Mas a vida é a autoridade desordeira. - Mia Couto
O ano passou e nem vi. Foi muito rápido. Entrou janeiro e de repente já era março, daí pulou pra maio e avançou até junho sem que nem me desse conta. Quando tirei os olhos da tela já era o segundo semestre. O ano começou a acabar. Pensei, agora é que o bicho vai pegar. E pegou. De agosto para outubro não deu nem para perceber e até chegar dezembro foi num piscar de olhos. Não vi os dias passando, nem os meses nem o ano. Estava ocupada cuidando da vida e me distraí das horas. Resultado: o ano terminou muito antes do trabalho chegar ao fim e agora estou tendo de estender 2007 por mais alguns dias e jogar minhas férias para o final de janeiro. Não cometo mais esse erro.
Com isso, também não fiz planos para o novo ano. Nem uma lista: nem de promessas nem de novos desafios. Vou ficar com as de sempre: parar de fumar, fazer uma ginástica, aprender inglês, cuidar melhor do jardim, passear mais, ler os livros que estão na minha lista de espera, ver os filmes de 2007 que ainda não vi, beber mais água, estender mais um pouco a conversa fiada com os meninos, no final da noite, testar novos cremes, para ver se não provocam nenhuma reação alérgica, não deixar acumular tarefas que terei mesmo de fazer, de um jeito ou de outro, tirar 15 minutos de férias por dia e uma prolongada pelo menos uma vez por semana, inventar um doce de frutas que não engorde tanto quanto brigadeiro e assim por diante. Mais uma coisa, vou tentar ler jornal de novo, quem sabe o mundo andou mudando e também não vi. Considero todos bons desafios para 2008, acho que não preciso correr atrás de novidades.
Acrescento apenas mais um. Em 2008, vou fazer, principalmente, um esforço redobrado para anotar todos os meus sonhos e minhas idéias na caderneta nova que ganhei de natal. Em 2007 fiz várias tentativas. Ganhei duas cadernetinhas que cabiam na palma da minha mão e anotei algumas coisas: uma palestra do Fernando Abrúcio sobre o Estado do Estado, uma aula sobre Comunicação e Sociabilidade, algumas frases que li nos jornais e anotações de um encontro sobre blogs. Além dessas duas cadernetinhas, comprei mais três: uma rosa, que ficou na minha mesinha de cabeceira e lá continua, em branco, porque nunca aconteceu de querer anotar nada nela. Outra ficou na minha bolsa e anotei pedaços de conversas e frases que perderam o sentido, porque ficaram fora de contexto. E a terceira ficou na minha mesa de trabalho: anotei reuniões, compromissos e informações que avaliava serem relevantes, mas todas com prazo de validade limitado. Venceram na passagem do ano.
Agora vou fazer diferente. Vou deixar na minha bolsa apenas a Moleskine que ganhei de presente da minha afilhada. Vou recolher todas as demais e deixar para rascunho, perto do telefone. À mão ficará apenas a minha Moleskine pretinha. Ela é muito inspiradora. Não é uma caderneta qualquer. É a libreta de notas que, nos últimos dois séculos, foi utilizada por artistas e intelectuais europeus para registrar seus insights e poder mais tarde retomá-los em suas criações. Van Gogh, Picasso, Hemingway, todos tinham uma Moleskine pretinha, igual a que ganhei, na sua bagagem de mão.
Produzida originalmente em pequenas fábricas francesas, essa libreta foi objeto de desejo de todos os grandes escritores, pintores e músicos da era moderna e era cobiçada também pela multidão de artistas anônimos, que freqüentava os bolsões de cultura espalhados pela Europa. Isso até 1986, quando desapareceu seu último fabricante, uma empresa familiar de Tours. Em 1998, para o júbilo de todas as almas sensíveis, uma pequena editora milanesa voltou a fabricar a verdadeira Moleskine pretinha. Centenas delas já estão por aí, espalhadas pelo mundo, registrando as grandes aventuras da vida, as emoções mais sinceras e todos os sonhos em movimento.
Cabe agora, a cada um de nós, por acaso possuidores desse pequeno e notável arquivo de papel, fazer por onde. Anotar pequenas idéias, que se não derem em nada, já terão dado em boas lembranças. Se derem, um dia poderão virar uma história genial, um romance tipo inesquecível ou uma teoria revolucionária sobre qualquer coisa. Anotar sentenças musicais, que distraidamente cantarolamos no meio da rua. Podem também não dar em nada ou dar em grandes sinfonias ou num samba de breque que desconcertará no túmulo até o velho Morengueira. Quem pode, deve ainda pincelar um traço, o esboço de um rosto, de um sorriso, de um olhar qualquer que passou pela rua e vimos e nunca mais veremos, mas que ficarão para sempre na Moleskine de algum artista anônimo que, sabiamente, deu um jeito de eternizá-los na sua libreta preta, ainda com algumas páginas em branco.
Um 2008 cheio de boas idéias e bons motivos pedindo para serem registrados. E que ninguém faça como fiz em 2007. Antes que o ano passe e acabe sem nos darmos conta, tratem de semear pela vida todas essas idéias e motivos que anotarem em pedacinhos de papel, para que elas possam florescer e enfeitar essa nova temporada que agora está se iniciando.
Inté mais ver.
Imagens: Da série Moleskine de Tiffany-Z
2 comentários:
eh .... o ano corre
ou somos nos que corremos com o ano?!
Feliz 2008!
bjus
Acho que movimentamos de forma articulada. Mas em 2008 irei mais devagar. Com certeza. Já vou.
Feliz 2008 também.
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