quarta-feira, julho 04, 2007

Confusão mental

Estou igual avião de ponte aérea, só chego atrasada aonde vou. Até para pensar, estou perdendo a hora. Preciso de mais tempo, mais tempo e aí, quando dou pela coisa, o tempo já passou. Nesses últimos meses, enviei uma penca de textos iniciados e inacabados para a cesta editoria, porque tinha coisa melhor para fazer na hora. Às vezes, nem melhor, mas inadiável. E aí o assunto ficou velho, o texto perdeu o ritmo e pronto. Virei o disco e fui pensar outra coisa.

Hoje, de novo, estou com três dias de atraso. Mas vou resistir. Não vou abandonar meu tema. Adoro pesquisas quantitativas. Não pelos resultados propriamente ditos, que são até muito divertidos em alguns casos, mas para tentar descobrir qual a intenção que está por trás da pesquisa. A maioria delas é um exercício de c.q.d.. Lembra das aulas de matemática? Como queríamos demonstrar? Pois é, essas pesquisas, muitas vezes, são utilizadas só para isso. Para dar um status de ciência a alguma opinião que está por aí. Um reforço para validar argumentos sobre achismos de toda sorte, com interesses nem sempre republicanos.

Por isso, ao mesmo tempo que me atrai, tenho uma birra danada dessas pesquisas. Não acho que elas dêem conta de explicar a complexidade do nosso mundo. Reduzem qualquer assunto a três opções: sim, não e talvez ou qualquer uma das variações em torno desses mesmos sentidos. E mais duas opções que não dizem quase nada: não sei e não quero responder. Com um agravante, perguntam o óbvio e, para não pagar mico, o entrevistado responde o óbvio também, o que é esperado que ele responda e não o que ele pensa. E aí não saímos do lugar.

Esse foi o caso da maioria das pesquisas que li nos últimos dias, questionando os entrevistados sobre política, políticos, instituições políticas, democracias, instituições democráticas e assim por diante. Os questionários foram aplicados em universos os mais variados possíveis: universitários capixabas; mulheres em funções executivas; homens de 35 a 50 anos e que andam de bicicleta e por aí vai. Até criancinhas agora estão respondendo questionários de instituto de pesquisa. Andou de velocípede na pracinha já está preparada para a vida. Já tem autonomia para ter alguma opinião formada sobre tudo.

Mas lendo essas pesquisas, observei que os resultados são mais ou menos os mesmos. Isso tem um lado positivo, devem estar certas. Ou não. São, justamente, exercícios de c.q.d. para validar alguma intenção que está solta por aí. Seja como for, resolvi relevar a minha birra por pesquisas quantitativas e ler seriamente uma publicada na Folha de São Paulo do último domingo, patrocinada pela Fapesp e coordenada pelo cientista político José Álvaro Moisés.

Relevei, primeiro, porque gosto das coisas que Álvaro Moisés escreve e, depois, porque esse é um trabalho que ele vem fazendo já há bastante tempo, desde 1989, visando a criação de uma série histórica. Essa preocupação com o longo prazo é interessante porque dá mais sentido aos resultados. Mas o cenário que ela traça para o nosso consumo diário não difere em nada das demais pesquisas.

Olha só. A maioria, 68,1% dos entrevistados, prefere a democracia, mas 81% desconfiam dos partidos e 76% do Congresso. E podíamos esperar outra resposta? Mas qual a coerência desse cenário? E se adicionarmos as respostas de outras questões apuradas, a confusão mental é ainda maior. Dos entrevistados, 31,5% acreditam que a democracia pode funcionar sem partidos e 28.7% acham que pode funcionar sem Congresso.

Até aí, apesar da confusão mental, ainda podemos inventar uma explicação, se extrapolarmos o que está dito e inferirmos que eles estão defendendo um modelo pleno de democracia participativa, mas isso é só suposição. E acho melhor ficar por aí mesmo, porque eles não sabem o problemão que estão criando. Agora, quando 51,8% concordam em algum grau com a idéia de que “quando há uma situação difícil no Brasil, não importa que o governo passe por cima das leis, do Congresso, das instituições para resolver os problemas do país”, o quadro fica mais grave.

