Olha só. Hugo Chavez estava andando, andando, andando e aí encontrou uma lâmpada mágica. Esfregou e, tchanam!, apareceu um gênio. Em tempo de vacas magras, o gênio disse:
- Pode fazer um pedido.
- Huuummmm! – pensou Chavez. Já sei! Quero que você construa uma ponte ligando Venezuela a Cuba!
- Huuummm! – pensou o Gênio. É impossível! É muito difícil!
- É o que eu quero e com quatro pistas! – insistiu Chavez.
- Não vai rolar – encerrou o gênio. Pede outra.
- Huummm! Está bem. Então lá vai. Quero entender a minha mulher.
- Huuummm! Está bem. Com seis pistas!
Não fui eu que inventei essa historinha. Foi um amigo que nos contou hoje, durante o almoço. Tudo bem. Reconheço. Tem dias que é muito difícil mesmo entender o que se passa na cabeça de uma mulher. Somos um pouco assim mesmo. Complexas e caóticas. Mais caóticas que complexas. Mas tem dias, não todos. Na maior parte do tempo, somos muito práticas. Querem ver?
Semana passada estava atolada no trabalho. Mas nem estava desesperada. Estava lá, fazendo cada coisa de uma vez, com convém. Terminou o dia, fui buscar os meninos na escola. Para não parar em fila tripla, dei a volta no quarteirão e estacionei numa esquina, em frente a uma padaria e um sacolão, numa rua bem movimentada. Me ausentei por poucos minutos e, quando voltei, adivinhem! Não, não. O carro continuava lá. Mas, sem as placas. Levaram as duas. Conheço um menino, que anda aqui pelo bairro, que fala que ninguém gosta de ser tirado. E isso é a pura verdade.
Quando vi meu carro pelado, subiu uma revolta não sei de onde que quase, aí sim, me desesperei. Mas ainda não. Fiquei só atônita. Parada e sem saber o que fazer. Na rua, ninguém viu nada. Eu não via nada também. Nem um guarda. Sem ter mais o que fazer ali, entramos no carro e partimos para mais uma nova aventura. Atravessar a cidade, sem ser notados. E conseguimos.
Cheguei em casa e, imediatamente, fui comunicar o fato à quem de direito: a polícia. Fui super bem atendida. A moça que me ouvia do outro lado da linha até me confortava:
- Ainda bem que não levaram o carro, né?
Eu concordei. Ela tinha razão. Depois me orientou a formalizar a queixa, pessoalmente, no Departamento de Investigação. Claro, também estavam querendo o quê? Denúncia virtual? E a prova material do crime? Só que aí veio a dúvida. Como vou até lá, com um carro sem placas? E se a polícia me parar no meio da rua? Até explicar tudo direitinho, vai ser um sufoco bem desagradável! E se eu perder a paciência? E se a polícia perder a paciência? Enquanto tentava resolver essa questão complexa, tocou a campainha. Era a polícia. Vieram, eles, pessoalmente, formalizar minha queixa. Levei até um susto. Passei todos os dados, relatei em detalhes, os poucos que tinha, tudo o que havia acontecido e o policial, muito educado encerrou o BO. Se despediu e disse:
- Amanhã, até 9 horas, a senhora deve ir ao Posto Policial buscar a cópia deste Boletim. Até as 9 horas, hem? E, agora, a senhora deve ir ao Detran formalizar a queixa.
Pensei que já estava formalizada. Mas concordei. Ele tinha razão. Afinal era o roubo de uma placa de carro. Ninguém vai imaginar que fizeram isso para resolver o problema da fome no Brasil, né? Quem roubou essas placas não tem planos solidários na cabeça. Vão usá-las para fazer alguma confusão. Imediatamente, chamei um táxi, não ia me aventurar novamente nas ruas com um carro sem identidade. Cheguei no Detran em poucos minutos e apresentei meus documentos.
- Quero dar uma queixa do roubo das placas do meu carro. Foi agora mesmo.
O rapaz que me atendeu foi super educado. Anotou tudo e perguntou se tinha mais alguma coisa a declarar.
- Ah sim. Já fiz o BO. O número do boletim é tal.
- Mas como? Se a senhora já fez o registro da ocorrência, porque está fazendo outra vez?
- Porque me mandaram – respondi.
- Mas não precisa – respondeu ele. Duas ocorrências sobre o mesmo fato? Qual a lógica disso?
- Sei lá, uai. Foi essa a orientação que recebi.
- Pode ir embora – despediu-se o rapaz, agora secamente.
