De volta. Sempre em terra firme, atravessamos as montanhas e fomos desaguar no mar. A cidade estava vazia, o mar imenso de tão grande, o céu azul purinho e o sol morno e lento. Os dias se arrastaram sem pressa e pareceram bem maiores do que de fato são. Aproveitei todos os instantes preguiçosamente. Desliguei o rádio, vi TV só de relance e nem li jornal. Andei descalça na areia, pulei ondas, mergulhei e me afastei só para ficar olhando o mar verde-esmeralda que rodeia a cidade. Bebi água de coco, provei uma caipirinha de abacaxi e temperei um badejo para cozinhar na panela de pedra com tomate, cebola, pimentão, cheiro verde e azeite até entornar. Sem coentro.
Mas, principalmente, li. Se fosse resolver uma pendência agora, diria que o livro que mais marcou a minha vida foi este: o último que devorei. Mas não digo, porque essa é uma missão quase impossível. Talvez listar os livros dos quais ainda me lembro fosse mais fácil. Porque tem isso também. Leio e fatalmente me esqueço de quase tudo, passados alguns meses. Sobram fragmentos, uma palavra, uma frase, uma idéia, uma personagem, qualquer coisa. E me aposso desses pedaços de textos como se fossem meus. Minhas lembranças literárias são como miçangas de um colar que se arrebentou e não é mais. São coisinhas que guardo numa caixa e já não pertencem mais à obra original. Por isso, ainda assim, seria difícil montar essa lista.
Foi uma leitura muito bem ajustada ao momento. Quando troco de casa, passados uns dias, experimento sempre uma leve sensação de desprendimento, como se estivesse saindo da minha história e entrando
E de Agualusa guardei ainda as palavras finais da sua personagem que, engraçadamente, se parecem muito com as do escritor moçambicano, Mia Couto, na palestra que fez, recentemente,
Costurando os fuxicos, é mais ou menos assim que às vezes me sinto, quando troco de casa: como se estivesse num sonho, como se fosse o próprio sonho, como se essa vida não passasse mesmo disso. Puro sonho que a gente vai inventando todo dia e depois dá de chamar de realidade.
Falando nisso, bons sonhos a todos.
Inté mais ver, um dia.
3 comentários:
Que maravilha de crônica! Obrigada. E sugeriu alguma coisa que liguei pra te falar hoje mas ninguém atendeu: a Folha traz um psicanalista comentando a campanha "Cansei" da OAB. Ele diz que "é um muxoxo que não muda a realidade, porque os grupos que estão nele são ligados aos tucanos, que isolaram a política da sociedade, produziram essa sensação de impotência de que tudo é complexo demais para ser mudado". Quis te falar porque naquele dia no Café do Museu te disse que "é mais complexo do isso" quando você falou que o que é necessário é educação. Ô frase besta, sô. Não diz nada, não leva ninguém a lugar nenhum. Não faz um sonho. Foi um alívio ouvir esse cara dizer isso. E foi delicioso lembrar que eu sou meu sonho. Ou pelo menos que posso ser.
Oi Ana, que bom que você veio aqui. Que bom que esse texto te disse alguma coisa. Aposto que você vai gostar do Agualusa e do Mia Couto. Se quiser posso te emprestar o livro e te passar o aquivo com a conferência do Mia Couto. Vai gostar e concordar comigo. Estou cada vez mais desconfiada de que esse caos que estamos vivendo é resultado de uma tomada de consciência coletiva da existência da subjetividade, depois de séculos de hegemonia da objetividade científica. Da consciência de que tudo é e não é, existe e não existe. De que tudo é um sonho, não colorido, mas duramente construído, dia a dia, de um jeito e de outro.
Mais ou menos isso. bjim
Oi Patricia,
Seja muito bem vinda de volta! E que volta, com um belo e reflexivo texto. Creio que aproveitou muito bem as férias.
Estou sempre sonhando e idealizando, mas nunca me descolando do real.
Beijos!
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