sábado, maio 27, 2006

Torcida descolada

Hoje sai para andar pela manhã, mas nem tão cedo assim. A rua já estava totalmente habitada. Aí, quando olhei, vi um bolinho no meio da praça. Um bando de meninos com papel e caneta nas mãos. Meninas, mocinhas, uns marmanjões, outros até de cabelos brancos e até vovó tinha no meio da confusão. Uai? O que se passa? Dei a meia volta, peguei um atalho e fui chegando, assim como quem está só de passagem, mas com as antenas ligadas. Dãwr! É claro, né? Mais um posto de troca.

A cidade está cheia disso. Um posto em cada esquina. Parece até aquela multicontinenal de cds piratas de música latinoamericana. Teve uma época que, em qualquer praça da cidade, você trombava com uma filial da música dos Andes. Você passava e aquela flautinha de bambu ficava ressoando no seu ouvido. Uma tristeza danada! Mas agora a mania é outra. São as figurinhas do álbum da Copa 2006. A matriz de troca fica na Lagoa Seca, mas tem sucursal pela cidade inteira.

O posto de troca da pracinha é novo. Até ontem ele não estava lá. Se soubesse da novidade tinha carregado também o bolão do meu adola para poder participar. A rodinha no meio da praça estava super animada. Tinha um marmanjão com um maço só de figurinhas brilhantes. Devia ter até uma da Alemanha naquele bolo. Ela é super difícil, mas a Ruthinha deu sorte e ganhou a sua num dos primeiros pacotinhos que comprou. Aliás, ela deu muita sorte. Acho que não falta nenhuma brilhante no seu álbum.

Esse negócio de colecionar figurinhas é engraçado. Todo mundo sabe como funciona: no começo tudo é novidade, depois dos 20 primeiros pacotinhos, começam a aparecer as repetidas. Aí, quem não está na brincadeira faz aquela cara de eu não disse que isso era golpe! e acha que aí vamos desistir. Mas é um engano bobo de não-iniciados, pois é aí que começa a brincadeira. Claro, porque você tem de trocar as repetidas e para isso precisa montar a sua rede de trocas e falar com um, com outro e daí surgem pessoas que você nunca tinha visto na vida e faz novas amizades. É um exercício social. Muito legal!

Mas tem gente que não vê essas coisas. Acha que é jogar dinheiro fora. Falta do que fazer. Doença infantil dos novos velhos. Outras ficam até com vontade, mas ainda não tem coragem. Aí inventam desculpas. Um amigo falou que não está colecionando as figurinhas da Copa, porque está economizando para o álbum das Mais belas mulheres que acompanham os jogadores. Quando ele disse isso, nós rimos, claro! Íamos desapontá-lo? Nunca. Queríamos era encorajá-lo. Mas temos certeza de que ele falou isso para zoar da nossa nova mania. Acho que ficou com ciúmes também, porque estávamos fazendo a votação da seleção das seleções. Estamos montando o time dos jogadores mais bonitos da Copa 2006 para fixar no mural.

Vou contar um negócio: está difícil. Nunca vi uma escassez de homens bonitos tão grande quanto nessa Copa. Tá certo, tem os engraçadinhos, bonitinhos, simpáticos, divertidos, como os Ronaldinhos e Cacás. E já tá muito bom. Mas bonito, bonito, tá difícil. Na minha vez de votar, fui direto na seleção da Itália, que historicamente tem o melhor plantel da Copa. Mas olha, dessa vez não achei nem um para fazer as honras da casa. Tive de buscar apoio na seleção da Espanha e da Alemanha, porque a da França também está desfalcada. Ainda estou devendo um voto. Vou aguardar o fim de semana para ver se a Ruthinha consegue uma leva de inéditas e nos faz alguma surpresa.

Já estou até vendo a cara de vocês. Quanta futilidade! Mas insisto, não é. Essa Copa ainda não conseguiu mobilizar as forças nacionais. O comércio está jorrando verde-amarelo pelo ladrão; o Brasil já venceu teoricamente em todas as simulações estatísticas, todo dia recebo um e-mail novo pelo correio, demonstrando que saíremos campeões; os bares estão enfeitados, os prédios, as casas, as ruas. Todo mundo está fazendo o dever de casa, mas aquela euforia, aquele cordão solidário de torcedores, aquele espírito despreendido, de coração aberto, sem nenhuma autocrítica, esse ainda não se formou. Tá todo mundo com o pé atrás. Todo mundo olhando desconfiado para o Parreira. Ói só, nem Parreira está com essa bola toda! Levou na bagagem até uma imagem de Santo Antônio! Eu hem? Vai escalar Santo Antônio para a lateral direita?

Então. Ficamos preocupadas com essa dispersão. Era preciso fazer alguma coisa bem rápido. Daí que resolvemos montar também o nosso álbum de figurinhas. Faz parte do esforço de mobilização. Assim como as pesquisas culinárias, para montar o cardápio da Copa, e as pesquisas de times vencedores de Copas passadas, para formar as seleções do I Campeonato Escolar de Futebol de Mesa. Se não tivermos um bom motivo para estarmos juntos, é bem capaz de esquecermos que tem jogo. Ou, pior, cada um vai pro seu canto, assistir o jogo no sossego do seu lar, e se desfaz a rede de torcedores unidos, jamais vencidos. Aí quero ver se a seleção internacional brasileira consegue se entrosar e fazer alguma coisa que preste. Fica difícil, né?

É isso tudo. E é bom que essa estratégia funcione, se não vamos ter de nos render à competência de Marcola e convocá-lo para liderar a nossa torcida. Já pensou que vexame!

Mudando de assunto, alguém aí tem a figurinha brilhante da Alemanha?

Estou trocando idéias, receitas da Croácia, do Japão e da Austrália, lentes velhas de relógio para montar a minha seleção de futebol de botão e, se me animar mais um pouco, troco até de partido.

Bolinhos animados e figurinhas inéditas para todos neste final de semana!

quinta-feira, maio 25, 2006

Tá na hora de fechar as porteiras

Vou contar o que aconteceu. Ontem, depois de pegar o baixinho no inglês e enfrentar o trânsito nervoso de fim de expediente, chegamos em casa beirando as oito horas da noite. Chegamos esbudegados pela correria do dia e ganindo de fome. Aí, tanannnn! Fomos abrir o portão da garagem e, adivinhem! Exatamente, a chave não rodava. Insisti uma vez, duas, três, e necas. Depois todo mundo quis tentar. Vai que um estivesse com sorte e a chave rodasse? Nos joguinhos eletrônicos acontece disso, mas, pra nosso desgosto, estávamos em plena vida real.

