segunda-feira, dezembro 03, 2007

Viva a diferença!

Meninas, finalmente o padrão barbie de beleza está sendo desbancado. A lourinha de olhos azuis terá de rebolar para não cair no ostracismo. Tudo bem que o ideal de magreza, das medidas milimetricamente proporcionais e do rosto equilibradamente simétrico ainda resistem como referência de beleza no mundo, mas a matriz que deu origem a esses padrões multiplicou-se, diversificou-se. Alguma coisa está mudando.

Depois da vitória da japonesa Riyo Mori na 56ª edição do concurso de Miss Universo, em maio de 2007, a chinesinha Zhang Zilin foi eleita no sábado, dia 1º de dezembro, a Miss Mundo 2007. A representante de Angola, Micaela Reis, ficou em segundo lugar e a do México, Carolina Móran, em terceiro. Se vocês estão pensando que isso é bobagem, futilidade, olhem só: o concurso foi acompanhado por quase 2 bilhões de pessoas em nada mais e nada menos do que 200 países. É pouca coisa?

Está certo, sempre desconfiamos do resultado de concursos dessa natureza. Mesmo sem ter certeza e sem saber exatamente como, sempre achamos que teve alguma maracutaia. Mas o fato é que, com ou sem maracutaia, nos últimos concursos, a mulher oriental detonou os padrões ocidentais de beleza. Não é à toa que essa moda da chapinha pegou e, parece, deve ter vindo para ficar. Toda mulher quer ter os cabelos lisinhos, lambidos até a ponta, como o das japonesas e chinesas. Eu acho até bonito, mas considero, sinceramente, uma besteira querer copiá-las. Acho que a vitória de Riyo Mori e Zhang Zilin deveria nos ensinar outra lição.

Em vez de ficarmos nessa sofreguidão, tentando a todo custo nos encaixar dentro do novo modelo, nos submetendo mais uma vez a apenas um e único padrão de beleza, deveríamos aceitar de uma vez por todas que somos diferentes. Minha avó já dizia isso. Gostava de todas as netas e achava todas elas lindas: são belezas diferentes, concluía. Fico pensando que o sucesso de Riyo e Zhang também diz isso. É um sinal de que finalmente a globalização está tomando um rumo novo, estamos mais tolerantes com as diferenças e reconhecendo a riqueza da nossa diversidade. Pelo menos no que diz respeito aos padrões de beleza. Já é alguma coisa, não é não? Ou vão dizer que isso não é bacana?

A globalização fugiu do controle do mercado. Não é uma boa nova? Até agorinha mesmo, nesse processo, prevalecia apenas a sua lógica. Olhem se não era? O mercado tentava nos impor a idéia de que a globalização nos tornava todos iguais: consumidores! Quanto mais fôssemos iguais, mais viáveis tornávamos os sistemas de produção e comercialização de mercadorias no shopping center planetário. Assim, o mercado ganhava economia de escala na produção e ampliava seu varejão até qualquer biboca no fim do mundo. Enganaram-nos por um algum tempo, mas mentira tem perna curta. E se essa lógica funciona mais ou menos para o mercado, é só até aí mesmo.

Na política, ela é um desastre. É só olharmos para o Iraque. Quem ainda acredita que um dia teremos ali uma democracia igual às democracias mambembes do ocidente? E nem precisamos ir muito longe. A Venezuela, aqui do lado. Por que ela nos incomoda tanto? É por que Chávez está rompendo com a lógica do mercado, rompendo com a globalização pasteurizada que este nos impôs e tentando escrever uma história diferente? Nem sei se isso é uma boa ou se é uma canoa furada, não é essa a questão, mas o fato é que ele está mesmo tentando fazer diferente e isso ainda incomoda, apesar de já aceitarmos belezas diferentes.

Então, dá-lhe burduna. Não sou favorável à reeleição. Acredito, na minha ingenuidade, que todos os candidatos devem participar da disputa com iguais recursos e a reeleição sempre beneficia um em relação aos demais. Então, não concordo. Mas acho que eles lá, que são venezuelanos, que se entendam. Incomoda-me muito mais, isso sim, a pauta dos jornais brasileiros, que reduziram a reforma constitucional da Venezuela a uma reforma eleitoral. Não vi nenhum jornal discutir, por exemplo, a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais. Posso ter comido mosca, mas não vi.

Também não vi ninguém discutir quais os fundamentos da economia socialista, que Chávez propõe nessa reforma constitucional como meta de Estado. Qual a repercussão de uma mudança desse porte sobre o funcionamento da economia venezuelana como ela está hoje? Não vi ninguém discutir isso e nem sobre a proposta de uma nova organização do Estado, baseada no poder popular, por meio das comunas e dos conselhos comunitários entre outras instâncias. O que isso significará? Como essa nova organização se relacionará com o sistema de poder anteriores? O Parlamento sobreviverá? Os partidos? O Poder Judiciário será afetado?

As edições da Folha de São Paulo deste final de semana abordaram alguns desses temas, mas como tivemos um amplo debate sobre a proposta da reeleição sem limite, seria interessante aprofundarmos também sobre esses outros pontos. Ou não? Por exemplo, a reforma constitucional propõe a criação de novas formas de propriedade. Serão cinco: pública, social, coletiva, mista e privada. Qual o impacto dessa mudança? Que repercussão ela terá nas relações econômicas? E a reforma agrária, que está proposta com a desapropriação dos latifúndios? E a reforma militar? Ela traz ameaça para os países vizinhos?

Enfim, Chávez tem um jeito diferente de fazer as coisas. Às vezes faz melhor, outras vezes nem tanto; às vezes faz a coisa certa, às vezes não sei dizer; às vezes inova, outras vezes só repete o que já foi feito e não deu tão certo assim, mas vai fazendo. E fico pensando se, antes de nos arrepiarmos diante do diferente, se não seria mais razoável conhecermos melhor que história diferente é essa. Quem sabe velhos padrões estão sendo derrubados e novas possibilidades estão se abrindo para todos nós? Quem sabe, como Riyo Mori e Zhang Zilin estão nos ensinando, existem maneiras diferentes de ser, nem melhores, nem piores, só diferentes, mas que podem ampliar nossos horizontes? Quem sabe?

Uma semana diferente para todos, aberta à diversidade do mundo.

Inté.

PS: Quando publiquei esse post, o resultado do referendo na Venezuela ainda não tinha sido divulgado. A sociedade venezuelana demonstrou que é a protagonista da sua história e fez as escolhas que considerou mais conveniente. Foi melhor assim. Foi bacana, não foi?

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