“O que dizem as palavras não dura. Duram as palavras. Porque as palavras são sempre as mesmas e o que dizem não é nunca o mesmo”.
Antonio Porchia
“Entre quem dá e quem recebe, entre quem fala e quem escuta, há uma eternidade sem consolo”
Roberto Juarroz
Este blog está sob regime de auto-censura. Existe uma meia dúzia de três ou quatro assuntos que não jogo na roda, porque me são caros e sempre acho que sei deles menos do que deveria ou gostaria de saber para poder pensá-los. Daí, quando falo sobre esses assuntos, acabo apelando para a ignorância. Nos dois sentidos. Mas como não sou uma pessoa muito coerente, muito apegada às minhas próprias idéias, hoje vou abrir o cofre de sete chaves e tirar de lá um assuntozinho de nada, um minimozinho entre os demais, porque preciso!, como diria minha vó. Mesmo que ninguém me escute nesta casa, preciso falar e vou falar. Ela sabia como ninguém ser dramática, se assim avaliasse ser necessário.
Ai iai iai, viu...Vão chutar minha barraca de novo. Paciência. Vou pensar um pouco sobre comunicação. Mas para não me trair completamente, vou pensar de um ponto de vista diferente daquele que tenho pensado até agora. E vou começar concordando com a Marilena Chauí. Li a carta que ela escreveu a seus alunos pelo menos três vezes. Calmamente. Lendo e relendo e voltando e riscando. E concordei nas três vezes. Para fundamentar minhar concordância, poderia recorrer a qualquer um dos textos ou dos livros sobre comunicação que, por obra do ofício, estão na minha estante. Mas não vou fazer isso.
Vou pensar com Jorge Larrosa. A partir de um texto que a Rutinha me passou um dia e que venho lendo devagar: Dar a palavra. Notas para uma dialógica da transmissão. E vou usá-lo num contexto diferente daquele utilizado por Larrosa. Não vou nem pedir licença, pois agora a palavra já me foi dada, não é isso Ruth? Vou pular as primeiras notas e ir direto para a sexta, que é a que me interessa aqui, pois fala exatamente sobre essa questão: dar a palavra.
Fico tentada a dar uma de copista e simplesmente reproduzir, aqui, todo o texto de Larrosa, mas também não vou fazer isso. Vou tirar sua poesia e deixar só o concreto, para ser a base do que estou pensando. Larrosa parte de um fragmento da poesia de Porchia, que citei no alto do poste, para concluir que o dar a palavra é fazer com que elas durem, dizendo cada vez coisas diferentes. É dar o porvir da palavra, fazendo com que o mesmo seja dito, mas que, em sua repetição, seja infinitamente único, múltiplo e diferente.
Agora vou copiar: “No dar a palavra, somente aquele que não tem pode dar. Aquele que dá como proprietário das palavras e de seu sentido, aquele que dá como sendo dono daquilo que dá... esse dá, ao mesmo tempo, as palavras e o controle sobre o sentido das palavras e, portanto, não as dá. Dar a palavra é dar sua possibilidade de dizer outra coisa diferente daquilo que já dizem....A força atuante do dar a palavra só é aqui generosidade: não apropriação das palavras para nossos próprios fins, mas desapropriação de nós mesmos no dar. As palavras que se dão, são palavras que se dão abandonando-as”. Sem comentários.
Então me lembrei de outro trecho de um outro autor, Pierre Bourdieu, em “O estúdio e seus bastidores”, quando ele trata da censura invisível na televisão. Acho que posso estendendê-la aos outros meios de comunicação, porque as condições, adequadas a cada meio, são as mesmas. Ele diz que “o acesso à televisão tem como contrapartida uma perda de autonomia, ligada, entre outras coisas, ao fato de que o assunto é imposto, de que as condições da comunicação são impostas e, sobretudo, de que a limitação do tempo impõe ao discurso restrições tais que é pouco provável que alguma coisa possa ser dita”. E não é assim também no rádio, no jornal e na revista?
A Folha publicou recentemente, por exemplo, uma entrevista com Wanderley Guilherme do Santos que deu dó. A entrevista deve ter sido ótima, mas ao editar o texto, por conta do espaço, com certeza, as respostas foram reduzidas a frases introdutórias, que nunca chegaram a tocar o fundo do pensamento de Wanderley Guilherme do Santos. Assim, ficamos só com uma vaga idéia do que ele está pensando sobre a crise política brasileira.
Não vou nem citar outras situações, mais complicadas, que é quando, por exemplo, o repórter dá a palavra à sua fonte, para tomá-la imediatamente, e dar a ela um novo significado, que se encaixe adequadamente ao seu texto, dando a ele uma pretensa coerência e consistência. Não é culpa do repórter, nem sempre; às vezes nem do editor, mas do tipo de jornalismo que nos foi imposto e que não tivemos força para reagir. O que fazemos é uma sopa de letrinhas, como diz o Leo.