Vou poupá-los do relato sobre as duras negociações que tive de manter com o serviço 24 horas de chaveiros especializados. Foram muito cansativas. Além do mais, elas não importam muito. O que me deixou intrigada nesse episódio foi encontrar o portão trancado. Trancado de tal jeito, que foi impossível, pelo menos para nós leigos, desmontar a fechadura e simplesmente abrir o portão e assim deixá-lo até o dia seguinte, quando tudo seria mais fácil de se resolver.

Esses acontecimentos inexplicáveis sempre me deixam em alerta. Ao sair de casa, pela manhã, a chave abriu e fechou o portão sem nenhum problema. O que poderia ter acontecido ao longo do dia para que a fechadura emperrasse desta forma? Por que não conseguia mais abrir o portão? Achei que essa era uma questão bastante relevante para se pensar. Antes de ir dormir, sentei no computador. Mas ainda antes de pensar, entrei no Terra para ver o que rolava no resto do mundo. E vi. Vi exatamente o que estava acontecendo e entendi rapidamente porque deveria me manter alerta.

Meninas, o mundo está fechando suas porteiras. Estou desconfiada de que aquela idéia, às vezes perversa, às vezes bendita, de um mundo globalizado, está dando água. O que vi foi a foto de um barquinho lotado de imigrantes africanos, inclusive crianças, sendo interceptado por policiais espanhóis. Fui olhar melhor e percebi que este não foi um episódio isolado. Só neste ano, mais de 4 mil africanos deixaram suas terras para buscar abrigo nas margens vizinhas da Europa. Esse número é quase o mesmo de todo o ano de 2005. E neste total, poderiam se somar ainda mais mil pessoas, que ficaram pelo caminho. A maioria vítimas de afogamento.

Foto: Publicada no site Terra

Não sei se os africanos desistiram do futuro e resolveram, por conta própria, sair à caça de novos mundos. Não sei se foram seduzidos pelos encantos do mundo globalizado. Se acreditaram, piamente, que também eles poderiam ir e vir livremente, assim como fazem o capital financeiro e o capital industrial. Não sei se também se acharam no direito de buscar lugares que lhes oferecessem melhores oportunidades de vida. Não sei. Mas se pensaram isso, se estreparam. O mundo está fechando suas porteiras.

A Espanha está em alerta. A França está pondo catraca nas suas fronteiras. Na semana passada, a Assembléia Nacional aprovou uma dura lei de imigração que dificulta a entrada no país de trabalhadores sem qualificação e permite que órgãos públicos façam uma seleção rigorosa dos melhores e mais qualificados candidatos do exterior. A proposta ainda depende da aprovação no Senado, mas Nicolas Sarkozy espera que a nova lei entre em vigor ainda no início de julho.

Até a Holanda, famosa pela sua liberalidade, também está deixando de lado a sua tolerância e passou a exigir que imigrantes estudem até 375 horas da língua e cultura nacionais para obter permissão para ficar no país. Na Alemanha, uma lei de 2005 também pede aos candidatos à cidadania uma educação cultural e lingüística, que inclui 600 horas de aula do idioma e mais 30 de história e cultura. Mas a carteirinha de cidadania alemã só é concedida àqueles que forem aprovados num teste com 100 perguntas de vestibular. Enfim, uma restrição que afeta diretamente cidadãos de países pobres.

Mas não é só a União Européia que está passando o cadeado no portão. O Senado americano aprovou, no último dia 17 de maio, a construção de um muro com 595 quilômetros de extensão na fronteira com o México. É o equivalente a um pouco mais que a distância rodoviária entre São Paulo e Belo Horizonte. Vão construir o muro, que na verdade será uma cerca, e depois passar o cadeado. No mesmo texto, foi aprovada também a criação de barreiras para veículos, espalhadas por 805 quilômetros de fronteira.

Pois é. Olha só em que mundo estranho estamos vivendo. Hoje as palavras já não dizem mais o que diziam. Estão sem significado. Nos venderam esse peixe do mundo globalizado como se fosse um sushi de salmão. Quando já estamos com água na boca, prontos para abocanharmos um pedacinho dessa iguaria, vlapt! Alguém bate na nossa mão e o peixe sai voando para cair no prato dos mesmos. Dá pra entender?

Durmam tranqüilas, meninas, já passaram cadeado em todos os portões. Mas tenham um alegre despertar e que, em todo novo amanhecer, as porteiras se abram novamente.

sábado, maio 20, 2006

Trim, trim!!!

A onda revival continua em alta. Depois das cartas, agora é a vez de reabilitarmos o telefone fixo. Já não era sem tempo. Os celulares, assim como os relógios digitais, o ponto eletrônico, deliverys de um modo geral, serviços on line e em realtime, mbps, roupas que não amassam, instantâneos de todo tipo, forno de microondas e seus correlatos congelados, assim como botox, silicones, great lengths, escova progressiva e toda sorte de comodidade disponível nesse nosso mundinho pós-moderno estavam nos tornando seres desumanos e caóticos. É como diria minha vó: há males que vem para o bem. Estamos a um passo da simplicidade voluntária.

Esta semana vou desligar o celular do baixinho. Definitivamente e finalmente. Isto é, se conseguir dessa vez, né? Mas vou, se não chamo a Anatel pra eles. Já avisei o meu adola também que, por enquanto, nada de recarregar celular, mesmo porque, o risco de explosão anda muito alto. O meu, desde sexta-feira está desligado. Acho que é até uma atitude solidária para com os moradores de Presidente Venceslau, Avaré, Araraquara, São Vicente e Franco da Rocha. Tenho certeza de que, juntos, venceremos esse momento difícil e até descobriremos que é possível existir vida inteligente fora da rede GSM.

