sábado, novembro 03, 2007

Mexidão

Uma coisa é certa: o calor nos torna um pouco mais estúpidos do que já somos normalmente. É quase impossível pensar em altas temperaturas. Parece que as palavras se derretem nas extremidades e não se encaixam mais umas nas outras. As idéias não vingam. Perdem fôlego e se escoram no primeiro obstáculo que encontram. Não há tragédia nesse mundo nem um fato excepcional que as anime a respirar fundo e a prosseguir na caminhada.

Parece até preguiça, mas não é. É o calor, que entranha pela nossa pele e vai se espalhando pelo corpo até alcançar os poucos pensamentos que ainda nos restam. Eles até tentam escapar, mas vão ficando pesados e mal se arrastam do lugar aonde estão. Não fluem, não tecem mais uma história e vão se dissolvendo no quente do nosso corpo até que não sobra mais nada. No calor, ficamos vazios de idéias e só pensamos em sombra e água fresca. Obcecadamente.

Ficamos abúlicos, indiferentes ao mundo. E a culpa é do bush, aquele que poderia mas não quis assinar o Tratado de Kioto. Até sei que não é bem assim, mas estou atolada no meio da onda de calor que baixou na cidade e é inútil querer pensar qualquer outra razão só um pouco mais complicada. Essa é a melhor que me ocorre e tem a vantagem que já vem pronta e temperada. Não carece de mais indignação. Qualquer outra, exigiria de nós um esforço mental impossível de dispendermos, desde que os termômetros travaram nos 30° C e nos deixaram assim, num estado de absoluta apatia e prostração, difíceis de serem vencidos.

Agora bateu um vento na janela. Talvez chova ou não. Mas bateu um vento lá fora e balançou as folhas da árvore. Soprou de novo e espalhou pelo chão as folhas de papel que estavam sobre a mesa. Bateu mais forte e esparramou as idéias que vinha juntando para escrever alguma coisa por aqui. Não sobrou nada. Mas refrescou. Se estivesse mais animada, escreveria no atacado. Falaria da Copa de 2014. Desejamos tanto e agora já não nos importamos mais. A Copa não vai resolver nossos problemas, alerta a imprensa. E deveria? Não seria só uma festa mesmo?

Falaria ainda dos 41 bilhões de dólares que o FED, o banco central americano, precisou injetar no mercado financeiro só para acalmar os investidores que continuam estressados com a crise imobiliária americana. 41 bilhões de dólares só para a roda da fortuna continuar girando. E nós precisando de minguados 2 bilhões de dólares para receber a Copa de 2014. Não virão? Aposto que sim, mesmo que nossos jogadores já não sejam mais nossos, mesmo que a nossa seleção já não seja mais brasileira e tenha virado internacional, mas aposto que virão.

Falaria até da crise do gás, se tivesse acompanhado as discussões. Mesmo não tendo, ainda assim me arriscaria, porque não é de hoje que ela está anunciada, só fingiámos que não estava. E da mesma forma o aumento da energia elétrica. Desde a invasão do Iraque sabíamos que o mundo teria de passar por uma mudança da sua matriz energética, incorporando e ampliando a participação de fontes alternativas e investindo em novas tecnologias. Muito mais do que isso, teríamos de rever o nosso próprio padrão de consumo de energia, reduzindo-o a patamares compatíveis com a sobrevivência do planeta. E aí é que está. Mas essa discussão é muito complicada e é impossível pensá-la no calor do veranico.

Até de Chávez falaria. Seu projeto de reforma constitucional foi aprovado com apenas sete votos contrários, todos da sua própria base, já que a oposição venezuelana boicotou a eleição legislativa de 2005 e está sem voz no parlamento. Conseguiu emplacar a possibilidade de reeleição indefinida para presidente e endurecer a regulamentação do estado de exceção. Mas as mudanças dependem ainda do resultado de um plebiscito. É ingenuidade acreditar que Chávez não será mais uma vez vitorioso, mas se o projeto de nação que ele está propondo ao povo venezuelano é indesejado, o plebiscito é o instrumento certo para derrotá-lo. Eles que se entendam.

E no atacado falaria ainda de Cristina Kirchner, que assumirá a presidência da Argentina tão logo termine o mandato de seu marido. Não acho que as mulheres tenham um jeito de governar melhor do que o dos homens. Somos diferentes sim, mas não melhores. Thatcher é a prova disso, entre outras. Mas, ainda assim, torço para que Cristina e Michelle Bachelet aproveitem a chance que estão tendo para fazer diferente, para governar com mais compaixão e espírito menos belicoso, mais preocupadas em cuidar do que conquistar o mundo. Eu torço.

Só que o vento já passou e espalhou a chuva que não veio. O calor não cedeu nem um tiquinho de um grau e pensar, nessas condições, é até perigoso. Melhor deixar pra depois.

Um domingo chuvoso para todos nós, nem que seja só para refrescar.

Buenas.

3 comentários:

Anônimo disse...

Patrícia!!!

Que delícia de reflexão! Até que tu consegue pensar bem no calor! hehehehe! Eu não consigo, meus únicos pensamentos são suicídas!hehehehehe
Abraços

Anônimo disse...

Adorei este post!

Gostei muito quando afirma que o povo da Venezuela é quem deve se mobilizar e decidir. Está com muita razão. Ficamos discutindo, como se eles não pudessem tomar suas próprias decisões.

Anônimo disse...

Ops! E esqueci de falar da Bachelet no comentário anterior.

Sou testemunho recente de seu governo e, aos meus olhos, ela tem feito um grande governo. Democrática e tolerante com críticos que não dão paz um único dia nos jornais.

Beijos!