Os pensamentos fragmentados em mil planos
Não sei se penso ou não penso. As ideias ainda estão embaralhadas e, certamente, não irão se ordenar numa escrita solitária, mas só num amplo debate que não tenho esperança que se dê tão cedo. É exagero admitir que gostei, mas é embaraçoso reconhecer que também não gostei. Concordamos todas que a Lei de Imprensa tinha um ranço de coisa velha. Seu texto refletia as preocupações do momento mesmo em que foi editada, preocupações que, em alguma dose, já foram superadas. Em outros trechos, trata de questões que já caducaram. Um exemplo, até simplório, é a multa que estabelece para quem vender ou distribuir jornais, periódicos, impressos cuja entrada no país tenha sido proibida. O dito terá de pagar 10 mil cruzeiros por exemplar apreendido. Nem sei mais quanto isso vale e nem sei se alguém sabe.
E qual o significado dessa restrição no mundo de hoje? Um mundo globalmente conectado, no qual as informações circulam em tempo real e estão acessíveis de qualquer parte do planeta? Meus filhos, por exemplo. Eles tem o hábito de ler jornais, mas não a versão em papel, que deixam para nós, viciados em café com notícia, todas as manhãs. Eles preferem a versão eletrônica, que acessam por meio dos portais da grande imprensa e sites do mundo inteiro, atualizados ao longo do dia. Azar o nosso, que temos de esperar 24 horas, se não quisermos nos dar ao trabalho de acompanhar on line todo o noticiário, como eles fazem. É claro que nada é tão simples assim. Ainda temos uma China, por exemplo, para desqualificar esse argumento. Mas não tenho dúvidas de que vivemos um outro momento e que esse tipo de restrição é de difícil compreensão para as novas gerações.
E seja como for, o fato é que se existe um consenso, é o de que essa lei não dava mais conta da nossa realidade, que ficou ainda muito maior, e precisava mesmo ser revogada. O que me incomoda, portanto, não é a sua revogação, mas a forma como foi tornada letra morta e, com igual incômodo, a meia verdade que essa notícia enseja. Amanhecemos sendo convencidos de que agora sim, agora sim, temos plena liberdade de imprensa. Como se não houvessem outras leis, hoje muito mais fortes, exercendo o controle da informação nos meios de comunicação. Que eu saiba, as leis de mercado, essas sim, hoje poderosas, continuam em pleno vigor. Ou não? Sei que não é tão simples assim detectar a influência do poder econômico no processo de edição de um jornal, mas seria ingenuidade acreditar que não exista. Da mesma forma, o poder político também abre suas asas sobre as informações que circulam na mídia. Se é legítimo ou não, é outra discussão, mas que existe uma guerra surda nas redações quando determinados assuntos entram em pauta, não tenham dúvida.
E agora? Revogada a lei, sem um amplo debate que antecedesse essa decisão e permitisse a formulação coletiva de um novo texto para apreciação do Parlamento, caímos num vácuo legal, onde tudo é permitido. Na prática, pode até não ser assim, mas, em tese, é. Ainda que uma Folha de S. Paulo anuncie uma nova reforma editorial, prometendo mundos e fundos, será que a autoregulamentação alcança toda a complexidade que esse assunto abrange? E agora? - de novo. Agora, dizem, caberá ao Parlamento discutir o texto de uma nova lei, que virá definir os novos parâmetros para a atividade jornalística. Mas qual Parlamento? Esse mesmo que aí está. Esse mesmo, que tem sido incansavelmente bombardeado por essa mesma mídia que aí está. Não vou entrar no mérito das críticas que viram manchete de jornais todos os dias, algumas muito justas, outras nem tanto. Algumas saídas de nem sei onde, outras fruto do trabalho investigativo de jornalistas responsáveis. Aqui não vem ao caso. O fato é que, depois desse bombardeio, teremos um Parlamento em forma para conduzir essa discussão? Não sei.
E, claro, isso é preocupante. Um Parlamento enfraquecido poderá enfrentar o poder de uma mídia que, agora, atua sem nenhum limite? E será que essa mídia que aí está, não tem também, lá no fundo, bem no fundo mesmo, uma pontinha de pretensão de vir a substituir esse Parlamento enfraquecido na representação dos interesses da sociedade e na fiscalização do Poder Público? E será que essa mídia é mais competente para representar a pluralidade de interesses que permeia a nossa sociedade, mais do que um Parlamento, ainda que com toda a precariedade que o nosso ainda sofre? Também não sei, mas, na dúvida, prefiro o Parlamento, que pode ser renovado a cada quatro anos.
Eu avisei: minhas ideias ainda estão embaralhadas e viraram uma grande salada, mas é mais ou menos por aí que vou continuar pensando. E tomara que esse debate, que não tenho esperança de tão cedo poder acompanhar, aconteça bem antes do que o meu pessimismo tem permitido.
Inté.
Não sei se penso ou não penso. As ideias ainda estão embaralhadas e, certamente, não irão se ordenar numa escrita solitária, mas só num amplo debate que não tenho esperança que se dê tão cedo. É exagero admitir que gostei, mas é embaraçoso reconhecer que também não gostei. Concordamos todas que a Lei de Imprensa tinha um ranço de coisa velha. Seu texto refletia as preocupações do momento mesmo em que foi editada, preocupações que, em alguma dose, já foram superadas. Em outros trechos, trata de questões que já caducaram. Um exemplo, até simplório, é a multa que estabelece para quem vender ou distribuir jornais, periódicos, impressos cuja entrada no país tenha sido proibida. O dito terá de pagar 10 mil cruzeiros por exemplar apreendido. Nem sei mais quanto isso vale e nem sei se alguém sabe.