E celular tem outros agravantes. Além das propagandas, que já estão saturando a nossa paciência, e dos problemas da sua bateria, que pode explodir e emitir radiações que não sabemos ainda se serão prejudiciais à saúde, os celulares andam infernizando a vida de muita gente de bem. Não faz um mês, um conhecido nosso quase caiu no golpe do celular. Recebeu um telefonema dizendo que seu filho havia sofrido um acidente e que teria de depositar uma graninha numa certa conta, imediatamente. Foi preciso um segurança da empresa onde trabalha pular no seu pescoço e nocauteá-lo por alguns instantes, para que ele recobrasse o bom senso e percebesse que estava sendo vítima de um golpe. Outra amiga, que não embarcou nessa balela, passou a ser ameaçada de morte através de ligações para o seu celular. Teve de adotar uma medida preventiva e abrir mão do seu aparelho, antes mesmo do nosso 11 de setembro.

Então, tem isso tudo. Acho que mesmo que pareça uma medida precipitada, a aposentadoria precoce dos celulares só poderá nos fazer um grande bem. Eu apoio. Tanto que desde quarta-feira só estou usando o telefone fixo. Tá certo que, com isso, levei quatro dias para conseguir falar com uma amiga. Fiquei num sufoco danado, achando que poderia ter acontecido alguma coisa séria ou, então, imaginando que nada, ela deve ter é viajado. Passaram mil coisas pela minha cabeça. Olha só, se não é um exercício de criatividade? Depois, quando finalmente consegui falar com ela, foi um alívio e uma alegria redobrada. É isso. São pequenos prazeres, que estávamos privados de sentí-los, desde a invenção dos celulares.

Fiquei tão entusiasmada com essa história que hoje me deu vontade de ligar até para o Cláudio Lembo. Já sei que ele recebeu telefonemas de um mundo de gente, até do Alckmin, dois. O ex-governador ficou de ligar hoje de novo. Aí serão três. Nesse caso, sinceramente, achei uma grosseria e até um erro estratégico da campanha do PSDB. Alckmin era o único que não deveria ligar, deveria é estar ao lado de Cláudio Lembo. Primeiro, porque seria uma demonstração de responsabilidade, depois, por solidariedade e, por fim, porque o Brasil estava todo de olho em São Paulo e ele ganharia mais visibilidade nessa presença do que tomando cafézinho na Bahia. Mas, como diz a Ruthinha, preferiu se fazer de éguo.

E do mundo de gente que ligou, ficou faltando um: José Serra. Lamentável também e sem comentários. Eu vou tentar ligar para o Cláudio Lembo e parabenizá-lo por ter ainda resgatado
da poeira das estantes o livro O Alienista. Reli-o no final do ano passado, pegando carona na leitura obrigatória do meu adola. E nada mais oportuno do que um bom Machado para esse final de semana. É impressionante como as pessoas se fazem de bobas e desentendidas quando alguém resolve tocar na nossa ferida. Parecem mesmo loucas, elas sim. Até Bolívar Lamounier caiu nessa trama e preferiu fazer uma leitura ingênua do discurso de Lembo. Tudo bem, são palavras, mas é aquela velha história, se queremos dar um salto a frente, temos de dar um passo pra trás. E foi o que Lembo fez com bastante simplicidade, clareza e lucidez. Só não entendeu quem não quis.

Não sei se o governador de São Paulo agiu corretamente em todas as suas decisões. É muito difícil fazer essa avaliação. Mas discordo peremptoriamente daqueles que tentam desqualificar a sua fala. Foi um depoimento importante para quem quiser, a partir de agora, pensar uma solução para superarmos a insegurança que nos assombra.

Falei mais bobagem do que devia. Agora cansei e fiquei sem folego para ligar para São Paulo. Vai ficar é para outro dia. Vou também desocupar o computador porque já tem gente na fila.

Só um lembrete: se quiserem ter uma boa noite de sono, desliguem também o celular e tirem o telefone do gancho.

Bons sonhos e hasta la vista.

quinta-feira, maio 18, 2006

O cinismo nacional é que mata o Brasil

Ontem fui dormir tomada pelo espírito vonnegutiano: estava totalmente sem paciência com o ser humano. Mas aí, hoje cedo, antes de tomar café, abri o jornal e vi a entrevista do governador de São Paulo, Cláudio Lembo, e recuperei o meu otimismo. Foi um tratamento de choque, porque, de repente, já estava de novo querendo conversar com as pessoas, trocar figurinhas, ligar para alguém. Foi muito bom confirmar a minha certeza de que São Paulo não iria desligar suas antenas justamente agora, né? E olha só, como diz o Jorge, Cláudio Lembo não é presidente do PSTU, não lidera nenhuma organização social ou movimento popular e nem carimba seu nome em abaixo assinado do PT. É filiado ao PFL.

Não sei o que motivou Cláudio Lembo a falar assim com tanta honestidade, tanta sinceridade, tanta clareza. Não sei se foi a solidão. Ficou ali, no meio da troca de tiros, sem ter com quem conversar e aí pôde pensar melhor. Não sei se foi amargura, ressentimento pela desatenção dos aliados. Nem sei se ele tinha noção da repercussão de suas palavras e nem se vai levar adiante essa discussão. Não sei. Talvez ele seja assim mesmo. Não o conheço. O fato é que foi uma das melhores coisas que li nos jornais desde maio do ano passado.

Ia guardar pra pensar um pouco e postar alguma coisa aqui nessa praça mais à noite. Mas isso fica para outro dia. Hoje, o melhor que posso fazer por vocês, meninas e prezadíssimos, é reproduzir a entrevista de Lembo à Folha de São Paulo. A entrevista foi feita por Mônica Bergamo, a mesma que conversou com as lolitas e lolitos paulistas, no dia seguinte aos atentados, quando eles reclamavam de como esse acontecimento-bandido atrapalhou suas agendas, obrigando-os a cancelar todas as festas, inutilizando arranjos de flores e desperdiçando os buffets... ai, ai, viu?

Então. Aí vai. Não deixem de ler. Valeu São Paulo!

Burguesia terá de abrir a bolsa, diz Lembo

MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA

O governador de São Paulo, Cláudio Lembo, afirma que o problema de violência no Estado só será resolvido quando a "minoria branca" mudar sua mentalidade. "Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa", afirmou. "A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais solidariedade, mais diálogo e reciprocidade de situações."
Lembo criticou o ex-governador Geraldo Alckmin, que disse que aceitaria ajuda federal contra as ações do PCC se ainda estivesse no cargo, e o ex-presidente FHC, que atacou negociação entre o Estado e a facção criminosa para o fim dos ataques. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - Os jornais estão noticiando hoje [ontem] que houve uma matança em São Paulo na madrugada de terça. A polícia está sob controle ou está partindo para uma vingança?
Cláudio Lembo -
A polícia está totalmente sob controle. Eu conversei muito longamente com o coronel Elizeu Eclair [comandante-geral da PM] e estou convicto de que ela está agindo dentro dos limites e com muita sobriedade. Todas as noites há confrontos nas ruas da cidade e esses conflitos foram exasperados nesses dias. Mas vingança, não. A polícia agiu para evitar o pior para a sociedade.

