domingo, dezembro 23, 2007

A falta que a utopia nos faz

Consumi quase todo meu repertório de palavras neste final de ano. Mais grave, deixei escapar pela janela minhas idéias mais vagas sobre os assuntos mais diversos, para concentrá-las em meia dúzia de três ou quatro e assim dar conta do recado. Fiz quase igual D. Cappio, uma greve de sopa de letrinhas, e me dediquei exclusivamente àqueles pratos especialistas, com ingredientes exclusivos sobre um ou outro tema do mundo das idéias. Foi um grande sacrifício de final de ano. Acho que paguei todos os pecados que, inadvertidamente, cometi em 2007. Mas agora, como D. Cappio, encerrei o meu suplício. Estou de volta ao mundo da vida.

Na prova dos nove fora zero, acho que o resultado foi muito bom, melhor até do que esperava. O jejum de D. Cappio também não foi de todo em vão. Ainda que não tenha conseguido trazer de volta para a agenda democrática o tema da transposição do Rio São Francisco, a sua epopéia de 23 dias acionou o alarme de atenção para alguns probleminhas que ficaram buzinando ininterruptamente na minha cabeça, enquanto tinha de me concentrar em outras questões menores. D. Cappio se queixou ao bispo amigo de que Lula foi “muito insensível” durante o seu jejum e que o STF foi “subserviente” ao Executivo. Sob certo ponto de vista, pode até ser, mas fico pensando se o problema não seria anterior a essas reações.

Desde o início, uma coisa que me intrigou foi a insensibilidade da própria sociedade. Quando ouvi a notícia de que o bispo de Barra reiniciaria uma greve de fome em protesto contra as obras de transposição do rio e só voltaria a se alimentar quando o projeto estivesse engavetado, não me comovi. Sinceramente, não. Fiquei foi um pouco confusa e desconfiada. Lá vem o bispo de novo. O que será que ele sabe sobre esse projeto que nós não damos conta de saber? É claro que qualquer desvio de rio tem um impacto sobre o ambiente natural, mas é uma obra, guardada as devidas proporções, até banal. Qualquer Zé Mané faz um desvio aqui e outro ali para buscar água e poder cuidar do seu roçado. Isso desde muito tempo.

O São Francisco não é um córrego qualquer, evidentemente uma transposição das suas águas teria um impacto maior e, se o rio já está ameaçado, esse impacto teria conseqüências mais graves. Mas as tecnologias para controle dos efeitos perversos também não seriam mais eficientes hoje do que já foram em tempos passados? Ou não? Ou será pior? Será que não estariam sendo avaliados os impactos de uma obra desse porte num ambiente natural em transformação mais acelerada, em função das mudanças climáticas do planeta? Será que é nisso que o bispo estaria pensando? Será que é isso que ele sabe que nós não sabemos? Ou será que o uso dessa água é que não agrada ao bispo? Será mesmo que ela irá atender apenas os grandes produtores rurais e não a população pobre da região? Será que teríamos alternativas menos agressivas, mais baratas e mais eficientes?

Fiquei confusa, mas achei o assunto muito complicado para meter a minha colher de pau. Tem outras donas marias e zé manés que também pensam assim. Quando esse tema é jogado na mesa, muita gente desconversa. É, pois é. Não sei não, eu acho que é uma obra que pode dar certo. Ou não. Como é que é mesmo que isso será feito? É dinheiro que não acaba mais, hem? Enfim, comentários absolutamente descompremetidos. Então, quando D. Cappio chamou para si a luta em defesa do rio e contra o transposição, muita gente ficou é aliviada. Ele deve saber o que está fazendo. Mas o protesto solitário de um homem é muito pouco para uma sociedade de massa, de multidões, de megamovimentos, para uma sociedade que se diz democrática.

Não acho que o protesto de D. Cappio, para ser bem sucedido, deveria ter reunido milhares de pessoas a sua volta, com velas acesas, rezas, discursos inflamados e outras encenações ótimas para gerar imagens para televisão. Não é isso. Mas um movimento de mobilização social, para começar a dar certo, precisa ter um propósito comum, sob uma interpretação e um sentido também compartilhados, como nos ensina Bernardo Toro. Um propósito claro, compreensível por todos, de forma a que cada um se reconheça no movimento, se sinta responsável pelo problema e capaz de resolvê-lo com a sua participação. O engajamento num movimento dessa natureza é um ato de liberdade, de escolha, de vontade. É fruto da decisão de cada um.

E aí surge o primeiro grande problema. O ato de fé de D. Cappio não contribuiu para esclarecer todas as dimensões desse projeto. Seu protesto não conseguiu mobilizar, pelo menos na proporção que precisaria, a vontade da sociedade brasileira de, no mínimo, discutir esse tema. E não conseguiu justamente porque faltava e ainda falta informação, entendimento, clareza sobre o que significa a transposição de um rio do porte do São Francisco, de uma obra da extensão dessa que está prevista, para que cada um de nós pudéssemos nos posicionar com segurança e decidir se iríamos ou não apóia-la. A greve de D.Cappio poderia até ter sido uma oportunidade para que todas essas dúvidas fossem esclarecidas, de forma clara e transparente, mas não foi.

E aí surge o segundo grande problema. Uma democracia pressupõe participação. Numa democracia quase ideal, imaginamos que todos os grandes temas de interesse público deveriam ser postos em debate para que a sociedade, como um todo ou quase todo, pudesse conhecer os diversos aspectos da questão, opinar e se posicionar sobre cada um deles, diretamente, através de plebiscitos, referendos ou qualquer outro instrumento, ou através dos canais de participação popular, já adotados pelo parlamento brasileiro em várias casas legislativas. É claro que essa não é uma participação descomprometida, desinformada, construída no achismo de uma mesa de bar. Precisa ser uma participação qualificada, mas, não exclusiva dos especialistas. Precisa ser informada, comprometida e intencional. Precisa reunir o conhecimento disperso nas mãos de cada um dos segmentos envolvidos ou afetados pela decisão, numa grande síntese, que resultaria em posicionamentos diversos, mas todos e cada um plenamente consciente dos seus fundamentos.

E aí é que mora o perigo. A obra de transposição do rio São Francisco está sendo tratada meramente como uma obra de engenharia. Uma decisão técnica e não política, como deveria ser. Ora, uma obra de engenharia desse porte não é como levantar uma laje, que qualquer um em qualquer canto do Brasil se mete a fazer e, na maioria das vezes, dá certo. É um projeto altamente sofisticado, para especialistas doutores e não para nós, essa ralezada desinstruída que somos. Ou, mais delicadamente, essa não é uma discussão para nós, leigos no assunto. Mas será que é isso mesmo? Será que nossas decisões não são, em última instância, sempre decisões políticas? Embasadas, em parte sim, por conhecimentos técnicos, especialistas, mas também conhecimentos práticos, da vida, frutos de nossas experiências particulares? E será que não é possível traduzir esse conhecimento mais técnico em desenhos de fácil entendimento por nós, nós que não somos letrados em cálculos da engenharia civil? Será que não existem outros aspectos fundamentais desse projeto, que dizem respeito a todos nós, que precisariam ser também conhecidos e discutidos?

Se isso definitivamente não é possível, doravante, qualquer tema de grande interesse público que deveria ser discutido por todos, poderá ser, da mesma forma, decidido em gabinetes, por especialistas doutores. Não poderá? E sempre se justificará pela alta complexidade do tema e pela incapacidade da sociedade de acompanhar o debate. Não é um bom argumento? E quanto mais desinformados estamos, maior ainda será a assimetria informacional a que estaremos submetidos daqui pra frente, pois vivemos numa sociedade complexa, que gera problemas da mesma ordem de grandeza e qualidade, altamente complexas. Então, se não rompermos com esse vício, de supervalorizar o conhecimento especializado e subestimar o conhecimento popular, estaremos eternamente condenados à democracia monárquica do mundo contemporâneo. Aquela democracia desejada, de todos e para todos, será apenas uma idéia, mais ou menos boa, mas sempre para poucos e nunca para todos. Ou não?

Uma semana de volta ao verbo livre, leve e solto.
Mas antes disso, tenham paciência, não me venham querer polemizar justamente na ceia de Natal. Deixem isso para depois.
Um Natal em paz com todos, principalmente junto aqueles que são especiais para cada um de vocês.

Inté.

domingo, dezembro 09, 2007

O que é isso Papai Noel?

Uau! Será que Papai Noel perdeu o pique?


Francamente Zero Um, isso é hora de desanimar? Olhe para nós. Tem alguém aqui com cara de quem vai amarelar, de quem vai andar com os pés pra trás, como se fosse um caipora? Tem Zero Um? Olhe para os lados. Tem alguém pedindo pra sair? Tem alguém pedindo para ficar no banco de reservas? Pedindo para que o esqueçam? Tem Zero Um? Me responda, tem? Não tem Zero Um, tá todo mundo ralando, correndo atrás, suando a camisa, querendo mais, pagando pra ver, pegando no pesado, dando até a última gota de sangue. Tá todo mundo no mesmo barco e todo mundo na luta. Então, qual é Papai Noel? Vais me dizer que és um fanfarrão? Que esse tempo todo estava só de brincadeirinha. Tenha paciência!

Que está difícil, não é novidade nenhuma. Fim de ano é assim mesmo, já era para o senhor ter se acostumado, não é não? O trabalho dobra, o tempo corre mais depressa, o dia parece que fica mais curto e tudo se torna um pouco mais custoso, mas todo mundo vai levando com jeitinho, porque sabe que, no final, tudo dará certo e o ano, mais uma vez, acabará em festa. Procede, essa rotina também cansa. Todo ano tudo igual, num mundo em que as mudanças acontecem num piscar de olhos. Essa mesmice é um porre. Às vezes é preciso agir de forma diferente, quebrar a seqüência dessa lógica irracional e restabelecer o caos benigno da imprevisibilidade. Concordamos.

Tudo bem Zero Um, vamos liberá-lo neste ano. Pode pegar pesado!Não meça palavras, não contenha os gestos, não se intimide, não tenha piedade de ninguém, não se compadeça, haja como se fosse um destemperado, um velho intolerante, irritadiço e aborrecido e nós haveremos de entendê-lo. Ah!, sim, também não quer ser compreendido. Também não o compreenderemos. Será exatamente como o senhor quiser, desde que, da sua parte, também cumpra os combinados. Não venha depois querer pôr panos quentes. Fale o que tem pra dizer na lata. Vestiremos as carapuças que nos couberem. Vamos lá, Papai Noel. Reaja! Pode soltar os cachorros, subir nas tamancas e rodar a baiana.

