sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Olhar é perigoso

Trilha alternativa: Tema para Joaquina, de Caxi Rajão para o filme Vinho de Rosas

Olhar é muito perigoso. Vai que você vê? Quando criança, aprendi que até mesmo sem ver, olhar é perigoso. Se o outro cisma que você está olhando de um jeito esquisito, isso vira briga na certa. Aí rola no chão e troca puxão de cabelo e chute na canela e mordida e chama mãe e chama pai e vai saber o porquê: é porque fulano estava me olhando de um jeito esquisito. Então. De qualquer maneira, olhar é perigoso e tem hora ainda que você vê até sem olhar. É quase inevitável. E dá problema do mesmo jeito.

Foi isso que aconteceu. Outro dia ouvi, ou vi, alguém falando sobre o assuntão. Aquela história de que precisamos fazer alguma coisa para preservar o planeta, que se não tomarmos providências imediatas, em 2050 as mudanças climáticas tornarão a vida na terra um inferno, que isso e que aquilo. Os sobreviventes, uma horda de famintos e miseráveis, estarão condenados a perambular por desertos e alagados, habitados por animais de novas espécies, ferozes e devoradores, e sem nehuma vegetação que ofereça sombra e água fresca para pobres mortais. Nos territórios ainda ocupados, o dia estará sempre anoitecendo e o amanhã será como o hoje, como foi o ontem e sem nenhuma perspectiva de um dia vir a ser. Um cenário bem blade runer.

Me deu medo, por mim, que já nem estarei mais aqui, e por meus filhos e netos que, certamente, estarão lutando em algum lugar para se protegerem das catástrofes. Ainda assim, me acalmei, porque me pareceu um futuro bem distante e porque acredito que o homem não se coloca problemas que não possa resolver. Ouvi isso em algum lugar, gostei e sempre me lembro dessa frase quando estou no sufoco. Mas aí, olha o perigo, resolvi dar uma espiada, para ver exatamente como estamos caminhando neste cenário.

Dei uma panorâmica só em 2005, minha memória recente ainda está em forma. E vi os tufões e vendavais nas Américas Central e do Norte. Vi as inundações na Europa e na Ásia. Vi os verões tórridos que estamos enfrentando aqui no Sul, acompanhados de tempestades devastadoras, que deixam centenas de desabrigados. Vi as nevascas na Europa e América do Norte. Vi notícias sobre a descoberta de novos vírus, letais para os homens. Vi notícias sobre o derretimento de geleiras na Antártida, no Ártico e na Groenlândia. Nos picos gelados do Himalaia, dos Alpes e até do Kilimanjaro, em plena África.

Olhei sem querer, mas não pude deixar de ver e agora fiquei preocupada. Será que é preciso esperar até 2050? Esperar aquele dia, talvez depois do carnaval, quem sabe uma tarde chuvosa de um domingo preguiçoso, quando, então, de repente, as mudanças climáticas vão começar a mudar a vida no planeta? Sei não. Tudo está chegando muito rápido. Aí estava andando e pensando, ainda mantenho esse hábito, e vi na banca um exemplar da Scientific American, bem a vista de todo mundo, tratando exatamente destas questões: A terra na estufa. Comprei, claro, e fui dar uma olhada.

Um dos desafios mais sérios que já enfrentamos, no hoje, no agora-agora, diz respeito mesmo à questão energética. Como encontrar um substituto para os combustíveis fósseis, responsáveis por 78% da geração de energia no planeta. Leia-se principalmente petróleo, fonte de gases de efeito estufa poderosíssimos. Um substituto de fonte renovável e não poluente, que contribua para desacelerar o ritmo do aquecimento global. O artigo de Rogério Cerqueira Leite discute exatamente isso. E ele não é muito otimista, embora aponte um cenário bem favorável para o Brasil. Um pouco com o álcool, a nova mania nacional, mas principalmente com as nossas velhas conhecidas hidrelétricas, pois temos ainda um potencial hídrico inventariado que é o dobro do instalado.

Cerqueira Leite vai fazendo conta, fazendo conta e descartando uma a uma as alternativas românticas que construímos no nosso ingênuo imaginário. Energia Solar: para produzirmos energia solar equivalente à capacidade de um poço médio de petróleo, que ocupa cerca de 100 metros quadrados e produz mais ou menos 50 mil barris/dia, precisaríamos de 7 mil anos. Não dá para esperar, né? Ele analisa ainda outras fontes mais exóticas e vai detonando todas elas, pelo menos como substitutas para o petróleo. Podem, quando muito, ser complementares em regiões bem localizadas.