Folha - Foram 93 mortes. Elas estão dentro dos limites? O senhor tem segurança que todos que morreram estavam em confronto?
Lembo -
E o conflito que houve da cidade com a bandidagem? Foi violento. É possível que tenha havido tragédias, mas pelo que estou informado não houve nada que fosse além dos confrontos diretos.

Folha - Só no IML (Instituto Médico Legal) estão 40 mortos e não se sabe nem o nome dessas pessoas.
Lembo -
Os nomes vão ser revelados. Estamos resolvendo questões burocráticas, de identificação, mas vão ser revelados.

Folha - Jornalistas da Folha entraram no IML e viram fotos de pessoas mortas com tiros na cabeça. Que garantia a sociedade tem de que não morreram inocentes e de que o Estado, por meio da polícia, não está executando essas pessoas?
Lembo -
Não está, de maneira alguma. E digo a você: fui muito aconselhado a falar tolices como "aplique-se a lei do Talião". Fui totalmente contrário. Faremos tudo dentro da legalidade e do Estado de Direito.

Folha - O senhor não se assusta com o número de mortos?
Lembo -
Eu me assusto com toda a realidade social brasileira. Acho que tudo isso foi um grande alerta para o Brasil. A situação social e o câncer do crime é muito maior do que se imaginava. Este é o grande produto desses dias todos de conflito. Nós temos que começar a refletir sobre como resolver essa situação, que tem um componente social e um componente criminoso, ambos gravíssimos. O crime organizado trabalha com a droga. A droga é um produto caro, consumido por grandes segmentos da sociedade. Enquanto houver consumidor de drogas, haverá crime organizado no tráfico. É assim aqui, na Itália, nos EUA, na Espanha. O crime se alimenta do consumidor de drogas.

Folha - E da miséria...
Lembo -
Talvez no Brasil tenha esse componente também. O crime organizado destruiu valores. O Brasil está desintegrado. Temos que recompor a sociedade. A questão social é muito grave.

Folha - O senhor é um homem público há tantos anos, está num partido, o PFL, que está no poder desde que, dizem, Cabral chegou ao Brasil.
Lembo -
Essa piada é minha.

Folha - O que o senhor pode dizer para um jovem de 15 a 24 anos, que vive em ambientes violentos da periferia? Que ele vai ter escola? Saúde? Perspectivas de emprego? Como afastá-lo de organizações criminosas como o PCC?
Lembo -
Acho que você tem duas situações muito graves: a desintegração familiar que existe no Brasil, e a perda... Eu sou laico, é bom que fique claro para não dizerem que sou da Opus Dei. Mas falta qualquer regramento religioso. O Brasil está desintegrado e perdeu seus valores cívicos. É ridículo falar isso mas o Brasil só acredita na camisa da seleção, que é símbolo de vitória. É um país que só conheceu derrotas. Derrotas sociais...Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa.

Folha - Que ficou assustada nos últimos dia.
Lembo -
E que deu entrevistas geniais para o seu jornal. Não há nada mais dramático do que as entrevistas da Folha [com socialites, artistas, empresários e celebridades] desta quarta-feira. Na sua linda casa, dizem que vão sair às ruas fazendo protesto. Vai fazer protesto nada! Vai é para o melhor restaurante cinco estrelas junto com outras figuras da política brasileira fazer o bom jantar.

Folha - Tomar conhaque de R$ 900 [preço de uma única dose do conhaque Henessy no restaurante Fasano].
Lembo -
Nossa burguesia devia é ficar quietinha e pensar muito no que ela fez para este país.

Folha - O senhor acha que essas pessoas são responsáveis e não percebem?
Lembo -
O Brasil é o país do duplo pensar. Conhecemos a inquisição de 1500 até 1821. Então você tinha um comportamento na rua e um comportamento interior, na sua casa. Isso é o que está na sociedade hoje. Essas pessoas estão falando apenas para o público externo. É um país que é dúbio.

Folha - Onde o senhor responsabiliza essas pessoas?
Lembo -
Onde? Na formação histórica do Brasil. A casa grande e a senzala. A casa grande tinha tudo e a senzala não tinha nada. Então é um drama. É um país que quando os escravos foram libertados, quem recebeu indenização foi o senhor, e não os libertos, como aconteceu nos EUA. Então é um país cínico. É disso que nós temos que ter consciência. O cinismo nacional mata o Brasil. Este país tem que deixar de ser cínico. Vou falar a verdade, doa a quem doer, destrua a quem destruir, porque eu acho que só a verdade vai construir este país.

Folha - Mas qual é, objetivamente, a responsabilidade delas nos fatos que ocorreram na cidade?
Lembo -
O que eu vi [nas entrevistas para a Folha] foram dondocas de São Paulo dizendo coisinhas lindas. Não podiam dizer tanta tolice. Todos são bonzinhos publicamente. E depois exploram a sociedade, seus serviçais, exploram todos os serviços públicos. Querem estar sempre nos palácios dos governos porque querem ter benesses do governo. Isso não vai ter aqui nesses oito meses [prazo que resta para Lembo deixar o governo]. A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais solidariedade, mais diálogo e reciprocidade de situações.

Folha - O senhor diria que elas pensam que aquele rapaz de 15 a 24 anos, que vive perto da selvageria...
Lembo -
...pode ser o Bom Selvagem do Rosseau? Não pode.

Folha - O endurecimento na legislação pode resolver o problema?
Lembo -
Transitoriamente pode resolver. Mas se nós não mudarmos a mentalidade brasileira, o cerne da minoria branca brasileira, não vamos a lugar algum.

Folha - O senhor diz que muita gente falou besteira sobre os episódios. Dos EUA, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou a possibilidade de o governo ter feito acordo com os criminosos para cessar a violência.
Lembo -
Eu acho que o presidente Fernando Henrique poderia ter ficado silencioso. Ele deveria me conhecer e conhecer o governo de SP. Eu não posso admitir nem a hipótese de se pensar isso. Para opinar sobre um tema tão amargo, tão grave, ele teria que refletir, pensar. E se informar. Quanto ao presidente [FHC], pode ser que eventualmente ele tenha precedente sobre acordos. Eu não tenho.

