficientemente comprovado que os combates não são o melhor caminho para resolver os impasses que dominam esse pequeno pedaço do nosso planeta. E muito menos uma intervenção militar de terceiros, mesmo que com a intenção de restabelecer um cessar-fogo na região.

Tendo mais a concordar com o meu caçula, que não é diplomata, mas tem bom senso. Para ele, não se apaga o fogo ateando mais lenha na fogueira. Se é que nossos líderes, se são, estão de fato querendo fazer alguma coisa para chamar na responsabilidade os chefes de governo de Israel e do grupo de resistência islâmica Hamas, o caminho é outro. Não sei exatamente qual, mas deve haver alternativas. Já por mais nada, esses líderes continuam apoiando um boicote econômico de mais de 40 anos contra uma ilha perdida no meio do Atlântico, que não ameaça ninguém e nem sobrevive no meio de um campo de batalhas. Pelo contrário, ainda que na míngua, conseguiu nesses 40 anos construir um projeto de nação e garantir saúde e educação para o seu povo. Um projeto que tem seus defeitos, mas tem também seus méritos que hoje me parecem bem maiores que os primeiros.

Então, se é que nossos líderes, se são, querem de fato colocar ordem nessa balbúrdia, devem intervir com sensatez. Ao invés de enviar tropas para uma região já plenamente militarizada, explosiva e desde sempre permanentemente em regime de combate, imponham aos belicosos uma ação simbólica, mas firme, dura e eficiente. Que declarem um boicote econômico a Israel até que sejam retomadas as negociações e o cessar-fogo. Não sei se uma medida dessas poderá afetar um país como Israel, que tem uma economia bem desenvolvida. Mas seja como for, Israel é também dependente de alguns produtos, como grãos, carnes e petróleo e precisa tanto do mercado quanto nós, para comercializar seus produtos.

Já no campo de batalha, terá pouco efeito. A Faixa de Gaza é uma região paupérrima. Praticamente não tem indústrias e sofre uma escassez crônica de água e de qualquer tipo de combustível. Com uma população de pouco mais de 1,5 milhão de habitantes, ainda assim é uma das regiões mais densamente povoadas do planeta. Mas metade de seus habitantes vive abaixo da linha da pobreza e pelo menos 45% da sua população ativa está desempregada. Enfim, um boicote econômico seria absolutamente inócuo, para quem já vive na miséria absoluta. Um boicote militar poderia surtir mais efeito. Afinal, quem abastece militarmente a região? Quem fornece armas e munição para o Hamas?

Posso estar variando, mas minha indignação é ainda mais delirante. Se fosse me guiar por ela, proporia aqui a imediata e completa desocupação da região, por um período não inferior a 10 anos ou até que surgisse um entendimento qualquer sobre os destinos de Gaza, devolvendo a vida àquele território de pouco mais de 300 quilômetros quadrados de terra, de forma ordenada e pacífica. Mas me contenho. Só não me calo, como alguns. Como o próximo, que irá substituir aquele. Enfim, assim rasteja a humanidade.

Inté 2009, quando for possível.
Foto: pescada na internet.