Também acho que nossos governantes, por mais difícil mesmo que seja a missão deles, não estão fazendo por onde. Claro, bush é o melhor exemplo deles. Nem a velha estratégia do isolamento colou. Olha que ninguém suporta, por mais de cinco minutos, ser solenemente ignorado. bush está sozinho na berlinda faz tempo e nada. Nada o tira da sua inércia maligna. Pois então, Kioto! A Austrália, mesmo recebendo o prêmio Fóssil do Dia, anunciou a sua adesão ao Protocolo, deixando os Estados Unidos fora da festa. Até a China se comprometeu com projetos e metas, mesmo estando ainda liberada desses compromissos e bush nada. Concordamos: está na hora de subtrair o natal de bush. Nada de festas e celebrações. Só o frio gelado de uma masmorra.

Faz sentido. Eles também merecem ficar no gelo por um tempo. Todos: os dirigentes que tomaram e mantém essa decisão e cada um dos soldados do 2° Batalhão de Construção e Engenharia (BEC) do Exército brasileiro, mobilizados nas obras de transposição do Rio São Francisco em andamento no sertão pernambucano. São uns insensatos. Estão passando o carro na frente dos bois. E como pensam que o danado irá andar? Não é só Dom Luiz Flávio Cappio, já a 12 dias sem se alimentar, num jejum absoluto. Não é só ele que entende ser necessário, primeiro, implantar as obras de revitalização do rio. Todos nós, que já estivemos na nascente do Velho Chico e percorremos alguns trechos da sua longa travessia, sabemos disso. Então procede mais uma vez: vão todos para o calabouço do seu coração. Vão passar essa temporada de final de ano a pão e água. E nem poderão reclamar, pois, de fato, estarão até muito bem. Melhor que o destemido Dom Cappio.

A lista é grande, tô sabendo, mas seu coração também não é pequeno. Então vai, desembucha logo, que o espaço aqui é que não é lá essas coisas. Solta a língua Papai Noel, se não o Capitão Nascimento aparece e vai querer levá-lo pro saco. Acha que estou brincando? O homem é mau pra danar. Não é só estilo, como o senhor está fazendo, ele sabe ser cruel até o fundo da alma, embora seja humano como todos nós. Certíssimo, vamos por na geladeira também todos os cartolas, técnicos e jogadores de futebol dos times brasileiros. Já estava passando da hora mesmo. Olha o que o Corintians fez com aquela torcida estupenda! Isso é maldade de terceiro grau. Vou evitar falar dos timinhos mineiros pra não gerar controvérsia. Vou relevar. Mas vão todos pra masmorra também. Combinado.

Tem mais? Precisa de um tempo? Já tá cansadinho, Zero Um? Qual é Papai Noel? Ah! precisa descansar na cadeirinha de balanço! É? Quer que traga a cestinha de tricô também, é? Que beleza! Daqui a pouco vai pedir pra sair, não é Zero Um? Que feio! Coragem Papai Noel! Abra o verbo, todo mundo está esperando. Alguém tem que falar. Pode deixar que vamos aguentar o tranco. Quem sabe depois de um Natal à míngua tomaremos juízo e revisaremos a nossa carta de navegação? Sempre tem uma luzinha no fim do túnel. Eu creio. Então tudo bem, vai nessa Papai Noel. Retomaremos a lista em outro dia.

Uma semana cara a cara com o espelho. Vamos todos fazer o mea culpa. Vamos dar uma maõzinho pro velhinho. Ele merece, não merece?

Inté.
Foto: minha. É de outubro. Estava guardada para essa data!

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Viva a diferença!

Meninas, finalmente o padrão barbie de beleza está sendo desbancado. A lourinha de olhos azuis terá de rebolar para não cair no ostracismo. Tudo bem que o ideal de magreza, das medidas milimetricamente proporcionais e do rosto equilibradamente simétrico ainda resistem como referência de beleza no mundo, mas a matriz que deu origem a esses padrões multiplicou-se, diversificou-se. Alguma coisa está mudando.

Depois da vitória da japonesa Riyo Mori na 56ª edição do concurso de Miss Universo, em maio de 2007, a chinesinha Zhang Zilin foi eleita no sábado, dia 1º de dezembro, a Miss Mundo 2007. A representante de Angola, Micaela Reis, ficou em segundo lugar e a do México, Carolina Móran, em terceiro. Se vocês estão pensando que isso é bobagem, futilidade, olhem só: o concurso foi acompanhado por quase 2 bilhões de pessoas em nada mais e nada menos do que 200 países. É pouca coisa?

Está certo, sempre desconfiamos do resultado de concursos dessa natureza. Mesmo sem ter certeza e sem saber exatamente como, sempre achamos que teve alguma maracutaia. Mas o fato é que, com ou sem maracutaia, nos últimos concursos, a mulher oriental detonou os padrões ocidentais de beleza. Não é à toa que essa moda da chapinha pegou e, parece, deve ter vindo para ficar. Toda mulher quer ter os cabelos lisinhos, lambidos até a ponta, como o das japonesas e chinesas. Eu acho até bonito, mas considero, sinceramente, uma besteira querer copiá-las. Acho que a vitória de Riyo Mori e Zhang Zilin deveria nos ensinar outra lição.

Em vez de ficarmos nessa sofreguidão, tentando a todo custo nos encaixar dentro do novo modelo, nos submetendo mais uma vez a apenas um e único padrão de beleza, deveríamos aceitar de uma vez por todas que somos diferentes. Minha avó já dizia isso. Gostava de todas as netas e achava todas elas lindas: são belezas diferentes, concluía. Fico pensando que o sucesso de Riyo e Zhang também diz isso. É um sinal de que finalmente a globalização está tomando um rumo novo, estamos mais tolerantes com as diferenças e reconhecendo a riqueza da nossa diversidade. Pelo menos no que diz respeito aos padrões de beleza. Já é alguma coisa, não é não? Ou vão dizer que isso não é bacana?

A globalização fugiu do controle do mercado. Não é uma boa nova? Até agorinha mesmo, nesse processo, prevalecia apenas a sua lógica. Olhem se não era? O mercado tentava nos impor a idéia de que a globalização nos tornava todos iguais: consumidores! Quanto mais fôssemos iguais, mais viáveis tornávamos os sistemas de produção e comercialização de mercadorias no shopping center planetário. Assim, o mercado ganhava economia de escala na produção e ampliava seu varejão até qualquer biboca no fim do mundo. Enganaram-nos por um algum tempo, mas mentira tem perna curta. E se essa lógica funciona mais ou menos para o mercado, é só até aí mesmo.

Na política, ela é um desastre. É só olharmos para o Iraque. Quem ainda acredita que um dia teremos ali uma democracia igual às democracias mambembes do ocidente? E nem precisamos ir muito longe. A Venezuela, aqui do lado. Por que ela nos incomoda tanto? É por que Chávez está rompendo com a lógica do mercado, rompendo com a globalização pasteurizada que este nos impôs e tentando escrever uma história diferente? Nem sei se isso é uma boa ou se é uma canoa furada, não é essa a questão, mas o fato é que ele está mesmo tentando fazer diferente e isso ainda incomoda, apesar de já aceitarmos belezas diferentes.

Então, dá-lhe burduna. Não sou favorável à reeleição. Acredito, na minha ingenuidade, que todos os candidatos devem participar da disputa com iguais recursos e a reeleição sempre beneficia um em relação aos demais. Então, não concordo. Mas acho que eles lá, que são venezuelanos, que se entendam. Incomoda-me muito mais, isso sim, a pauta dos jornais brasileiros, que reduziram a reforma constitucional da Venezuela a uma reforma eleitoral. Não vi nenhum jornal discutir, por exemplo, a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais. Posso ter comido mosca, mas não vi.

Também não vi ninguém discutir quais os fundamentos da economia socialista, que Chávez propõe nessa reforma constitucional como meta de Estado. Qual a repercussão de uma mudança desse porte sobre o funcionamento da economia venezuelana como ela está hoje? Não vi ninguém discutir isso e nem sobre a proposta de uma nova organização do Estado, baseada no poder popular, por meio das comunas e dos conselhos comunitários entre outras instâncias. O que isso significará? Como essa nova organização se relacionará com o sistema de poder anteriores? O Parlamento sobreviverá? Os partidos? O Poder Judiciário será afetado?

As edições da Folha de São Paulo deste final de semana abordaram alguns desses temas, mas como tivemos um amplo debate sobre a proposta da reeleição sem limite, seria interessante aprofundarmos também sobre esses outros pontos. Ou não? Por exemplo, a reforma constitucional propõe a criação de novas formas de propriedade. Serão cinco: pública, social, coletiva, mista e privada. Qual o impacto dessa mudança? Que repercussão ela terá nas relações econômicas? E a reforma agrária, que está proposta com a desapropriação dos latifúndios? E a reforma militar? Ela traz ameaça para os países vizinhos?

Enfim, Chávez tem um jeito diferente de fazer as coisas. Às vezes faz melhor, outras vezes nem tanto; às vezes faz a coisa certa, às vezes não sei dizer; às vezes inova, outras vezes só repete o que já foi feito e não deu tão certo assim, mas vai fazendo. E fico pensando se, antes de nos arrepiarmos diante do diferente, se não seria mais razoável conhecermos melhor que história diferente é essa. Quem sabe velhos padrões estão sendo derrubados e novas possibilidades estão se abrindo para todos nós? Quem sabe, como Riyo Mori e Zhang Zilin estão nos ensinando, existem maneiras diferentes de ser, nem melhores, nem piores, só diferentes, mas que podem ampliar nossos horizontes? Quem sabe?

Uma semana diferente para todos, aberta à diversidade do mundo.

Inté.

PS: Quando publiquei esse post, o resultado do referendo na Venezuela ainda não tinha sido divulgado. A sociedade venezuelana demonstrou que é a protagonista da sua história e fez as escolhas que considerou mais conveniente. Foi melhor assim. Foi bacana, não foi?

quarta-feira, novembro 21, 2007

BlogCamp MG

Numa desconferência, o debate é livre e rolou solto

Que o tempo é qualquer coisa de pouco que temos na vida, todos nós já concordamos. Por isso mesmo me intriga como tanta gente se dispõe a utilizar sua reserva escassa, de um bem tão nobre, numa atividade que, a princípio, não tem nenhum significado. Fico doida para saber por que insistimos em passar por aqui e a dedicar um bocado das poucas horas livres que ainda temos escrevendo um amontoado de palavras que nem sabemos se serão lidas ou se serão capturadas por uma corrente de vento e se perderão por aí para sempre.

Foi para matar essa curiosidade que espantei a preguiça e fui lá pro alto da Afonso Pena, no último sábado, conferir o BlogCamp MG. O domingo deixei para descansar. Mas no sábado queria ouvir e discutir com quem quisesse as razões que nos motivam a essa prática insana e irracional. Não consegui resolver minha angústia, o que não quer dizer que não tenha sido bom participar do encontro. Percebi, por exemplo, que ninguém estava lá muito preocupado com essa questão. Talvez por ela não ser mesmo muito relevante. Percebi que estávamos todos muito felizes e realizados por fazermos parte deste pequeno universo virtual. O encontro presencial foi o grande momento de reconhecimento dessa nossa (in)existência. Deu concretude à insolidez das palavras que inventamos e plantamos nesse espaço, na esperança de que um dia dêem frutos. Ou não.