Folha - Vimos o senhor dando muitas entrevistas na TV. Mas SP teve um outro governador [Alckmin], tem um candidato ao governo e ex-prefeito [Serra]. O senhor ficou sozinho?
Lembo -
No poder, um homem é absolutamente solitário. Houve momentos em que praticamente fiquei sozinho. Mas devo agradecer a Polícia Militar e a Polícia Civil também, que estiveram firmes ao meu lado.

Folha - O ex-governador Alckmin telefonou para o senhor em solidariedade?
Lembo -
Dois telefonemas.

Folha - O senhor achou pouco?
Lembo -
Eu acho normal. Os pulsos [telefônicos] são tão caros...

Folha - E o candidato José Serra?
Lembo -
Não telefonou. Eu recebi telefonema da governadora Rosinha [do Rio de Janeiro] e de Aécio Neves [governador de MG], que estava em Washington, ele foi muito elegante. Um ofício do governador Mendonça, de Pernambuco. Recebi muitos apoios, do Poder Judiciário, e a Assembléia Legislativa, deputados de todas as bancadas, nenhum partido faltou.

Folha - As autoridades paulistanas garantiram, nos últimos anos, que o PCC estava desmantelado, que era um dentinho aqui ou ali. Elas enganaram os paulistanos?
Lembo -
Não saberia responder. Eu não engano. Eu acho que nós ganhamos uma situação mas é um grande risco. Temos que ficar muito atentos.

Folha - Essas autoridades garantiram que o PCC tinha acabado. Ou elas enganaram...
Lembo -
Ou o dentinho era maior do que elas diziam.

Folha - Ou foram incompetentes. O senhor vê terceira alternativa?
Lembo -
Pode ser que tenham sido exageradas no momento de transferir segurança. Quiseram ser tranquilizadoras.

Folha - Então elas iludiram as pessoas?
Lembo -
É possível.

Folha - O senhor pode dizer que o PCC pode acabar até o fim de seu governo?
Lembo -
Só se eu fosse um louco. E ainda não estou com sinal de demência. Acho que o crime organizado é perigosíssimo. Ele se recompõe porque ele tem possibilidades enormes na sociedade.

Folha - O ex-presidente Fernando Henrique não telefonou?
Lembo -
Não, não. Ele estava em Nova York. O presidente Lula telefonou, foi muito elegante comigo. Conversei muito com o presidente, ele me deu muito apoio. E o Márcio [Thomaz Bastos] veio, conversamos firmemente, com lealdade. E ele chegou à conclusão que não era necessário nem Exército nem a guarda nacional. Tivemos uma conversa responsável, e o equilíbrio voltou. Mostrei que a Polícia Civil e a Polícia Militar tinham condições de fazer retornar a SP a ordem e a disciplina social.

Folha - O Datafolha mostrou que 73% acham que o senhor deveria ter aceitado ajuda federal. O governador Alckmin disse que não rejeitaria a ajuda.
Lembo -
Ele decidiria, se fosse governador, como achava melhor. Eu decidi da forma que achei melhor. Quanto às outras pessoas, faltou clareza de informação da minha parte. E aí me penitencio. Não é que não aceitei ajuda do governo. Ao contrário. Desde sempre houve vínculo forte entre o sistema de informação da polícia federal e a polícia de SP. A superintendência da PF em SP foi extremamente leal, solícita e dinâmica. Eu tinha uma Polícia Militar muito aparelhada. Eu não poderia tirar esse respeito e esse moral que a tropa tinha que ter naquele momento tão difícil aceitando tanques de guerra do Exército. E aí uma sociedade que gosta de paternalismo, como a brasileira, queria Exército, tropas americanas, tropas alemãs, tropas de todo o mundo aqui. Não é assim. Temos que ser fortes, saber decidir em momentos difíceis e dar valor ao que é nosso. Foi o que fiz. Em 48 horas liquidou-se o problema. O Exército é para matar o adversário. Eu queria recolher os adversários possíveis. Nós estávamos num conflito social.

terça-feira, maio 16, 2006

Tá dominado, tá tudo dominado!

São Paulo não é a vitrine do Brasil, como o Rio ainda é, apesar de tudo. Não tem a diversidade de Minas, embora seja pluri e multi em muitos momentos. São Paulo não é como as regiões litorâneas do nordeste brasileiro, que nos acolhem de coração e com bom humor, seja qual for o nosso sotaque. São Paulo não tem reserva de tempo para desperdiçar com o por do sol alaranjado dos jalapões brasileiros. Nem desapego, pra deixar tudo pra trás e sair por aí, como Caetano, sem lenço nem documento. São Paulo parece ser diferente de tudo que somos.

Mas é São Paulo quem nos mostra como seremos. É quem nos faz mudar e parecer com o resto do mundo. São Paulo é a nossa antena parabólica. É quem capta as tendências, as visões inovadoras do planeta e nos anuncia, sejam bons ou ruins, os cenários que esses movimentos delineiam. São Paulo é nosso link, por onde escapamos para conhecer o mundo. Por isso gosto de São Paulo.

Por isso fiquei preocupada de verdade quando vi, aqui de cima, as últimas notícias sobre São Paulo. Por isso fiquei meio que apreensiva, quando vi a avenida Paulista vazia numa plena segunda-feira. Por isso fiquei assustada, quando vi policiais, de armas na mão, revistando carros aparentemente insuspeitos. Por isso fiquei apavorada quando vi os presos torturando outros presos, dependurando-os de cabeça para baixo, do alto do telhado de um presídio. O que São Paulo está nos anunciando?

Liguei para um amigo, atrás de explicações. Fiquei só escutando.Ouvi ele me contar que estava preso em casa. Não pensei nisso antes, mas nós também. Ouvi ele desabafar, dizendo que sentia medo. Nós também. Ouvi ele reclamar que São Paulo sentia-se abandonada. Nós também.

Aí me lembrei de Fernandinho Beira Mar. Tá dominado, tá tudo dominado! Me lembrei do Rio e do roubo dos dez fuzis e uma pistola. Da ocupação da cidade pelos militares por mais de 10 dias. Do fiasco das investigações. Me lembrei do meu irmão, que foi abastecer o seu carro e acabou ficando sob a mira de um trezoitão, enquanto outro pivetão limpava os clientes, levando relógios, carteiras e celulares.

