sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Olhar é perigoso

Trilha alternativa: Tema para Joaquina, de Caxi Rajão para o filme Vinho de Rosas

Olhar é muito perigoso. Vai que você vê? Quando criança, aprendi que até mesmo sem ver, olhar é perigoso. Se o outro cisma que você está olhando de um jeito esquisito, isso vira briga na certa. Aí rola no chão e troca puxão de cabelo e chute na canela e mordida e chama mãe e chama pai e vai saber o porquê: é porque fulano estava me olhando de um jeito esquisito. Então. De qualquer maneira, olhar é perigoso e tem hora ainda que você vê até sem olhar. É quase inevitável. E dá problema do mesmo jeito.

Foi isso que aconteceu. Outro dia ouvi, ou vi, alguém falando sobre o assuntão. Aquela história de que precisamos fazer alguma coisa para preservar o planeta, que se não tomarmos providências imediatas, em 2050 as mudanças climáticas tornarão a vida na terra um inferno, que isso e que aquilo. Os sobreviventes, uma horda de famintos e miseráveis, estarão condenados a perambular por desertos e alagados, habitados por animais de novas espécies, ferozes e devoradores, e sem nehuma vegetação que ofereça sombra e água fresca para pobres mortais. Nos territórios ainda ocupados, o dia estará sempre anoitecendo e o amanhã será como o hoje, como foi o ontem e sem nenhuma perspectiva de um dia vir a ser. Um cenário bem blade runer.

Me deu medo, por mim, que já nem estarei mais aqui, e por meus filhos e netos que, certamente, estarão lutando em algum lugar para se protegerem das catástrofes. Ainda assim, me acalmei, porque me pareceu um futuro bem distante e porque acredito que o homem não se coloca problemas que não possa resolver. Ouvi isso em algum lugar, gostei e sempre me lembro dessa frase quando estou no sufoco. Mas aí, olha o perigo, resolvi dar uma espiada, para ver exatamente como estamos caminhando neste cenário.

Dei uma panorâmica só em 2005, minha memória recente ainda está em forma. E vi os tufões e vendavais nas Américas Central e do Norte. Vi as inundações na Europa e na Ásia. Vi os verões tórridos que estamos enfrentando aqui no Sul, acompanhados de tempestades devastadoras, que deixam centenas de desabrigados. Vi as nevascas na Europa e América do Norte. Vi notícias sobre a descoberta de novos vírus, letais para os homens. Vi notícias sobre o derretimento de geleiras na Antártida, no Ártico e na Groenlândia. Nos picos gelados do Himalaia, dos Alpes e até do Kilimanjaro, em plena África.

Olhei sem querer, mas não pude deixar de ver e agora fiquei preocupada. Será que é preciso esperar até 2050? Esperar aquele dia, talvez depois do carnaval, quem sabe uma tarde chuvosa de um domingo preguiçoso, quando, então, de repente, as mudanças climáticas vão começar a mudar a vida no planeta? Sei não. Tudo está chegando muito rápido. Aí estava andando e pensando, ainda mantenho esse hábito, e vi na banca um exemplar da Scientific American, bem a vista de todo mundo, tratando exatamente destas questões: A terra na estufa. Comprei, claro, e fui dar uma olhada.

Um dos desafios mais sérios que já enfrentamos, no hoje, no agora-agora, diz respeito mesmo à questão energética. Como encontrar um substituto para os combustíveis fósseis, responsáveis por 78% da geração de energia no planeta. Leia-se principalmente petróleo, fonte de gases de efeito estufa poderosíssimos. Um substituto de fonte renovável e não poluente, que contribua para desacelerar o ritmo do aquecimento global. O artigo de Rogério Cerqueira Leite discute exatamente isso. E ele não é muito otimista, embora aponte um cenário bem favorável para o Brasil. Um pouco com o álcool, a nova mania nacional, mas principalmente com as nossas velhas conhecidas hidrelétricas, pois temos ainda um potencial hídrico inventariado que é o dobro do instalado.