Voltando a Larrosa, será que as mídias, ao dar a palavra, estão trazendo para as páginas dos jornais, para as telas da tevê, para as ondas do rádio, o porvir das palavras, a sua possibilidade de dizer outra coisa diferente daquilo que já foi dito? Será que estão atuando, de fato, como o cão de guarda da democracia? Não da brasileira, que essa é outra história a se pensar. Mas do espírito democrático? Ou tentam apenas comprovar teses já desenhadas na redação? Será que não estão certos aqueles que se recusam a falar no limite de 1 mil 300 toques, ou 20 linhas de 36 toques, ou 45 segundos? Como tratar a complexidade do nosso mundo de hoje em 400 palavras ditas rapidamente? O que se está querendo que se diga? Ou não se quer que seja dito coisa alguma? Ou se quer apenas ilustrar um texto? É nisso que estava pensando neste final de domingo chuvoso. Vou terminar de lavar os pratos!
Antonio Porchia
“Entre quem dá e quem recebe, entre quem fala e quem escuta, há uma eternidade sem consolo”
Roberto Juarroz
Este blog está sob regime de auto-censura. Existe uma meia dúzia de três ou quatro assuntos que não jogo na roda, porque me são caros e sempre acho que sei deles menos do que deveria ou gostaria de saber para poder pensá-los. Daí, quando falo sobre esses assuntos, acabo apelando para a ignorância. Nos dois sentidos. Mas como não sou uma pessoa muito coerente, muito apegada às minhas próprias idéias, hoje vou abrir o cofre de sete chaves e tirar de lá um assuntozinho de nada, um minimozinho entre os demais, porque preciso!, como diria minha vó. Mesmo que ninguém me escute nesta casa, preciso falar e vou falar. Ela sabia como ninguém ser dramática, se assim avaliasse ser necessário.
Ai iai iai, viu...Vão chutar minha barraca de novo. Paciência. Vou pensar um pouco sobre comunicação. Mas para não me trair completamente, vou pensar de um ponto de vista diferente daquele que tenho pensado até agora. E vou começar concordando com a Marilena Chauí. Li a carta que ela escreveu a seus alunos pelo menos três vezes. Calmamente. Lendo e relendo e voltando e riscando. E concordei nas três vezes. Para fundamentar minhar concordância, poderia recorrer a qualquer um dos textos ou dos livros sobre comunicação que, por obra do ofício, estão na minha estante. Mas não vou fazer isso.
Vou pensar com Jorge Larrosa. A partir de um texto que a Rutinha me passou um dia e que venho lendo devagar: Dar a palavra. Notas para uma dialógica da transmissão. E vou usá-lo num contexto diferente daquele utilizado por Larrosa. Não vou nem pedir licença, pois agora a palavra já me foi dada, não é isso Ruth? Vou pular as primeiras notas e ir direto para a sexta, que é a que me interessa aqui, pois fala exatamente sobre essa questão: dar a palavra.
Fico tentada a dar uma de copista e simplesmente reproduzir, aqui, todo o texto de Larrosa, mas também não vou fazer isso. Vou tirar sua poesia e deixar só o concreto, para ser a base do que estou pensando. Larrosa parte de um fragmento da poesia de Porchia, que citei no alto do poste, para concluir que o dar a palavra é fazer com que elas durem, dizendo cada vez coisas diferentes. É dar o porvir da palavra, fazendo com que o mesmo seja dito, mas que, em sua repetição, seja infinitamente único, múltiplo e diferente.
Agora vou copiar: “No dar a palavra, somente aquele que não tem pode dar. Aquele que dá como proprietário das palavras e de seu sentido, aquele que dá como sendo dono daquilo que dá... esse dá, ao mesmo tempo, as palavras e o controle sobre o sentido das palavras e, portanto, não as dá. Dar a palavra é dar sua possibilidade de dizer outra coisa diferente daquilo que já dizem....A força atuante do dar a palavra só é aqui generosidade: não apropriação das palavras para nossos próprios fins, mas desapropriação de nós mesmos no dar. As palavras que se dão, são palavras que se dão abandonando-as”. Sem comentários.
Então me lembrei de outro trecho de um outro autor, Pierre Bourdieu, em “O estúdio e seus bastidores”, quando ele trata da censura invisível na televisão. Acho que posso estendendê-la aos outros meios de comunicação, porque as condições, adequadas a cada meio, são as mesmas. Ele diz que “o acesso à televisão tem como contrapartida uma perda de autonomia, ligada, entre outras coisas, ao fato de que o assunto é imposto, de que as condições da comunicação são impostas e, sobretudo, de que a limitação do tempo impõe ao discurso restrições tais que é pouco provável que alguma coisa possa ser dita”. E não é assim também no rádio, no jornal e na revista?