A foto ficou a média luz, mas ninguém cochilou durante os debates.

Quase, mas não me espantei nem me irritei com as discussões, que duraram toda a manhã e tarde do sábado, sobre a monetização dos blogs e sobre os posts patrocinados. Como disse o Jorge, essa é uma tendência, não quer dizer que seja um padrão. Existem outras possibilidades na blogosfera que estão sendo exploradas com o mesmo afinco. E seria ingenuidade mesmo acreditar que esse espaço estaria imune ao poder de sedução do mercado. Hoje, tudo tem seu preço. Até amigos já são ofertados no varejão da vida, por R$ 80,00 a hora. Isso, para os menos exigentes. Quem quiser um amigo com estilo vai ter de desembolsar um pouco mais. Então, porque não precificar também os espaços em branco dos blogs? São escolhas. Cada um que faça a sua, com todo respeito.

Fiquei pensando ainda que esse pequeno universo da blogosfera nem é mais tão pequeno assim. Nele cabem mesmo todas as tendências. Estava relendo um estudo da portuguesa Catarina Rodrigues sobre Blogs e a fragmentação do espaço público, que me ajudou a lembrar a dimensão desse mundico. Em 2006, quer dizer, há muito tempo atrás, já eram criados 50 mil novos blogs por dia em todo o mundo. Já éramos quase 28 milhões de pessoas gastando parte de seu precioso tempo nesta ciranda de idéias. E em cada cinco meses, a blogosfera duplica. Se essa previsão procede, já somos hoje mais de 100 milhões. Fiz a conta certa?

Não foi uma boa idéia relembrar esses números, porque volta a minha angústia de querer saber o que estamos fazendo aqui. Catarina também estava aflita para descobrir esse mistério. No seu estudo, entre outras questões maiores, pesquisou essa também. Naquela época, em 2006, a criação de um blog estava associada principalmente à necessidade de expressão individual, ao registro de informações e à partilha de idéias. Não acho que essa tendência tenha se esvaziado. Nem aquela que via nesse meio uma possibilidade de intervenção cívica ou de prestação de um serviço. Mas, de fato, hoje temos uma variedade bem maior de tribos, todas soltas dentro da blogosfera.

Os blogs corporativos, os blogs de jornalistas vinculados às grandes mídias, os blogs de celebridades, os blogs vitrines para venda de produtos, os blogs especialistas, os blogs musicais, os blogs portais, os blogs baixaria, que me recuso a vê-los e assim por diante. Se quiserem saber mais quantos, é só visitar o Herdeiro do Caos. Yuri publicou um post sobre o encontro que teve na Bahia que traz mais detalhes dessas tendências. Mas seja quantas tribos forem, cada uma se apodera desse espaço como bem lhe convém e não poderia ser diferente, pois a liberdade é uma das virtudes do espaço virtual. O desafio, portanto, não é mais o de criar um blog, mas o de sobreviver na blogosfera. E aí a discussão é outra.

Mais do que a persistência ou a capacidade de transformar em dinheiro os espaços vazios de um post, os autores de blogs enfrentam um desafio maior. Temos de dar conta de produzir conteúdos consistentes, para conquistar credibilidade junto aos nossos leitores e aos internautas desavisados que, sem querer, tropeçam nas nossas páginas e distraidamente colhem algumas palavras que estão ali plantadas. Criar conteúdos consistentes exige um trabalho árduo, do cão, que nem sempre estamos dispostos a empreender. Às vezes, preferimos, como eu, só divagar, planar sobre o mundo das idéias, sem maiores comprometimentos. Talvez, isso não seja suficiente para dar longa vida a um blog. Paciência. Seremos como a CPMF, eternamente provisórios.

Um restinho de semana na concretude dos fatos.

Até de repente.

Fotos: minhas. Dá para perceber, né? E ainda deu pau na máquina.
Ela está juntando fotos que fiz com outras que nunca fiz.
Reparem a primeira foto. Cruzes! Parece coisa do cão.

sábado, novembro 17, 2007

Reis sem coroa

Perdi alguma coisa no meio do caminho. Mas ando distraída mesmo e muito mais ocupada do que deveria ou gostaria com as tarefas rotineiras. Por isso perdi o lançamento do informe anual do Índice de Desenvolvimento Democrático da América Latina, edição de 2007, no início do mês passado. Nessa, passei por debaixo da mesa. Mas ainda está em tempo, pois se pouca coisa mudou em um ano, o que dirá em poucos dias. O IDD-Lat é calculado desde 2002 pela Polilat.com, um portal sobre política na América Latina, e pela Fundação Konrad Adenauer. Os pesquisadores avaliam a evolução do comportamento da sociedade, dos dirigentes e das instituições democráticas em 18 países do continente.

Lula vai se espantar, se também ainda não viu. Este ano, o índice geral da região não teve um desempenho que poderíamos chamar de exemplar. Cresceu, mas muito timidamente. Apontou uma variação de apenas 1%, sustentada principalmente pela melhora do indicador de gênero, que passou de 16,9% para 20,2% de participação das mulheres nos níveis de decisão política. Talvez esta seja a única novidade da temporada.

O número de países com alto desenvolvimento democrático permaneceu o mesmo dos últimos cinco anos. É o nosso G3: Chile, Costa Rica, coração civil e Uruguai. Além deles, só outros três superam a média regional do IDD-Lat: Panamá, Argentina e México. E olha que a média da região não chega a ser um grande desafio: está em meros 5%. Por isso, mesmo superando esse percentual, Panamá, Argentina e México são considerados países com desenvolvimento democrático médio, como nós, Honduras e Colômbia.

Os demais países, que representam metade do universo pesquisado, estão todos no grupo de baixo desenvolvimento democrático: Peru, El Salvador, Paraguai, Guatemala, Bolívia, Equador, República Dominicana, Venezuela e Nicarágua. Tudo mais ou menos igual a sempre. O trem da história anda devagar mesmo. Não foi isso, portanto, que preocupou os pesquisadores das duas organizações. Não foi o pífio desempenho da região, mas o avanço irrisório, nos últimos anos, do Índice de Qualidade Institucional e Eficiência Política medido nos 18 países e uma das principais dimensões do IDD-Lat.

O que isso significa? Significa que o modelo presidencialista adotado pelos países da região está super dimensionado. Existe uma concentração de atribuições e poder muito grande em torno da figura presidencial e, por conseqüência, um enfraquecimento descabido das demais instituições democráticas, como o Parlamento, especialmente. Essa é uma tendência que vem se agravando ao longo dos últimos anos, com o apoio das elites dirigentes e da sociedade. Lula e Chávez agradecem, mas não só eles, todos os demais presidentes dos 18 países pesquisados.

Todos eles, além de chefes de Estado, são chefes de governo: promulgam leis, dirigem a política interna e externa de seus países, nomeiam seus ministros e assessores sem interferência de outros poderes do Estado, entre outras tarefas rotineiras não listadas pelos pesquisadores, que são muito educados e preferiram não mexer no caldeirão. Mas o fato é que quanto mais avançam nessas atribuições, menor fica o espaço para a atuação do Parlamento e da Justiça, criando um vazio institucional extremamente perigoso para a democracia.

O ranking dos países com maiores atribuições presidenciais é encabeçado pela Venezuela, claro, e mais Argentina, Brasil e Colômbia, mas é uma tendência, como aponta o informe anual do IDD-Lat, que tem se aprofundado em toda a região. Não é de se estranhar, portanto, que um número cada vez maior de países da região está discutindo ou já sancionando normas que tratam de prolongar mandatos ou facilitar o instituto da reeleição. Essa tendência está transformando as democracias da América Latina em monarquias sem rei. Roberto Romano já havia chamado atenção para esse fenômeno. Um dia retomo essa palestra que ele fez em Belo Horizonte.

Mas os pesquisadores do IDD-Lat preferem nomear essa tendência de ultrapresidencialismo e eles advertem que esse sistema alimenta um tipo de democracia débil e de menor legitimidade, posto que nele não são respeitadas as atribuições constitucionais de cada uma das instâncias que compõem o corpo institucional de um Estado e nem se esforça para estimular a participação política popular. Os pesquisadores advertem que é imprescindível recuperar a livre confrontação das idéias que surge no âmbito da liberdade, cujo espaço natural numa democracia é o Parlamento. Foram eles que disseram. Vale a pena ler a íntegra deste informe do IDD-Lat. E, aproveitando o embalo, passar os olhos também no Latinobarómetro, divulgado ontem no Chile. O estudo abrange também 18 países da região e traz um retrato da percepção de democracia, Estado, economia e instituições das populações latinoamericanas.

Uma das conclusões do Latinobarómetro deste ano é a de que está havendo na região um ligeiro encolhimento do apoio à democracia e um crescimento na confiança no Estado para a resolução de todos os problemas da sociedade. Como vêem, os dois estudos se completam. Boa leitura. Deliciem-se!

Um final de semana em plena liberdade, sem a companhia de reis e príncipes para nos atormentar.

Inté

segunda-feira, novembro 12, 2007

Rumo ao nada

Do lixo da cidade

Choveu. Se chover um pouco mais é até possível que voltemos a agir como pessoas normais. Vamos ver. Mas enquanto isso é apenas uma possibilidade, tento escapar do mormaço sufocante das ruas, me escondendo nos ambientes refrigerados da cidade. Numa livraria, por exemplo. Passei o final da tarde de sábado dentro de uma delas. Poderia ter me deixado vagar distraidamente entre as prateleiras, lendo uma ou outra orelha de livro ou folheando suas páginas para adivinhar as histórias conhecendo apenas a primeira e última frase de cada uma delas. É um bom exercício para treinar a imaginação ou a nossa capacidade de dedução.

Mas não. Tinha um objetivo: estava atrás do último livro do trágico e profético James Lovelock . Precisava desesperadamente ler A Vingança de Gaia , neste último final de semana, para tentar recobrar a minha capacidade de simplesmente pensar. Mas é como digo, as pessoas andam desvairadas, agindo sem plena consciência. O livreiro me olhou profundamente, coçou a cabeça e um pouco impaciente, disse-me que sim, tinha visto esse livro em algum lugar. Mas em vez de procurá-lo, foi direto ao terminal do computador, teclou algumas letras e retornou lamentando: acabou.

Há muito tempo não passava por uma situação dessas. Primeiro, porque não tenho tido mesmo muito tempo para ficar lendo todos os livros que estão sendo lançados no Brasil. Uma barbaridade, a cada semana. Depois, porque ando também sem paciência para ler os livros que todo mundo já está lendo. Prefiro ouvir as versões que me contam. Desconfio que são até mais divertidas que o próprio livro. Mas isso nunca vou saber com certeza. A não ser que, mais tarde, me disponha a ler esses livros que me citam.

