Trilha alternativa: Velvet Underground em Pale blue eyes (Gracias Betinho! Natal 2005)
Fui atrás do fio da meada. Para encontrá-lo é preciso pescar a palavra certa. A palavra chave. O enter que nos abre novos significados. Outro dia, meu pai me contou que sonhou com palavras. Olha que estranho. Sonhar com palavras. Já sonhei com números. Acordei de madrugada e vaguei pela casa atrás de lápis e papel. Anotei-os rapidamente e voltei a dormir. No dia seguinte esqueci de jogá-los na sena, depois conferi, por puro masoquismo. Não deu nada. Ótimo! Economizei um real para o Lorivaldo. Sonhei com números, mas ainda não tinha sonhado com palavras.
Meu pai sonhou com duas bem estranhas, tanto quanto o sonho. Paralaxe, que quer dizer deslocamento aparente de um objeto quando se muda o ponto de observação e azimute, ângulo medido no plano horizontal entre o meridiano do lugar do observador e o plano vertical que contém o plano observado. A primeira, ele já conhecia, pois entende um pouco de fotografia, onde paralaxe representa o ajuste entre a imagem vista no visor e aquela captada pela lente. A outra, ele tinha alguma idéia, mas não tinha certeza. O estranho é isso. Duas palavras tão pouco usuais e com significados tão semelhantes, tudo num sonho só. Mas essas não são as minhas palavras chaves. São dele. O que significam, só ele mesmo poderá desvendar.
Depois dessa conversa, sonhei pela primeira vez com uma palavra: formidável! Essa foi a palavra, não o sonho. Até sei porque sonhei com ela. Além da motivação da conversa com meu pai, nesses últimos dias estive envolvida na remontagem da exposição de JK, que apresentamos originalmente em setembro de 2002, data de comemoração do centenário do seu nascimento. Na exposição, incluimos uma frase de JK que eu adoro. Ele comentava o trabalho de Niemeyer e dizia: Esse negócio de rampas é formidável! Acho essa frase fantástica. Ela transmite todo o entusiasmo que JK tinha pelo novo e é uma frase contagiante, tanto quanto o seu entusiasmo.
Fiquei pensando se a minha palavra chave seria essa: formidável! Eu bem que gostaria. Mas não senti o click. Não encaixou com outras que tinha na gaveta. Ficou solta, fora da meada. Fechei os olhos e tentei me lembrar do sonho novamente. Não teriam outras palavras rondando essa que gosto de repetir? E me lembrei, bem vagamente, que no sonho alguém - alguém que sabia ser eu mesma – disse, logo depois de ouvir a deliciosa formidável, duas outras palavras que não me chamaram atenção no primeiro momento, mas que agora me são mais expressivas. Esse alguém que eu sou ou que era eu disse: vim ver. Foi isso que disse. Ou pensei dizer? Sei lá.
Mas essas sim, me pareceram ser palavras chaves: vim ver. Ao repeti-las, consegui ainda reduzi-las a uma só palavra e única: viver. Todas duas versões me deixaram satisfeitas, tanto quanto me deixaria exultante, se meu enter fosse formidável que, na minha tradução, quer dizer: uma forma notável. Uma forma que não passa desapercebida. Que não pode deixar de ser vista ou, melhor, uma forma que veio para ser vista. Essa é a terceira versão que acabo de inventar. Vim ver o que está aí para ser visto. O formidável! Assim já tenho três palavras chaves. Adoro opções, porque me perco na escolha e sempre descubro outras possibilidades ainda mais interessantes.
Desvendado o mistério, saí para ver. E vi no site no mínimo um livro de alguém, acho que é Ricardo Neves, que se encaixa como luva nas minhas palavras chaves. O livro chama-se Pegando no tranco: o Brasil do jeito que você nunca pensou. Entre outras coisas ele liquidificou as estatísticas sobre miséria no Brasil e provou que somos bem menos pobres do que dizem os homens de boa vontade. Vou ver esse livro. Mais que isso, se der, vou ler esse livro.
Fiquei pensando que temos mesmo mania de sofrimento. Antigamente, disso eu me lembro muito bem, era super chique, até charmoso mesmo, ficar na fossa. Assim, meio triste, meio descrente, desiludido. Aí, essa moda passou. Depois veio o PT e inventou esse negócio de que não precisávamos ter medo de ser feliz. E pegou. Mas no acostamento, vigorava outra moda, que já vinha de um bom tempo e já tinha feito escola, que ditava para sermos felizes, mas lembrando sempre do nosso miserê. E aí lá íamos nós, carregando nossas bandeiras, cantando e dançando, rindo e gritando: somos tantos milhões de miseráveis, tantos milhões de analfabetos, tantos milhões de natimortos, tantos milhões de desempregados, tantos milhões de fora da escola, tantos milhões de tuberculosos, tantos milhões de sem-terra, tantos milhões de sem-teto, tantos e tantos e tantos....
Mas agora, pegando no tranco, quem sabe não somos tantos assim em tantas coisas quanto acreditávamos que fôssemos? Vou ver, vou ver. E olha só como palavra chave ajuda. Vou sugerir essa para o Paulo Coelho. Hehehehe. Na segunda-feira, estava lendo um artigo do jornalista Carlos Alberto Sardenberg que discutia exatamente sobre o nosso parco salário mínimo. Não sei onde pus o recorte, mas o artigo deve estar disponível por aí, na internet. Então, falava do nosso salário mínimo, tão mísero para quem recebe e tão caro para quem paga. Mas olha só, ele viu o que eu não tinha visto ainda. Ele comparou o nosso salário mínimo com o PIB per capita do Brasil e depois fez o mesmo com o salário mínimo dos Estados Unidos e o PIB per capita dos americanos. E sabe o resultado? Nessa relação, o Brasil conseguiu um indicador bem melhor que o de bush! Huahuahuahua. Parece que Ricardo Neves tem razão!
Vi também, por sugestão da CBN, as fotos dos haitianos votando. Uma foto é formidável! Um mundo de gente com títulos de eleitor nas mãos, balançando-os no ar como bandeiras! Acho que vou procurar meu título, que escondi não sei onde, para não ficar tentada a usá-lo neste ano. Pensando bem, é muito melhor usá-lo. E balançá-lo no ar, como fizeram os haitianos!
Então. Já vou indo. Vou ver. Volver, para ir vendo. Vivendo.
Belas vistas para todos!
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