E ele vai até chegar à biomassa, entre elas, o álcool. Fazendo as contas e as devidas projeções para 2050, ele mostra que seriam necessários entre 30 a 35 milhões de metros quadrados de cultivo de biomassa para substituir o petróleo. Ou seja, quatro vezes a superfície total do Brasil. Com muito esforço e ocupando toda a terra disponível e adequada ao cultivo de cana-de-açúcar no Brasil, cerca de 90 milhões de hectares, seríamos capazes de substituir não mais do que 10% do petróleo consumido mundialmente.

Fiquei preocupada de novo. Tudo bem que o Brasil invista no álcool como uma fonte complementar de energia, principalmente para o mercado interno, mas querer torná-lo o ouro verde para redenção do planeta, vai uma grande distância. Não quero terminar os meus dias chupando cana, tendo de guardar o bagaço para devolvê-lo à usina e ainda assoviar o está chegando a hora. É melhor pensarmos mais um pouco. Investirmos mais em pesquisa e encontrarmos outras soluções que garantam a maior diversificação da nossa matriz energética, sem comprometer perigosamente as terras destinadas ao cultivo de alimentos. É melhor pensarmos um jeito também de mudarmos nossos hábitos, mesmo que isso seja muito difícil e doloroso. É melhor pensarmos ainda em novos modelos de cidade e em meios de transporte coletivos, que reduzam nossa dependência do automóvel. E outras cositas más, que não vou ficar listando aqui, mas tudo em concomitância, aquela palavrinha danada que parece pajelança.

Enquanto isso, temos de nos acostumarmos com o calor e com as tempestades. Enquanto isso também, é mesmo o que o jornalista Carlos Alberto Sardenberg disse outro dia na CBN: temos de nos acostumarmos com o combustível caro. Daqui pra frente, o preço só vai aumentar, pois 2050 é hoje.

Raios de sol e ventos para todos, fontes de energia complementares e baratas.

Até de repente

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Chuchu com camarão é bão também!

Trilha alternativa: Due, com Renato Russo

Não vi nada. Nem ao vivo nem na televisão. Um milhão e trezentas mil pessoas! Tô fora. É como se juntasse metade de Belo Horizonte na praia. Até acontece. Em janeiro, metade da cidade vai pro litoral, mas fazemos isso de forma desconcentrada, pra não parecer invasão. Agora, um milhão e trezentos mil mineiros numa praia só, nunca vi. São duas Juiz de Fora. Já pensou? Ou uma Recife inteira. Não dou conta. Pra mim, juntou mais de 20 é multidão, já tenho de tomar medidas de precaução. Um milhão e trezentas mil pessoas é um mundão.

Não vi nada mesmo, mas estava sabendo. E Rolling Stones rolou na mesa, como cascalho na ribanceira. Como todo assunto, esse também foi polêmico e só conseguimos entrar num acordo quando surgiu o se. E se fosse o show de Tom Zé? Nesse, iríamos todos. Assistiríamos de joelhos, se preciso fosse, venerando a antena da raça. Mas aí, com certeza, não seriam 1 milhão e 300 mil pessoas. Talvez trezentas, não mil, trezentos sozinho. E já seria uma boa conta. Trinta! Aí seria o máximo. A diversidade estaria representada, mas sem a opressão das multidões. Três, seria maldade, embora, admito, fosse o ideal.

Daí que eu entenda perfeitamente a dificuldade do partido dos baulistas de abrir a cúpula à participação das bases. Para escolher o candidato da sigla, preferem fazer pesquisa de opinião a ter de convocar uma prévia. Juntar aquele povão todo num ginásio. Aquele calorão danado. Aquela mulherada falando, uma musquitada infernal. A rapaziada querendo puxar um sambinha de roda, hem? Marmitas espalhadas pelas arquibancadas. Banheiro cheio. Afi!

Então. Normal, gente. Pesquisa é uma forma de ouvir a voz do povo como outra qualquer. A diferença está só na metodologia. E metodologia, cá pra nós, se não existe a gente inventa, e modela até ela chegar na forma que mais nos apetece, se não o resultado pode surpreender, não é mesmo? Por exemplo, ouvir o lado divergente e chamá-lo de facilitador. Isso é uma invencionice. É um jeito de modelar a forma para adequá-la às necessidades do momento. Mas não tem importância. Fazer uma quali ouvindo as lideranças do partido e chamá-la de prévia amostral, é uma invencionice também. Mas não tem importância.