O fato é que, com isso, não tenho me dado ao trabalho de sair procurando títulos nas estantes empoeiradas das livrarias. Não procurando-os, não preciso encontrá-los nem corro o risco de também não achá-los. Não é que parei de comprar livros. Quando vem aquela vontade incontrolável de ler um livro novo, de folhear suas páginas, de sentir aquele cheirinho bom de papel e de tinta quase fresca, entro numa livraria e faço uma primeira seleção só pela capa. Depois leio as frases: a primeira e a última. E, finalmente, passo os olhos na orelha. Se me parece bom, compro. É assim mesmo que ando fazendo. Mas naquele sábado eu tinha um objetivo e nunca pensei que fosse assim tão difícil de ser alcançado.

Ia até insistir com o livreiro, mas ele estava tão desolado, tão absolutamente entregue à sua apatia, que resolvi não incomodá-lo. O calor tira do sério qualquer pessoa. Até um livreiro apaixonado. Assim, voltei pra casa também desanimada e sem cumprir minha missão. Procurei me contentar com o artigo do Maurício Andrés - A Arte de sair de cena - publicado no Estado de Minas do mesmo sábado, no qual comenta exatamente o livro de Lovelock. Não conheço Maurício Andrés, embora o reconheça na rua. Mas admiro-o pela sua persistência, mais do que pela sua coerência. Lápelosidos dos anos 80, quando a moda era militar nas esquerdas, agitar as massas, cuspindo palavras de ordem insanas, ele já se preocupava com a sobrevivência do nosso planeta. Cobrava-nos um jeito novo de nos relacionarmos com o mundo, com a natureza, com as pessoas. Defendia ardorosamente a plena desurbanização. Isso é o que eu me lembro. E ainda que o achávamos muito estranho.

Mas A Vingança de Gaia está aí para não deixá-lo falar em vão e sozinho. Lovelock já não acredita mais que o aquecimento global seja um fenômeno reversível, mas para reduzir seu impacto, propõe substituirmos o desenvolvimento pela retirada sustentável, por uma mudança de direção. Sugere medidas semelhantes àquelas que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), está propondo essa semana, em Bancoc, Tailândia. Mas vai mais além. Não chega a radicalizar, como aqueles que defendem uma saída de cena voluntária, com a auto-extinção da espécie humana, por meio de uma política de “filho zero”, mas avança mais que o relatório do IPCC.

Lovelock nos desafia a acabar com as guerras como forma de resolução de conflitos, para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Concordo. Acho muito estranho mesmo não termos ainda um estudo sério sobre o impacto de ações belicosas sobre o meio ambiente. Um estudo sobre o Iraque, por exemplo. O IPCC deveria fazer isso. Mas Lovelock quer mais, quer a neutralização do carbono de atividades específicas, como festas, eventos, encontros. Outra vez, estou plenamente de acordo. Megaeventos, então, é uma fonte terrível e altamente poluidora. Sou favorável a considerarmos mais de vinte pessoas juntas multidão.

Mas Lovelock radicaliza mesmo é quando propõe uma redução drástica do turismo consumista: diminuição dos vôos internacionais, do transporte terrestre, serviços e comércio. Chega desse delírio ambulante da globalização! Agora é cada macaco no seu galho e ponto final. E conclui propondo o banimento puro e simples de todas as atividades não-essenciais, supérfluas ou desnecessárias que produzam impactos climáticos e ambientais. Aí é que eu quero ver! Na nossa cultura, viramos especialistas na produção do dispensável. Quanto menos necessário e mais descartável, mais desejamos. Mas é isso ou acabaremos diante do nada.

Obrigada Maurício Andrés, e vou continuar procurando A Vingança de Gaia.

Uma semana na mais doce simplicidade voluntária.

Até quando der.
(Foto: minha. Do alto da Raja)

sábado, novembro 03, 2007

Mexidão

Uma coisa é certa: o calor nos torna um pouco mais estúpidos do que já somos normalmente. É quase impossível pensar em altas temperaturas. Parece que as palavras se derretem nas extremidades e não se encaixam mais umas nas outras. As idéias não vingam. Perdem fôlego e se escoram no primeiro obstáculo que encontram. Não há tragédia nesse mundo nem um fato excepcional que as anime a respirar fundo e a prosseguir na caminhada.

Parece até preguiça, mas não é. É o calor, que entranha pela nossa pele e vai se espalhando pelo corpo até alcançar os poucos pensamentos que ainda nos restam. Eles até tentam escapar, mas vão ficando pesados e mal se arrastam do lugar aonde estão. Não fluem, não tecem mais uma história e vão se dissolvendo no quente do nosso corpo até que não sobra mais nada. No calor, ficamos vazios de idéias e só pensamos em sombra e água fresca. Obcecadamente.

Ficamos abúlicos, indiferentes ao mundo. E a culpa é do bush, aquele que poderia mas não quis assinar o Tratado de Kioto. Até sei que não é bem assim, mas estou atolada no meio da onda de calor que baixou na cidade e é inútil querer pensar qualquer outra razão só um pouco mais complicada. Essa é a melhor que me ocorre e tem a vantagem que já vem pronta e temperada. Não carece de mais indignação. Qualquer outra, exigiria de nós um esforço mental impossível de dispendermos, desde que os termômetros travaram nos 30° C e nos deixaram assim, num estado de absoluta apatia e prostração, difíceis de serem vencidos.

Agora bateu um vento na janela. Talvez chova ou não. Mas bateu um vento lá fora e balançou as folhas da árvore. Soprou de novo e espalhou pelo chão as folhas de papel que estavam sobre a mesa. Bateu mais forte e esparramou as idéias que vinha juntando para escrever alguma coisa por aqui. Não sobrou nada. Mas refrescou. Se estivesse mais animada, escreveria no atacado. Falaria da Copa de 2014. Desejamos tanto e agora já não nos importamos mais. A Copa não vai resolver nossos problemas, alerta a imprensa. E deveria? Não seria só uma festa mesmo?

Falaria ainda dos 41 bilhões de dólares que o FED, o banco central americano, precisou injetar no mercado financeiro só para acalmar os investidores que continuam estressados com a crise imobiliária americana. 41 bilhões de dólares só para a roda da fortuna continuar girando. E nós precisando de minguados 2 bilhões de dólares para receber a Copa de 2014. Não virão? Aposto que sim, mesmo que nossos jogadores já não sejam mais nossos, mesmo que a nossa seleção já não seja mais brasileira e tenha virado internacional, mas aposto que virão.

Falaria até da crise do gás, se tivesse acompanhado as discussões. Mesmo não tendo, ainda assim me arriscaria, porque não é de hoje que ela está anunciada, só fingiámos que não estava. E da mesma forma o aumento da energia elétrica. Desde a invasão do Iraque sabíamos que o mundo teria de passar por uma mudança da sua matriz energética, incorporando e ampliando a participação de fontes alternativas e investindo em novas tecnologias. Muito mais do que isso, teríamos de rever o nosso próprio padrão de consumo de energia, reduzindo-o a patamares compatíveis com a sobrevivência do planeta. E aí é que está. Mas essa discussão é muito complicada e é impossível pensá-la no calor do veranico.

Até de Chávez falaria. Seu projeto de reforma constitucional foi aprovado com apenas sete votos contrários, todos da sua própria base, já que a oposição venezuelana boicotou a eleição legislativa de 2005 e está sem voz no parlamento. Conseguiu emplacar a possibilidade de reeleição indefinida para presidente e endurecer a regulamentação do estado de exceção. Mas as mudanças dependem ainda do resultado de um plebiscito. É ingenuidade acreditar que Chávez não será mais uma vez vitorioso, mas se o projeto de nação que ele está propondo ao povo venezuelano é indesejado, o plebiscito é o instrumento certo para derrotá-lo. Eles que se entendam.

E no atacado falaria ainda de Cristina Kirchner, que assumirá a presidência da Argentina tão logo termine o mandato de seu marido. Não acho que as mulheres tenham um jeito de governar melhor do que o dos homens. Somos diferentes sim, mas não melhores. Thatcher é a prova disso, entre outras. Mas, ainda assim, torço para que Cristina e Michelle Bachelet aproveitem a chance que estão tendo para fazer diferente, para governar com mais compaixão e espírito menos belicoso, mais preocupadas em cuidar do que conquistar o mundo. Eu torço.

Só que o vento já passou e espalhou a chuva que não veio. O calor não cedeu nem um tiquinho de um grau e pensar, nessas condições, é até perigoso. Melhor deixar pra depois.

Um domingo chuvoso para todos nós, nem que seja só para refrescar.

Buenas.

sábado, outubro 27, 2007

Carrossel voador

Foto: Vitória de Samotrácia na Praça da Liberdade
(minha)

A vida é um trem. São mais de 6 bilhões de locomotivas partindo em todas as direções. Às vezes elas se cruzam. Às vezes não. Às vezes páram em alguma estação. Alguns caem fora, outros embarcam, outros mudam de vagão, outros voltam. Mas a vida é um trem que segue sempre em frente. Acreditava nisso. Hoje tenho dúvidas. A vida está me parecendo mais um carrossel, que fica dando voltas, girando, girando, quase indo, mas quando parece que vai, volta sempre para o mesmo lugar. Girando.

Às vezes tenho essa impressão. Estou ali, mergulhada num momento presente qualquer e, de repente, me vem sensações absolutamente estranhas àquela situação, mas que me remetem a experiências passadas que insistem em permanecer vivas, como se retornassem desde sempre, no giro de um carrossel. É como se o tempo não existisse mesmo. O presente é só o passado revisitado. Reescrito mil vezes, se preciso for. O futuro é o passado idealizado, utopia pura. Não existe futuro na roda de um carrossel. Só um mesmo movimento no mesmo lugar. Girando.

Não é muito comum. A bem da verdade, é muito raro mas, às vezes, a força centrípeta, que nos aprisiona a um eixo de rotação e nos faz girar como um carrossel, se liberta da influência de seus vetores e nos lança no espaço. Por alguns segundos ficamos soltos no alto e olhamos a vida com se tivéssemos na mão uma possante lente panorâmica. Segundos. Um instante mínimo, mas o suficiente para termos a exata dimensão da vida e fazermos novas escolhas, as mesmas, que sejam, mas ainda assim novas, pois que revisitadas. Segundos.

Girar na roda de um carrossel e deixar a vida nos levar num eterno movimento circular em torno de uma mesma história. Mil vezes, reinventar o passado, até que dele surja um novo enredo. Ou vagar pelo espaço, espalhando lampejos de luz do olhar que lançamos sobre o mundo. Sobrevoar novos mares, semeando dúvidas na certeza dos timoneiros. Navegar em águas desconhecidas, como Vitória de Samotrácia, e colher lendas inéditas que inspirem novos jeitos de viver. E voar de novo, como Vitória de Samotrácia. Voar tão rapidamente, tão velozmente, que o vento nascido do bater de nossas asas corte todos os caminhos, espalhando-os em mil direções, fazendo surgir mil novas versões de todas as milhares de histórias que já vivemos. Segundos.

Uma semana de volta à órbita original, mil vezes renovadamente.

