sábado, abril 01, 2006

Yes or no

Motorista de táxi tem as manhas. Invariavelmente, sempre que oriento um deles a entrar à direita, ele vira à esquerda e dá certo. Eu só acerto quando antes simulo fazer uma anotação qualquer, aí fico sabendo, esse é o lado direito. Mas, nem sempre dá tempo e na maioria das vezes aposto é na intuição. Quebro a cara, claro. Uma noite dessas pra trás, ainda gripada e com preguiça de dirigir, deixei o carro em casa e fui de táxi a um compromisso inadiável. Na volta, já quase chegando, orientei o motorista a virar à direita. Era impossível. Ele percebeu logo a minha dificuldade e evitou a contramão, entrando à esquerda. No que ele fez muito bem. Andou mais alguns metros e já estávamos bem em frente à minha casa.

Confesso que, até ontem à noite, essa estupidez direcional me deixava constrangida. Mais que isso, intrigada, porque quando sou eu que estou no volante, domino muito bem todos os sentidos de direção e vou de um ponto a outro da cidade até com certa facilidade. Ontem, no entanto, percebi que essa dificuldade é bem mais comum do que poderia imaginar. Uma amiga me ligou, preocupada, porque não estava conseguindo avaliar se a saída de Palocci do Ministério da Fazenda seria uma oportunidade para Lula dar uma guinada à esquerda ou um risco que o levaria a entrar sem dó à direita.

Queria ter dito a ela que isso não tem muita importância, mas não tive chance. Minha amiga, diferente de mim, pensa falando. Quando me liga, a única coisa que espera é que eu a escute com atenção. E é o que faço. Mas agora, vou dizer: isso não é relevante, pelo menos não do jeito que ela pensa. Primeiro, porque governos, como já ouvi alguém dizer, são de direita. São conservadores. É assim que são e a prática tem nos demonstrado isso. Portanto, não vou ficar aqui discorrendo sobre a série de razões que os levam a agir desta forma.

Depois, porque essa discussão está superada, pelo menos da forma como minha amiga ainda insisti em apresentá-la. Olha só, há pouco tempo, um amigo foi a um sebo, tentar se desfazer de alguns livros que estavam empatando sua estante. Levou uma caixa repleta de clássicos para o Amadeo. O rapazinho que o atendeu foi avaliando, um por um, todos os livros. Depois, olhou para o meu amigo e concluiu: esses aqui, fico com eles. Esses outros, não vai dar não. Meu amigo não entendeu. Como assim? Estão bem conservados!? Aí o rapazinho apontou para o alto de uma estante e argumentou: já tenho cinco coleções do Capital de Marx encalhadas. Não vou pegar mais uma, vou?

Foi preciso muita lábia para convencer o rapaz a ficar com os livros. No final, meu amigo acabou cedendo e topou trocar os cinco volumes de O Capital por uma edição em dois volumes de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos. E ainda ouviu o rapaz resmungar: assim, ao menos, ficamos elas por elas. Coisa de comerciante, claro, mas ilustra bem em que pé essa discussão está hoje.

Por isso não estranhei quando minha amiga, no seu monólogo, citou pasma as críticas do nobilíssimo economista Joseph Stiglitz às políticas adotadas por países emergentes que reproduziram, preto no branco, o receituário do tal Consenso de Washington. Ele veio a Belo Horizonte participar do encontro do BID. Aliás, quase perdi a cobertura deste evento. Tive de migrar pra Band para ter alguma notícia. O sistema Globo ignorou solenemente tudo o que rolou por aqui esses dias. Não entendo a Globo. Será que ela pensa que o Brasil mora na ponte aérea Rio-São Paulo? Vai saber. Só sei que saiu fora dessa rota, a Globo só se interessa pelo que é esdrúxulo ou estapafúrdio. Não vi inteiro, desde o comecinho, mas o Jornal das 10 da Globo News, por exemplo, perdeu esse debate de Stiglitz. Perdeu as notícias do encontro, mas deu, até com imagens (logo estava lá!), o mico dos seguranças que confundiram com uma bomba, a mochila de um dos estagiários que prestava serviço de intérprete no encontro. Muito engraçadinho, viu?

Mas Stiglitz, que não é, vamos dizer assim, nenhum porta-voz de uma esquerda americana, se isso existe, confirmou tudo aquilo que já sabíamos. Os países que adotaram à risca o modelo do Consenso, deram com os burros n’água. A China e a Índia, que buscaram traçar um caminho próprio, estão crescendo loucamente. E não foi só Stiglitz que admitiu isso não. O próprio John Williamson, o arquiteto do Consenso de Washington, e que também esteve em Belo Horizonte, reconheceu que foi um erro querer transpor uma solução única para economias tão diferentes. Foi isso que deixou minha amiga pasma. Esses caras são de direita, conservadores, e estão mais à esquerda do que o Lula! Aliás, foi isso também que Clóvis Rossi concluiu no seu artigo de sábado, na Folha de São Paulo. Mas Williamson, não podemos esquecer, disse também que os países emergentes precisam de governos fortes (sic!). Não sei o que isso quer dizer, mas fiquei preocupada. De verdade. Então, ele está à esquerda e à direita ao mesmo tempo?

Tá vendo? Não tô dizendo que esse negócio de esquerda e de direita é difícil? Mas, pelo menos agora, já fico mais consolada. Não sou eu apenas que faço confusão. Só Ludus mesmo não se aflige com essas questões. Sábio filósofo, ele me explicou, inspirado em Hannah Arendt, que estão hoje à direita todos aqueles que, de uma certa forma, priorizam a liberdade e, à esquerda, os que defendem a igualdade. Aí quem ficou pasma, fui eu. Mas como, liberdade e igualdade não são compatíveis? A Revolução Francesa é propaganda enganosa? E ele, do alto da sua sabedoria: é isso aí. E o nosso desafio não é saber se devemos ir pra direita ou pra esquerda não, é o de encontrar o caminho do meio, o do equilíbrio. Aquele que nos permitirá alcançar a igualdade com liberdade. Disse isso e foi indo embora pra Patos. Vou aguardá-lo de volta para retomar essa conversa. Mas já gostei do que ele disse. Não vai resolver meu problema, mas me ajudará a entender melhor os rumos que estamos tomando.

Sonhos à direita ou à esquerda. Se ficarem na dúvida, façam como o menino do anúncio daquele carro total flex: sigam em frente e tenham um belo dia!

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