Por um acaso desses da vida, caiu em minhas mãos, logo agora, esse livro de Mário de Andrade. Apesar de já o ter lido, não me lembrava mais quase nada da história, apenas que se tratava das aventuras e desventuras de um herói sem caráter. Li por obrigação, disso eu me lembro. Mas agora é diferente. E antes de iniciar essa releitura, fui pesquisar alguma coisa sobre a obra, que pudesse, desta vez, me fisgar definitivamente para dentro da história. E achei um relato muito interessante. Um trecho do prefácio que Mário de Andrade escreveu para a primeira edição de Macunaíma e que nunca foi publicado. É assaz interessante e me fez pensar muuuito. Por isso, estou postando aqui. Pode ser que esse pequeno trecho do prefácio inspire também em vocês essa vontade incontrolável que sofremos, de pensar muito!
“O que me interessou por Macunaíma foi incontestavelmente a preocupação em que vivo de trabalhar e descobrir o mais que possa a entidade nacional dos brasileiros. Ora depois de pelejar muito verifiquei uma coisa que me parece certa: o brasileiro não tem caráter. Pode ser que alguém já tenha falado isso antes de mim porém a minha conclusão é uma novidade para mim porque tirada da minha experiência pessoal. E com a palavra caráter não determino apenas uma realidade moral não, em vez entendo a entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes na ação exterior no sentimento na língua na História na andadura, tanto no bem como no mal. O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional.
Os franceses têm caráter e assim os jorubas e os mexicanos. Seja porque civilização própria, perigo iminente, ou consciência de séculos tenham auxiliado, o certo é que esses uns têm caráter. Brasileiro não. Está que nem o rapaz de vinte anos: a gente mais ou menos pode perceber tendências gerais, mas ainda não é tempo de afirmar coisa nenhuma. […] Pois quando matutava nessas coisas topei com Macunaíma no alemão de Koch-Grünberg. E Macunaíma é um herói surpreendentemente sem caráter. (Gozei)”
Será que já é tempo de afirmarmos alguma coisa?
2 comentários:
É tempo de apontarmos o dedo para nós mesmos, em vez de fazê-lo só para os outros. Nós - brasileiros - avançamos o sinal fechado, paramos em locais proibidos, não somos gentis, furamos fila, pegamos o que não é nosso... coisas pequenas, básicas, ilegais. Somos iguais aos atores da novela da corrupção que está na TV, eca!
Pois é, Cris, isso é que complicado, não é? Fico aqui pensando que, talvez, seja por isso mesmo, que somos um povo tão tolerante. Não é bem porque somos bonzinhos. Mas, quem sabe, é porque somos, sim, um povinho danado de cínico, não é?
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