quarta-feira, novembro 09, 2005

Ideologia, eu quero uma pra viver

Desde que 73% dos franceses se manifestaram, numa pesquisa de opinião pública, realizada no início da semana, favoráveis à adoção do toque de recolher, achei melhor não tocar mais nesse assunto. Fazer o quê? Se eles que são eles aceitaram abrir mão do estado de direito, nós que estamos aqui, na periferia da perifeira, vamos questionar? Eu, hem? Tô fora. Villepin e Sarkozy, claro, já sabiam da pesquisa quando anunciaram as medidas e se apoiaram no choix collectif du couvre-feu, para confirmá-lo à sociedade.

Mas aí, olhem só, há controvérsias em relação à opinião dos franceses. O Le Monde, que é um jornal francês importante, uma voz nem muito conservadora nem muito revolucionária, criticou hoje, duramente, as autoridades francesas e, em particular, Dominique de Villepin, o primeiro-ministro. Para o jornal, que fala com certeza em nome de uma parcela significativa da população francesa, a "exumação de uma legislação de 1955 envia aos jovens dos subúrbios uma mensagem de uma brutalidade incomensurável: 50 anos depois, a França os quer tratar como tratou seus avós". E mais, Colombani (parece o nome do meu avô Columbano, rs), diretor do jornal e autor do editorial de hoje, lembra que "essa engrenagem de incompreensão e destempero marcial" foi responsável pelos piores momentos da República Francesa. Ainda sobrevivem alguns corações sensíveis nesse mundão sem porteira, hem?

Tô voltando ao assunto também, porque me incomoda por demais a sonseira das autoridades francesas e dos que estão comentando esse episódio dos meninos de Paris. Eles arregalam os olhos, encolhem os ombros e se espantam até onde não podem mais, quando tentam entender a agilidade e a mobilidade da futura geração nas suas investidas noturnas. "Este é um movimento sem líderes; os incendiários franceses são senhores de seus atos, não seguem nenhuma entidade, nem nenhum guia, como é que eles se organizam???" e, por aí afora vai.

Tudo bem, Manuel Castells não é francês, mas Pierre Levi acho que é. Agora bateu uma dúvida, Rutinha. Ele é francês e judeu ou é judeu e austríaco? De onde tirei isso, hem? Bom, seja lá de onde forem, todos dois já falam das sociedades em rede há décadas. O tráfico de drogas se organiza em redes, isso é óbvio. Os terroristas fazem isso também. O exército americano adotou uma estratégia de redes na última invasão ao Iraque. As empresas ainda não sabem disso, ou fingem não saber, mas, dentro das organizações, as informações também circulam é em rede e não pelos corredores da hierarquia. O Cláudio conhece bem isso e sabe que o conhecimento é repassado pelas equipes por meio de redes informais e não necessariamente via gerente. Pois é assim que nos movimentamos no mundo de hoje, em rede. Não é isso que estamos fazendo aqui?


E a força da interação dessas redes, que vão se formando num universo virtual, quase imaginário, de mentirinha, é tão poderosa quanto um sinal de alarme num prédio em fogo. Todos agem imediatamente, rapidamente e confiantemente, porque o que tem de ser feito é ruminado, mastigado, digerido lentamente, em diferentes praças, até virar uma idéia e saltar da tela para o mundo real. E depois que um diz Go!, a notícia se espalha como numa rede neural, as sinapses vão se fazendo uma a uma e os comandos são transmitidos instântaneamente.

Olhem só, para o bem e para o mal, depende da situação, né? O Daniel, por exemplo, participa de várias redes que, às vezes, se interagem e às vezes não. Mas cada uma em particular, já tem uma força impensável. Ele participa de fóruns de case mod, por exemplo, e dali, de um espaço virtual, eles trocam informações sobre como modificar os computadores, como operar as ferramentas e assim por diante; eles organizam encontros nacionais (agora no final de novembro vai ter um no Rio, com meninos do Brasil inteiro!), regionais e locais. Tudo isso, sem nunca terem se visto antes. O Dani tem amigos do Rio Grande do Sul até o Amazonas. Com um clique ele fala com todos eles. É assim, gente! Há muito tempo! Tão estranhando o quê? Dwããr!

Lembrei-me de outra coisa hoje, não quero esquecer. A angústia dos meninos de Paris já foi cantada até por Cazuza. Já faz tempo também, não é não? Ideologia, quero uma pra viver, lembram-se? Vou copiar a letra para não esquecermos.

Já vou tarde, eu sei
Fiquem com a voz cortante de Cazuza...

Ideologia

Meu partido
É um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Ah, eu nem acredito
Que aquele garoto que ia mudar o mundo
Frequenta agora as festas do "Grand Monde "

Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Eu quero uma pra viver

O meu prazer
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem eu sou
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
(Mudar o mundo)
Agora assiste a tudo em cima do muro

Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Pra viver

4 comentários:

patricia duarte disse...

Tô com uma pilha de livros na cabeceira aguardando retorno, mas vou passar esse na frente. Agora fiquei curiosa, hehehe!!

Anônimo disse...

Pat, concordo com o Roberto. Cê tá cada vez melhor... Quanto a nacionalidade do Pierre Levy, ele é tunisiano. Um dos que veio da mãe-África... Beijo grande. Ruth

Anônimo disse...

Pat, concordo com o Roberto. Cê tá cada vez melhor... Quanto a nacionalidade do Pierre Levy, ele é tunisiano. Um dos que veio da mãe-África... Beijo grande. Ruth

patricia duarte disse...

Brigada pelo help Rutinha. Olha só, hem, tunisiano. Eu até que viajei na maionese, mas ele foi mais longe, quando teve de escolher onde nascer, hem? bjim