segunda-feira, outubro 20, 2008

Ca'stou a pensar

Lisboa vista do alto do Castelo São Jorge

Meninas, voltei. Depois de percorrer mais de mil quilômetros pelas estradas del mondo, chegamos sãos e salvos. Não vou aborrecê-las com o meu diário de bordo, mas depois deixarei-o acessível em algum lugar, para quem quiser se aventurar. Por enquanto, o que posso dizer é que a Europa está bem mais preocupada com essa tal crise do que supomos aqui, na nossa santa ignorância. Os portugueses, em particular, estão em pânico. A crise financeira é discutida no rádio e na TV 24 horas por dia. Há relatos e mesas redondas reunindo autoridades, especialistas, economistas e empresários em qualquer canal e a qualquer hora do dia. Todos tentam trocar a crise em miúdos, para que qualquer criança a entenda. Mas, principalmente, tentam construir um discurso que ajude a minimizar a contaminação do sistema bancário português pela descrença que hoje atinge o sistema financeiro internacional. Para eles, os problemas de ordem prática são simples de serem resolvidos, mas a quebra da confiança no mercado financeiro é o que de pior poderia ter acontecido. É o pesadelo. Percebi que eles estão tiririca com os executivos financeiros norte-americanos. Se encontrarem um deles pela frente, acho que torcem o pescocinho de um. E não perdoam também as agências de risco. E, de fato, é muito estranho. Mas, desde então, elas entraram num silêncio funébre. Não é por coincidência, não é mesmo?

Além dos noticiários e dos especiais sobre a crise, toda hora fazem uma rapidinha, tipo o Povo Fala. Aí entra o cidadão. A história é a mesma. Se entendi bem, porque não é tão simples assim captar o sotaque português, o que está acontecendo agora é uma bolha imobiliária, semelhante a que ocorreu nos Estados Unidos. A crise provocou uma forte desvalorização dos imóveis e quem financiou a compra da casa própria hoje está pagando uma prestação equivalente ao aluguel de duas casas, com uma sobra suficiente para ainda comprar um carro. Conclusão da história, estão abrindo mão do sonho, abandonando os imóveis, parando de pagar as prestações, alugando uma casa e, com o troco, mantendo o status quo. Se o sistema financeiro habitacional vai suportar essa inadimplência, é o que vamos ver.

Quem vai querer?

Fora da TV e do rádio, a crise parece ainda maior. Os portugueses, já sabia disso, são chorões por natureza. Eles mesmos admitem. Preferem reclamar antecipadamente a ter de pagar um mico mais tarde. Faz parte da cultura, do jeito de ser português. Mas agora não é só um estado de espírito. Reclamam de coisas concretas. Queixam-se da falta de emprego, da falta de oportunidade e da incapacidade do país de oferecer aos seus cidadãos um nível de vida melhor, equivalente àquele dos demais países da União Européia. Nem pedem muito. A referência é a Espanha. Lá, o salário mínimo já é o dobro do de Portugal. Queixam-se do fechamento de fábricas e da redução das atividades comerciais e de prestação de serviço. É um quadro recessivo que vem se formando de cinco anos para cá, mas ninguém sabe direito o porquê. Alguns atribuem à políticas públicas mal conduzidas e à corrupção, mas não entram em detalhes.

Duas amigas que deixei em Portugal.
Depois volto para colocar a conversa em dia

Em Sortelha, encontrei duas portuguesinhas muito especiais: Felismina e Encarnação. Já viveram muitas histórias, mas repetiram a mesma ladainha: nunca viram Portugal numa situação como a atual. Ficaram com os olhinhos brilhando quando disse a elas que trabalhava. Ficaram encantadas com esse fato e concordaram que o Brasil é um país abençoado. Não sei se me acharam muito incompetente para ser capaz de arrumar um emprego e daí o espanto ou se ficaram mesmo admiradas do mercado, num período de escassez, dar oportunidade para mulheres. Enfim, vai saber o que se passa na cabeça dessas meninas, mas elas concordam: a crise portuguesa foi provocada por políticas mal concebidas. Veja só, não podemos mais criar ovelhas, não podemos mais fabricar nosso pão, não podemos plantar, não podemos nada. Só ficar aqui, fazendo essas cestinhas de brecejo, que ninguém compra. Depois dessa, claro, comprei dois cestinhos de lembrança. Adorei as duas.

Mas seja qual for a crise que Portugal enfrenta, se versão 2.0 ou versão 2.8, o fato é que o país não transparece, para quem o visita, toda essa desolação. Pelo contrário, o país parece em construção. Por todo canto que andamos, existem obras a pleno vapor. E, da mesma forma que vimos muito anúncios de imóveis a venda, vimos muitos anúncios de emprego também. Talvez com salários não tão altos quanto gostariam, mas empregos. Enfim, como os portugueses gostam de dizer, tudo é conforme for. Tudo pode ser que sim e pode ser que não. Depende. Para nós, brasileiros, pode ser que o quadro não seja tão grave, comparado com o que vivemos aqui. Mas, para eles, pode ser até mais grave do que imaginamos, quando comparado com o que eles vêem nos países vizinhos. Depende, né.