E olha aqui, escolha é sempre uma coisa muito difícil mesmo. Ainda mais pra quem. Ói só, não tem nada de errado Sun Paulo querer puxar o tom da conversa. Nesse caso, sou igual Tom Zé: porém, com todo defeito, te carrego no meu peito! Mas escolhas, dependendo do que se escolher, faz diferença. Na maioria dos casos. Só que fico pensando que, nesse caso de novo, a escolha é um falso dilema. O PSDB não tem escolha. Só tem um candidato e, olha, que até é um bom candidato. Chuchu com camarão é muito bom! O que o PSDB precisa ter é um bom discurso, um bom programa, um bom plano de ação. O resto é perfumaria. Então, que se faça mesmo uma prévia amostral, porque botar um 1 milhão e 300 mil dentro de um megaespaço e esperar que cheguem num consenso, só Mick Jagger, meus amigos.

That's all, folks!

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Esquece, bush

Trilha alternativa: Madeleine Peyroux, cantando La vie en rose (Gracias, Betinho, mais uma vez - Natal 2005)

Tem muito tempo que não atormento bush. Também não precisei. Bastava Blair, que ele já daria conta do recado sozinho, mas contou ainda com a ajuda de Chavez, Julia Sweig, Fidel, São Pedro, Elizabeth Holtzman, Cherloff, o Hamas, São Pedro, Evo, James Hansen, Almadinejad, Chuck Hagel, entre outros congressistas americanos, São Pedro e assim por diante. Mas como boa ex-fadinha, estou sempre alerta. Tô de olho e agora preciso retomar o meu posto. Sorry, periferia.

Nesta quinta-feira, o Protocolo de Kioto completou um aninho em vigor e bush – tá ligado? – ainda não sacou a canetinha para assinar esse famigerado acordo. Esse é o cara. Lento no gatilho ele, hem? Pois é. E se ele não assina, não tem graça. Para ser sincera, esse assunto está ficando até chato. Mas acontece que os Estados Unidos é o país que mais polui o planeta. É responsável, sozinho, sem ajuda de ninguém, por 25% das emissões mundiais de carbono.

Tudo bem, a nossa cota parte também não é pequena, mas se o exemplo vem de cima, aprendemos a lição mais rápido. É ou não é? Só que bush não pensa assim. Nem sei se pensa. O negócio dele é fazer barulho. É que nem aqueles meninos que estão crescendo e ficam parados do seu lado fazendo barulhos com a boca o tempo todo: cleck, cleck, cleck...brrruummm, brrruuummm...tium, tium, tium....poooouw!!! E não adianta mandar parar.

Olha só, em meados de janeiro, bush, que não vai assinar o Protocolo de Kioto, chamou sua turma e anunciou a criação de um fundo para o desenvolvimento de tecnologias energéticas limpas. Estavam lá, China, que tem síndrome de gigantismo e já está despontando também como um dos maiores poluidores do mundo; Índia, traira; Japão e Coréia do Sul. Ai, ai, viu. Então tá. Não é que a idéia seja ruim, mas os danados não se comprometeram com nada e ainda admitiram, em público, que são dependentes do petróleo e serão ainda por um bom tempo.

Só barulho. Já desconfio que bush, ô cara, está apenas querendo ganhar tempo. Ele sabe que a ciência hoje é um poço de incerteza. É praticamente impossível obter um mínimo de consenso sobre qualquer coisa relativa ao conhecimento, inclusive sobre o aquecimento global. Mais cedo ou mais tarde um cientista destes quaisquer, talvez um inglês, quem sabe, vai provar que não são as indústrias, os automóveis, as grandes concentrações urbanas, as explorações predatórias, as guerras, que são os maiores responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa. Nessa, os Estados Unidos podem acabar se safando.

Aliás, mais cedo do que tarde. Outro dia desses, vi uma entrevista com um pesquisador - um inglês, claro! -, na qual ele afirmava categoricamente que as vacas holandesas eram responsáveis por emissões significativas de gás metano, liberado através de seus arrotos e gases intestinais. O metano é um dos vilões mais cruéis entre os gases de efeito estufa. Bom, o tal pesquisador já estava, inclusive, envolvido em outro projeto, pesquisando uma nova dieta para os ruminantes, que venha minimizar a produção de gases. Essa é boa, hem?

Mas não são apenas os ingleses, coitados. Vi também uma reportagem com pesquisadores do Instituto Max-Planck de Física Nuclear, da Alemanha, denunciando que até 30% das 600 milhões de toneladas do tal gás metano, lançadas anualmente na atmosfera, vêm das plantas vivas. Das nossas plantinhas, inocentemente cultivadas em vasinhos, jardineiras, quintais e até em latinhas vazias de molho de tomate.