Fiquei pensando se o que São Paulo nos mostrou, de um jeito que agora não dá pra não ver, foi o cenário onde já estamos vivendo e nem nos demos conta disso. Tá tudo dominado mesmo. Quando passar o susto, se passar, vou pensar nisso.

Inté,
Durmam em paz e que os anjinhos mantenham a guarda nessa madrugada

terça-feira, maio 09, 2006

Da arte epistolar

Belo Horizonte, 09 de maio de 2006

Meninas e prezadíssimos,

Também vou escrever uma carta. Não posso perder essa oportunidade, de praticar a velha arte epistolar. Esses fenômenos revival ressurgem do nada e desaparecem da mesma forma e rapidinho. Passam como um vento, uma brisa que sopra, espanam um pouco a poeira e vão embora de novo. No sábado, é possível que já tenha passado. Os seres humanos são assim mesmo, muito estranhos. Olha só, além das cartas, também virou moda de novo os álbuns de figurinha. Pela madrugada (rs), isso é muito antigo! Mas a proximidade da Copa fez reviver essa mania. E não é que ainda funciona muito bem? Os meninos ficam loucos atrás de mais figurinhas e mais e mais, até caírem no golpe das avis raras. Essas são disputadas mesmo é no velho e bom tapão.

As cartas já são bem mais antigas, mas também deveriam funcionar. Só que não estão. No início do mês de abril, Lula enviou uma carta ao presidente da Bolívia, comentando diversos assuntos que deveriam compôr uma pauta de negociação entre os dois países. Isso foi bem antes de Evo Morales também embarcar noutra onda revival, tirando do fundo do baú a sua versão das reformas de base, requentando, como andam dizendo por aí, o velho mexidão populista-nacionalista. O Lula tentou, mas Evo não respondeu. Nem sei se leu a carta.

Os iranianos entraram de cabeça nessa onda. Aderiram, sem restrições, à mania revival. Parece até que estão fazendo uma corrente. No curto espaço de oito dias, já enviaram três cartas. A primeira foi assinada pelo embaixador do Irã na ONU, Mohammad Javad Zarid, e destinada ao secretário-geral da organização, Kofi Annan. A carta foi postada no dia 1°. de maio e denunciava as ameaças de bush contra o seu país. Não teve muita repercussão. A segunda, despachada seis dias depois, foi assinada pelo Parlamento iraniano e também remetida a Kofi Annan. Na carta, lida até na rádio oficial iraniana, os parlamentares comunicavam a intenção do país de se retirar do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, caso o Conselho de Segurança da ONU não encontre uma solução pacífica para essa encrenca toda que aí está. Não sei se Kofi Annan respondeu e nem se a carta vai surtir efeito. Por enquanto, temos de aguardar.

A última, despachada na segunda-feira, foi assinada pelo próprio presidente, Mahmoud Ahmadinejad, e destinada ao presidente americano, aquele que não vai assinar o Protocolo não sei de quê. Há controvérsias, mas dizem que esta foi a primeira carta escrita por um presidente iraniano ao presidente dos Estados Unidos, desde a Revolução Islâmica, em 1979. Ahmadinejad apresentou na sua missiva novas soluções para acabar com os problemas internacionais e a frágil situação do mundo. Essa teve uma boa repercussão, só que ninguém sabe o que o presidente iraniano está sugerindo para resolver todos os nossos problemas. Desconfio que tem a ver com a vaga na Casa Branca, porque bush nem triscou e mal terminou de ler, guardou a danadinha debaixo do travesseiro. Ele bem que podia quebrar o nosso galho e deixar um jornal desses aí publicá-la, não é não? Tá todo mundo curioso, pomba!

Ah, já estava até me esquecendo. O Suplicy também andou postando carta nos últimos dias. O senador enviou uma ao presidente Lula sugerindo a ele tomar a iniciativa de marcar uma visita ao Congresso Nacional para fazer uma exposição sobre as revelações divulgadas por Sílvio Pereira, em entrevista ao O Globo. Em outras palavras, ir ao Congresso para se explicar. O Planalto protocolou a carta, que agora deve estar tramitando de sala em sala no Palácio. Nesse compasso, antes mesmo de Lula ter a chance de abrí-la, a carta já virou chacota. Até o Herótodo, que é tão discreto, não conseguiu segurar o riso e quase teve de interromper a entrevista que fazia! Olha só, achei até um pouco desumano e fico pensando que sua intenção foi também a de desqualificar o meio utilizado pelo senador. Acho que cartas, se bem redigidas, ainda podem funcionar. Bom, mas essa, acho que vai ser difícil.

E foi só me distrair, tentando escrever essas mal traçadas linhas, e olha só, o Lula já soltou mais uma carta. Essa foi dirigida à presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Mas o Lula já está avacalhando, enviou a carta via fax, vê se pode? Bom, são os novos tempos. Na carta, Lula falou da crise política, das angústias e das dores que vem sentindo e reafirmou o compromisso do seu governo com os pobres. Também não sei se vai funcionar. Os padres estão aborrecidos de verdade com o presidente.

E isso tudo sem falar da carta do Garotinho, enviada à Organização dos Estados Americanos (OEA). Num tô dizendo que virou uma mania. Na carta, o Garotinho relata a perseguição política de que tem sido vítima e outras coisas que não me lembro. Ai, ai, menino, quando dá de escrever carta, é uma imaginação sem limites. Conheço bem desse babado. Não sei se essa carta vai funcionar, mas provocou mais uma corrente sem fim de cartas. Umas apoiando o ex-governador do Rio, outras criticando, outras descendo o pau, algumas enviadas pelo correio, outras pelo fax, outras por e-mail e tem até carta que não sei se foi enviada, mas foi lida no rádio. Enfim, é isso, a arte epistolar está de volta. Aproveitem!

Mas para desfrutarem bem dessa moda, é preciso relembrar alguns conselhos básicos dos grandes missivistas. Tenho um texto de Erasmo de Rotterdam que é a bíblia: Brevíssima e Muito Resumida Fórmula de Elaboração Epistolar. Só para dar vontade, vou citar um trechinho pra vocês. Lá vai:

"...o estilo epistolar deve ser simples e mesmo bastante descuidado, no sentido de um descuido estudado....em primeiro lugar, deve-se fugir das palavras artificiais, antigas, excessivamente afetadas e repetidas".