E qual o significado dessa restrição no mundo de hoje? Um mundo globalmente conectado, no qual as informações circulam em tempo real e estão acessíveis de qualquer parte do planeta? Meus filhos, por exemplo. Eles tem o hábito de ler jornais, mas não a versão em papel, que deixam para nós, viciados em café com notícia, todas as manhãs. Eles preferem a versão eletrônica, que acessam por meio dos portais da grande imprensa e sites do mundo inteiro, atualizados ao longo do dia. Azar o nosso, que temos de esperar 24 horas, se não quisermos nos dar ao trabalho de acompanhar on line todo o noticiário, como eles fazem. É claro que nada é tão simples assim. Ainda temos uma China, por exemplo, para desqualificar esse argumento. Mas não tenho dúvidas de que vivemos um outro momento e que esse tipo de restrição é de difícil compreensão para as novas gerações.
E seja como for, o fato é que se existe um consenso, é o de que essa lei não dava mais conta da nossa realidade, que ficou ainda muito maior, e precisava mesmo ser revogada. O que me incomoda, portanto, não é a sua revogação, mas a forma como foi tornada letra morta e, com igual incômodo, a meia verdade que essa notícia enseja. Amanhecemos sendo convencidos de que agora sim, agora sim, temos plena liberdade de imprensa. Como se não houvessem outras leis, hoje muito mais fortes, exercendo o controle da informação nos meios de comunicação. Que eu saiba, as leis de mercado, essas sim, hoje poderosas, continuam em pleno vigor. Ou não? Sei que não é tão simples assim detectar a influência do poder econômico no processo de edição de um jornal, mas seria ingenuidade acreditar que não exista. Da mesma forma, o poder político também abre suas asas sobre as informações que circulam na mídia. Se é legítimo ou não, é outra discussão, mas que existe uma guerra surda nas redações quando determinados assuntos entram em pauta, não tenham dúvida.
E agora? Revogada a lei, sem um amplo debate que antecedesse essa decisão e permitisse a formulação coletiva de um novo texto para apreciação do Parlamento, caímos num vácuo legal, onde tudo é permitido. Na prática, pode até não ser assim, mas, em tese, é. Ainda que uma Folha de S. Paulo anuncie uma nova reforma editorial, prometendo mundos e fundos, será que a autoregulamentação alcança toda a complexidade que esse assunto abrange? E agora? - de novo. Agora, dizem, caberá ao Parlamento discutir o texto de uma nova lei, que virá definir os novos parâmetros para a atividade jornalística. Mas qual Parlamento? Esse mesmo que aí está. Esse mesmo, que tem sido incansavelmente bombardeado por essa mesma mídia que aí está. Não vou entrar no mérito das críticas que viram manchete de jornais todos os dias, algumas muito justas, outras nem tanto. Algumas saídas de nem sei onde, outras fruto do trabalho investigativo de jornalistas responsáveis. Aqui não vem ao caso. O fato é que, depois desse bombardeio, teremos um Parlamento em forma para conduzir essa discussão? Não sei.
E, claro, isso é preocupante. Um Parlamento enfraquecido poderá enfrentar o poder de uma mídia que, agora, atua sem nenhum limite? E será que essa mídia que aí está, não tem também, lá no fundo, bem no fundo mesmo, uma pontinha de pretensão de vir a substituir esse Parlamento enfraquecido na representação dos interesses da sociedade e na fiscalização do Poder Público? E será que essa mídia é mais competente para representar a pluralidade de interesses que permeia a nossa sociedade, mais do que um Parlamento, ainda que com toda a precariedade que o nosso ainda sofre? Também não sei, mas, na dúvida, prefiro o Parlamento, que pode ser renovado a cada quatro anos.
Eu avisei: minhas ideias ainda estão embaralhadas e viraram uma grande salada, mas é mais ou menos por aí que vou continuar pensando. E tomara que esse debate, que não tenho esperança de tão cedo poder acompanhar, aconteça bem antes do que o meu pessimismo tem permitido.
Inté.
Foto: minha. De uma exposição no Palácio das Artes.
3 comentários:
Ontem, no CQC, um deputado, puto, perguntou ao repórter se ele tinha sido eleito para representar o povo? É isso aí.
Oi Patricia,
Como você já sabe, voltei ao mundo dos blogs. Obrigado pelo seu e-mail! Mas é fácil comentar lá, depois você tenta novamente.
Sobre o seu texto, vejo que suas idéias e percepções continuam originais e cheias de interessantes interrogações. Estou por fora da maioria das notícias. A revogação desta lei, eu li num flash num destes portais, mas confesso que não me aproximei do tema (estou sem muito tempo e tento selecionar bem o que vou ler). De qualquer forma, a impressão que tive no momento é que não iriam debater algo que a própria sociedade, baixo este cenário de globalização, já havia revogado. Foi por ai?
Abraços e tudo de bom para ti! Ah! Gostei de saber que vocês lêem jornais tomando café. Faço o mesmo hehehehe
Com alguns dias de atraso, mas ainda em tempo.
Bem, sua análise foi ampla e pegou todos os aspectos da questão, na minha opinião.
Concordo com vc nos pontos: não dá para revogar história, costumes, com canetadas, porque a mesma caneta que mata, recria.
Este é o temor que nos aflige nesta "democracia" brasileira. Discutir com a sociedade dá muito trabalho. Referendo então, nossa!
A mídia, que já é originariamente arrogante, com esta mãozinha pode perder o limite, aquele espelho ou reflexo que uma lei, mesmo ruim, costuma oferecer.
Só discordo de uma coisa: este Parlamento que aí está não tem qualificação (e nem estou dizendo moral) para discutir algo dessa importância.
Mas então como ficamos?
Como disse vc: também não sei...
Bjs
Postar um comentário