Pomba, qui coisa siô! Ninguém nunca antes tinha pensado nisso? Ninguém nunca antes viu as plantinhas lá, soltando gás metano! Que falha, hem? O pesquisador chefe do instituto, Frank Keppler, disse ainda que a emissão de metano pelas plantas dobra a cada 10°C de aumento na temperatura. Que horror! Nesse verão brabo que estamos, a Amazônia deve ter virado uma usina de metano. E é com isso mesmo que Keppler está preocupado. Ele disse que vai ficar de olho na Amazônia. Nós também.

Mas isso não é tudo. Na verdade, de pouco adianta agora saber de onde vem os gases que provocam o efeito estufa. Nem bush precisa mais assinar o Protocolo de Kioto. Esquece, bush. Estava passando os olhos em jornais vencidos e vi uma outra notícia mais chocante. O cientista James Lovelock, autor da teoria de Gaia, aquela em que ele diz que a Terra é um organismo vivo, capaz de se auto regular para garantir as condições de vida, anunciou que as mudanças climáticas já alcançaram um ponto irreversível.

Para ele, dificilmente a nossa civilização sobreviverá. Bilhões de pessoas morrerão e os seres humanos que sobrarem estarão no Ártico, onde o clima permanecerá ainda tolerável. Ele arrasa. Diz que ao longo dos próximos anos, a agricultura se tornará inviável e o aumento do nível do mar produzirá milhões de refugiados. A única coisa que nos resta fazer agora é nos prepararmos para sobreviver ao inevitável! Como diz Palocci, acabou a era do stop and go. Só vamos.

Lovelock está lançando um livro, intitulado “A vingança de Gaia”, onde explica essas coisas todas e nos dá algumas dicas sobre como enfrentar o caos. Além de poupar energia e outras recomendações, ele nos sugere, por exemplo, estocar alimentos e criar estratégias contra a elevação do nível do mar. Tá certo. Acho que prefiro uma casa no Ártico. Vamos contar com bush? Esquece.

Achei Lovelock muito pessimista. Que o mar não está pra peixe, todo mundo tá sabendo. E o calor que estamos passando? E as tempestades repentinas? E a cadeia de furacões? E as nevascas? Tudo em concomitância (hehehehe, ouvi isso hoje na CBN: concomitância! Que palavra estranha! Parece pajelança.)! Mas se Gaia é um ser vivo, tem tratamento. Não tem cura, mas tem tratamento. Pensando bem, bush, não esquece não. Tendo um tempinho, passa lá e assina esse Protocolo, siô! Não custa.

Uma casinha no Ártico para todos nós!

Durmam tranqüilos e sonhem com nossas irmãs, as estrelas, que ainda guardam um pouquinho da nossa matéria prima, para qualquer emergência.

domingo, fevereiro 12, 2006

Fica para outra vez

Fui jogar boliche. Foi na sexta-feira. Fui ver meus irmãos. Antes minha mãe fazia almoço todo sábado e era lá que a gente se encontrava. Agora, ela se livrou dessa obrigação. Só faz quando dá na telha. Já não era sem tempo. Acho justo. Mas fui jogar boliche. Fui ver qual é também. De cara, não gostei dessa história de trocar os sapatos. Preferi jogar descalça. Tenho problema com sapatos. Aquele que eu acho bonito, incomoda. O que é confortável, não é bonito. Quando encontro um que combina o gosto com o gostar, uso até furar. Por isso não acumulo pares de sapatos no armário. E sapato de boliche tem um problema: é feio feito o cão.

Um dia, estava jogando Enciclopédia e caiu essa pergunta: Por que sapato de boliche é feio? Arrisquei que era porque o conforto deveria prevalecer sobre a estética. Teve gente que concordou. Mas a resposta certa é outra. É a seguinte: pra ninguém roubar! Eita! Mas jogar boliche é divertido. É um jogo cheio de manha. Me fez lembrar do Fred e do Barney. O Fred tinha um estilo próprio para lançar as bolas. Ele corria na ponta dos dedos. Tentei, mas não consigo ficar na ponta dos dedos e, menos ainda, correr. Mas tenho força no braço. Isso é o que vale.

E tem também a surpresa. Tam nanm! Quando você lança a bola, tudo pode acontecer, até nada. É que nem na política: tudo pode acontecer, até nada. Olha só, outra vez, não tem muito tempo, vi um deputado aqui da terra relatando a uma repórter o seu encontro com o vice-presidente José Alencar. E Zé Alencar é bobo de conversar tudo que tinha para ser conversado num encontro pra inglês ver? E o deputado é bobo de contar tudo que aconteceu ao vivo e a cores, sem edição? Em vez disso, contou um caso.

