Ou Mansos Delírios II
Sarkosy não lê blogs e Clóvis Rossi não lê a Folha de São Paulo. O primeiro acha que a futura geração é a escória da sociedade francesa. O segundo acha que é o exército da violência, recrutado pelos chefes da droga, no caso brasileiro, e/ou dos líderes islamistas radicais, no caso francês. De um incerto ponto de vista, eles até podem ter razão. Mas é, por isso mesmo, que a futura geração ateia fogo nos carros. Muito mais que mc donalds, o automóvel é o símbolo mais forte da nossa modernidade: é a máquina da velocidade, a marca do poder.
Olhando de um incerto jeito, Sarkosy e Rossi até devem ter razão de achar que esse é mais um caso de polícia do que de política social, pois a onda de violência, que agora se espalha como erva daninha para outras cidades européias, passa apenas de raspão pela segurança dos que estão no andar de cima. Assusta muito mais os vizinhos da futura geração do que aqueles que a puseram ali onde ela está hoje. Isso vale tanto para França, quanto para o Brasil, onde a violência é muito maior nos bairros da periferia do que em Jardins ou no São Bento. São os filhos da pobreza que estão morrendo com tiros na cabeça, golpes de foice, chutes e pauladas, além de fome e diarréia, claro.
Mas quem lê Folha de São Paulo ou escuta a CBN, distraidamente, sabe que a futura geração, assim como uma criança birrenta, carente de pai e mãe, está esperneando é para ver se consegue alguns minutos de atenção. Inconformada com a sua condição de desprezível, descartável, desnecessária e de tudo destituída, está chutando o balde é para mostrar que está presente, incluidíssima. Que está vendo tudo, que está sabendo das coisas e o que não quer mais é brincar de estatística nos relatórios da ONU, do PNUD, do Bird, da Unesco e de outras instituições relevantes dos G-7 ou G-8 da vida.
É claro que agora a futura geração não está brigando por liberdade, igualdade e fraternidade. Liberdade para vadiar? Igualdade para vestir uma velha calça jeans azul e desbotada? Fraternidade para dividir as tralhas? Qualé, mano? A futura geração está brigando é por um lugar ao sol. Não é por ideologia, pela causa ou por dinheiro. No mesmo caderno da Folha de São Paulo, onde saiu hoje o artigo de Clóvis Rossi, um jovem francês, membro da futura geração, promete continuar queimando tudo, até ser respeitado. São palavras dele:
Não tenho trabalho, respeito, não tenho nada. Então queimo mesmo, vou continuar queimando tudo. Tudo o que for do Estado, do governo ou das empresas vai ser queimado.
Dá medo? Claro que dá. Eu tenho. Hoje o mundo é todo muito desigual. Os bolsões de pobreza estão espalhados por todo canto. Igualdade só mesmo para os que já nasceram iguais. Por isso, a França não é diferente da Alemanha, que não é diferente da Bélgica, que não é diferente da Inglaterra, que não é diferente dos Estados Unidos, que não é diferente da Argentina, que não é diferente do Brasil e assim por diante. O que falta lá, falta em todos os lugares: emprego, ou que outro nome terá nesse nosso tempo presente, a oportunidade de realizarmos nosso potencial criativo e alcançarmos nossa autonomia.
Mas já faz tempo que o sr. emprego morreu. Depois vou procurar estatísticas na internet sobre isso. Nem precisava, pois hoje, isso sabemos todos, o que as empresas estão produzindo são marcas, conceitos, idéias - os famosos intangíveis - que dão algum emprego, mas para poucos. No mais, gera é subemprego. O lucro mesmo vem é das aplicações financeiras. Riqueza virtual, que está girando em alta velocidade pelo mundo inteiro. Para se ter uma idéia, nos últimos cinco anos, o imenso volume de comércio mundial, que beira os US$ 4 trilhões por ano, é responsável por menos de 10% dos fluxos financeiros a cada vinte e quatro horas, movimentação que soma US$ 1, 5 trilhões todos os dias. Se entendi, de toda a grana que passeia pelo mundo durante um dia, só 10% estão relacionados com business, negócios. O restante é papel que viaja entre bytes em busca de melhores taxas de remuneração. É dinheiro de mentira e que só vemos de passagem. Tô certa?
Olhem só. Na mesma Folha de São Paulo de hoje, bem ao lado da notícia sobre a violência na França, tem uma notinha bem pequena, na coluna da esquerda, anunciando o resultado do trimestre do Bradesco. Lucrou R$ 4,05 bilhões, 102% a mais que em 2004, enquanto a nossa economia está crescendo a índices não superiores a 4%. Tem alguma coisa errada? Não seria hora de sugerirmos um toque de recolher para essa turminha de baderneiros que anda freqüentando o cassino da especulação financeira, desviando, ou melhor, sequestrando o dinheiro das empresas, tão necessário para novos investimentos e para geração de futuros empregos?
Tô indo. Mas volto, de repente.
Um comentário:
Tive de trocar o nome de Villepin pelo de Sarkozy em nome da verdade, mas que Villepin é bem mais sonoro, isso é. Preferia que tivesse sido ele.
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