Cerqueira Leite vai fazendo conta, fazendo conta e descartando uma a uma as alternativas românticas que construímos no nosso ingênuo imaginário. Energia Solar: para produzirmos energia solar equivalente à capacidade de um poço médio de petróleo, que ocupa cerca de 100 metros quadrados e produz mais ou menos 50 mil barris/dia, precisaríamos de 7 mil anos. Não dá para esperar, né? Ele analisa ainda outras fontes mais exóticas e vai detonando todas elas, pelo menos como substitutas para o petróleo. Podem, quando muito, ser complementares em regiões bem localizadas.

E ele vai até chegar à biomassa, entre elas, o álcool. Fazendo as contas e as devidas projeções para 2050, ele mostra que seriam necessários entre 30 a 35 milhões de metros quadrados de cultivo de biomassa para substituir o petróleo. Ou seja, quatro vezes a superfície total do Brasil. Com muito esforço e ocupando toda a terra disponível e adequada ao cultivo de cana-de-açúcar no Brasil, cerca de 90 milhões de hectares, seríamos capazes de substituir não mais do que 10% do petróleo consumido mundialmente.

Fiquei preocupada de novo. Tudo bem que o Brasil invista no álcool como uma fonte complementar de energia, principalmente para o mercado interno, mas querer torná-lo o ouro verde para redenção do planeta, vai uma grande distância. Não quero terminar os meus dias chupando cana, tendo de guardar o bagaço para devolvê-lo à usina e ainda assoviar o está chegando a hora. É melhor pensarmos mais um pouco. Investirmos mais em pesquisa e encontrarmos outras soluções que garantam a maior diversificação da nossa matriz energética, sem comprometer perigosamente as terras destinadas ao cultivo de alimentos. É melhor pensarmos um jeito também de mudarmos nossos hábitos, mesmo que isso seja muito difícil e doloroso. É melhor pensarmos ainda em novos modelos de cidade e em meios de transporte coletivos, que reduzam nossa dependência do automóvel. E outras cositas más, que não vou ficar listando aqui, mas tudo em concomitância, aquela palavrinha danada que parece pajelança.

Enquanto isso, temos de nos acostumarmos com o calor e com as tempestades. Enquanto isso também, é mesmo o que o jornalista Carlos Alberto Sardenberg disse outro dia na CBN: temos de nos acostumarmos com o combustível caro. Daqui pra frente, o preço só vai aumentar, pois 2050 é hoje.

Raios de sol e ventos para todos, fontes de energia complementares e baratas.

Até de repente

2 comentários:

Anônimo disse...

A minha intuição, depois de 50 anos habitando este planeta e convivendo com outros humanos, é que a saída sensata que seria mudar nossos hábitos que dependem de consumo de energia, só acontecerá na marra, no desespero total. Lembra do apagão? Foi você quem me apontou nas vésperas do acontecido que o governo andava fazendo alguma propaganda na TV aconselhando economia de energia. A propaganda era tão pouco convincente que eu fui a primeira a achar que a coisa não era tanto assim. Só mesmo quando fiquei no escuro, foi que troquei as lâmpadas e reduzi o consumo de outras maneiras. Por que aquela propaganda era tão pouco convincente? Por que as previsões de catástrofe ambiental são tão pouco convincentes? Ao contrário de você, acho que ainda estarei aqui quando acontecer o Grande “Apagão” energético. Sô raça ruim. Aliás, você também é. Mas, para nós isso não faz diferença. Estando aqui ou não, queremos sonhar com um futuro lindo.

patricia duarte disse...

Pois é. De fato, minha herança genética me permitir dizer que ainda estarei por aqui em 2050. Vovó Nísia viveu 105 tranquilinha, lendo jornal e zombando das notícias, não é mesmo? Mas sei lá, a rua anda cheia de carros, a calçada cheia de meliantes, o dia cheio de emoções... vai que o coração não aguenta? Hehehe. Agora, também não entendo porque não nos assustamos com o envelhecimento precoce do planeta, da nossa casa. Não entendo mesmo, porque não somos capazes de articular soluções coletivas para resolver esses problemas. Talvez porque continuamos todos eternamente adolescentes e acreditando que nada de mal nos acontecerá, mesmo diante dos maiores perigos.