Se tiver tempo, paciência e a mania não tiver passado, volto ao tema numa próxima carta.

Lembranças aos familiares.

Bons sonhos, belas cartas, boas notícias e um alegre despertar para todos!

sábado, maio 06, 2006

Ninguém sabe, ninguém viu

Vou também fingir que não vi. Deu na Globo, mas vou considerar que não aconteceu. Nem Lula tomou conhecimento! Veio pra Minas passear de Maria Fumaça e filar a bóia na fazendinha do Walfrido. Não deve ser ruim. Um feijãozinho preparado em fogão de lenha é tudo de bom, não é não? Mas tem uma coisa, pra passar um fim de semana ao lado de um Mares Guia tem de ir preparado para ouvir, porque eles falam pelos cotovelos. Não sei se é genético e nem se a herança vem do pai ou da mãe, mas os irmãos Mares Guia falam pelos cotovelos. Falam muito bem, por sinal, mas pelos cotovelos.

O Walfrido, quando começa, pode esquecer, só vai concluir depois dos 50 minutos regimentais de uma aula. Aí dá um intervalo de quinze minutos e retoma com o mesmo fôlego. O Marcos era idem idem. Fui aluna dele de química e, mais tarde, quando ele se tornou um empresário bem sucedido do setor de biotecnologia, conversamos várias vezes, nunca por menos de uma hora. Eram conversas que não davam trabalho nenhum. Bastava chegar e apresentar uma primeira e única questão. A partir daí ele engatava uma quinta e ia embora. Era só acompanhá-lo. E eram sempre muito agradáveis, porque ele entendia muito bem do que falava. O João Batista foi deputado. Hoje não sei por onde anda, mas tem um arsenal também que garante munição para três, quatro horas de monólogo fácil, fácil. O mais novo, não conheço, parece que puxou outro lado da família, porque atua é no mercado financeiro. Mas deve ter também uma objetividade bastante prolixa com os números.

Então. É uma característica de família mesmo. Quando acontecia de estar ouvindo um deles, às vezes me desligava e ficava imaginando um almoço de domingo na casa dos pais dos irmãos Mares Guia. Um pegava a palavra e os outros ficavam ali, mexendo o arroz no prato, batendo pezinho, levantando o garfo, pedindo um aparte e nada. E nada. E nada. Até que um cutucava o pai e reclamava: ô paiê, agora sou eu, né? Pede pro fulano parar de falar um pouco. Eu também quero conversar. Ou então, outra cena que imaginava, era aquela mesa cheia de mares guiazinhos, todos falando ao mesmo tempo e a mãe ali, sentadinha, alisando a toalha da mesa com as mãos e balançando a cabeça: esses meninos, hem? não aprendem, falam todos ao mesmo tempo. Agora deixa, passou da hora de ensinar. E continuava ali balançando a cabeça, concordando e discordando de acordo com o que lhe era perguntado.

Olha só, se o Lula não foi preparado para ouvir, deve ter engolido seco várias vezes neste final de semana. Puxa vida, consegui me desviar bem do assunto. Viu? Já estou no quarto parágrafo e nem comentei que ontem foi inaugurada a primeira unidade brasileira de enriquecimento de urânio. Ops, foi mal, escapou. Mas hem, voltando à fronteira com a Bolívia e à assembléia geral do mundo globalizado para definir a futura matriz energética do planeta, fiquei intrigada com uma coisa. Porque a mídia dedicou tanto tempo e espaço à cobertura do julgamento do jornalista Antonio Pimenta Neves, que matou sua ex-namorada, também jornalista, Sandra Gomide? Foi corporativismo? Acerto de contas? Sinceramente, não entendi.

Também desentendi porque os diplomatas aposentados ficaram tão indóceis com a atuação do Itamaraty no episódio da Bolívia. Claro que estavam todos roendo as unhas de vontade de estar na ativa. Já pensou? Quando, na época deles, tiveram uma oportunidade dessas? Mas acho que os diplomatas em exercício agiram bem. Primeiro, fico pensando que, se o Brasil entrou numa fria, a Bolívia entrou numa fria maior ainda. Tudo bem que estamos numa situação periclitante, como comentou o Rafael, mas é certo também que os bolivianos se meteram numa grande enrascada. Não pela decisão que tomaram, já prevista na Lei de Hidrocarbonetos, aprovada em maio do ano passado, mas pela forma, no mínimo deselegante, como anunciaram a nova medida. E mais grave, foram muito evasivos mesmo no que pretendem fazer a partir de agora e isso gera insegurança para os dois lados: para a Bolívia e para seus ex–parceiros.

Evo anunciou que pretende negociar um aumento de 80 e tantos por cento no preço do gás boliviano. A Lei de Hidrocarbonetos, quando foi sancionada, permitiu a criação de um imposto não-dedutível de 32% sobre as empresas de exploração de petróleo, além dos 18% que já pagavam na forma de royalties. Somados, as empresas já recolhiam ao governo 50% em taxas e impostos. Agora Evo quer mais. Já falou em um aumento da alíquota de imposto para 45%, para 63%, para 82% (sic!). Essa última pretensão deve ser para o percentual totalizado de obrigações das empresas, né? Bom, eu já estou fazendo a maior confusão. Acho que esse percentual é para o reajuste dos preços e não dos impostos. Deve ser. Que zona. Já tive de reescrever essa parágrafo três vezes. Mais uma, quatro! Agora chega! O que interessa é que, seja o que for que Evo esteja querendo, terá de sentar-se à mesa para negociar e parar de anunciar pela imprensa. E a Petrobras terá de fazer o msmo. É assim que se faz, não é não? Pelo menos deveria ser.

É o que penso, na minha limitada maneira de ver o mundo. Isso tem a ver com o meu segundo argumento. O Brasil está numa encruzilhada e não dá para simplesmente chutar o despacho e tomar outro rumo. O mundo inteiro está se organizando em blocos há tempos, por razões que aqui não vem ao caso. E aí? Vai o Brasil se integrar à União Européia? Ficou doido? Então vai pedir carteirinha da Liga Árabe? Viajou na maionese? Estamos limitados por nossas circunstâncias geográficas. Vamos ter de dar as mãos é mesmo para nossos vizinhos latinos. E esse não vai ser um diálogo fácil. O Brasil sempre teve uma postura distante dos países da América Latina. Nossos olhos, desde o início dos tempos, estiveram sempre voltados para além do Atlântico. Mas agora, não temos opção. Nessa falta, temos até várias alternativas, mas com os mesmos parceiros. Por isso é importante manter e elevar o nível do diálogo. De uma forma ou de outra, mas sempre pelas vias democráticas, por onde as palavras correm mais livres. E ponto.