Inté

terça-feira, outubro 23, 2007

A vaca foi pro brejo

Depois que a Mattel, maior fabricante de brinquedos do mundo, anunciou um recall de 18,6 milhões de produtos, incluindo os acessórios da tenebrosa Barbie, do ingênuo Batman e das pequetitas Polly, todos transformados em armas mortais para destruir criancinhas indefesas, achei que nada mais pior do que isso poderia acontecer nesse mundo. Mas tenho de reconhecer: padeço de falta de criatividade, por isso não evoluo na vida. A imaginação da nossa classe empresarial, essa sim, não tem limites.

Vocês viram, meninas? Em vez de adicionar vitaminas, mais cálcio, ferro e outros ingredientes que ajudariam a turbinar o crescimento dos pimpolhos, deram de acrescentar ao leitinho de nossas crianças, soda cáustica e água oxigenada! Se estão pensando que vão resolver o problema da superpopulação do planeta provocando um infanticídio em série, podem tirar a vaquinha do sol. Doravante, estaremos sempre alertas!

Olhem só, meninas, vocês devem se lembrar disso. Na nossa época, quando queriam adulterar o leite e fazer a produção render um pouco mais, o máximo que se permitiam era adicionar um pouquinho de água mineral não gaseificada. Tudo bem, os mais relaxados, utilizavam água filtrada, mas depois sofriam horrores com dor na consciência. Tá certo, não era bem assim. Já não prestavam desde antes: acrescentavam qualquer coisa que fosse líquida e nem cuidavam da higiene da vaquinha, quando era chegada a hora da ordenha. E deixavam o leite azedando em latões enferrujados, expostos à visita de toda sorte de insetos e outros animais estranhos. Eca, odeio leite!

Mas vocês hão de concordar comigo: agora eles exageraram. A tal da Casmil está sendo acusada de adicionar ao nosso leite de cada dia uma coisa chamada peróxido de hidrogênio, vulgarmente conhecida como água oxigenada. Segundo os entendidos, essa é a famosa operação limpeza, pois a água oxigenada ajuda a disfarçar as más condições sanitárias de conservação e transporte da produção, enganando os compradores. Mas isso não é nada comparado aos efeitos dessa substância quando ingerida pelas crianças: além das dores no estômago e do risco que correm de morrer, os pequeninos já nascem com o cabelo parafinado e pedindo ao papi uma prancha de surf. É um pesadelo!

Não sei exatamente quais são os efeitos da soda cáustica, quando ingerida por uma criança, mas posso imaginar. Já vi embalagens desse produto no supermercado e todas elas vêm com uma caveira mal rabiscada, estampada no rótulo, que provoca até arrepios só de passarmos por perto. Presumo que, se ingerida, essa substância vai descer estômago adentro derretendo tudo que encontrar pela frente. Não vamos nos enganar, é isso mesmo que deve acontecer. Mas o estranho disso tudo, é o silêncio das cooperativas. Só a Parmalat veio a público dizer que é inocente. Mas quem ainda leva a Parmalat a sério? Acho que nem os bichinhos de pelúcia, quanto mais nossas criançinhas.

Uma amiga me disse que, a partir de agora, só vai comprar leite em pó. Santa ingenuidade, amiga. Faz pouco mais de três anos, a Polícia Federal prendeu uma quadrilha que agia exatamente da mesma forma, mas utilizando como base o leite em pó. Cogitei o leite de soja, mas não passou no teste dos meus meninos. Eles já experimentaram e reprovaram no primeiro gole. E acho que eles têm toda razão, embora discorde deles, quando sugerem para o desjejum matinal um copo de coca-cola gelada com batata sorriso. Uma vez, vimos no Mundo de Beckman o estrago que a coca faz num dente de leite ou num definitivo mesmo: em poucos dias, restam apenas uns caquinhos no fundo do copo. Um horror!

O que sei é que nossas crianças estão ficando cercadas. Estou desconfiada de que elas estão sendo vítimas de um complô. Mas essa turma ainda não conhece a nossa fúria indomável quando temos de sair em defesa de nossas crias. Acho que teremos de dar uma demonstração ou então que deus faça melhor.

Um alegre despertar para todos, regado a chá de hortelã, acompanhado de torradinhas cobertas de geléia de damasco.

domingo, outubro 21, 2007

Sala de cinema

O Márcio nos fez um convite: escolher cinco filmes que nos impressionaram ao longo da vida. Topei. Lá vai o primeiro:

Vi um filme uma vez que mudou a minha vida. É claro que há muito exagero nisso, mas posso dizer, com muita tranqüilidade, que é um filme que, constantemente, volta a tona e me inspira a buscar novas lentes, de diferentes cores, para olhar o mundo. Foi também o primeiro filme que vi e que me causou espanto. Me deixou perplexa pela sua beleza, originalidade e ousadia, pois era um filme que quase não tinha história e pouquíssimos diálogos.

Isso foi a tanto tempo, que já me esqueci o nome do filme, do diretor e de qualquer outra referência que pudesse me ajudar a reencontrá-lo. A única coisa que me lembro é que não era um longa metragem, mas um curta. Olha que coisa moderna! E que não era americano. Para ser absolutamente sincera, quando vi esse filme, não tinha a menor preocupação de me informar sobre todas essas coisas. Queria só ver a história. Se não estou muito equivocada, nessa época, estava na que hoje equivaleria à quinta ou sexta série. Mas esse foi o filme que me ensinou a admirar o cinema como uma arte maior.

Bom, a história é muito simples: um menino que, por alguma razão que não me lembro, resolve dar a volta ao mundo. Junto com dois ou três amigos, discutem uma forma de viabilizar esse projeto. E esse menino observa que o sol, quando nasce e até que se ponha, dá uma volta na terra. Se seguissem o sol durante um dia conseguiriam cumprir a missão. E todos concordam que é um bom plano. Essa é a história. O filme é o relato da viagem dos meninos. Claro que o máximo que eles conseguem é passear de um ponto a outro da cidade, mas é um filme de uma delicadeza indescritível e de uma beleza absurda.

Um detalhe do filme, que nunca me esqueci: durante a travessia, os meninos paravam em alguns pontos da cidade para marcar no mapa a posição em que se encontravam. E, para isso, precisavam olhar em direção ao sol. Para não correrem o risco de ficarem cegos, usavam cacos de vidro coloridos para olhar o sol e, como era divertido, usavam-nos também para olhar a cidade. Então, esse é o primeiro da minha lista de cinco.

Os outros não foram tão importantes assim, mas me impressionaram muito e até hoje me emocionam:

Hiroshima, meu amor, de Alain Resnais e roteiro de Marguerite Duras. O filme é de 1959, mas só fui vê-lo, evidentemente, bem mais tarde, lá pelos idos dos anos 80. È um filme triste, mas extremamente bonito. A fotografia é impressionantemente delicada. Não me lembro bem da história, mas o que guardei dela foi essa lembrança meio vaga das duas personagens centrais, uma atriz francesa e um arquiteto japonês, buscando incessantemente um sentido qualquer: para Hiroshima; para a vida de cada um; para o relacionamento dos dois e assim por diante. Resumiria o filme assim, numa palavra: busca. Bom, pelo menos foi isso que ficou para mim.

Apocalipse now, de Francis Ford Coppola. Um filme de 1979, uma obra prima. A interpretação que Marlon Brando faz do coronel Kurtz é fantástica; a cena dos helicópteros descendo numa praia do Camboja, ao som da Cavalgada das Valquírias, de Wagner, enquanto em terra os soldados aproveitavam para fazer surf, é também chocante. Afora essas e muitas outras, o filme me impressionou pela sua fotografia e pela sua música, que juntas dão o clima de horror, loucura, sonho e pesadelo que caracterizam essa obra de Coppola.

Blade Runner, de Ridley Scott. É um filme de 1982, mas continua atual até os dias de hoje, afinal, continuamos buscando, em vão, o significado da vida. A fotografia é maravilhosamente trágica, a música belíssima e os atores esplêndidos. Já vi Blade Runner tantas vezes que até já perdi a conta. Sempre que posso, revejo-o.

Pulp Fiction, de Quentin Tarantino. Esse é um filme mais recente, para não dizer que fiquei só na seção nostalgia. Mas, ainda assim, fazendo as contas direitinho, esse filme já está quase debutando. Que coisa, hem? Pulp Fiction me impressionou, primeiro, pela sua narrativa. É como se a história fosse um quebra-cabeça que estivesse sendo montado ali, na nossa frente. Vemos algumas peças sobre a mesa que vão e voltam e, aos poucos, vamos juntando-as até formar uma história. A atuação de John Travolta e Samuel L. Jackson são impressionantes, principalmente de Samuel Jackson. A música também é maravilhosa. Tenho o cd e escuto sempre.

Além desses, todos os de Bergman e de Felline e muitos outros e muito mais. Mas me pediram cinco e foram os cinco que mais rapidamente subiram à superfície.

Para todos, uma semana de boas histórias, bem enquadradas e com trilhas sonoras fantásticas .

Até quando for possível.

quinta-feira, outubro 18, 2007

Oh quão dessemelhantes somos!

Foto: Aniversário da Marina
(Minha)


Dizem que de perto todos nós somos meio loucos. Não discordo, mas diria de um outro jeito. De perto, todos nós somos diferentes. Mesmo que insistam em nos fazer parecer todos iguais, o como de nossas histórias, diria Lisbela, nos torna únicos e, em qualquer situação, insubstituíveis. Mas para os estatísticos, nossos enredos privados não têm nenhuma relevância, viram meros pontos percentuais na composição de perfis representativos da população, para as mais diversas finalidades.

Somos identificadas não pela nossa biografia, mas pela condição em que estamos no mundo. Mulheres, na faixa de 50 a 54 anos, com um nível de escolaridade acima do desejável, trabalhadoras, renda média ou um pouco mais que isso, casadas, mães de uma prole sob controle, eleitoras, consumidoras, leitoras medianas, ainda que bem acima da média nacional e assim por diante. Viramos quase uma mesma dentro dos grupos nos quais somos incluídas.

Somos vagamente definidas pelas pesquisas de opinião, quando nosso perfil se encaixa nas escolhas que uma mostra limitada da população se dispõe a revelar sobre os mais diversos temas. Não importa se o que nos oferecem é uma variedade absolutamente restrita de opções, nos classificam como favoráveis, desfavoráveis ou indiferentes a determinada situação ou objeto. Não importa se não conseguem captar as nuances do nosso pensamento, nos enquadram em grupos genéricos e afirmam tudo que não dissemos e nos fazem mais iguais ainda, ignorando solenemente todas as nossas diferenças.

Aí, quando acontece de nos encontrarmos num canto qualquer do país, quando acontece de nos sentarmos à mesa desarmadas e sem defesa, olhamo-nos desconfiadas e não nos reconhecemos. Desfiamos nossas histórias inéditas e tecemos opiniões originais sobre tudo que vemos e nada coincide com o diabo do perfil no qual fomos incluídas. Nos estranhamos e cismamos que existe uma porção qualquer de loucura em tudo que falamos ou escutamos. Mas não é isso. Não há sombra de loucura nas vivências que experimentamos. Só há particularidades. Exatamente aquelas que nos diferenciam e nos tornam uma cada qual e não a mesma junto com todas.

