sábado, março 25, 2006

Oia q issu dah smb

Olhei e, de cara, vi que isso não ia dar certo. Ou será que pode dar samba? Na dúvida, avisei. Meninos, parem com isso. Você estão matando a nossa língua!

- Naum pga manhi. Aki a gnt fl asim msmu!

Meninos, daqui há pouco vocês estarão grunhindo como nossos ancestrais homo habilis e ninguém mais vai entender nada do que vocês estão dizendo. Vocês terão de recorrer à linguagem gestual do tempo das cavernas.

- UUHH! UUHHH! BUHH! BUHH! AHHH! (apontando para garrafa de coca-cola, para o copo e, em seguida, para a boca)

Também não reclamem mais: ninguém me entende nessa casa! Eu falo e ninguém me entende! Não reclamem, porque são vocês que estão pedindo. Vocês já estão de joelhos, implorando, suplicando para que ninguém mais compreenda uma só palavra do que estão dizendo. Quando digo ninguém, me refiro a nós mesmos, os de maior, não à tribo dos de menor de 15 que, aliás, está reduzindo de tamanho. Em 1950, esses meninos e meninas representavam 41,6% da população brasileira. Em 2000 não passavam de 28,8% e, agora, desconfio, caminham para disputar a minoria absoluta. Para vocês terem uma idéia, em 2050, o ano cabalístico, não deverão representar mais do que 19,9%. Atenção marqueteiros de plantão!

Bom, mas então, ficou claro que eu avisei, né? E adianta? É evidente que não. E tanto fizeram, que agora é tarde demais. Puseram a nossa língua num museu! Está lá, bem no coração de São Paulo, capital do Brasil. Na Estação da Luz. Uma hora dessas vou lá. Já fiz uma visita virtual, mas pra mim não basta. Quero é tudo! Quero ver inteiro! Ver não só com os olhos, mas com todos os sentidos. Então, uma hora dessas vou lá. Enquanto não dá, continuarei navegando. Já fui, principalmente, na Praça da Língua. Ouvi Arnaldo Antunes, que amo de coração. Às vezes ele grunhe como os meninos, mas sei que é porque ele tem fome de tudo. E quando temos fome, grunhimos, ganimos, rosnamos como qualquer animal que somos.

Nuu! Então a língua já tá lá. No museu. E com uma advertência: a língua é o que nos une! É vero, porém, mais ou menos. Às vezes é o que nos divide também. O que nos une, sem restrição, é o coração. Bom, mas isso é outra história. É outra história também a versão moderna de museus, espaços vivos, em construção permanente. Museu não é mais o arquivo morto da nossa história, mas um edifício que sobe andar por andar, junto, lado a lado, com o nosso caminhar. Meno male, porque a língua também não é uma peça que se resgata do fundo do fundo de um poço, empalha e depois se exibe numa vitrine. Ela está em permanente mudança. Morre e nasce todo dia. Acho que os meninos sabem disso, por isso brincam com ela sem medo. Nós é que sentimos essa necessidade impertinente de preservá-la. Como se a língua fosse uma fotografia, um papel de bala amassado, um caco de vidro colorido ou qualquer outra lembrança que guardamos em caixinhas para um dia ativar nossa memória e nos fazer lembrar dos bons momentos que vivemos. Nós é que ficamos por aí tentando evitar o inevitável.

A língua muda. E muda também de uma esquina para outra. Quando ando na rua, percebo muito bem quantas línguas cabem dentro da nossa língua portuguesa. Não é só a língua dos meninos e a nossa língua culta, não. São diversas. São tantas quanto são as nossas tribos e se se empobrece dentro de cada um dos grupos que topamos por aí, é ali também que ela se enriquece, bebendo na fonte da sua diversidade. É por isso que, um dia, ouvi um gramático desses famosos dizer que corremos o risco do erro não só na tradução de textos estrangeiros. Às vezes, e muitas, erramos também quando estamos traduzindo um texto mesmo em português. Esquecemos de beber na fonte da diversidade e nos iludimos com a língua congelada das gramáticas.

Pensando bem, é até bom mesmo um museu. Se esse é um espaço para divulgar o português brasileiro, principalmente agora, que ele será a referência oficial para todos os países de língua portuguesa, será também, e muito mais, um espaço para exercitarmos a nossa liberdade de autores. Pois se a língua agora virou arte, tudo pode. E não importa mais, se ela morre e nasce todo dia. É como todas as outras. Das 6 mil 800 línguas que restam no mundo, quase metade são faladas hoje em dia por menos de 2 mil 500 pessoas. Um bairro da minha cidade. E até o final deste século, pelo menos metade dessas línguas terá desaparecido. Coisas da vida. Ou coisas da língua.

Olha só, Payal Sampat, que é um pesquisador associado do Worldwatch Institute, de Washington, disse num de seus textos que navega aí pela internet, que na América do Sul, centenas de línguas já foram varridas do mapa depois da conquista espanhola. Mas ainda sobrevivem 640, notavelmente diversas. Mas ele já informa aos desavisados que 27% delas estão se aproximando da extinção. No Brasil, 42 já desapareceram completamente. Estão mortas e enterradas. E a maioria das remanscentes estão rapidamente sendo substituídas pelo português. Na região do Amazonas, por exemplo, poucas línguas nativas sobrevivem e hoje não têm mais de 500 falantes. Muitas já chegaram a menos de 100. O karahawyana tem 40 praticantes; o katawixi, 10; e o arikapu, seis!Mas se umas estão desaparecendo, outras estão surgindo. Menos complexas, mais variações em torno de um mesmo tema, mas tão diversas quanta aquelas isoladas nas comunidades da Amazônia.

Não sei se Sampat concordaria com um museu. Um museu que expõe apenas uma das várias manifestações do código verbal de um povo. Se essa é uma forma de valorizar a unificação da linguagem e reforçar uma identidade nacional, por outro, representa exatamente isso: o comprometimento da diversidade que esse povo abriga. E, abrindo mão da nossa diversidade lingüística, estamos diminuindo também nossa compreensão da diversidade biológica e cultural que somos. Mas essa é outra história também. Um dia volto nela. É muito interessante.

Por enquanto, vou ficar por aqui, navegando. Vamos passear no museu (o link está no título. Ainda não aprendi a criar links no meio do texto).

Meninos, divirtam-se criando novas línguas, mas não se privem de conhecer a fonte da diversidade.

demorei, tiau pra vcs e bm dmg.

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