Era a história de dois compadres. O primeiro queria vender um boi. O segundo queria comprar um boi. E se encontraram. Mas o primeiro, temendo que o outro percebesse que ele queria vender o boi e oferecesse um preço muito baixo, não tocou no assunto. O segundo, com medo também que o primeiro desconfiasse que ele queria comprar o boi e colocasse o preço muito alto, só jogou conversa fora a tarde inteira. Na hora de ir embora, o segundo gritou lá da porteira: ô cumpadre, e o boi? E o primeiro respondeu: o boi? Fica pra depois!

Nas entrelinhas, leia-se: os dois não conversaram sobre nada que fosse realmente importante. Se conversaram, não tomaram nenhuma decisão que fosse realmente importante. Se decidiram, ainda não está na hora de divulgar.

Não é outra coisa o que o PSDB vem fazendo desde o final do ano passado. FHC reúne-se com Serra. Serra se encontra com Aecinho. Alckmin vai no Nordeste falar com Jereissati. Depois vem a Belo Horizonte e reúne-se com Aécio. Aécio vai a São Paulo e se encontra com FHC. No final de cada encontro, a conversa é a mesma. Canditado? Qui candidato?! Isso fica para depois. Não sei se esse é um jeito mineiro de fazer política. Acho que não. É um jeito estranho de resolver problema que ainda não tem solução.

Olha só, todo mundo faz isso, mais cedo ou mais tarde. Eu faço toda hora. Me encontro pelo menos umas três vezes por dia com meu amigo imaginário, herança da infância que preservo, e discuto com ele desde as miudezas do dia a dia até questões mais relevantes. No final, divagamos sobre a vida e deixamos a pauta pra depois. É um jeito meio estranho mesmo de não resolver os problemas, mas dar a impressão de que estamos resolvendo. Estamos resolvendo. Quando as circunstâncias, com o peso da sua interferência, tornam uma decisão qualquer praticamente inevitável, aí decidimos com elas e tudo se resolve. Eita!

Tancredo Neves também era mestre nisso. Eu vi ele usando essa manha. Era dureza arrancar uma informação dele enquanto não chegasse a hora certa. Tancredo não marcava reunião antes de tudo estar resolvido mas era de jeito nenhum. Quando a solução já estava encaminhada, convocava os interessados e, em seguida, a imprensa. A reunião era só para referendar, mas, para os jornalistas, Tancredo anunciava como se fosse a decisão do dia. Até lá, a conversa era: esse assunto ainda não entrou na pauta, ficou pra depois.

E a política tem mais uma coisa parecida com o boliche. Se não com o boliche, mas com o jeito que nós amadores jogamos boliche. Às vezes, na maioria, miramos num canto ou numa garrafinha e a bola vai que vai até o meio da pista e, de repente, muda de rumo e acerta o outro canto. O pessoal do PSDB corre o risco de cair numa jogada dessas. Está mirando muito, fazendo muita cena. De repente, a bola sai com efeito e, sem que percebam, muda o alvo e deixa todo mundo no meio do caminho.

Olha só, à medida que Lula recupera sua popularidade, fica cada vez mais díficil para o PSDB definir o nome do seu candidato. O Serra vai deixar a prefeitura, que é certa, para fazer papelão nas urnas? É ruim, hem? Ele está certo. Só sai candidato se estiver sendo ovacionado nas ruas. Alckmin está no fim do mandato, tem mais chance de ir para o sacrifício. Fora os dois, tem o Aécio e o Jereissati. O Jereissati, eu não sei. O Aécio, bom, o Aécio acho que ele vai deixar essa conversa para depois... hehehehe.

Choveu, ufa! Mas já passou. A brisa fresca ficou para depois.

Ainda assim, um pôr do sol iluminado para todos. Esse vem, é inevitável.

PS: Dani arrumou o pau que estava dando no blogviajeiro. Agora só falta incluir espaço para comentários e outros detalhes. Mas isso vai ficar para depois (rsrsrs). Pra sábado que vem! Enquanto isso....