Voltei pra casa. No dia seguinte, levantei cedo para buscar a cópia do Boletim e levá-la ao Detran para reemplacar o carro. Claro, desci de carro, para não perder a hora. E, admito, também para viver mais alguns minutos perigosamente. Estacionei ao lado do posto policial e entrei. Fui super bem recebida. Agiram com rapidez e simplicidade. Nada de burocracia. Saí feliz e me sentindo até bem protegida, com três cópias do BO nas mãos, para não ter dúvidas.
Quando cheguei perto do carro, dois policiais rondavam o meu possante. Fingi que não os vi e abri a porta do carro. Já ia entrando, quando um deles me chamou:
- Ei, você!
- Eu?
- Isso mesmo. A senhora é a proprietária desse carro?
- Sou.
- A senhora já percebeu que ele está sem as placas.
Perceberam vocês? É claro que ele já estava pensando que eu estava naqueles dias caóticos, em que nos tornamos incapazes de dar conta do que se passa debaixo do nosso nariz. Mas não perdi a paciência. Pelo contrário, foi como um alerta para que me tornasse mais paciente ainda.
- Justamente – respondi. Foi exatamente isso que vim fazer aqui, formalizar a minha denúncia do roubo das placas do carro e buscar as cópias do BO.
- A senhora já fez o registro da ocorrência?
- Foi a primeira coisa que fiz. Até antes de servir o lanche aos meus filhos, ainda ontem à noite.
- A senhora tem o BO?
- Exatamente. Foi isso que vim buscar.
O policial, educamente, pegou o papel das minhas mãos e pôs-se a ler. Por alguns minutos ficou assim, de cabeça baixa, lendo linha por linha do Boletim de Ocorrência. Depois, dobrou o papel cuidadosamente, me devolveu e disse:
- Agora a senhora deve ir ao Detran e providenciar o reemplacamento do carro. O quanto antes. A senhora sabe, a rua anda cheia de marginais, né? Até pensei que esse carro sem placa, aqui no meio da rua, era de um deles! A senhora me desculpa. Não deixe para depois.
Não deixe para depois. Essas palavras ficaram retumbando na minha cabeça.
- Mas por que não posso deixar para depois? – eu pensei.
Sentiram o vacilo? É exatamente assim que começa. Do momento em que percebi o roubo das placas até aquele instante, agia de forma prática e objetiva. Sem desespero algum. Mas aquelas palavras, me desconcertaram, confesso. Não deixe para depois. Por que não? Por que? Estava com três cópias do BO nas mãos, com toda a documentação do carro em dia, com uma agenda apertada de compromissos. Porque deveria largar pra trás todos os meus compromissos e ir rapidamente e direto ao Detran? Por que, ao invés de correrem atrás de mim, não iriam eles, os policiais, correr, isso sim, atrás do clone do meu carro que deve estar andando por aí?
Mas, como vocês, também percebi que estava começando a entrar numa zona caótica: povoada de dúvidas e interrogações.
- Não. Não vou embarcar nessa – disse a mim mesma.
Também não vou deixar que me confundam toda com essa história: agora faça isso! Não, não, faça aquilo! E faça mais isso. E vá ali. Não, vá naquele outro lugar! Podem parar! Não vou deixar me contaminar pela complexidade da vida é de jeito nenhum!
Entrei no carro, me aventurei novamente nas ruas e fui trabalhar. Cheguei calma, com tudo sob controle e, inspirada por Nossa Senhora das Boas Práticas, identifiquei um despachante, passei os documentos do carro, a cópia do BO, as chaves e o carro para o rapaz e disse, agora sim, já quase à beira do desespero:
- Pronto. Agora é só o senhor ligar o carro ir até o Detran resolver isso pra mim, de qualquer jeito. E sem relatos. Não quero saber de nenhum dos detalhes da trabalheira toda que o senhor terá pela frente. Só vá e faça, por favor. O mais rápido possível, porque ao meio dia tenho de pegar os meninos em casa e levá-los à escola. Faça assim, então, pelo amor de deus!, e sem detalhes.
O despachante olhou para mim consternado e disse:
- Não se preocupe, minha senhora, esse é o meu serviço. Ao meio dia estarei de volta.
E assim fez. Viram como somos capazes de ser bem práticas também? É claro que tudo poderia ter sido bem diferente. Poderia ter sido uma história bem mais complexa e caótica, mas não era o dia. É assim que somos.
Uma boa noite a todos e um resto de semana só de boas práticas
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