A única conclusão que consigo tirar dessa salada de percentuais é que as pessoas estão respondendo qualquer coisa sobre qualquer assunto, mesmo quando não têm a mínima compreensão sobre o tema que estão opinando. Que as palavras estão gastas, já concordamos sobre isso. Que perderam seu sentido original e são utilizadas hoje conforme o gosto e a preferência de cada um, também já percebemos. Que são meros adereços no discurso daqueles que querem apenas aparentar algum jeito especial de ser, também já desconfiamos. Mas e aí? Será que isso é suficiente para explicar esse cenário caótico que as pesquisas estão revelando? Não sei.

Só sei que fico intrigada. Queria mesmo saber como os entrevistados de Álvaro Moisés definiriam democracia. Repetiriam o modelo difundido pela mídia, que tem como único princípio a liberdade de expressão? Mas liberdade para quem? Para os donos das empresas de comunicação? Danou-se, hem? Ou será que seria o modelo do mercado, da democracia do consumidor, liberdade para escolher, comprar e devolver se não gostar? Mas, aí também, liberdade de escolha para quem? Liberdade para quem comprar o quê? Vamos retornar ao conceito de democracia relativa? Deus me livre, hem?

Fico desconfiada de que se essa pergunta fosse incluída no questionário cairíamos mesmo é no modelo básico, o da democracia política, que prevê apenas eleições periódicas, livres e diretas. Um exercício de simplicidade política voluntária. Está na moda, não é? Ou será que seriam capaz de imaginar um modelo de democracia radical? Fico curiosa para saber. De qualquer forma, vou me prevenir da tentação pela simplicidade e reler o texto Nós, o povo: reformas políticas para radicalizar a democracia, de Maria Victoria Benevides. Acho que só com esse artigo já estarei imunizada. Se preciso for, voltarei aos clássicos.

E se não estivesse tão cansada, continuaria pensando sobre essa pesquisa. Sobre como essas pessoas imaginam uma democracia sem Parlamento. Sobre como elas imaginam uma democracia sem partidos. Achei essa idéia até interessante. Voto personalista no sentido mais exato da expressão. E ainda, sobre como elas definem uma situação difícil. Sobre quem elas acreditam seria capaz de resolver os problemas do país, passando por cima das leis, do Congresso, das instituições. Deus? Dom Sebastião? Mas neeem! Já estou com sono e cansada. Amanhã, tenho três opções: levantar cedo e trabalhar; levantar e trabalhar; levantar atrasada e trabalhar.

Um restinho de semana com muitas e variadas opções.
Até de repente

3 comentários:

Anônimo disse...

É sempre muito bom ler seus "pensamentos". Nós que somos alfabetizadas e fazemos 3 refeições por dia deveríamos estar organizadas de alguma maneira que propiciasse ou, pelo menos, ensejasse a intervenção nas decisões do poder vigente. Discutir ajuda, mas o tempo passa e não adquirimos o hábito de discutir com conseqüência. Mea culpa.
Uma dica legal que recebi: um site que envia a cada dia a etimologia de uma palavra http://www.umacoisaeoutra.com.br/palavradodia/recomende.htm.

Anônimo disse...

Oi Patrícia,

“E aí o assunto ficou velho, o texto perdeu o ritmo e pronto. Virei o disco e fui pensar outra coisa.”

Você descreveu muito bem essa situação. Sinto isso todas as vezes que não concluo o texto de imediato. O assunto perde a energia e eu costumo dizer que o feeling se foi. Gosto da sua escrita. Ela é bem clara!

Beijos

Anônimo disse...

Oi Patricia,

Interessante assunto esse. Pesquisas de opinião parecem querer medir não o que as pessoas estão pensando, mas se elas estão absorvendo aquilo que querem que elas pensem.

Essa coisa da democracia sem partidos ou sem parlamento é reflexo do pensamento ou melhor, da falta da capacidade de conexões entre os pensamentos. O sujeito gosta de democracia, ainda que não saiba do que se trata, mas odeia o parlamento, ainda que não entenda as sua funções.

Beijos!