Equipe do blogviajeiro
Foto: tia Ni

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Tantos

Trilha alternativa: Velvet Underground em Pale blue eyes (Gracias Betinho! Natal 2005)

Fui atrás do fio da meada. Para encontrá-lo é preciso pescar a palavra certa. A palavra chave. O enter que nos abre novos significados. Outro dia, meu pai me contou que sonhou com palavras. Olha que estranho. Sonhar com palavras. Já sonhei com números. Acordei de madrugada e vaguei pela casa atrás de lápis e papel. Anotei-os rapidamente e voltei a dormir. No dia seguinte esqueci de jogá-los na sena, depois conferi, por puro masoquismo. Não deu nada. Ótimo! Economizei um real para o Lorivaldo. Sonhei com números, mas ainda não tinha sonhado com palavras.

Meu pai sonhou com duas bem estranhas, tanto quanto o sonho. Paralaxe, que quer dizer deslocamento aparente de um objeto quando se muda o ponto de observação e azimute, ângulo medido no plano horizontal entre o meridiano do lugar do observador e o plano vertical que contém o plano observado. A primeira, ele já conhecia, pois entende um pouco de fotografia, onde paralaxe representa o ajuste entre a imagem vista no visor e aquela captada pela lente. A outra, ele tinha alguma idéia, mas não tinha certeza. O estranho é isso. Duas palavras tão pouco usuais e com significados tão semelhantes, tudo num sonho só. Mas essas não são as minhas palavras chaves. São dele. O que significam, só ele mesmo poderá desvendar.

Depois dessa conversa, sonhei pela primeira vez com uma palavra: formidável! Essa foi a palavra, não o sonho. Até sei porque sonhei com ela. Além da motivação da conversa com meu pai, nesses últimos dias estive envolvida na remontagem da exposição de JK, que apresentamos originalmente em setembro de 2002, data de comemoração do centenário do seu nascimento. Na exposição, incluimos uma frase de JK que eu adoro. Ele comentava o trabalho de Niemeyer e dizia: Esse negócio de rampas é formidável! Acho essa frase fantástica. Ela transmite todo o entusiasmo que JK tinha pelo novo e é uma frase contagiante, tanto quanto o seu entusiasmo.

Fiquei pensando se a minha palavra chave seria essa: formidável! Eu bem que gostaria. Mas não senti o click. Não encaixou com outras que tinha na gaveta. Ficou solta, fora da meada. Fechei os olhos e tentei me lembrar do sonho novamente. Não teriam outras palavras rondando essa que gosto de repetir? E me lembrei, bem vagamente, que no sonho alguém - alguém que sabia ser eu mesma – disse, logo depois de ouvir a deliciosa formidável, duas outras palavras que não me chamaram atenção no primeiro momento, mas que agora me são mais expressivas. Esse alguém que eu sou ou que era eu disse: vim ver. Foi isso que disse. Ou pensei dizer? Sei lá.

Mas essas sim, me pareceram ser palavras chaves: vim ver. Ao repeti-las, consegui ainda reduzi-las a uma só palavra e única: viver. Todas duas versões me deixaram satisfeitas, tanto quanto me deixaria exultante, se meu enter fosse formidável que, na minha tradução, quer dizer: uma forma notável. Uma forma que não passa desapercebida. Que não pode deixar de ser vista ou, melhor, uma forma que veio para ser vista. Essa é a terceira versão que acabo de inventar. Vim ver o que está aí para ser visto. O formidável! Assim já tenho três palavras chaves. Adoro opções, porque me perco na escolha e sempre descubro outras possibilidades ainda mais interessantes.

Desvendado o mistério, saí para ver. E vi no site no mínimo um livro de alguém, acho que é Ricardo Neves, que se encaixa como luva nas minhas palavras chaves. O livro chama-se Pegando no tranco: o Brasil do jeito que você nunca pensou. Entre outras coisas ele liquidificou as estatísticas sobre miséria no Brasil e provou que somos bem menos pobres do que dizem os homens de boa vontade. Vou ver esse livro. Mais que isso, se der, vou ler esse livro.

Fiquei pensando que temos mesmo mania de sofrimento. Antigamente, disso eu me lembro muito bem, era super chique, até charmoso mesmo, ficar na fossa. Assim, meio triste, meio descrente, desiludido. Aí, essa moda passou. Depois veio o PT e inventou esse negócio de que não precisávamos ter medo de ser feliz. E pegou. Mas no acostamento, vigorava outra moda, que já vinha de um bom tempo e já tinha feito escola, que ditava para sermos felizes, mas lembrando sempre do nosso miserê. E aí lá íamos nós, carregando nossas bandeiras, cantando e dançando, rindo e gritando: somos tantos milhões de miseráveis, tantos milhões de analfabetos, tantos milhões de natimortos, tantos milhões de desempregados, tantos milhões de fora da escola, tantos milhões de tuberculosos, tantos milhões de sem-terra, tantos milhões de sem-teto, tantos e tantos e tantos....

