Perdi alguma coisa no meio do caminho. Mas ando distraída mesmo e muito mais ocupada do que deveria ou gostaria com as tarefas rotineiras. Por isso perdi o lançamento do informe anual do Índice de Desenvolvimento Democrático da América Latina, edição de 2007, no início do mês passado. Nessa, passei por debaixo da mesa. Mas ainda está em tempo, pois se pouca coisa mudou em um ano, o que dirá em poucos dias. O IDD-Lat é calculado desde 2002 pela Polilat.com, um portal sobre política na América Latina, e pela Fundação Konrad Adenauer. Os pesquisadores avaliam a evolução do comportamento da sociedade, dos dirigentes e das instituições democráticas em 18 países do continente.
Lula vai se espantar, se também ainda não viu. Este ano, o índice geral da região não teve um desempenho que poderíamos chamar de exemplar. Cresceu, mas muito timidamente. Apontou uma variação de apenas 1%, sustentada principalmente pela melhora do indicador de gênero, que passou de 16,9% para 20,2% de participação das mulheres nos níveis de decisão política. Talvez esta seja a única novidade da temporada.
O número de países com alto desenvolvimento democrático permaneceu o mesmo dos últimos cinco anos. É o nosso G3: Chile, Costa Rica, coração civil e Uruguai. Além deles, só outros três superam a média regional do IDD-Lat: Panamá, Argentina e México. E olha que a média da região não chega a ser um grande desafio: está em meros 5%. Por isso, mesmo superando esse percentual, Panamá, Argentina e México são considerados países com desenvolvimento democrático médio, como nós, Honduras e Colômbia.
Os demais países, que representam metade do universo pesquisado, estão todos no grupo de baixo desenvolvimento democrático: Peru, El Salvador, Paraguai, Guatemala, Bolívia, Equador, República Dominicana, Venezuela e Nicarágua. Tudo mais ou menos igual a sempre. O trem da história anda devagar mesmo. Não foi isso, portanto, que preocupou os pesquisadores das duas organizações. Não foi o pífio desempenho da região, mas o avanço irrisório, nos últimos anos, do Índice de Qualidade Institucional e Eficiência Política medido nos 18 países e uma das principais dimensões do IDD-Lat.
O que isso significa? Significa que o modelo presidencialista adotado pelos países da região está super dimensionado. Existe uma concentração de atribuições e poder muito grande em torno da figura presidencial e, por conseqüência, um enfraquecimento descabido das demais instituições democráticas, como o Parlamento, especialmente. Essa é uma tendência que vem se agravando ao longo dos últimos anos, com o apoio das elites dirigentes e da sociedade. Lula e Chávez agradecem, mas não só eles, todos os demais presidentes dos 18 países pesquisados.
Todos eles, além de chefes de Estado, são chefes de governo: promulgam leis, dirigem a política interna e externa de seus países, nomeiam seus ministros e assessores sem interferência de outros poderes do Estado, entre outras tarefas rotineiras não listadas pelos pesquisadores, que são muito educados e preferiram não mexer no caldeirão. Mas o fato é que quanto mais avançam nessas atribuições, menor fica o espaço para a atuação do Parlamento e da Justiça, criando um vazio institucional extremamente perigoso para a democracia.
O ranking dos países com maiores atribuições presidenciais é encabeçado pela Venezuela, claro, e mais Argentina, Brasil e Colômbia, mas é uma tendência, como aponta o informe anual do IDD-Lat, que tem se aprofundado em toda a região. Não é de se estranhar, portanto, que um número cada vez maior de países da região está discutindo ou já sancionando normas que tratam de prolongar mandatos ou facilitar o instituto da reeleição. Essa tendência está transformando as democracias da América Latina em monarquias sem rei. Roberto Romano já havia chamado atenção para esse fenômeno. Um dia retomo essa palestra que ele fez em Belo Horizonte.
Mas os pesquisadores do IDD-Lat preferem nomear essa tendência de ultrapresidencialismo e eles advertem que esse sistema alimenta um tipo de democracia débil e de menor legitimidade, posto que nele não são respeitadas as atribuições constitucionais de cada uma das instâncias que compõem o corpo institucional de um Estado e nem se esforça para estimular a participação política popular. Os pesquisadores advertem que é imprescindível recuperar a livre confrontação das idéias que surge no âmbito da liberdade, cujo espaço natural numa democracia é o Parlamento. Foram eles que disseram. Vale a pena ler a íntegra deste informe do IDD-Lat. E, aproveitando o embalo, passar os olhos também no Latinobarómetro, divulgado ontem no Chile. O estudo abrange também 18 países da região e traz um retrato da percepção de democracia, Estado, economia e instituições das populações latinoamericanas.
Uma das conclusões do Latinobarómetro deste ano é a de que está havendo na região um ligeiro encolhimento do apoio à democracia e um crescimento na confiança no Estado para a resolução de todos os problemas da sociedade. Como vêem, os dois estudos se completam. Boa leitura. Deliciem-se!
Um final de semana em plena liberdade, sem a companhia de reis e príncipes para nos atormentar.
Inté
Um comentário:
Oi Patricia,
Creio que foi o seu melhor post dos ultimos tempos! Excelente reflexão.
Estamos num limbo: o Estado não atendeu nossas expectativas e tão pouco o mercado o fez.
Beijos!
Postar um comentário