terça-feira, agosto 30, 2005

Juro que vi

Não vamos nos descabelar. Parece que, finalmente, conseguimos atingir o padrão de normalidade das democracias contemporâneas. Não há nada de excepcional nesta crise política. Não estamos sendo nem um pouco originais ou criativos. E olha que somos bons nisso, hem? Acontece que já está estatisticamente provado que os ilícitos denunciados são fenômenos naturais das democracias contemporâneas e daquelas democracias ditas em construção.

Pelo menos é o que consegui entender, depois de ler a entrevista do cientista político mexicano, Alejandro Poiré, na FSP da última segunda-feira (29/08). Para ele, as irregularidades no financiamento de campanhas políticas são problemas comuns às democracias contemporâneas, e não somente da América Latina. Os casos de suborno ou propina a legisladores são também recorrentes e não são exclusivos do Brasil. Mais uma vez, "são problemas das democracias contemporâneas".

O que o Brasil está passando, diz ele, a Itália já viveu, a Alemanha, o Japão, México, Estados Unidos, Peru e Argentina, para ficarmos apenas nos exemplos mais recentes. Ou seja, a ocorrência e recorrência desses fatos, em pontos variados do planeta, com mínimas variações de temperatura e pressão, formam um padrão de incidência que caracteriza exatamente uma normalidade estatística. Eu penso que podemos até concluir que essa crise é um atributo próprio do objeto em questão, no caso, as democracias contemporâneas. Não há nada, portanto, com o que se escandalizar. Vamos tocar o barco pra frente.

Seria simples assim, se não fosse um pouco mais complicado. Estatística engana bem e prova mesmo qualquer coisa, principalmente aquilo que queremos. Por isso não me esqueço da velha lição do economista Mário Henrique Simonsen: um corpo com a cabeça no forno e os pés no freezer tem uma temperatura média bastante adequada. E se a estatística é um perigo aplicada em estudos econômicos, quanto mais na política, uma ciência da paixão. E a nossa capacidade de indignarmos com as coisas? Não surpreende as normalidades detectadas? Não muda nada?

Olha só, na mesma segunda-feira, li um outro artigo no Estadão, do jornalista Carlos Alberto Sardenberg, que questionava justamente essa tentação que está rondando as CPIs e os meios políticos, de relativizar tudo quanto foi apurado. Não por tolerância, mas por uma cegueira conveniente. Os atos são ilícitos, mas só um pouco. As leis foram infringidas, mas só mais ou menos. Nessa vida média que estamos levando, até que fica tudo de bom tamanho, né? Mas ele adverte para os riscos dessa (in) atitude, principalmente na economia, que está sob a ameaça do excesso de esculhambação.

Essa mesma indignação, às vezes manifestada de forma irônica, às vezes irada, às vezes até cômica, está fervilhando também na ágora virtual, formada pelas listas de discussão, grupos, orkuts, blogs e outras comunidades arquitetadas na internet. Esse não é um movimento de rua, visível à olho nu, mas, prestem atenção, estão todos conectados e sempre alertas! O que isso significa, ainda não sei, mas acho que, a qualquer hora, vamos descobrir. Desconfio que sim.

Então, chega de rodeios. Argh! Odeio rodeios! De qualquer natureza. Se é para enfrentar o boi pelo chifre, vamos de uma vez. É caso de CPI? Então vamos investigar até o fim e que o Judiciário, o Ministério Público e toda a turma do Direito, que eles assumam suas competências também. É para fazer reforma política, então não me venham com essa micro reforma eleitoral. Ela é hilária perto do que precisamos. É ou não é? Mirem bem, eu já vi! Eu juro que vi! Vim, sim! Eu vi! Eu vi um carro com o adesivo “Constituinte exclusiva, com quarentena eleitoral ou voto nulo!”. Não faço campanha por voto nulo. Sou brasileira, não desisto! (rsss.) Mas, de resto, assino embaixo. É a melhor porta de saída para o imbróglio em que nos metemos.

Enquanto eles não se decidem, vou ficar por aqui e pensar um pouco mais sobre o modelo semipresidencialista francês. Nunca provei, mas dizem que é muito bom. Vou pensar também sobre o voto negativo. Dizem que é uma tecnologia de ponta. Tô achando que é mesmo. É isso, se não nos dão a saída, a gente inventa.

Até de repente.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não sei porque, Pat, me veio à cabeça o trecho de uma música: “o barco, meu coração não agüenta/ tanta tormenta, alegria/meu coração não contenta/o barco (...)/o sangue, o charco, barulho lento/o porto silêncio/ Navegar é preciso; viver não é preciso".
E, no meu furor relacional, pulo para outra paixão: emendo no poema:
“Quero para mim o espírito [d]esta frase/transformada a forma para a casar como eu sou:/Viver não é necessário;/ o que é necessário é criar./Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso./Só quero torná-la grande,/ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo./Só quero torná-la de toda a humanidade;/ainda que para isso tenha de a perder como minha./Cada vez mais assim penso./Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue/o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir/para a evolução da humanidade./É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.”
Freneticamente vou buscar em Pompeu, via Plutarco, o começo desse engodo: "Navigare necesse; vivere non est necesse".

Só com muita alma feita fogo, com muito sangue entregue em doação é possível convencer alguém de tamanho despropósito.

Nada importa: tudo vai bem, obrigada. Os índices econômicos resistem. O mercado se comporta. “O sapato aperta”, mas “o país exporta”, se me permites mais uma remissão (bendita ambigüidade!). Pra que preocuparmos em viver, a vida boa, aquela que sonhamos? Valores? Os que interessam são os da bolsa, não? Naveguemos neste mar-asmo que nosso histórico fa(r)do de sacrifício nos brindou como prêmio pela esperança. Ou inventemos o teletransporte, já que nem seu Lobo e nem D. Sebastião virão para nos comer ou nos salvar.

Perdoa, mas esta lua e esta fumaça me deixam prolixa como deve ser o diabo!
Agora, Pat, adivinha quem veio para este banquete que seu blog nos proporciona! Beijo grande.

Anônimo disse...

Ei amiga! Bem vinda ao mundo da divagação. Adoro quando você se põe a pensar. É sempre uma viagem com panorâmicas do mundo do bem que nos alimentam a alma. Brigadinha pelo brinde.

Aproveitando a sua dica, fui atrás de Pessoa também. Não achei o poema que você falou, mas achei outro, bem apropriado para o dia de hoje:

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã....
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não....
Não, hoje nada; hoje não posso.
.......
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo.
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã.
.......