Mas agora, pegando no tranco, quem sabe não somos tantos assim em tantas coisas quanto acreditávamos que fôssemos? Vou ver, vou ver. E olha só como palavra chave ajuda. Vou sugerir essa para o Paulo Coelho. Hehehehe. Na segunda-feira, estava lendo um artigo do jornalista Carlos Alberto Sardenberg que discutia exatamente sobre o nosso parco salário mínimo. Não sei onde pus o recorte, mas o artigo deve estar disponível por aí, na internet. Então, falava do nosso salário mínimo, tão mísero para quem recebe e tão caro para quem paga. Mas olha só, ele viu o que eu não tinha visto ainda. Ele comparou o nosso salário mínimo com o PIB per capita do Brasil e depois fez o mesmo com o salário mínimo dos Estados Unidos e o PIB per capita dos americanos. E sabe o resultado? Nessa relação, o Brasil conseguiu um indicador bem melhor que o de bush! Huahuahuahua. Parece que Ricardo Neves tem razão!

Vi também, por sugestão da CBN, as fotos dos haitianos votando. Uma foto é formidável! Um mundo de gente com títulos de eleitor nas mãos, balançando-os no ar como bandeiras! Acho que vou procurar meu título, que escondi não sei onde, para não ficar tentada a usá-lo neste ano. Pensando bem, é muito melhor usá-lo. E balançá-lo no ar, como fizeram os haitianos!

Então. Já vou indo. Vou ver. Volver, para ir vendo. Vivendo.

Belas vistas para todos!

sábado, fevereiro 04, 2006

O MAC e as mamonas assassinas

Ói só! Não ia nem tocar neste assunto, porque faz parte daqueles que estão na caixinha, trancados a sete chaves. Mas num guento. Tô sabendo. Ouvi na CBN que a cúpula do partido só dá baulistas está melindrada por conta da lista de Furnas. Ói só! O povo, nem tomamos mais conhecimento dessa história. Generalizamos, lá pelo final de meados de 2005, e tudo se banalizou desde então.

Agora, para sair dessa barafunda, não vejo outra alternativa. Vamos ter de solicitar ao Tribunal Superior Eleitoral um MAC Emergencial para os partidos políticos. O MAC é um Mecanismo de Adaptação Competitiva que os argentinos empurraram goela abaixo dos brasileiros. Pode parecer estranho, mas acho justo. O que os carros brasileiros estão fazendo com os argentinos é uma maldade. Vocês já devem conhecer essa, porque está rolando por aí faz tempo, mas não vou transcrevê-la porque, apesar de bonitinha, é muito politicamente incorreta e não vou cair nessa depois de Maomé, né?

Mas voltando ao MAC Emergencial, a solução é o TSE acionar esse mecanismo para dar aos partidos um novo tempo de adaptação às regras da competição eleitoral. Se formos deixar a carruagem andar no ritmo que lá vai, essa eleição será reduzida à trocas de chumbo grosso e não vamos conseguir discutir um projeto para o país, que é o que estamos urgindo. Depois suspende o MAC Emergencial e retoma as investigações. Enquanto isso, deixa as urnas darem o troco.

Essa também não é uma idéia politicamente muito correta. Tô sabendo, mas é que essa história não tem fim e conheço bem esse tipo de literatura, a gente sempre acaba voltando ao começo. É igual filme emendado. Não termina. E nós precisamos andar.

Falando em andar, e o Requião, hem? Queria comer mamonas?! Tô boba. Vai dizer que nunca fez guerra de mamonas na infância? Nunca entrou em lote vago para catar munição? Jisuis! Por aqui, mamona é praga. Dá à tôa, em qualquer terreno baldio. E a maior diversão dos meninos era fazer guerra com as bolinhas de espinhos da mamona. Já catei mamona até pros meus meninos. Só que eles fizeram suas guerras na escola, não no meio da rua, né? Era atividade de educação física: jogos e brincadeiras antigas. Huahuahua. Mas ninguém comia mamona, nem meus meninos, porque sabíamos: mamona tem toxinas! Huahuahua.

No mais, bolinhas de mamonas para todos. Vai que amanhã a gente precise.
Vou fazer uma revisão no teclado do computador. Perdi o fio da meada.

Durmam com os anjinhos.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Nem tudo que cai no chão é lixo


Ilustração: Google!
Photoshop: eu mesma

Esse era o título de um ensaio fotográfico, publicado em um dos primeiros números do jornal De Fato, que circulou em Belo Horizonte em meados dos anos 70. Desde que passei os olhos naquela foto-reportagem, não consigo mais andar pela cidade sem pensar de novo e sempre nessa frase: nem tudo que cai no chão é lixo.