Por enquanto é isso. Uma semana de boas notícias para todos nós, que estamos sempre precisando, né?

Inté.

Fotos: minhas

quinta-feira, outubro 09, 2008

A vida continua

Indiferente a crise, o cão amigo aprecia a paisagem

Se não estivesse com as malas prontas e reservas confirmadas, acho que iria preferir ficar em casa, escondida debaixo da cama para que essa crise monstruosa, horripilante, beligerante, esquizofrênica e estrangeira nunca me encontrasse. Mas ficaria feio fazer isso, nessa altura da viagem. Depois de tudo combinadim, como dizem lá na terinha. Então, vamo que vamo! Vou tirar a crise do ar e torrar a vontade ou até onde puder ou até onde aguentar. Bacalhau de domingo a domingo, com muito azeite e cebola, regado a vinhos variados e arrematado com porções generosas de pastéizins de Belém e outros docitos similares, é tudo. Tudo o que favorece para a aquisição de mais algumas arrobas, como diz a Clará. Mas, como o tempo das vacas magras se aproxima, vamos relaxar, não é não?

Enquanto isso, vou ficar olhando a crise passar pela janela. Também esse mercado é muito chato. Normalmente já é ciclotímico. Uma hora tá de bom humor, dois minutos depois já ficou nervoso, daí mais um tempinho já acalmou outra vez e depois volta brabo que nem um pitbull e assim vai. E ninguém sabe o porquê de nada. Não sabe, mas fica todo mundo querendo adivinhar para tentar domar o bicho. Ah, ném! Agora, em crise, o mercado resolveu ficar obsessivo. Anda histérico, desorientado, estribuchando quem nem cão raivoso na lama. Espalhando o barro para tudo quanto é lado. Ah, ninguém merece, não é não? Como diria minha avó, me erra, menino. Vai catar gabiroba no matinho e muda de assunto!

É claro que não é nada tão simples assim. O mercado não vai nunca sair por aí catando gabiroba no matinho, não nasceu pra isso. Prefere os gráficos que sobem e despencam desesperados e descompassadamente ao sabor do desatino dos investidores. Portanto, não se iludam, o mercado jamais mudará de temperamento. Será sempre ciclotímico, mesmo sabendo que o caminho do meio, do equilíbrio, das linhas suavemente curvas é que garantem vida longa aos afortunados.

A não ser, a não ser que: em vez de dar a solução costumeira das grandes crises planetárias, que terminam sempre no confronto bélico, nossos líderes, se é que podemos chamá-los assim, encontrem uma saída harmônica, orquestrada, afinada, como sugerem que vão tentar. Mas nem só isso basta. Além de harmônica, é preciso ser inclusiva. Muita mais inclusiva do que gostariam, mas inclusiva. E é preciso ser criativa, inventiva e, como acredito piamente, inovadora. É preciso mesmo reiventar a roda. Mas, antes disso ou enquanto isso, uma medida é fundamental. Ninguém gosta que mexam no seu salário, mas é preciso, urgentemente, restringir o valor do bônus dos grandes executivos financeiros.

Com os prêmios que recebem hoje, quem vai pensar no que virá amanhã? A guerra é no dia a dia. Eles se engalfinham que nem bestas feras para cumprir metas crescentes. Querem resultados já. Não importa como. E nesse afã, puseram no mercado um rolo inteiro de papéis podres. Depois, com a meta cumprida, pegaram seu bônus milionário, encheram os bolsos e foram embora, pousar noutras plagas. É assim que foi e assim que funciona desde sempre. Não que, nessa crise, os governos não tenham tido responsabilidade. Foram omissos nas regulamentações. Não que os investidores não tenham tido também sua parcela de responsabilidade. Foram cegos e gananciosos. Não que os empreendedores não foram também responsáveis ou irresponsáveis. Foram sim inescrupulosos, aceitando operações de alto risco. Mas, foram todos animados pelos executivos showmens. Ou não?

Então, lamento, não vou parar para ficar assistindo esse espetáculo. A vida continua, indiferente aos demais. E eu vou seguir o meu destino, ora pois, pois. Por isso, estarei ausente alguns dias, mas voltarei cheia de novidades. Prometo.

Uma semana boa de pescaria para todos. Deixem o mercado com a sua nervosia para ele mesmo.

Até de repente, quem sabe.

Foto: minha, num engarrafamento de um dia qualquer.