Ainda estava pensando nisso, quando vi bush, aquele que não teve coragem de assinar o Tratado de Kioto, bater boca com Vladimir Putin e advertir os demais governantes do mundo sob o risco de enfrentarmos uma terceira guerra mundial, caso o Irã venha a dominar a tecnologia de fabricação de armas nucleares. Vi ainda Recep Tayyip Erdogan comemorar a decisão do Parlamento turco, autorizando uma ofensiva militar daquele país contra curdos que mantêm bases de treinamento no Iraque. Vi Hillary, Condoleezza, Chávez, Sarkozy e outros menos vips.

Admito, minha tentação primeira foi a de achá-los todos iguais, mas se cada um é cada qual posso pelo menos dizer que todos repetem, desde sempre, o mesmo velho discurso rançoso dos poderes imperiais e, nessa repetição, acabam se tornando muito parecidos, ainda que dessemelhantes. Olham o mundo da mesma empoeirada janela de vidros embaçados. É uma pena.

Uma semana de descobertas para todos. Novas palavras, novos significados, novos ares, novas idéias.

Inté

domingo, outubro 07, 2007

Deveria


Foto: mal feita, mas fui eu mesma.


Esta semana deveria ter vindo aqui mais cedo e mais vezes para plantar algumas bandeiras, mas estava ocupada construindo idéias. Juntando palavras, colando umas nas outras até formar um conjunto harmonioso de linhas retas, uma página depois da outra, numa construção lógica e precisamente correta. Deveria ter vindo, mas não vim. Abandonei os birmaneses à sua própria sorte. Sei que não deveria ter feito isso, pois os birmaneses são quase crianças ainda e carecem de mãe, como todos nós. Sua população é formada em mais de um terço por meninos e meninas com menos de 15 anos. Crianças, na maioria desassistidas, como de resto toda a população. Myanmar é ainda o país mais pobre da região asiática e vive sob a burduna de um regime militar fortemente beligerante, apesar da oposição ter um movimento absolutamente pacífico. Foi mal Ko-Hitke.

Se isso serve de consolo, não abandonei só os birmaneses. Deixei mais gente sozinha não meio da caminhada. Deveria ter vindo aqui, para segurar a bandeira da Mobilização Nacional por Democracia e Transparência nas Concessões de TV e Rádio . Mas também não vim. Deixei a caravana passar e larguei minha bandeira no primeiro site que encontrei, só para carregar pedras e flores no mundo da vida. Isso acontece, podem ter certeza. Não vim, mas também não deletei essa causa. Gastei algum tempo maquinando sobre as redes de rádio e TV comunitárias, que acredito serão mais capazes de democratizar o processo da comunicação dos que as mídias de massa. E também elas carecem de mãe, pois estão da mesma forma abandonadas, aguardando uma política mais coerente que viabilize sua organização. Foi mal outra vez.

Deveria ter vindo aqui ainda para rodar a baiana com o presidente esquerdista do Equador, Rafael Correa, que defendeu o fechamento do Congresso daquele país, alegando que é muito difícil governar com os parlamentares que lá estão, escolhidos pelo voto direto, da mesma forma que Correa, nas eleições passadas. Não acho que seja fácil, como aqui também não é. Mas essa é a regra do jogo, se rompermos com os combinados no meio da partida, corremos o risco de embarcar numa canoa furada e cair bem no meio de um rio de águas turvas e agitadas. É desastre na certa. Nesse caso sou boba mesmo. Ainda acredito que é no parlamento que nossas vontades se encontram e é lá também que, por meio da palavra e das idéias, dialogamos com nossos contrários até encontrarmos uma negociação possível. Tenho pra mim que o parlamento é a alma da democracia, sem ele viramos zumbis atormentados, vagando na escuridão da ignorância e da tirania. Deveria ter vindo, com certeza, mas perdi o trem da história.

Outra bandeira que escapuliu das minhas mãos, enquanto debulhava novas palavras no dicionário, foi a do movimento em defesa da floresta amazônica. Mesmo vendo o fogo se alastrar mundo afora, mesmo sentindo o calor nos sufocar e percebendo claramente as mudanças do clima, a cada nova estação, deixei cair essa bandeira e nem olhei pra trás, pra tentar recuperá-la. Deveria ter vindo aqui dar o meu apoio ao Pacto pela Valorização da Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Amazônia. Mas também não vim. Faltou animus, no final da noite, depois da correria da semana inteira.

Essa próxima não será diferente. Vou dar um logoff geral para não ficar tentada a divagar nas ondas do meu pensamento. Nem vamos para o litoral. Vamos é embrenhar pelo interior paulista a dentro, mergulhar na vida real e sair de nariz tampado, mas muito melhores do que antes, com certeza. Outro dia, quando der, volto para plantar bandeiras, quem sabe elas florescem nessa primavera.

Uma semana com aroma de laranjeira para todos.
Inté.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Tá na hora

Foto: Tirada no dia 29 de setembro de 2007!
(Minha)

Meninas, olhem quem eu vi na rua ontem! Vocês reconhecem? De duas, uma. Ou perdi alguma coisa ou a turma pirou na batatinha. Fiquei tão desorientada quando o vi ali, sentadinho no telhado de um sobrado da Contorno, que vasculhei desesperadamente minha agenda, para conferir se não estaria atrasada alguns dias no meu calendário. Tive semanas bastante tumultuadas nos últimos tempos e seria muito razoável se isso tivesse acontecido. Mas não, o tempo não rolou ladeira abaixo. Como em todos os anos anteriores, continuamos no início de outubro Nem passamos pela semana da criança. Sobrou, então, só a segunda opção.

E não é de hoje mesmo que estou percebendo a fúria gananciosa dessa turma. Daqui a pouco vão fazer igual a um amigo do meu menino, já não mais tão menino assim. Eles participam de um fórum na internet e, quando chega a época do natal, sempre disputam quem primeiro vai customizar o seu avatar com um chapeuzinho vermelho de Papai Noel. Aliás, disputavam, pois, desde 2005, um dos membros do grupo adotou o avatar do natal e assinou embaixo: Coelho Morto - Desde 2005 com o chapéu de Papai Noel. Acabou a polêmica.

De uma certa forma, na vida real, também já superamos essa polêmica. Essa turma nos mobiliza o ano inteiro, independentemente de datas especiais. Segundo pesquisas divulgadas não me lembro onde, estamos submetidos a mais de 3 mil apelos publicitários por dia, desde a hora em que acordamos até a hora em que nos deitamos. Nos pedem para comprar qualquer coisa, de preferência, tudo: de alfinetes com cabeça colorida até coberturas duplex com vista definitiva para a mata preservada de não sei onde. E não contentes em nos vender produtos, agora nos oferecem descaradamente até sentimentos: felicidade, alegria, amor podem ser adquiridos em suaves prestações até no mercadinho da esquina.

As mensagem nos cercam de todos os lados. Transitam dos outdoors e empenas espalhadas pela cidade, para os anúncios convencionais, multiplicados em jornais, revistas, rádios e tevês. E se passamos ilesos, não mais. No primeiro sinal vermelho, nos entregam, em mãos, três ou quatro flyers coloridos, propagandeando qualquer besteira. Se driblamos o sinal, nos enviam pelo correio. São quase 20 malas diretas por semana, que invariavelmente jogamos no lixo, mas não sem antes matarmos a nossa curiosidade. Sempre lemos uma ou outra. Se estão com pressa, não fazem cerimônia, invadem a nossa caixa postal eletrônica como se estivessem em casa. Milhares, cruzando os oceanos em pouco minutos. Algumas caem no nosso correio. Muitas nem abrimos, mas sempre fica uma ou outra para contabilizarmos na nossa estatística: 1.876, 1.877, 1.878....

E não adianta fugir. As mensagens nos perseguem pela cidade, cruzando nosso caminho a toda hora, indiferentes ao trajeto que escolhemos: estão estampadas na janela dos ônibus, na porta de carros, nos postes, em faixas atravessadas nas ruas e em tabuletas carregadas por pobres famintos, que ficam zanzando de um lado para outro nas calçadas abarrotadas do centro. E se fechamos os olhos para não vê-las mais, um carro de som nos encontra na primeira esquina. E se tentamos nos abrigar num prédio mais próximo, logo na porta trombamos com um banner gigantesco e colorido, nos convidando para mais uma nova aquisição. Isso, para não falarmos de outras formas mais sutis de propaganda, travestidas de personagens de novelas, embutidas na etiqueta da roupa que vestimos, na embalagem dos produtos que já consumimos e assim ad infinitum. 2.998, 2.999, 3.000!

Mas, desse encontro inesperado com o velhinho, o que achei mais louco foi perceber que o mundo não gira para essa turma. Entra natal, sai natal e eles não caem na real. A Terra está desabando a nossa volta e essa turma não dá nem notícia. Mas os distraídos serão surpreendidos nessa próxima década. Isso é certo. Eles e bush, aquele que jamais terá oportunidade de assinar o Tratado de Kioto. Agora agiremos por conta própria. Não fui ver Peter Senge, mas me contaram tudo. E ele disse com todas as letras, repetindo o que os grandes empresários do mundo todo já disseram a ele, com todas as letras: não temos mais alternativa. Foi isso o que Peter Senge afirmou: ou mudamos o nosso padrão de consumo ou mudamos o nosso padrão de consumo.

Não é porque somos bonzinhos que faremos isso, nem porque somos ecologicamente corretos, mas porque não temos outra opção mesmo. O planeta não consegue mais repor seus recursos naturais na mesma proporção em que os consumimos. E as mudanças climáticas tornarão essa dificuldade mais grave ainda, principalmente no que se refere aos alimentos. Disso já sabemos. O que ainda não admitimos é que os anos de prosperidade estão chegando ao fim. A crise financeira, que está sendo cozinhada em banho-maria pelos bancos centrais, é apenas uma primeira fumaça bem longe no horizonte. Mas já podemos enxergar outros sinais.

Na semana passada, ouvi no rádio economistas de várias matizes explicando a origem da pressão inflacionária que já ameaça o mundo e, ainda que de leve, o nosso próprio Real. Não, dessa vez a culpa não é do Lula. A pressão vem de fora, provocada justamente por um desequilíbrio entre oferta e demanda de determinados produtos, como o leite, a carne bovina, o trigo e o milho. A origem desse desequilíbrio são as mudanças climáticas, que afetaram a produção dessas culturas e o bom desempenho dos empreendimentos agropecuários. Como as mudanças vão continuar e num ritmo acelerado, tornando mais instável ainda a relação entre oferta e demanda, o risco de enfrentarmos uma grave crise inflacionária, de âmbito planetário, não está fora da agenda.