Agora, ainda nesta semana, estava ouvindo o noticiário e, mais uma vez, ela me veio à cabeça. Perdi a graça completamente. O povo está pirando de vez ou a vida é que está mesmo, de fato, esvaziada de qualquer significado? Olha que já vi muita coisa danada pelas calçadas de Belo Horizonte. Quando era pequena, ou melhor, menina, já que não posso dizer que cresci muito daquele tempo pra cá; mas quando era menina, me impressionava muito as calçadas das ruas Tamoios com São Paulo e avenida Amazonas.

Nesse entroncamento de ruas, ficavam expostas todas as nossas feridas. A pobreza, os velhos abandonados, crianças catarrentas, mulheres descabeladas e toda sorte do que hoje chamamos de excluídos. Era um alívio para os pecadores, que encontravam ali uma boa oportunidade para reduzir suas penas, distribuindo esmolas a torto e a direito. Era um prato cheio também para os sádicos, que passavam por lá para tripudiar das dores alheias.

E me impressionava, particularmente, um senhor já de idade, que tinha vaga cativa bem na virada da rua São Paulo com Amazonas, entrando para a Tamoios. Ele não se contentava de apenas ficar ali, com sua caneca de alumínio, pronta para receber um donativo. Expunha aos nossos olhos distraídos uma enorme ferida na perna, que estava sempre aberta. Um dia, alguém me disse que aquele pobre era uma farsa. A ferida dele era um bife de contra-filet que, com habilidade artística, ele colava em sua perna. Como as mulheres, que se enfeitavam para ir ao Centro, ele se maquiava todos os dias, antes de descer para a luta.

Fiquei mais impressionada ainda. Um bife de contra-filet! Me lembro que ainda voltei àquela esquina algumas vezes para tentar confirmar essa versão. Mas toda vez, quando chegava perto do tal sujeito, não tinha coragem de olhar para a perna pestilenta. Na verdade, ele tinha uma estratégia bem eficaz para desviar nossa atenção. Assim que alguém se aproximava dele, e isso eu vi, ele começava a gemer, a falar, a contar sua triste história e a balançar a canequinha de alumínio, fazendo as pratinhas tilitarem na lata. Aí nossos olhos logo se desviavam da perna para os olhos dele. Nessa hora, meu espírito cristão sempre falava mais alto e ele levava mais algumas das minhas moedas para o seu cofrinho. Nunca consegui saber se ele era um pobre coitado ou um coitado danado de esperto.

Já cansei de ver também muito bebum amanhecer nas calçadas da cidade. Encharcavam a cara à noite inteira e, de repente, pumba!, ali caiam, ali ficavam. Já gastei tempo pensando neles também. Por que bebem tanto? Será que é por amor? Ou desamor? Será que é desespero? Destempero? Loucura? Teve uma madrugada, que um desses bateu o interfone lá em casa. Cheguei! Abre aí pai! É o Zé Mário. Qui Zé Mário, siô? E não tinha quem convencesse o rapaz que ali não era a casa dele. Foi assim até o amanhecer, quando ele, cansado, evidentemente, mas convicto de que estava em casa, deitou e dormiu ali mesmo, em frente ao portão da garagem. Tem isso.

Mas agora, parece que as coisas estão fora de controle. Outro dia, ouvi na CBN que os pobres de São Paulo cansaram de esperar ajuda. Também ninguém mais abre a carteira na rua, para tirar dinheiro, com medo de ser assaltado. Então, eles estão se virando como podem, fazendo das calçadas terreno baldio, onde constróem suas casas e criam suas famílias. Mas estes ainda sonham com a vida. Ainda não viraram lixo.

Então. O que me fez pensar naquela frase outras vez, foram as crianças abandonadas dentro de sacos de lixo, como se lixo fossem. Não usaram esse recurso como uma estratégia de sobrevivência. Não foram parar ali por amor, desamor ou qualquer outro tipo de desilusão. Não escolheram a rua para exibir suas tragédias. Foram postas. Dispensadas, despejadas, deletadas. Parece que a vida tornou-se um bem descartável. Está adquirindo um valor virtual, que você pode apagar sem qualquer remorso, pois não vale mesmo nada num universo paralelo. Virou um produto qualquer e, pior, está sobrando na prateleira. Será que não tá na hora de nos desconectarmos e cairmos na real? Queria pensar nessas crianças, mas, sinceramente, não dou conta.

Inté!