Desde que 73% dos franceses se manifestaram, numa pesquisa de opinião pública, realizada no início da semana, favoráveis à adoção do toque de recolher, achei melhor não tocar mais nesse assunto. Fazer o quê? Se eles que são eles aceitaram abrir mão do estado de direito, nós que estamos aqui, na periferia da perifeira, vamos questionar? Eu, hem? Tô fora. Villepin e Sarkozy, claro, já sabiam da pesquisa quando anunciaram as medidas e se apoiaram no choix collectif du couvre-feu, para confirmá-lo à sociedade.
Mas aí, olhem só, há controvérsias em relação à opinião dos franceses. O Le Monde, que é um jornal francês importante, uma voz nem muito conservadora nem muito revolucionária, criticou hoje, duramente, as autoridades francesas e, em particular, Dominique de Villepin, o primeiro-ministro. Para o jornal, que fala com certeza em nome de uma parcela significativa da população francesa, a "exumação de uma legislação de 1955 envia aos jovens dos subúrbios uma mensagem de uma brutalidade incomensurável: 50 anos depois, a França os quer tratar como tratou seus avós". E mais, Colombani (parece o nome do meu avô Columbano, rs), diretor do jornal e autor do editorial de hoje, lembra que "essa engrenagem de incompreensão e destempero marcial" foi responsável pelos piores momentos da República Francesa. Ainda sobrevivem alguns corações sensíveis nesse mundão sem porteira, hem?
Tô voltando ao assunto também, porque me incomoda por demais a sonseira das autoridades francesas e dos que estão comentando esse episódio dos meninos de Paris. Eles arregalam os olhos, encolhem os ombros e se espantam até onde não podem mais, quando tentam entender a agilidade e a mobilidade da futura geração nas suas investidas noturnas. "Este é um movimento sem líderes; os incendiários franceses são senhores de seus atos, não seguem nenhuma entidade, nem nenhum guia, como é que eles se organizam???" e, por aí afora vai.
Tudo bem, Manuel Castells não é francês, mas Pierre Levi acho que é. Agora bateu uma dúvida, Rutinha. Ele é francês e judeu ou é judeu e austríaco? De onde tirei isso, hem? Bom, seja lá de onde forem, todos dois já falam das sociedades em rede há décadas. O tráfico de drogas se organiza em redes, isso é óbvio. Os terroristas fazem isso também. O exército americano adotou uma estratégia de redes na última invasão ao Iraque. As empresas ainda não sabem disso, ou fingem não saber, mas, dentro das organizações, as informações também circulam é em rede e não pelos corredores da hierarquia. O Cláudio conhece bem isso e sabe que o conhecimento é repassado pelas equipes por meio de redes informais e não necessariamente via gerente. Pois é assim que nos movimentamos no mundo de hoje, em rede. Não é isso que estamos fazendo aqui?
E a força da interação dessas redes, que vão se formando num universo virtual, quase imaginário, de mentirinha, é tão poderosa quanto um sinal de alarme num prédio em fogo. Todos agem imediatamente, rapidamente e confiantemente, porque o que tem de ser feito é ruminado, mastigado, digerido lentamente, em diferentes praças, até virar uma idéia e saltar da tela para o mundo real. E depois que um diz Go!, a notícia se espalha como numa rede neural, as sinapses vão se fazendo uma a uma e os comandos são transmitidos instântaneamente.
Olhem só, para o bem e para o mal, depende da situação, né? O Daniel, por exemplo, participa de várias redes que, às vezes, se interagem e às vezes não. Mas cada uma em particular, já tem uma força impensável. Ele participa de fóruns de case mod, por exemplo, e dali, de um espaço virtual, eles trocam informações sobre como modificar os computadores, como operar as ferramentas e assim por diante; eles organizam encontros nacionais (agora no final de novembro vai ter um no Rio, com meninos do Brasil inteiro!), regionais e locais. Tudo isso, sem nunca terem se visto antes. O Dani tem amigos do Rio Grande do Sul até o Amazonas. Com um clique ele fala com todos eles. É assim, gente! Há muito tempo! Tão estranhando o quê? Dwããr!
Lembrei-me de outra coisa hoje, não quero esquecer. A angústia dos meninos de Paris já foi cantada até por Cazuza. Já faz tempo também, não é não? Ideologia, quero uma pra viver, lembram-se? Vou copiar a letra para não esquecermos.
Já vou tarde, eu sei
Fiquem com a voz cortante de Cazuza...
Ideologia
Meu partido
É um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Ah, eu nem acredito
Que aquele garoto que ia mudar o mundo
Frequenta agora as festas do "Grand Monde "
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Eu quero uma pra viver
O meu prazer
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem eu sou
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
(Mudar o mundo)
Agora assiste a tudo em cima do muro
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Pra viver
4 comentários:
Tô com uma pilha de livros na cabeceira aguardando retorno, mas vou passar esse na frente. Agora fiquei curiosa, hehehe!!
Pat, concordo com o Roberto. Cê tá cada vez melhor... Quanto a nacionalidade do Pierre Levy, ele é tunisiano. Um dos que veio da mãe-África... Beijo grande. Ruth
Pat, concordo com o Roberto. Cê tá cada vez melhor... Quanto a nacionalidade do Pierre Levy, ele é tunisiano. Um dos que veio da mãe-África... Beijo grande. Ruth
Brigada pelo help Rutinha. Olha só, hem, tunisiano. Eu até que viajei na maionese, mas ele foi mais longe, quando teve de escolher onde nascer, hem? bjim
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