Mas não é só isso. A pressão sobre os preços aumenta também em função da entrada no mercado de novas levas de consumidores, tanto dos países emergentes, quanto da China. E será impossível garantir a inclusão desses novos segmentos, mantendo-se o mesmo padrão de consumo que o mundo tem praticado, principalmente, a parte mais desenvolvida dele. Desconfio que essa seja a maior preocupação que ocupa o coração e a mente dos grandes empresários, amigos de Peter Senge. É o nó que querem desatar. Mas será impossível desfazê-lo, se não estivermos dispostos a mudarmos o nosso padrão de consumo para um modelo novo e sustentável.

Por isso achei extemporânea essa visão antecipada de Papai Noel. Já estamos atrasados para fazer as mudanças que se fazem necessárias e essa turma ainda nem percebeu que terão de rever também seus negócios e o próprio espírito que os inspira nas grandes datas. Ai, ai, viu?



Uma semaninha bem comportada para todos. Assim, Papai Noel poderá nos trazer boas idéias de presente de natal. Precisaremos delas, bem antes do que imaginávamos.
Inté.

terça-feira, setembro 25, 2007

Vitrines urbanas

Foto: Fachada do prédio
de vidro, no meio da Contorno.
(Minha também)

O trânsito continua infernal. O ar irrespirável. Tudo se move lentamente. Até a cidade mudou de cor. Está pálida. Será que sobrevive? Eu estou quase desistindo. Hoje completo três dias sem ler jornal. Posso confessar uma coisa? Nem doeu. Mas estaria sentindo falta, se não estivesse escutando as notícias vindas de algum lugar. Elas chegam no ar, ficam zunindo na minha cabeça como uma música tocando longe. Chegam como uma teia de palavras, embaralhadas umas nas outras como se fossem notas de uma música qualquer. Nem me preocupo em desvendá-las. Deixo-as ali como a trilha sonora do meu dia.

Entre uma tarefa e outra, me deixo ficar também, só pensando em nada. Descansando, enquando olho a cidade se desmanchando no reflexo das vidraças. Gosto disso. De ir andando e vendo os prédios dançando no vidro das janelas. O que antes era imóvel, definitivamente cimentado na paisagem da cidade, ganha vida, balança, se desconstrói no recorte das vidraças. Nem surge outra cidade nem nada fica mais bonito. Mas o movimento descansa meus olhos.

E distraidamente, me lembro de um anúncio que li no último dia em que vi os jornais. Ainda estou pasma, mas não me aborreço mais. Vão construir um conjunto do IAPI em plena beira da Lagoa dos Ingleses. Escuto nitidamente o silêncio da cidade. É um silêncio absoluto. E diante dele, os alegres empreendedores passeiam ruidosamente. Duas páginas coloridas do grande jornal dos mineiros. A promessa do paraíso, embalado pela poesia de Drummond. O poeta deve estar chutando o balde onde estiver. O horizonte não existe mais, para não falar do belo.

E eu com isso? Nunca vou morar na beira da Lagoa dos Ingleses. Se um dia tivesse ido, pode ser que agora estaria amargamente arrependida. Mas nunca fui, nem irei. Vou um dia, quando o IAPI estiver pronto. Mas vou só passear por lá. Vou só ver os prédios se desmanchando no espelho da lagoa. Gosto disso. De ver a cidade invertida no reflexo das vidraças da cidade. Um dia inverto as palavras também.

Bons sonhos para todos.

Inté.

sexta-feira, setembro 21, 2007

Sábado sem lei

Já tive vontade de votar para presidente dos Estados Unidos. Tinha até uma candidata e não era Condolezza Rice. Mas agora não quero mais. Quero rever a minha declaração de voto. Principalmente, quero retirar a minha proposta. Desisto de lutar pelo direito de participarmos das eleições norte-americanas. Estou avaliando que é um gesto inútil. Não o de lutar por nossos direitos, mas o de pretender influir no resultado eleitoral do pleito americano. Será em vão.

Aprendi essa semana, que o presidente dos Estados Unidos é tão destituído de poder, quanto uma rainha da Inglaterra ou um dirigente qualquer de Zimbabwe. Ele apenas aparenta ser poderoso, mas é tão frágil quanto um bibelô de porcelana chinesa. Estava ouvindo a CBN e aprendi que o presidente norte-americano, como de resto todos os outros governantes, não tem muito o que fazer para administrar a economia do seu país, quanto mais para, eventualmente, gerir uma crise financeira que repercuta no mercado mundial, exatamente como esta que, lentamente, está fazendo sangrar o mercado financeiro internacional. Nem bush, nem Lula.

Já desconfiava disso. E confirmei a minha cisma quando ouvi alguém dizer que o presidente dos Estados Unidos definitivamente não tem recursos, seja de qual ordem for, para influir nos movimentos do mercado. Ainda mais o presidente dos Estados Unidos, país que abriga uma das economias mais privatizadas do planeta. Essa é uma hipótese considerável. No lugar de um pesquisador, dispensaria até as provas de refutação, necessárias para validar qualquer nova teoria. Basta bush, a prova viva da inutilidade de um presidente norte-americano.

Não é nem preciso assistir duas vezes ao filme de Andrew Niccol, o fantástico Senhor das Armas, para entender como foram as negociações que resultaram na invasão do Iraque. Nem é preciso ler a biografia de Alan Greenspan, ex-presidente do banco central norte-americano, vulgo Fed, para compreender as razões que estiveram envolvidas nessa decisão. O que bush não pensava sobre essas questões é absolutamente irrelevante. Ele era apenas o homem certo, no lugar certo, na hora certa, para representar, aí sim, os interesses maiores da economia norte-americana mundial. E nisso ele foi muito bom. A indústria bélica e a indústria petrolífera norte-americanas mundiais agradecem sensibilizadas.

E se o presidente dos Estados Unidos é assim tão desprovido de poder quanto dizem, vou retirar minha proposta. Se o que prevalece, de fato, é o interesse sem fronteiras de grandes corporações e mega investidores, vou estrategicamente recuar. Se o que inspira essa criação insólita chamada mercado são apenas as decisões autônomas do banco central norte-americano, balizadas, por sua vez, nas necessidades das grandes corporações e dos mega investidores, num sistema circular auto-alimentável, então vou amarelar. Não quero mais votar para presidente dos Estados Unidos. Se bobear, vou defender é eleição livre, direta e universal para a presidência do Fed. E mesmo assim estou achando perda de tempo.

Já estou quase concordando que quem tem razão é aquele deputado, personagem de mais uma entre tantas lendas políticas criadas nesse país. Conta a história que, numa época imprecisa, mas nem tão distante assim, o debate estava pegando fogo no Plenário da Câmara. A discussão envolvia a aprovação de um projeto sobre definição de preço de mercado para algum produto ou coisa que o valha. Isso já existiu. Lá pelas tantas, a oposição tomou a palavra e sentenciou o fim do quebra pau com um argumento imbatível:

- Nobre colega, não podemos aprovar esse projeto, ainda que quisessemos, simplesmente porque não é da nossa alçada. Quem define esses valores são as leis de mercado. São as leis da oferta e da procura.

O defensor da proposta parou atônito, por alguns segundos. Imediatamente se recompôs, voltou ao microfone e, indignado, bradou:

- E eu lhe pergunto, nobre colega, o que é exatamente que nós estamos fazendo aqui que, até hoje, ainda não revogamos, com o perdão da palavra, as diabas dessas leis?

Um finzinho de semana estritamente dentro da lei para todos. Mas um sábado livre, pelo menos, das leis de trânsito. Eu apoio o movimento Um dia livre de Carros!
Inté!

domingo, setembro 16, 2007

Uma versão livre

Foto: Isso mesmo: a de sempre.

Tem um mundo pairando sobre minha cabeça. Mesmo de olhos fechados, posso pressenti-lo. Tem um vento vindo de algum lugar. Tem um burburinho qualquer, mas de longe, só de bem longe. Desconfio que seja o mundo mudando. Ou girando, girando. E bate um pé de vento mais perto e espalha meus pensamentos. Não consigo mais alcançá-los. Nem tenho vontade. É melhor assim. Mas sei que o mundo continua lá. Pairando sobre minha cabeça. Se não despencar sobre ela, pode ficar, não tem problema.

Bate outro vento e traz novos pensamentos. Nem chegam a ser, são apenas palavras soltas, poeira de idéias, que vai baixando devagar e se acumulando aqui e ali. Juntei só algumas palavras que ainda estavam suspensas no ar e deu nisso: a vida não acaba mais em pizza como antes. Já desconfiava. Hoje tudo acaba em jogo. Quem perde e quem ganha. É só o que importa. É a mesma lógica que movimenta o mercado. Quanto vou ganhar e quem vai perder.

Deixei a poeira baixar mais um pouco. Algumas palavras se atraem. Quem sabe delas surja algum pensamento iluminado que me obrigue a abrir os olhos novamente? Houve um tempo em que preferíamos as palavras na sua forma mais substantiva. Na sua concretude, se bastavam. Democracia. Liberdade. Justiça. Igualdade. Mas algumas palavras se atraem. Aderem umas nas outras como os vagões que se encaixam um a um até formar um trem. E tudo ficou relativo. A culpa é de Einstein.

A vida substantiva tornou-se obsoleta. Nossas carências objetivas estão out. A obviedade tornou-se uma intrusa no mundo da complexidade. É a subjetividade quem está no comando. A realidade dos fatos não nos comove mais. Queremos as versões. Todas elas, se possível. Cada uma com a cor que melhor lhe convier. E quanto maior for a incoerência entre elas, mais nos deliciamos, crentes que ali habita a complexidade. Mas, quanto mais inconsistente as versões, apenas mais fluida a realidade. E assim, ela escapa das nossas mãos por entre os dedos e nos abandona perdidos entre as coisas pequenas da nossa própria vida.

Mas, agora-agora, só temo que o vento sopre mais forte e quebre esse equilibro instável da vida e rompa o fino fio que ainda sustenta o mundo. Se isso acontecer, ele vai se esborrachar todo bem em cima de nossas cabeças. Deus nos poupe.


Uma semana bem tranqüilinha, sem movimentos bruscos, para não corrermos muito risco.
Inté.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Sem comentários

Vou publicar um post secreto. Talvez fique um pouco difícil para ler, mas isso não tem a menor importância. É só um pensamento. O que é um pensamento diante do mundo da vida? Mas, refletindo melhor, um post secreto pode revelar mais do que se tem a dizer, do que as manchas pretas que distraidamente desenhamos num papel em branco. O que não está dito com todas as letras diz tanto ou mais do que se quer dizer do que aquilo que é dito.

Da mesma forma, o que é o mundo da vida diante das interpretações que inventamos para ele? O que é o mundo da vida diante do mundo das idéias que construímos em torno e sobre ele? O que é o mundo dos fatos diante das palavras que utilizamos para descrevê-lo?

Mesmo as palavras. Estamos encharcados de todas elas. São infinitas. Mas cada uma delas, de acordo com nossas escolhas, traz um pouco do tudo que somos. Mesmo quando optamos pelo silêncio, pela não-palavra, ela diz tudo o que temos a dizer. É do não-dito, do não-representável, que tiramos a força da nossa interpretação.

