segunda-feira, novembro 12, 2007

Rumo ao nada

Do lixo da cidade

Choveu. Se chover um pouco mais é até possível que voltemos a agir como pessoas normais. Vamos ver. Mas enquanto isso é apenas uma possibilidade, tento escapar do mormaço sufocante das ruas, me escondendo nos ambientes refrigerados da cidade. Numa livraria, por exemplo. Passei o final da tarde de sábado dentro de uma delas. Poderia ter me deixado vagar distraidamente entre as prateleiras, lendo uma ou outra orelha de livro ou folheando suas páginas para adivinhar as histórias conhecendo apenas a primeira e última frase de cada uma delas. É um bom exercício para treinar a imaginação ou a nossa capacidade de dedução.

Mas não. Tinha um objetivo: estava atrás do último livro do trágico e profético James Lovelock . Precisava desesperadamente ler A Vingança de Gaia , neste último final de semana, para tentar recobrar a minha capacidade de simplesmente pensar. Mas é como digo, as pessoas andam desvairadas, agindo sem plena consciência. O livreiro me olhou profundamente, coçou a cabeça e um pouco impaciente, disse-me que sim, tinha visto esse livro em algum lugar. Mas em vez de procurá-lo, foi direto ao terminal do computador, teclou algumas letras e retornou lamentando: acabou.

Há muito tempo não passava por uma situação dessas. Primeiro, porque não tenho tido mesmo muito tempo para ficar lendo todos os livros que estão sendo lançados no Brasil. Uma barbaridade, a cada semana. Depois, porque ando também sem paciência para ler os livros que todo mundo já está lendo. Prefiro ouvir as versões que me contam. Desconfio que são até mais divertidas que o próprio livro. Mas isso nunca vou saber com certeza. A não ser que, mais tarde, me disponha a ler esses livros que me citam.

O fato é que, com isso, não tenho me dado ao trabalho de sair procurando títulos nas estantes empoeiradas das livrarias. Não procurando-os, não preciso encontrá-los nem corro o risco de também não achá-los. Não é que parei de comprar livros. Quando vem aquela vontade incontrolável de ler um livro novo, de folhear suas páginas, de sentir aquele cheirinho bom de papel e de tinta quase fresca, entro numa livraria e faço uma primeira seleção só pela capa. Depois leio as frases: a primeira e a última. E, finalmente, passo os olhos na orelha. Se me parece bom, compro. É assim mesmo que ando fazendo. Mas naquele sábado eu tinha um objetivo e nunca pensei que fosse assim tão difícil de ser alcançado.

Ia até insistir com o livreiro, mas ele estava tão desolado, tão absolutamente entregue à sua apatia, que resolvi não incomodá-lo. O calor tira do sério qualquer pessoa. Até um livreiro apaixonado. Assim, voltei pra casa também desanimada e sem cumprir minha missão. Procurei me contentar com o artigo do Maurício Andrés - A Arte de sair de cena - publicado no Estado de Minas do mesmo sábado, no qual comenta exatamente o livro de Lovelock. Não conheço Maurício Andrés, embora o reconheça na rua. Mas admiro-o pela sua persistência, mais do que pela sua coerência. Lápelosidos dos anos 80, quando a moda era militar nas esquerdas, agitar as massas, cuspindo palavras de ordem insanas, ele já se preocupava com a sobrevivência do nosso planeta. Cobrava-nos um jeito novo de nos relacionarmos com o mundo, com a natureza, com as pessoas. Defendia ardorosamente a plena desurbanização. Isso é o que eu me lembro. E ainda que o achávamos muito estranho.

Mas A Vingança de Gaia está aí para não deixá-lo falar em vão e sozinho. Lovelock já não acredita mais que o aquecimento global seja um fenômeno reversível, mas para reduzir seu impacto, propõe substituirmos o desenvolvimento pela retirada sustentável, por uma mudança de direção. Sugere medidas semelhantes àquelas que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), está propondo essa semana, em Bancoc, Tailândia. Mas vai mais além. Não chega a radicalizar, como aqueles que defendem uma saída de cena voluntária, com a auto-extinção da espécie humana, por meio de uma política de “filho zero”, mas avança mais que o relatório do IPCC.

Lovelock nos desafia a acabar com as guerras como forma de resolução de conflitos, para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Concordo. Acho muito estranho mesmo não termos ainda um estudo sério sobre o impacto de ações belicosas sobre o meio ambiente. Um estudo sobre o Iraque, por exemplo. O IPCC deveria fazer isso. Mas Lovelock quer mais, quer a neutralização do carbono de atividades específicas, como festas, eventos, encontros. Outra vez, estou plenamente de acordo. Megaeventos, então, é uma fonte terrível e altamente poluidora. Sou favorável a considerarmos mais de vinte pessoas juntas multidão.

Mas Lovelock radicaliza mesmo é quando propõe uma redução drástica do turismo consumista: diminuição dos vôos internacionais, do transporte terrestre, serviços e comércio. Chega desse delírio ambulante da globalização! Agora é cada macaco no seu galho e ponto final. E conclui propondo o banimento puro e simples de todas as atividades não-essenciais, supérfluas ou desnecessárias que produzam impactos climáticos e ambientais. Aí é que eu quero ver! Na nossa cultura, viramos especialistas na produção do dispensável. Quanto menos necessário e mais descartável, mais desejamos. Mas é isso ou acabaremos diante do nada.

Obrigada Maurício Andrés, e vou continuar procurando A Vingança de Gaia.

Uma semana na mais doce simplicidade voluntária.

Até quando der.
(Foto: minha. Do alto da Raja)

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi Patricia,

Lendo o seu post, eu fiquei imaginando um exercício: um executivo, solicita aos seus subordinados que por dois dias não façam o que ele pediu, apenas pensem sobre o que ele pediu e que sugiram novas idéias. Será que saíria algo que ele não tivesse pensado antes?

Beijos!

Ricardo Ballarine disse...

Mesmo com o monte de lixo, a foto me fez lembrar dos 8 anos em que morei em BH. As montanhas ao fundo, claro, me trouxeram essas boas lembranças.