Não vai dar é tempo de olhar a evolução da futura matriz energética do planeta, tenho de fazer feira, porque no domingo é um porre. Mas uma hora volto e, se tiver paciência, abro essa janela. Só para não me esquecer: nessa matriz, conforme desconfiava, a participação da energia nuclear vai, de fato, dar um salto. Ela tem conquistado novos e importantes aliados. Além do cientista que concebeu a Teoria de Gaia, James Lovelock, um dos fundadores do Greenpeace, Patrick Moore escreveu um artigo, recentemente publicado pelo jornal americano Washington Post, defendendo enfaticamente a energia nuclear, como forma de minimizar o efeito estufa, responsável pelo aquecimento da atmosfera da Terra. Dá pra pensar, não é não? Eu vou. Isso me interessa, porque o Brasil tem um grande potencial nessa área e detém a sexta maior reserva de urânio do mundo. Não é nada, mas é alguma coisa.

Inté, se der eu volto.

Um fim de semana cheio de novas energias para todos.

segunda-feira, maio 01, 2006

Deu curto

Ops...agora o bicho pegou! É cada um por si e o não sei quem se habilita por todos. Evo Morales fez, neste 1° de maio, o que prometeu: nacionalizou o setor de hidrocarbonetos. Para garantir o abastecimento interno de petróleo e gás e o cumprimento dos contratos de fornecimento, está ocupando todas as refinarias de petróleo, inclusive as da Petrobras. Daqui pra frente, quem quiser continuar operando no país terá de sentar e renegociar seus contratos. Enquanto isso, tudo fica nas mãos da estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB).

Na semana passada, Hugo Chávez deixou escapar que vai aumentar os royalties e o imposto de renda cobrado das empresas que exploram petróleo pesado na Faixa do Orinoco. Os planos são de reajustar os royalties de 16,66% para 30%, e o imposto de renda de 34% para 50%. Antes disso, Lula anunciou que o Brasil tornou-se auto-suficiente em petróleo. Gastou um dinheirão pra contar isso pra todo mundo, mesmo sabendo que não é bem assim. Segundo os entendidos, inventamos uma nova categoria: a auto-suficiência relativa. Tá certo, mas isso é só um detalhe. Para nós, povão, a mensagem que ficou mesmo é a de que agora não dependeremos mais do petróleo dos outros.

Enquanto isso, na sala de espera, do outro lado do oceano, em Paris, diplomatas dos Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha aguardam uma reunião para estudar uma resposta a ser dada ao Irã, após sua decisão de prosseguir com o programa de enriquecimento de urânio. Vai ser amanhã, terça-feira. Tan nam! É claro que essa discussão em torno da capacidade ou não do Irã produzir uma bomba atômica é só uma manobra diversionista, não é? Os aliados estão preocupados mesmo é com as reservas de petróleo do Irã, a segunda maior do mundo e as que têm condições de dar uma resposta mais rápida a uma pressão de demanda, em função do maior crescimento da economia. Vide China, que mesmo já querendo desacelerar, continua galopando e consumindo petróleo a rodo.

Então. Os aliados não vão querer ver todo esse ouro, de que precisam para continuar crescendo, nas mãos de um carinha que ninguém sabe exatamente para onde pretende ir. Nem ver esse carinha se juntando com a China, para enfrentar o império ocidental. Além disso, fico pensando, os aliados devem estar preocupados também com a possibilidade do Irã se tornar um forte produtor de energia nuclear. Não entendo patavina disso e sei que essa é outra história, mas me parece bem óbvio que a energia nuclear deverá, num futuro até breve, tomar um lugar de destaque na matriz energética mundial. Então. O que bush jr. e seus amigos estão querendo é já definir quem vai e quem não vai ter o controle dessa energia. E por razões óbvias, né?

Bom, pelo menos é isso que estou entendendo. O mundo está entrando em assembléia geral para redefinir o controle sobre as reservas de combustíveis fósseis, já que tão cedo, se nunca mais, encontraremos petróleo barato no mundo. Vão tentar ainda, desconfio, já fazer a divisão do controle sobre a nova matriz energética do mundo. É claro que é bush jr. quem lidera esses interesses. Sabemos disso desde que ele foi eleito. E, se o espetáculo do crescimento vai continuar e, no mesmo ritmo, a necessidade, sempre cada vez maior, de energia, não poderíamos imaginar que bush jr. ficaria sentadinho, assistindo a reprise de Friends, enquanto o mundo se mexia. Never. Muito antes de abrirmos os olhos, ele já se movimentava no tabuleiro. Aliás, só faz isso desde que pôs o pezinho lá na Casa Branca.

Talvez por isso e temendo a gula de bush jr., os demais felizes proprietários de reservas petrolíferas estão procurando proteger seu patrimônio, suas riquezas. Podemos até não gostar, mas estão certos. Se não fizessem isso é que seria um espanto, não é não? Mas o que me apavora é passar por um momento tão fundamental como esse, tendo na cabeceira da mesa um exemplar de bush. O Júnior não consegue manter um diálogo amigável, por mais de cinco minutos, nem que a vaca tussa.

Sei muito bem que conselho nem quem pede segue, mas vou arriscar. Rapazes, não tentem imitar o exemplo de bush jr. para resolver nossos problemas domésticos. Nem levem Chávez ao pé da letra. O seu vocabulário é do tempo em que serviu o exército e sua mente tem uma lógica perigosamente belicosa. Considerem e reconsiderem sempre que ele extrapolar. Lembrem-se sempre também que prudência e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém. E quem vai a guerra dá e leva. E olha aqui, nem pensem em desandar, se não chamo Helen Gracie pra vocês.


Tenham uma boa semana e comportem-se!

PS: Ah, já ia me esquecendo. bush jr. é aquele mesmo. O que não vai assinar o Protocolo ....Protocolo....Protocolo de quê mesmo? Já nem me lembro mais. Foi há tanto tempo...ah!, sim...de Kioto!