E, para radicalizar de uma vez, mesmo nós, o que somos? As sombras que se movimentam na parede do fundo de uma caverna ou aqueles que, do lado de fora, sob a luz do sol, caminham sobre a ponte? Ou tudo isso junto? Também não somos qualquer coisa muito simples, embora, para aqueles que nos espreitam, somos apenas nós e nossas circunstâncias.

Pois é, talvez não seja tão simples assim fazer um post secreto. Acho mesmo que é uma missão do tipo impossível. Vou desistir, até porque já está na hora de descer para trabalhar: ainda não inventaram o funcionário secreto.

Só para concluir, os franceses, apesar de carecerem do humor elegante dos ingleses, eles têm sempre boas saídas filosóficas para os nossos desatinos. Essa semana, por exemplo, eles instituíram um novo dia Livre de.... Já temos o Dia Livre do Cigarro; o Dia Livre do Carro; o Dia Livre da Cerveja; o Dia Livre do Supermercado; o Dia Livre dos Dias Livres e assim por diante. Agora, na França, o dia 30 de novembro será o Dia Livre de Sarkosy! Nesse dia a mídia estará proibida de falar, noticiar, comentar ou fofocar qualquer coisa sobre o presidente francês.

Achei a idéia muito válida. Acho que deveríamos instituir também um dia livre de qualquer coisa para nós. Por exemplo, poderíamos instituir não um dia, mas um final de semana, um sábado e um domingo livre de Renan. Sinceramente, tudo que precisava ser dito foi plenamente expresso na última quarta-feira, pelo não-dito da reunião e dos votos secretos. Agora, merecíamos um descanso. Ou não?

Um fim de semana cheio de emoções secretas para todos!
Inté.

domingo, setembro 09, 2007

Mundo, mundo, vasto mundo!

Meninas, vocês viram? Osama pintou a barba. Sinceramente, hem? Será que caiu na tentação? Deixou-se levar pelo canto da sereia? Perdeu-se nos encantos publicitários da Wella? Será que sua voz já não é a mesma ou só seus cabelos mudaram? Ou foi uma decisão estratégica? Será que pensou que podia despistar de alguém assim? Se pensou, faltou assessoria. Melhor seria tê-la raspado de uma vez, não é não? Mas pintar suas longas barbas brancas foi um despropósito. Um equívoco. Ou não? Será que em vez de despistar, de querer parecer diferente do que é, Osama quis justamente o contrário, quis parecer novamente com o que já foi? Com o que não é mais?

Será que passou noites em claro, como nós, pensando no que fazer para derrotar a força implacável do tempo? Em como destruir esse inimigo invisível, que não escolhe alvo certo, mas deixa sua marca incontestável na fisionomia de todos nós: brancos, negros, amarelos, pobres, ricos, remediados, homens e mulheres? Será? Será que, como nós, olhou-se no espelho e sentiu falta da sua juventude? Baixou a nostalgia? Sentiu saudades do Osama que assombrou o mundo no dia 11 de setembro de 2001? Será? Será que sentiu cansaço, mas reconsiderou? Será que remexeu suas lembranças do passado e quis trazer de volta o justiceiro perdido? Será que terá forças para isso? Será que sua barba esconde seus poderes?

É justamente disso que tenho medo. 11 de setembro está de volta, pontualmente. Já esqueci muitas coisas, desde 2001: esqueci, por exemplo, que naquele ano o Fórum Social Mundial se reuniu pela primeira vez, em Porto Alegre. Esqueci que foi naquele ano fatídico que bush, aquele, rechaçou definitivamente o Protocolo de Kyoto, criado pelo seu antecessor, Bill Clinton. Esqueci que, nesse mesmo mês de março de 2001, o Talebã destruiu sem dó estátuas gigantescas de buda, desafiando esforços internacionais para salvar os monumentos. Já tinha perdido na memória também a morte de Mário Covas, as CPIs, a ascensão e queda de Jader Barbalho entre outras deslembranças. Mas não esqueci, e acho que de resto todo mundo, não esquecemos mais o 11 de setembro.

Pode ser que seja pela força das imagens que Osama e sua turma conseguiram produzir naquele dia. Pode ser que seja pelo bombardeio de imagens a que fomos e ainda somos submetidos, incansavelmente, por uma mídia que idolatra todo e qualquer espetáculo de megaviolência. Pode ser. Mas de lá pra cá o mundo ficou mais desconfiado. Agora nos sentimos mais inseguros, mais temerosos, mais vulneráveis. Mesmo nós, que a princípio não tínhamos nada com isso, agora, num mundo globalizado, passamos também a temer o fantasma do terrorismo internacional. Pior, tememos os terroristas estrangeiros, os ladrões de rua, os assaltantes a mão armada, os bandidos de gravata, nossos vizinhos e tememos até a nossa própria sombra, se bobearmos. O fato mesmo é que ficamos todos mais neuróticos do que já éramos.

E se já estávamos nos esquecendo disso, 11 de setembro está de volta para nos lembrar de novo. E agora fico preocupada, porque além do bombardeio da mídia e das lembranças que vão ficar remoendo na minha cabeça a semana inteira, este 11 de setembro vai coincidir exatamente com o último eclipse do ano de 2007. No início da manhã de terça-feira, a partir das 8h45, se não chover, poderemos acompanhar passo a passo um eclipse parcial do sol. Se quiserem saber mais detalhes sobre esse fenômeno, entrem aqui, e rolem a tela até o final. Eu preferiria saber outra coisa, mas diferente de nossos antepassados, já não temos mais o dom de compreender a voz da natureza. Não sabemos mais decodificar os sinais que ela emite. O que poderia significar essa coincidência de datas? Um sinal de alerta ou de solidariedade? Uma ameaça ou um socorro? Ou será apenas isso mesmo que é, uma coincidência de datas?

Pra vocês, uma semana a média luz! Na vitrola velha, um long-play tocando um fado qualquer. Um vinho, um cigarrinho (só um!) e o mundo. Bem, o mundo, pensando bem, é melhor deixá-lo lá fora.

Até de repente.

quinta-feira, setembro 06, 2007

Olhos nos olhos

Foto: adivinhem?

Cuidado, a cidade nos observa. Está de olhos abertos, arregalados, acompanhando de perto nossa estranha movimentação. Enquanto nos arrastamos lentamente, dentro de nossos possantes mastodontes, ou corremos desavisados pelos labirintos congestionados de suas entranhas, ela nos espreita pacientemente. Mas como um balão de gás, que vai inflando, inflando, inflando até muito além do seu limite e acaba estourando, a tolerância cordial da nossa cidade pode também se esgotar. De uma hora para outra, a fina teia que nos mantém mais ou menos unidos, poderá se romper, nos lançando no vácuo da inexistência social ou nos prensando dentro de pequenos bolsões de sobrevivência precária e marginal. Como se já não estivéssemos.

Cruzo a cidade todos os dias, nos mesmos e nos mais diferentes horários. Atravesso-a por caminhos variados e também pelos rotineiros, que me levam sempre aos mesmos lugares. E vejo de tudo um pouco. Mas das suas misérias cotidianas, muitos já se ocupam. Sobra para mim falar do luxo rabugento da nossa imbecilizada classe motorizada, eu inclusive. O traçado de Belo Horizonte foi idealizado para o trânsito de carroças. São ruas estreitas, o suficiente apenas para alguém seguir e outro voltar. Agora demos de fazer caber dentro delas quatro fileiras de carros, se movimentando numa mesma direção, e, ainda assim, não tem sido suficiente para fazer o trânsito fluir. Pelo contrário.

Fecham ruas, mudam a mão de direção, desviam os carros para um lado, para o outro, mas no final acabamos todos engarrafados na próxima esquina. É assim que tem sido. Trajetos que percorria facilmente em vinte minutos, hoje não consigo, nem com muita reza, fechá-lo em menos de cansativos 40 minutos. Me arrasto desesperadamente pelas ruas da cidade, de olho no relógio do painel do carro, piscando a cada segundo. Eu e todo mundo. Lado a lado, mas isolados dentro de nossas trincheiras. Lado a lado, como numa procissão, mas sem nenhuma fé a nos unir.

E não há nem esperança de melhora. Pelo contrário. Enquanto aguardava uma oportunidade para seguir em frente, ouvi no CBN Brasil que a indústria automobilística brasileira está vendendo carros feito bananas. Teve um crescimento recorde no último mês de agosto, de mais de 30% em relação a igual período do ano anterior. Isso significou mais quase 400 mil veículos rodando por aí. As cidades, coitadas, tentam se adaptar. Inventam soluções: rodízio, áreas interditadas ao trânsito de veículos particulares, viadutos, mão invertida e outras panacéias. Tudo em vão.

As cidades se tornaram depósitos de lixo para problemas gerados globalmente, como diz Zygmunt Bauman, no seu livro Amor Líquido - Sobre a fragilidade dos laços humanos. Tanto aqui como no resto do mundo, as cidades deixaram de ser espaços comunitários, de convivência social, para se tornarem meros abrigos, mais ou menos seguros, para um bando de estranhos, que sobrevivem na incomunicabilidade de suas torres, protegidos por câmaras ocultas, alarmes sonoros, muros e cercas elétricas. Fortalezas indevassáveis, monumentos mudos espalhados pelas cidades.

Tanto aqui como no resto do mundo, precisamos cada vez mais dos nossos veículos particulares para transitarmos de uma torre a outra, de uma forma mais ou menos segura. Nossos carros são túneis envidraçados que se movem cortando a cidade de ponta a ponta. Dentro deles estamos protegidos dos milhões de outros estranhos que se vêem obrigados a fazer o mesmo trajeto, seja em carros-túneis como os nossos, seja dependurados em portas de ônibus, amontoados num vagão de um metrô ou de um trem qualquer. Quem primeiro vai abrir mão do seu possante, para dar bom dia ao estranho que viaja ao seu lado? E o balão vai inflando, inflando, inflando...

Bauman cita Manuel Castells para lembrar o paradoxo em que nos metemos: para resolvermos nossos problemas cotidianos, buscamos políticas cada vez mais locais num mundo estruturado por processos cada vez mais globais. Mas a política local - e em particular a política urbana - tornou-se desesperadamente sobrecarregada, como diz Bauman, e impotente para resolver nossos problemas, já que estes têm raízes fincadas na ordem global. Indefesas diante do furacão global, as pessoas se agarram a si mesmas, como diz Castells, e ao fazerem isso, aprofundam ainda mais a gravidade dos problemas urbanos. E o balão vai inflando, inflando, inflando...

Por isso, atenção, a cidade está de olho na nossa estranha movimentação. Quem vai primeiro abrir mão do seu possante para se sentar ao lado deste ilustre anônimo passageiro?

Uma finalzinho de semana antecipado no mais doce conforto de nossas fortalezas e longe dos arrastados e enfadonhos engarrafamentos.

Inté.