A Folha publicou recentemente, por exemplo, uma entrevista com Wanderley Guilherme do Santos que deu dó. A entrevista deve ter sido ótima, mas ao editar o texto, por conta do espaço, com certeza, as respostas foram reduzidas a frases introdutórias, que nunca chegaram a tocar o fundo do pensamento de Wanderley Guilherme do Santos. Assim, ficamos só com uma vaga idéia do que ele está pensando sobre a crise política brasileira.
Não vou nem citar outras situações, mais complicadas, que é quando, por exemplo, o repórter dá a palavra à sua fonte, para tomá-la imediatamente, e dar a ela um novo significado, que se encaixe adequadamente ao seu texto, dando a ele uma pretensa coerência e consistência. Não é culpa do repórter, nem sempre; às vezes nem do editor, mas do tipo de jornalismo que nos foi imposto e que não tivemos força para reagir. O que fazemos é uma sopa de letrinhas, como diz o Leo.
Voltando a Larrosa, será que as mídias, ao dar a palavra, estão trazendo para as páginas dos jornais, para as telas da tevê, para as ondas do rádio, o porvir das palavras, a sua possibilidade de dizer outra coisa diferente daquilo que já foi dito? Será que estão atuando, de fato, como o cão de guarda da democracia? Não da brasileira, que essa é outra história a se pensar. Mas do espírito democrático? Ou tentam apenas comprovar teses já desenhadas na redação? Será que não estão certos aqueles que se recusam a falar no limite de 1 mil 300 toques, ou 20 linhas de 36 toques, ou 45 segundos? Como tratar a complexidade do nosso mundo de hoje em 400 palavras ditas rapidamente? O que se está querendo que se diga? Ou não se quer que seja dito coisa alguma? Ou se quer apenas ilustrar um texto? É nisso que estava pensando neste final de domingo chuvoso. Vou terminar de lavar os pratos!
3 comentários:
Tudo indica que você ainda acredita que os donos dos meios de comunicação querem mesmo promover a comunicação, instalar o debate e tudo mais que eles têm potencial para fazer.
Eu também continuo a mesma. Não vejo saída decente para a mídia no sistema em que estamos vivendo. Segurar qualquer leitor/telespectador/ouvinte a qualquer preço não dá em boa coisa.
Tem algumas revistas e programas de televisão que vão mais a frente, no meu ver. A revista Caros Amigos e o programa Espaço Aberto da STV realmente tentam debater. E eu garanto que eles têm uma índice de leitores/telespectadores muito baixo.
Será que eu entendi o que você está questionando?
Os nossos cabelos mudaram, mas continuamos as mesmas. Hehehehe. Não é que eu continue acreditando, é que já estou aceitando que tudo na vida é processo. Tudo na auto-estrada da vida é devagar. E tudo é e não é ao mesmo tempo.
Acho que você entendeu ou não o que escrevi. Domingo estava um pouco distraída e querendo e não querendo pensar e aí deu nisso que escrevi. A questão que me incomoda e que me motivou pensar é justamente essa situação, em que as mídias convidam as pessoas a falar sobre determinado assunto (já definem o que têm de dizer) mas limitam o seu tempo, o seu espaço e fazem uma inspeção prévia na fala antes de publicar, de levar ao ar, cortando aqui, cortando ali, mudando uma palavra aqui ou outra ali. Tudo bem, tempo e espaço significam dinheiro para elas, mas se houvesse uma negociação com as fontes, para saber de quanto elas precisam para dizer o que tem para dizer, já seria um começo. E eu acho isso possível. Eu acho que as mídias, pelo menos algumas delas, podem cumprir o seu papel de promover o debate e a educação política, por exemplo. Ou pelo menos em alguns momentos, já que elas não tem todo o controle sobre o seu público. Lembra da Diretas Jà.
bom dia!
Li de novo o que tinha escrito no domingo e ficou meio confuso mesmo. O trecho do Larrosa, o que citei, ficou ambíguo. Mas até que gostei que tenha acontecido assim. Porque é verdade que, ao convidar alguém para falar, a mídia dá a palavra a esse alguém e quando esse alguém aceita falar, ela oferece suas palavras ao público. Nas duas situações é preciso haver generosidade.
Ah, só mais uma coisa, eu acredito na força das redações, apesar do poder dos donos das empresas de comunicação. Um dia vou pensar sobre comunicação outra vez. Vou pensar querendo.
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